Kingdom Hearts: Motherland escrita por Kyra_Spring


Capítulo 12
O último crepúsculo




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            Twilight Town estava um verdadeiro pandemônio.

            A cidade estava completamente tomada. Heartless e Nobodies vagavam pelas ruas aos montes, atacando quem estivesse no caminho. Havia construções em chamas, e ruínas por todos os lados. Era como um campo de guerra, uma visão que, sob a luz do pôr-do-sol, ficava ainda mais terrível.

            A quantidade absurda de energia negra enlouqueceu os sistemas de navegação das naves de Radiant Garden, assim como suas comunicações. A Fantasia oscilava violentamente, e Leene lutava para manter a nave no curso, sem sucesso.

–Droga! – ela praguejava – Tem interferência demais, assim vamos acabar batendo! Sora, pegue os controles auxiliares. Kairi, veja se consegue contatar o Cid ou alguma das outras naves. E Riku, você cuida dos canhões. Se algo se mexer, atire!

            A situação não estava melhor nas outras naves. Fantasia, Highwind, Fenrir, Ragnarok e Celsius partiram juntas de Radiant Garden, mas naquele momento estavam distantes umas das outras e totalmente incomunicáveis. Em pontos diferentes dos arredores de Twilight Town, as cinco tinham problemas graves.

–Eu nunca derrubei uma nave antes e não pretendo começar agora! – rosnou Leon, feroz, enquanto transferia todos os controles da Ragnarok para o modo manual – Segurem-se, nós vamos pousar!

            Aerith e Yuffie apertaram os cintos de segurança, um segundo antes de a nave começar a sacudir furiosamente, à medida em que Leon forçava caminho em direção ao solo. Era como tentar aproximar pólos iguais de dois ímãs, e eles sentiam que seriam jogados longe se os motores perdessem potência, mesmo que apenas por um instante.

            A Fenrir também estava usando o máximo da capacidade dos seus motores. As sacudidas da nave, porém, iam ficando mais fortes e violentas a cada metro que avançavam.

–A nave não vai aguentar por muito mais tempo – murmurou Tifa, apavorada – Vamos ser feitos em pedaços!

–Não mesmo – disse Cloud entredentes – Estamos quase lá, e vamos conseguir pousar. Precisamos conseguir pousar...

            A Celsius era quem tinha mais problemas. A nave era muito grande, e a instabilidade provocada pelas ondas de energia a fazia balançar furiosamente. Rikku e Brother tentavam fazê-la resistir, mas não conseguiam. Cid, por sua vez, zanzava por toda a nave, tentando consertar as avarias cada vez mais numerosas.

–Yuna, estou com medo – Paine e Yuna observavam, pelas clarabóias as centenas de naves Heartless que se aproximavam da cidade – E se for tarde demais?

–Não diga uma coisa dessas! – replicou Yuna – Vamos até lá dar um jeito nas coisas, como sempre fazemos. Pense nisso apenas como mais uma missão, e que vai ficar tudo bem.

            Paine assentiu afirmativamente com a cabeça e voltou seus olhos novamente para as clarabóias. Yuna, por sua vez, engoliu em seco, tentando não deixar transparecer que também estava apavorada – e que um pressentimento terrível apertava seu coração.

            A Highwind liderava a frota. Conduzida pelo próprio rei Mickey, ela abria caminho pela barreira de energia como se investisse diretamente contra um muro de concreto. Donald e Goofy manejavam os canhões, e pelo caminho obliteravam quantos Heartless podiam. Mesmo assim, a cada momento ficava mais difícil avançar.

–Conseguiu falar com alguém? – perguntou o rei, tenso, enquanto dava uma violenta guinada para se afastar de uma nave.

–Nah. Só conseguimos captar estática – respondeu Donald – Nem no radar as outras naves estão aparecendo.

            Mickey engoliu em seco. Aquela era a realização de todos os seus piores pesadelos.

            De certa forma, ele já sabia que eles não estavam preparados para uma batalha daquelas proporções. Por mais que eles fossem lutadores fortes e hábeis, e que já tivessem enfrentado lutas difíceis antes, nada os havia preparado para uma batalha às cegas contra Erinia, Maleficent e todo o seu exército de Heartless e Nobodies. Seu coração se apertava ainda mais ao pensar em cada nave – isolada, incomunicável e numa desvantagem tremenda em relação aos inimigos.

            Ele era o Rei. E sua missão era proteger aqueles que lutavam ao seu lado.

–Segurem-se – murmurou ele, por fim – Nós vamos pousar.

            E então, forçou ao máximo os controles em direção ao solo, ao mesmo tempo em que a Ragnarok caía no mirante e os tripulantes da Fantasia desembarcavam da nave semidestruída na estação de trem.

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–Inacreditável... – murmurou Leene, assim que saiu da nave e viu de perto o que estava acontecendo em Twilight Town.

            A estação de trem parecia ter sido atingida por uma chuva de meteoros. A construção, semidestruída, estava tomada por Nobodies. Não havia tempo para pensar: no instante seguinte, ela, Kairi, Riku e Sora já haviam sacado suas armas e partido para o ataque.

            Havia Nobodies demais, e a cada segundo mais e mais iam surgindo. A Kingdom Key de Sora e a Way to the Dawn de Riku abriam caminho entre eles, enquanto Kairi tentava chegar até o interior da estação, acertando com a Moonbeam tudo o que via pela frente. Leene, por sua vez, dava suporte a eles, criando chuvas de relâmpagos e rasgando-os com suas adagas. Não demorou muito, porém, para que eles percebessem que para cada Dusk que destruíam, apareciam outros três.

–Precisamos chegar até lá dentro! – rosnou Leene, entredentes, enquanto disparava uma série de feitiços elétricos – Riku, Sora, vão até lá e ajudem a Kairi! Eu me viro aqui.

–O quê? – retrucou Riku – De jeito nenhum!

–Eu não sou feita de porcelana, droga – a loura vociferou – Alcanço vocês daqui a pouco. VÃO!

            Ele a encarou por um instante, aflitíssimo, antes de dar as costas e sair, quase empurrado por Sora. Kairi tentava abrir caminho, mas era lenta e um pouco desajeitada, e foi preciso que Sora e Riku a salvassem de um grupo de Nobodies particularmente teimoso. E, aos tropeços, os três começaram a abrir caminho em direção ao interior da estação.

            Mas nada poderia prepará-los para o que veriam ali...

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            Tifa só podia chamar de milagre o pouso forçado que a Fenrir realizara em um dos prédios da praça principal.

            O ataque foi imediato. Mal a nave pousou, uma onda de Heartless veio para cima dela. Segundos depois do pouso, Tifa e Cloud já tinham que lutar para salvar suas vidas. Era uma luta injusta: por mais que os punhos de Tifa e a espada de Cloud fossem fortes, a quantidade de Heartless era absurda. Em pouco tempo, eles estavam completamente cercados. De costas um para o outro, eles mantinham-se em guarda, mas sabiam que a situação era desesperadora.

            Foi então que...

–ABAIXEM-SE! – era uma voz feminina, vinda de alguma direção que eles não conseguiram identificar. Sem parar para questionar a ajuda inesperada, os dois obedeceram, e no instante seguinte, algo passou zunindo pelas suas cabeças, destruindo alguns Heartless e atordoando outros. Isso proporcionou o segundo de distração do qual Cloud e Tifa precisavam para contra-atacar.

–Não percam tempo com eles! – a voz disse de novo – Aqui não é seguro, sigam-me!

–E quem diabos é você? – retrucou Cloud, procurando a dona da voz.

            E então, ela apareceu. Era uma mulher não muito alta, com os cabelos louros presos num coque e os olhos azuis escondidos atrás de óculos. Seu aspecto era grave, e nas mãos ela tinha um chicote.

–Meu nome é Quistis Trepe – disse ela, enquanto afastava alguns Heartless com seu chicote, habilmente – Preciso que venham comigo, há um esconderijo nos arredores da cidade para onde estamos levando todo mundo.

–Nós viemos lutar, srta. Trepe – respondeu Tifa – Sabemos o que está havendo aqui e viemos ajudar.

–Ajudar? – Quistis piscou, confusa – Então vocês não são daqui.

            Os dois acenaram negativamente com a cabeça. A mulher, então, deu um meio-sorriso e disse:

–Entendo. Mesmo assim, venham comigo. Há algo que vocês precisam ver.

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            O lugar mais caótico de todos era, sem dúvida, a estação do bonde.

            Pessoas corriam por todas as direções, em pânico. Havia Heartless por todos os lados, assim como Nobodies. Havia sangue pelo chão, e alguns focos de incêndio começavam a surgir. Foi em meio a esse cenário de guerra que a Highwind pousou.

–Gawrsh, isso é um pesadelo! – disse Goofy, assim que desembarcou.

–Como ela pôde fazer isso? – sibilou o rei, sem se decidir entre o choque e o ódio – Como ela... DONALD, CUIDADO!

            O mago se virou bem a tempo de ver um feitiço de gelo ser arremessado em sua direção, e desviar dele. A batalha os absorveu em instantes: enquanto Goofy e Mickey lutavam, Donald se esquivava entre os monstros e ia até os feridos para curá-los e ajudá-los a fugir. Era uma batalha árdua e difícil. E aparentemente perdida.

–Rapazes, vão procurar os outros – disse o rei – A cidade inteira está assim, precisamos reunir o grupo se quisermos ter uma chance.

–Mas e o senhor? – perguntou Goofy.

–Eu vou ficar bem – respondeu Mickey – Acho que posso dar conta de meia dúzia de Heartless teimosos sozinho.

–Acontece que não estamos falando de meia dúzia de Heartless teimosos, senhor! – retrucou Donald – É perigoso demais, não podemos nos separar!

–Confie em mim, Donald – então, o rei lançou ao mago um olhar intenso e sério – Vai ficar tudo bem. Agora, vão!

            Donald e Goofy se encararam por um instante, preocupados, antes de darem as costas e correrem na direção para a qual os feridos corriam. Mickey os acompanhou com o olhar até que sumissem de vista, e depois concentrou-se unicamente na luta. Ele esperava conseguir fazer os amigos irem para algum lugar seguro e, com um pouco de sorte, alcançá-los depois. Mas, agora, via que se conseguisse concretizar apenas a primeira parte do seu plano, teria que se dar por satisfeito.

            Então, uma voz lhe chamou a atenção...

–AFASTE! – parecia a voz de uma garota de no máximo dezesseis anos, vinda do topo de algum prédio. No segundo seguinte, a dona da voz apareceu: era uma garota de cabelos curtos e muito claros, acompanhada por um rapaz moreno e forte e outro usando um gorro. Ela usava uma espécie de chakra gigante, o rapaz de gorro usava uma espada enferrujada e o moreno, um bastão.

–Quem são vocês?! – perguntou o rei, pasmo – O que estão fazendo aqui?

–O mesmo que você, sacou? – retrucou o rapaz com o bastão, enquanto atirava um Shadow para longe – Vamos botar esses caras para correr.

–Não podem ficar aqui! – retrucou Mickey, entredentes – É perigoso demais!

–E quem é você pra nos dizer o que fazer ou não? – rosnou o rapaz com o gorro – Essa é a nossa casa, e é o Comitê Disciplinar de Twilight Town que tem que defendê-la!

            O rei engoliu em seco, irritado. Aquela, sim, era boa. Agora, além de ter que enfrentar todos aqueles monstros, ainda tinha que se preocupar com a segurança daqueles garotos inconseqüentes. Por outro lado, eles estavam certos. Aquele era o lar deles, era natural que quisessem lutar para defendê-lo.

            Foi surpreendente perceber que, com a ajuda dos três, aos poucos, ele ia recuperando o controle da batalha e – seria possível? – virando o jogo. E, por fim, todos os Heartless haviam sido destruídos.

–Estão todos bem? – perguntou Mickey, ofegante.

–Nah, precisa de mais do que essas formiguinhas superdesenvolvidas pra derrubar a gente, sacou? – disse o rapaz com o bastão – E quem é você, afinal?

–Eu? – o rei hesitou por um instante, e depois sorriu – Só um amigo. Meu nome é Mickey.

–Eu sou Seifer – respondeu o rapaz de gorro.

–Meu nome é Raijin – disse o rapaz com o bastão.

–Fuujin – respondeu a garota, secamente. No segundo seguinte, porém, ela arregalou os olhos e berrou – CUIDADO!

            Foi o tempo exato do rei se virar e dela arremessar o chakra na direção de um Wyvern que ia na direção deles. O golpe o atordoou por alguns instantes, tempo suficiente para que os outros o atacassem e o destruíssem.

–Perigoso – murmurou Fuujin, ofegante – Muito...

–Aqui não é seguro – concordou Seifer – Sei de um lugar para onde podemos ir, mas precisamos ir rápido antes que mais daquelas coisas apareça. Siga-me, sr. Mickey. Acho que... sei de alguém que pode nos ajudar.

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            O mirante de Twilight Town estava assustadoramente calmo e deserto.

            Yuffie, Aerith e Leon se arrastaram para fora da Ragnarok, confusos e assustados, mas vivos e aparentemente incólumes. A nave pousou – se é que se pode dizer isso, já que a palavra “pouso” parecia forçada demais para definir o choque violento da nave contra o solo – na parte mais alta do mirante. Não havia uma viva alma ali, nenhuma pessoa, nenhum Heartless, nada. Era muito estranho.

–Isso não faz o menor sentido – murmurou Leon, que mantinha a Gunblade pronta para atacar – Tem alguma coisa errada aqui, eu posso sentir.

–Onde eles estão se escondendo, hein? – retrucou Yuffie, impaciente – Isso está me cheirando a armadilha, isso sim.

            Aerith não respondeu. Seus olhos estavam fixos em outro ponto.

–Olhem – ela disse, apontando – Aquilo não deveria estar ali, deveria?

            Leon e Yuffie se viraram, e viram uma imensa porta de bronze enegrecido, coberto de pequenos entalhes. Eles se encararam, aterrados, lembrando-se das portas descritas por Sora e Riku. Eles sabiam que aquele era o epicentro de toda aquela bagunça, e sabiam que era questão de tempo até que outra onda de monstros saísse por ela e atacasse quem estivesse pelo caminho.

            A única coisa que eles não sabiam era como poderiam impedir aquilo.

–Não podemos ficar aqui – sussurrou Leon – Eles vão ficar aparecendo até acabarem conosco. Precisamos sair enquanto ainda podemos e procurar os outros!

–Precisamos tentar selar essa porta – respondeu Aerith – Se impedirmos que mais deles apareçam por aqui, teremos mais chances de salvar a cidade! Acho que vou tentar... – e começou a caminhar na direção da porta, lentamente, mantendo o bastão pronto para atacar.

–Aerith! Não! – vociferou Leon – Volte pra cá, droga, é perigoso!

–Aerith, sua teimosa! – acrescentou Yuffie – Dá pra ouvir os outros pelo menos uma vez na sua vida?

            Mas ela não deu atenção a eles. Chegou perto da porta e, por um instante, deslizou os dedos pelos entalhes. Depois, murmurou algumas palavras e continuou deslizando os dedos pela porta. Agora, por onde eles passavam, ficava uma marca azulada e brilhante, como tinta. Rapidamente, ela começou a desenhar formas intricadas e complexas, até formar um desenho.

–Isso não funcionava direito nem em Traverse Town – retrucou Leon – Não estamos lidando com Heartless normais, lembra?

–Um cadeado sempre é mais eficiente quando colocado diretamente na porta do que quando colocado nas pontas de uma corrente de cinco metros – respondeu Aerith, sem desviar a atenção do círculo – O princípio aqui é o mesmo, o selo vai ser mais eficiente se for colocado diretamente na passagem deles.

            Então, a florista colocou as mãos espalmadas sobre o círculo, ainda murmurando encantamentos. O brilho foi aumentando e aumentando, até se transformar num clarão intenso e explosivo e, por fim, desaparecer completamente. Estava feito, o selo estava pronto.

–Tomara que isso dure até descobrirmos uma forma de selar essa porta definitivamente – disse Yuffie, preocupada – Vamos atrás dos outros, acho que...

            Mas ela não terminou a frase. Um enxame de naves gummi apareceu no céu, disparando os canhões contra a cidade. Eles não tiveram tempo para nada além de correr na direção do primeiro abrigo que encontrassem, enquanto os canhões e lasers impiedosamente devastavam os prédios e construções de Twilight Town.

            Escondido sob um parapeito semi-desmoronado, Leon tentava controlar o ritmo da respiração, enquanto sentia o coração esmurrar o peito com força. Eles estavam sendo atacados por todas as frentes, e estavam completamente indefesos. Sem poder contar com nenhuma ajuda de fora, com as naves avariadas e incapazes de decolar, e com a sensação cada vez mais forte de que aquilo era só o começo. E, o pior de tudo, ele não conseguia enxergar as garotas. Apesar de acreditar que elas estavam bem, ele só acreditaria realmente nisso quando as visse com os próprios olhos.

            E, de repente, os tiros pararam. E, por um momento, só restava o silêncio.

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            Parecia milagre, mas Cid realmente conseguiu pousar a Celsius de forma relativamente segura, no jardim da velha mansão.

–Meninas, por favor, tomem cuidado – ele pediu, a voz baixa, antes de abrir as portas da nave – Não hesitem em usar os comunicadores e pedir ajuda. E tentem trazer os outros pra cá vivos, OK?

–Sim – respondeu Yuna, engatilhando suas pistolas – É apenas mais uma missão, e vamos cumpri-la.

–Não é apenas uma missão – retorquiu Cid, os olhos faiscando – Essa pode ser uma das missões mais importantes da vida de vocês, e mais perigosas, então pelo amor de Deus, tomem cuidado!

            Ela não respondeu, apenas acenou com a cabeça, e lançou um olhar rápido a Paine e Rikku, que fizeram o mesmo. Então, as três saíram da nave, já prontas para atacar o que quer que se mexesse. E logo perceberam uma movimentação estranha no bosque próximo. No segundo seguinte, as três já disparavam naquela direção, armas em punho, prontas para atacar.

            Mas...

–NÃO! – quem apareceu não foi um grupo de Heartless ou Nobodies, e sim uma garota de cabelos claros e olhos avermelhados – Amigos. Ajuda.

–Ah, garotas! – então, vinda da floresta, elas ouviram uma voz que já conheciam muito bem – Graças a Deus vocês estão todas bem!

–REI MICKEY?! – as três exclamaram ao mesmo tempo, ao vê-lo acompanhado por Donald, Goofy e mais algumas pessoas, saindo da floresta. Paine ainda acrescentou – O que está havendo, hein?

–Tivemos a felicidade de encontrar esses jovens no nosso caminho – respondeu o rei – Estávamos indo para a mansão, onde os moradores estão sendo reunidos. Esta é Fuujin, e esses são Raijin e Seifer.

–Não temos tempo para isso! – cortou o próprio Seifer – Se queremos vencer, precisamos voltar logo. Mas precisamos falar com ela antes, e eu não sei se ela está aqui.

–Ela quem? – perguntou Yuna.

–Instrutora Trepe, sacou? – respondeu Raijin – Ela é, tipo, a nossa professora de lutas. Se tem alguém aqui que pode nos ajudar, é ela.

            Então, da mansão, saiu um garoto de cabelos louros e curtos, armado com o que parecia ser uma espada velha. Ele trocou um olhar hostil com Seifer, antes de perguntar:

–Encontraram mais alguém? Acho que... DONALD! GOOFY!

–Hayner! – Goofy o cumprimentou – Que bom que você está bem! Viemos ajudá-los!

–Não tinha mais ninguém além deles – respondeu Seifer, seco – Eu não faço idéia do que aconteceu com os outros, mas tenho certeza de que não foi nada bom. E a instrutora Trepe?

–Ainda não voltou – Hayner engoliu em seco – Ela deve estar bem, tenho certeza que...

            Mas ele nunca terminou essa frase.

            Todos puderam ouvir claramente o som de uma grande explosão na praça principal, seguida por uma série de outras menores. Com os olhos faiscantes de pavor, Fuujin murmurou, quase sem voz:

–Perigo... perto...

            Eles se encararam, tensos. E foi preciso apenas um aceno de cabeça de Seifer para que todos corressem na direção da praça, desejando desesperadamente que ainda não fosse tarde demais.

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–Esse é... o epicentro de tudo...

            A imagem da estação de trem encheu de terror os corações de Sora, Kairi e Riku. Nada lá era minimamente parecido com o que conheciam. Pelo contrário, era como se tivessem deixado Twilight Town e desembarcado em um mundo sombrio e arruinado, como The World that Never Was. Tudo estava em ruínas, que pareciam milenares. No centro, havia algo que se assemelhava a uma bolha de sabão muito tênue, que emitia um brilho fraco e difuso.

–Já começou... – disse Riku, completamente sem voz – A aura negra e maligna daquele lugar o sufocava, e provocava uma dor quase física nele – Temos... temos que...

–Precisamos destruir aquela coisa – disse Kairi, resoluta – Ela é que está drenando esse lugar, e provavelmente atraindo os Heartless e Nobodies.

–Não é tão simples assim – retorquiu Riku – Acha que não tem algum tipo de defesa para o caso de alguém tentar destruí-la? Não podemos tocar nela.

–E também não podemos deixar que isso continue, droga! – retrucou Sora – Eu vou até lá, e vocês dois esperem aqui. Se der algo errado, se mandem daqui e procurem os outros, OK?

–OK uma ova! – sibilou Riku, irado – Por favor, me escute... não toque naquela coisa!

            Mas Sora não deu ouvidos. Na verdade, ele não tinha escolha. O que quer que aquilo fosse, estava destruindo a cidade e precisava ser detido. Com passos lentos, aproximou-se da esfera, o olhar fixo em seu brilho. Ela lhe provocava um sentimento estranho de familiaridade, como se despertasse lembranças antigas e dolorosas.

            “Chega”, ele murmurou, mas de repente a voz não pareceu ser a dele.

            Ele reconheceu aquele sentimento. De alguma forma, Seth sentia o mesmo.

            Então, respirou fundo. E, no segundo seguinte, golpeou a bolha com a Keyblade.

            Mas algo deu terrivelmente errado.

            A bolha travou o movimento da Keyblade, agarrando-a, e de alguma forma paralisando completamente os movimentos de Sora. Era como se uma corrente elétrica atravessasse seu corpo, cáustica, dilacerando-o por completo. A dor era indescritível, e seu corpo, incapaz de se mover, tremia violentamente. Não podia fugir, não podia gritar... nada.

            “Faça parar”, ele implorava mentalmente, cego de dor. “Por favor... faça parar...”

            “Você, mestre da Keyblade que ousa me desafiar”, então, para seu choque, a voz de Erinia soou em sua cabeça, límpida e clara como um sino. “Será que irá sucumbir logo no meu primeiro teste? Oras, eu esperava mais de você...”

–Por que você não me mata logo, então? – sem que percebesse, ele começou a berrar – Seria fácil, não seria? Talvez até divertido... POR QUE NÃO VEM ME PEGAR, MALDITA?

            Ele só queria que a dor parasse, não importava como. E queria que Erinia parasse com aqueles joguinhos, e o enfrentasse diretamente. Não que ele pensasse que realmente poderia enfrentá-la em pé de igualdade, mas ser feito de bobo por ela estava deixando-o louco.

–Bem, eu já devia ter previsto a sua reação – ela disse, com uma risada cínica – É da natureza humana querer afastar a dor, e reagir a ela com violência. Mas você é o mestre da Keyblade, e escolheu um caminho doloroso e sombrio desde o começo. Não é irônico? Você, que escolheu para si um caminho de dor, agora desejar a morte justamente para afastá-la?

–O que você quer de mim? – ele sussurrou, quase fora de si. O que mantinha o pouco de clareza de pensamento que ainda lhe restava era a necessidade de saber o que ela pretendia com aquilo.

–O que eu quero de você... aliás, o que eu quero de vocês, é que me acompanhem em uma pequena jornada. Será bem esclarecedora, eu prometo.

            “Mas o que...”, Sora começou a pensar, mas nem chegou a terminar a frase. No instante seguinte, foi como se uma verdadeira enxurrada de imagens e memórias cruzasse sua mente na velocidade da luz. Elas eram confusas e desconexas, mas ainda assim familiares e perturbadoras. Em meio à dor e à confusão, Sora foi capaz de sentir o desespero de Seth, como se algo naquelas imagens o ferisse profundamente.

            E então, tudo fez sentido.

            De repente, foi como se presente e passado se sobrepusessem. E em ambos era possível ver os olhos prateados de Erinia, maldosos e frios. Sora pôde sentir-se duplamente aterrorizado, tanto por ele quanto por Seth. E, da mesma forma, os dois ouviram a risada dela, terrivelmente bela e cruel. Sora estava paralisado. Apesar de não saber conscientemente o que aquelas imagens significavam, seu coração lhe dizia que tempo terríveis estavam próximos... e que aquele era apenas o começo.

–SOLTE O MEU AMIGO, COISA FEIA! – então, um borrão prateado cortou o ar, ao mesmo tempo em que uma voz se fez ouvir da porta da estação. Quando ele se deu conta, a Keyblade estava livre, e ele também, mas estava tão exausto que simplesmente se deixou cair de joelhos no chão.

–Sora! Droga, Sora, o que aconteceu? – Riku ajoelhou-se ao lado dele – Eu disse que era perigoso!

–Eu tô bem – ele murmurou, quase sem voz – Erinia está aqui, a voz dela estava muito próxima...

–Ela não tá aqui, Sora – respondeu Riku – A gente só ouviu você gritando, mais ninguém.

            Sora viu que Leene estava na porta. Havia um enorme corte em seu braço, grosseiramente envolvido pela luva, e uma mecha da franja estava empapada em sangue. Apenas uma adaga estava com ela: a outra estava cravada na bolha, e tremia violentamente. O olhar dela, porém, era feroz, o olhar de alguém que queria uma boa batalha, e queria muito. Por um momento, Sora ficou assustado: acostumado a vê-la sempre efusiva e animada, a visão dela tomada pela fúria era perturbadora.

–Vamos sair daqui – disse Riku, ajudando-o a se levantar e amparando-o em seu ombro – Eu não sei o que aquela coisa vai fazer, mas também não pretendo ficar aqui pra descobrir.

            Com esforço, Sora o acompanhou até o exterior da estação. As marcas da luta estavam por todos os lados. Aquelas imagens, porém, não saíam da mente dele. Era quase como se ele se lembrasse de alguma coisa, algo doloroso e terrível. Seria aquela uma lembrança de Seth que ele havia conseguido acessar? E, se era, será que ela teria alguma relação com o vínculo entre os dois?

–O que... que barulho é esse? – então Kairi se virou sobressaltada, mas Leene reconheceu imediatamente o som e disse, entredentes:

–São canhões de naves gummi. A praça principal está sob ataque. VAMOS!

            E, depois de uma rápida troca de olhares aflitos, o grupo disparou na direção da praça, repletos de terríveis pressentimentos – e desejando com todas as forças estarem errados sobre eles.

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            Enquanto isso, Cloud, Tifa e Quistis prosseguiam num passo lento e inconstante.

            Havia grupos de Nobodies e Heartless por todas as ruas. A cidade não parecia nem uma sombra da Twilight Town viva e animada que costumava ser; pelo contrário, ela havia sido transformada num triste campo de batalha. Apesar de a expressão facial de Quistis se manter neutra, a dor nos olhos dela era visível. E Tifa sabia exatamente qual era o motivo.

–Não tem mais ninguém aqui – ela murmurou – E não conseguimos resgatar nem metade dos habitantes da cidade. Isso significa que...

–Não vamos tirar conclusões precipitadas – apressou-se Tifa – A cidade é grande, pode ser que eles tenham encontrado outro esconderijo.

–Mas o que você queria nos mostrar? – acrescentou Cloud.

–Quando vocês disseram que queriam lutar, e que não eram daqui, eu me enchi de esperança – respondeu Quistis – Há alguns meses, estou treinando alguns jovens da cidade para lutarem no caso de uma invasão. Não foi tempo suficiente... – os olhos dela baixaram – Eles têm coletado informações e pistas desde então. Talvez elas lhes sejam úteis... – e, então, ela levantou os olhos rapidamente, como se tivesse acabado de se lembrar de algo importante – Ei, de onde vocês são?

–De Radiant Garden – respondeu Tifa. Por um momento, ela pareceu levemente decepcionada, mas logo reassumiu a expressão neutra, e disse:

–Vamos evitar todas as batalhas que pudermos, e poupar nossa energia até nos reunirmos com os outros. Assim... – mas não terminou a frase. Em vez disso, olhou para o céu e arregalou os olhos, antes de dizer – Precisamos sair daqui agora mesmo!

–Mas o que... – Cloud olhou na mesma direção, e viu o enxame de naves que se aproximava ameaçador da cidade – Droga! Como vamos lutar contra isso?

            Os tiros começaram logo depois, enquanto Quistis praticamente os arrastava para os túneis do trem. O barulho dos prédios desabando e dos tiros era ensurdecedor, e ficava ainda mais lúgubre e terrível quando reverberava no interior do túnel. Eles não faziam idéia de quanto a construção ainda ia suportar, só sabiam que não podiam continuar parados ali por muito mais tempo.

–Estou com medo pelos outros – sussurrou Tifa – Tomara que estejam todos bem...

            Cloud apenas assentiu com a cabeça, em silêncio. Seu coração também estava pesado de medo.

–Precisamos chegar até o mirante – disse Quistis – Pode ser que tenha alguém lá no meio do tiroteio, e aquele é o ponto mais alto e vulnerável da cidade.

            O trio seguiu em silêncio pelas galerias subterrâneas o mais rápido possível, fugindo das batalhas que podiam, sempre seguindo Quistis, até chegarem a uma saída que conduzia diretamente à praça próxima ao mirante. Mas não havia ali nada que lembrasse minimamente que aquilo um dia foi uma praça, além de restos carbonizados de bancos e casas. Mas foi exatamente ali que Tifa percebeu uma pessoa miúda, encolhida contra os restos de uma pilastra...

–Yuffie?! – ela murmurou – Que bom, ela parece bem!

            Então, os tiros pararam, o que deu a eles a chance de correr até a ninja. Ela estava confusa e assustada, mas milagrosamente parecia não estar ferida. Assim que ela os viu, arregalou os olhos e cambaleou até eles.

–Vocês estão bem – ela murmurou – Eu fiquei tão preocupada...

–Yuffie, onde estão os outros? – perguntou Cloud, enquanto a amparava – Eles estavam com você...

–Quando o tiroteio começou, acabamos nos separando – respondeu ela – E eu não sei onde eles foram.

            Então os três ouviram um barulho entre os escombros, na extremidade oposta da praça, e correram até lá. Era Leon, também levemente atordoado pelo tiroteio, mas também ileso. Dessa vez, quem o amparou foi Tifa, dizendo:

–Graças a Deus, Leon! Você tá ferido?

–Não, eu estou bem – ele murmurou, se recompondo – Só um pouco tonto. E... instrutora Trepe? – então, seus olhos pousaram em Quistis, arregalando-se. E foi exatamente o mesmo olhar que ela lhe devolveu, dizendo:

–Squall? O que está fazendo aqui? – e, para os outros – De onde mesmo vocês disseram que são?

–Radiant Garden – respondeu Tifa – Antes conhecida como Hollow Bastion... vocês se conhecem?

–Ela era minha professora – explicou Leon – Antes de ir para Traverse Town, passei um tempo num lugar chamado Balamb Garden, e ela me ensinou muita coisa. Mas – ele se voltou para Quistis – como chegou aqui?

–É uma longa história, e agora não temos tempo – ela desconversou – Precisamos de um abrigo, agora.

–Não! – protestou Leon – Aerith ainda está lá, precisamos resgatá-la.

–Acalme-se – Cloud o segurou pelos ombros – Eu vou atrás dela, e você fica aqui e dá cobertura a elas.

–Pode esquecer! – o outro grunhiu – Eu não vou deixá-la lá!

–Você vai fazer o que eu estou dizendo – sibilou o outro – Eu vou trazê-la de volta. E você está cansado e pode estar ferido. Se outro ataque vier, qual de nós tem mais chance de chegar até ela?

            Leon não respondeu, mas lançou ao outro um olhar de frustração. Cloud, por sua vez, acenou afirmativamente com a cabeça e correu até os escombros. Quistis encarou Leon por um instante e disse:

–Você realmente mudou muito desde a última vez que nos vimos, Squall.

–Por favor, me chame de Leon – ele a cortou – Precisamos nos preparar, outro ataque pode acontecer.

            A instrutora ficou em silêncio, ainda o encarando. Realmente, ele não era o mesmo Squall de antes, grosso, gelado e estúpido. Não, agora ele realmente parecia ter 17 anos, e demonstrava sentimentos que ela nunca havia visto nele. Mas ele também parecia mais triste, mais melancólico... parecia que finalmente seu passado, e as feridas provocadas por ele, estavam vindo à tona.

–Ei! Eeeei!!! – então, eles ouviram uma voz feminina, e se viraram. Era Leene, que estava com o grupo da nave Fantasia – Com mil chocobos, vocês estão bem?

–Sim – respondeu Tifa, mas assim que ela viu os ferimentos de Leene e sora sendo amparado por Riku, acrescentou, chocada – O que aconteceu com vocês?

–Explicamos depois – respondeu Kairi, urgente – Sabem onde os outros estão?

–Instrutora Trepe! – outra voz, e outro grupo. Dessa vez, era o grupo de Seifer e Hayner, acompanhado dos grupos da Celsius e da Highwind – A senhora está bem?

–O que estão fazendo aqui? – ela exclamou – É perigoso demais, vão para o abrigo agora mesmo!

–Sem chance, sacou? – retorquiu Raijin – Viemos para ajudar e é isso que vamos fazer!

            Enquanto isso, Cloud caminhava pelos escombros da praça, lutando para impedir que o desespero tomasse conta dele. Aerith tinha que estar ali, em algum lugar. Se algo tivesse acontecido a ela... se ele não fosse rápido o bastante... Não, ele não podia nem sequer pensar na possibilidade. E, assim, continuava caminhando, procurando, chamando...

            Até que...

–Cloud? – ele ouviu uma vozinha fraca vinda de uma fenda entre os escombros, e correu até lá. Era Aerith, assustada, confusa e trêmula – mas milagrosamente ilesa.

–Aerith! – ele exclamou, enquanto começava a tirar as pedras do caminho para ajudá-la a sair – Você está bem? Tem idéia do quanto todos estão preocupados com você?

–Estão todos bem? – ela perguntou – Quando o ataque começou, me separei deles, e...

–Estão todos bem – respondeu Cloud – Precisamos sair daqui antes que os ataques recomecem.

            Então, ele olhou para a grande porta entalhada, a alguns metros de distância. E ela disse:

–Há uma dessas em cada mundo. Acreditamos que boa parte dos Heartless vêm através delas. Consegui selá-la, isso nos dará um certo tempo. Precisamos descobrir o que Erinia faz para drenar os mundos e impedi-la antes que os Heartless destruam a cidade por completo.

            Por um momento, Cloud se lembrou de The World that Never Was. E imaginou como ficaria Twilight Town se o mesmo acontecesse ali.

–Vamos nos juntar aos outros – ele disse, por fim, ajudando-a a se levantar e amparando-a em seu ombro – Encontramos algumas pessoas que podem nos ajudar, e...

            E então, recomeçou.

            Outra leva de naves cobria o céu como uma imensa e destruidora nuvem de gafanhotos. Ao contrário das do ataque anterior, porém, elas eram bem maiores, e não disparavam seus canhões. Ao ver aquela cena, os olhos de todos cresceram de pavor, ao chegarem à mesma conclusão. Mas foi Yuffie que a colocou em palavras:

–Eles vão atacar por terra... e vão vir com tudo o que têm.

            Imediatamente, todos se prepararam para a batalha iminente. A situação deles, porém, não era nada animadora. Eram poucos, haviam sido pegos de surpresa, já estavam cansados e feridos e estavam prestes a enfrentar um ataque monstruoso. Mas não podiam ser derrotados. O preço a ser pago pela derrota era alto demais.

–Já enfrentamos coisas assim antes – disse Sora, esforçando-se para ficar de pé – Salvamos Radiant Garden uma vez, e vamos salvar Twilight Town. Juntos.

–É você quem diz, Sora – respondeu Hayner, sorrindo – Vamos chutar esses caras daqui agora mesmo.

            Silêncio. Um instante de quietude e reflexão.

            E, quando as naves pousaram, e do interior delas uma enorme profusão de todos os tipos de Heartless saía, todos sabiam exatamente pelo que estavam lutando. E pelo que eles tinham que permanecer de pé.

            Em questão de segundos, eles já haviam se dividido. Sora e Riku lutavam juntos, e o primeiro tentava ignorar a dor e o cansaço que sentia. As palavras de Erinia ainda ardiam em sua mente, como se tivessem sido feitas a ferro em brasa. Riku, porém, percebia que algo estava errado com ele. E podia adivinhar o motivo.

–Sora – ele disse – Você está exausto. Vá para um lugar seguro, eu te dou cobertura.

–Sem chance – rosnou o outro – Vou mostrar um truquezinho pra esses desgraçados... FINAL FORM!

            Uma onde de energia varreu o corpo dele, transformando suas roupas, fazendo uma segunda Keyblade aparecer e dando a ele uma dose enorme de força. Riku o observou por um instante, deslizando entre os inimigos como se seus pés nem tocassem o chão, mas logo se voltou para a luta.

            Distantes deles, Leene, Rikku, Quistis e Kairi também iam para cima dos Heartless com tudo o que tinham. Rikku era velocíssima, e quase voava por entre os inimigos. Ela e Leene lutavam lado a lado, ferozes. Quistis, por sua vez, dava cobertura às duas, assim como Kairi. Por mais que as quatro se esforçassem, porém, nada que fizessem parecia ser suficiente para deter o avanço das criaturas.

–Eu já me cansei disso... – sussurrou Leene – Vocês, protejam-se agora! Está na hora de mostrar outro truquezinho aprendido em Waterfall City...

–Eu cuido disso – disse Quistis – Blue Magic... MIGHTY GUARD!

            Foi como se uma capa invisível tivesse sido lançada sobre o grupo. Aquela era a hora de Leene agir. Ela fechou os olhos e se concentrou, apenas deixando o poder se acumular. Até que...

–Engulam essa... LIGHTNING REQUIEM!

            Aquele era o seu feitiço mais poderoso. Ela lançou a adaga restante no chão, saltou sobre ela e, ainda no ar, despejou sobre ela um imenso raio elétrico. A adaga, como um pára-raios, absorveu a onda de energia, e um segundo depois ela foi liberada outra vez, na forma de uma auréola elétrica que foi se expandindo, varrendo a praça e obliterando os Heartless que estavam no caminho.

–Isso foi legal! – disse Rikku, fazendo um sinal de positivo – Nem deu chance a eles!

–É melhor não contar vitória ainda – disse Kairi – Olhem!

            Outras naves apareciam. Leon e Cloud estavam cercados por uma massa gigantesca de Neoshadows, que os empurravam na direção do mirante. Eles viam que mais naves chegavam, e que os pequenos grupos estavam cada vez mais afastados uns dos outros. E ambos sabiam que todos já estavam cansados e fracos, e que não conseguiriam permanecer de pé por muito mais tempo.

–Mesmo se usássemos nossos melhores ataques agora, não adiantaria nada – murmurou Leon, quase sem voz – Eles têm que sair daqui, agora.

–O quê? – reagiu Cloud – Do que está falando?

–Tire-os daqui – disse o outro – Leene e Sora estão feridos, aqueles garotos que estão com a instrutora Trepe são apenas novatos destreinados... precisa tirá-los daqui. Eu lhe darei cobertura.

–O quê? De jeito nenhum! E se... – o primeiro até tentou protestar, mas Leon o cortou, dizendo:

–A Aerith tá lá. Tire-a daqui agora!

            À menção do nome da florista, o outro engoliu em seco, e em silêncio assentiu afirmativamente, um segundo antes de começar a abrir caminho entre os Heartless. Leon o viu sumir e, no segundo seguinte, voltou-se para a luta, para se certificar de que nenhum monstro iria chegar até o outro.

            Ele já estava esgotado, e certamente não suportaria por muito mais tempo. E o pior era que ele não fazia idéia de como os outros estavam. Ele era realista o bastante para estar consciente da real situação deles... mas, naquele momento, implorava com todas as forças por um milagre.

            Um milagre que não chegou.

            Porque, naquele momento, na estação de trem, a bolha de energia começou a oscilar e a crescer rapidamente. E, na praça do mirante, a porta começou a emitir um brilho ofuscante. O céu escureceu de vez, e assumiu um tom avermelhado.

            Riku estremeceu, sentindo a carga de energia maligna que envolvia a praça. Ele nunca havia sentido nada tão forte assim. E só podia significar uma coisa...

            Eles haviam chegado tarde demais.

            E, a partir daí, tudo aconteceu muito rápido. A porta se abriu com violência, liberando uma onda de choque. Yuna estava bem no caminho dela, paralisada. Era uma onda destrutiva, que arrasava tudo por onde passava, e ela, sem conseguir se mover, apenas a observava, chegando mais e mais perto...

–NÃO! – ela só ouviu uma voz, antes de ser empurrada com forma para uma saliência, e depois viu a silhueta de alguém muito conhecido desaparecer em meio à luz.

            E então a realidade a atingiu como um soco. Aquela era Paine. E a onda acabava de atingi-la.

–Yuna, temos que sair daqui – ela reconheceu vagamente a mão que estava sendo estendida a ela, e a pegou. No instante seguinte, ela corria na direção dos túneis do trem.

–Você está bem? – só então ela percebeu que era Cloud quem a levava, e que Aerith estava com ele.

–Paine... – ela murmurou – Ela... ela...

–Precisamos sair rápido daqui – cortou Cloud – Não temos tempo para isso!

            Leon conseguiu se esquivar da onda de energia, mas agora estava quase prensado entre os restos de duas colunas, e completamente cercado. Já não podia mais lutar, mas não tinha nenhuma brecha para fugir. E os outros, como estariam? Será que todos estavam bem?

–Leon! – ele ouviu a voz de Yuffie, à distância – Agüente um pouco, vamos te tirar daí!

            Ela apareceu um pouco depois, acompanhada por Tifa. As duas começaram a abrir caminho entre os escombros e os Heartless, e o ajudaram a se levantar. Um pouco depois, Hayner apareceu, acompanhado por Seifer, Fuujin e Raijin.

–Leve-os para a mansão – pediu Tifa – Vamos tentar tirar todos daqui, e nos encontramos lá.

            Ele acenou com a cabeça, e foi com os garotos na direção apontada por Tifa. Antes de sair, porém, captou um olhar angustiado dela. Ele sabia o que aquele olhar significava. Eles haviam perdido aquela batalha. E, agora, só lhes restava fugir.

            Enquanto eles sumiam, Tifa e Yuffie voltaram a procurar pelos outros. Logo, encontraram Kairi, Quistis, Leene e Rikku. As cinco, então, passaram a lutar juntas, até que...

–Aquele é o Sora? – Leene apontou em uma direção, e as outras se viraram.

            Elas nunca o tinham visto sob o efeito da Final Form. Era fascinante. Ele se tornava um facho de luz, veloz e destrutivo. Riku estava por perto, também, dando tudo de si. Leene percebeu, aliviada, que aquele era o Riku de sempre – e não a versão corrompida que ela havia visto em The Land of Dragons. Kairi, por sua vez, observava com aflição.

–A Final Form tem um certo tempo de duração. Quando acabar, Sora não vai conseguir se recuperar imediatamente. E Riku não conseguirá mantê-los longe por muito tempo.

–Isso não vai acontecer – replicou Rikku – Vamos tirá-los daqui bem antes de isso acontecer.

            As garotas correram até os dois. Sora já sentia que o efeito da Final Form estava perto de terminar, e lutava para tentar prolongá-lo ao máximo. Riku também percebia isso, e se preparava para, se necessário, defender o amigo. Ele lançou um olhar à porta, de relance. Era como se uma onda negra escoasse continuamente e inundasse a praça por completo.

            Então, ele percebeu duas silhuetas velozes cortando o ar. E, logo depois, dois Neoshadows desapareciam, e no chão ficavam uma adaga e uma shuriken. Logo, percebeu que as garotas haviam chegado, e que agora lutavam ao lado dos dois. Foi o tempo de a Final Form perder o efeito, e de Quistis e Kairi ampararem Sora.

–Vamos para o abrigo – sussurrou a instrutora – Não há mais nada que possamos fazer aqui.

–Mas e a cidade? – ele perguntou.

–Vamos tentar levar os habitantes para Radiant Garden – respondeu Rikku – A Celsius é bem grande, podemos levar os sobreviventes.

            A palavra “sobreviventes” ecoou nos ouvidos de Sora como uma sentença. Se havia sobreviventes, significava que pessoas haviam morrido. E eles não puderam impedir.

–Amigos, vocês estão bem? – então, apareceram Donald, Goofy e o rei Mickey – Não estão feridos?

–Estamos todos bem – respondeu Riku, a voz cheia de pesar – Temos que bater em retirada. Não há mais nada que possamos fazer aqui.

–Sim – o rei confirmou, com o mesmo tom de voz – Vamos tirar todos daqui o mais rápido possível.

            O grupo todo começou a correr na direção da mansão. A cidade estava completamente destruída. E – essa era uma coisa à qual Sora lutava para não dar atenção – havia corpos pelo chão. O próprio caminho até a mansão estava obstruído por escombros em diversos pontos. Por fim, eles conseguiram chegar ao esconderijo, onde os outros já esperavam. Os porões estavam lotados de pessoas, apavoradas e feridas.

            O rei dava comandos para que as naves fossem preparadas para embarque imediato. Enquanto isso, Quistis começava a organizar os grupos que deixariam a cidade nas naves. Aerith e Yuna a ajudavam, curando os feridos e auxiliando nos preparativos. A tensão, o medo e a tristeza podiam ser respirados no ar. E o trio de Destiny Islands e o grupo de Radiant Garden sabiam exatamente como eles se sentiam.

            Eles ouviram o som das naves aterrissando no pátio da mansão. E, lentamente, os civis começaram a ser transportados para a Celsius. Enquanto isso, Seifer escalava até o topo do telhado, de onde era possível ver toda a cidade. Por um momento, ele nem conseguiu respirar, tamanho era o terror que estava vislumbrando.

            Não era mais a sua Twilight Town. A cidade havia morrido.

            Mas ainda podia ficar pior. E tanto Seifer quanto Riku sentiram isso.

            Riku sentia que a carga de energia negra estava se tornando cada vez mais sufocante e insuportável. Por isso, fazia o possível para tirar todos dali o mais rápido possível. Àquela hora, a Celsius e a Fantasia, as maiores naves, já tinham partido. Yuffie pilotava a Fantasia e Cid guiava a Celsius. Yuna já havia contado a Rikku sobre Paine, e naquele momento as duas lutavam contra as lágrimas. Não havia tempo para chorar. Leon e Cloud ajudavam a conduzir as pessoas às naves, sendo auxiliados pelo grupo de Twilight Town.

            E então, o chão começou a tremer com violência.

–TEMOS QUE IR EMBORA AGORA! – exclamou Quistis – TIREM TODOS DE DENTRO DA CASA, VAI DESMORONAR!

–Mas que droga! Seifer tá lá dentro! – disse Hayner.

–Tá tudo desmoronando na cidade – berrou o próprio, do telhado – São como ondas, se continuar nesse ritmo vai chegar aqui em menos de cinco minutos.

–Seifer, não! – berrou Fuujin de volta, desesperada – Desça!

            Ele até tentou, mas um tremor mais forte o derrubou. Era possível ler o terror nos olhos dele.

–Fica frio aí, a gente vai te ajudar! – disse Raijin. Seifer, porém, retrucou:

–Nem pensar, não dá tempo! VÃO EMBORA!

            Mas Fuujin não estava nem um pouco disposta a dar ouvidos, e entrou mesmo assim. Hayner foi logo atrás dela, e Raijin também fez menção de ir. Antes que ele entrasse e que qualquer um pudesse sair, porém, as paredes do andar superior cederam e o teto desabou. E, segundos depois, o andar térreo também veio abaixo.

–ELES AINDA ESTÃO LÁ! – berrou Raijin, desesperado. Ele tentou correr na direção dos escombros, mas o tremor ficou ainda mais forte.

            E então, o inferno começou.

            Riku sentiu a onda de energia que se aproximava, mais forte e mais rápida do que nunca. E só pôde avisar, mesmo sabendo que seria inútil:

–PROTEJAM-SE, TODOS!

            E, ao mesmo tempo em que ele dizia isso, Quistis lançava um feitiço Mighty Guard em todos os que estavam ali. E Cloud e Leon chegaram a uma terrível conclusão:

–A Aerith tá lá dentro! – berrou o primeiro – Temos que tirar ela de lá!

–NÃO! – Tifa o segurou pelo braço – NÃO DÁ PRA FAZER MAIS NADA!

            E, quando a onda finalmente chegou até eles, terminando de destruir a mansão e varrendo-os com fúria, a sensação era de pura dor, como se alguém estivesse tentando arrancar as almas de seus corpos à força. Sora só pôde se encolher contra o chão, cego de dor, e esperar que aquilo passasse... ou que o deixasse inconsciente...

            E, por fim, parou.

            Levou algum tempo até que eles conseguissem rearticular os movimentos outra vez. A primeira a se levantar foi Leene. E a imagem de destruição e morte queimou seus olhos como brasa. Não havia árvores ou muros, não havia construções... tudo o que restava eram cinzas e ruínas envelhecidas. Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas.

–Estão todos bem? – ela ouviu a voz de Sora, embargada e confusa. Ele também observou o lugar por uns segundos, e depois desviou os olhos para o chão.

–Seifer... Fuujin... Hayner... – gaguejava Raijin – Tanta gente... tantas mortes...

–Aerith... – Leon observava as ruínas, recusando-se a acreditar no que estava vendo – Ela... não... NÃO! – e deixou-se cair de joelhos, sufocado e perdido. Cloud, por sua vez, não tinha reação. Seus olhos estavam completamente fixos naquela cena, arregalados, absorvendo cada pequeno detalhe daquele inferno. A dor que sentia chegava a ser física, e era tão desesperadora que minava todas as suas reações, deixando-o ali, estático, congelado.

–Paine... – Yuna encarava o céu. A luz do pôr-do-sol sobre as ruínas tornava aquela imagem ainda mais opressiva e terrível. As lágrimas corriam pelo seu rosto.

            E, então, algo atraiu a atenção de todos para o céu.

            Milhares de pequenas luzes coloridas começavam a ascender das ruínas e a descrever uma delicada trajetória pelo céu. Era como se um milhão de borboletas feitas de pura luz voassem sobre as ruínas de Twilight Town, como suas guardiãs e vigilantes. Como pequenos anjos silenciosos.

–O que são... aquelas luzes? – murmurou Leene, quase sem voz.

–São pyreflies – respondeu Yuna, enxugando o rosto – Fragmentos das almas das pessoas que morreram aqui.

            Então era isso. Todos haviam morrido. Era uma conclusão óbvia dadas as circunstâncias, mas ela ficava ainda mais dolorosa com aquela cena.

–Precisamos ir – disse o rei, por fim – Vamos entrar em contato com Radiant Garden, fazer os reparos nas naves e partir.

–Não – então, Quistis se levantou – Não ainda. Acho que... depois de tudo o que aconteceu, as pessoas que morreram aqui têm direito a um funeral digno.

            O rei observou a todos. Feridos, cansados, destruídos pela dor e pela perda... alguns pareciam ter perdido completamente o rumo. Uma cerimônia de despedida talvez fosse mesmo a melhor forma de dar paz às almas... não apenas as dos que partiram, mas também dos que ficaram para trás. Ele engoliu em seco e disse, por fim:

–Muito bem, é um pedido justo. Façamos assim, então.

–Posso cuidar disso – Yuna tentou imprimir um pouco de firmeza à própria voz – Era o que eu fazia, em Spira... de certa forma.

–Está bem. Proceda como achar conveniente.

            Ela acenou afirmativamente com a cabeça. E ergueu novamente os olhos para o céu.

            E os outros imitaram o seu gesto. Enquanto a noite caía, e as estrelas começavam a se misturar às pyreflies, uma mesma certeza preenchia lentamente os corações de todos, uma certeza clara, fria e palpável como água.

            Eles não foram rápidos o bastante. E haviam perdido aquela batalha.


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