Sobre Cisnes escrita por Owl KodS


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Como disse no disclaimer:
Esse é um conto escrito para o 16° desafio do CcL e tinha como regra criar um personagem com base no amigo secreto. Eu não sei se você irá gostar, mas espero que sim, eu, infelizmente, não dei tanto enfoque no casal por motivos de... Eu não tenho uma razão, só não fazia parte do roteiro original (que foi modificado), mas fiquei com bastante vontade de fazer uma continuação (mas to sem ideia)

Tá, chega de enrolar, vamos para a parte favorita do mundo que é a história.



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Faziam anos que não se encontravam. Nem mesmo trocavam olhares ou se cruzavam nas ruas, não era por menos Érica era uma ambulante e sabia bem onde fazia o que fazia e ela sempre procurava se manter o mais distante daqueles caminhos que conhecia de criança. Havia passado por coisas demais ali.
O sol brilhava em seus olhos castanhos quando jogou o corpo para trás, formando um arco elegante com as costas, os cabelos longos formando uma cortina enquanto girava. Os pés formando pontas, chutando, subindo e descendo. Movimentos que conhecia desde sempre, desde que era menina. O giro parou, uma ponte entre aqueles movimentos graciosos e outros que deixariam o público embasbacados, era sua forma de ganhar a vida.
Os cabelos loiros cobriram os olhos, no fim do giro e seu corpo pareceu se aliviar da tensão. Entre a multidão havia um rosto conhecido, ou pelo menos acreditava haver.
Noemi estava um pouco estava um pouco afastada do resto da multidão que se acotovelava para ver a bela Érica dançando como um cisne puro e casto. Todos pareciam encantados e não era para menos, afinal a loira era uma beleza inegável em comparação com todas as aquelas pessoas sem graça que se colocavam em torno dela. Fechou o casaco azul escuro que cobria até abaixo dos joelhos e saiu caminhando devagar pelas ruas cinzentas.
Érica não percebeu quando a mulher se afastou pelas ruas, mas sabia para onde tinha que ir assim que terminou sua apresentação do dia. Vestiu o casaco longo e branco sobre os vestido leve e caminhou com passos certeiros até o apartamento longe do centro.
— O que estava fazendo no centro? — perguntou observando a mulher de cabelos escuros sentada no sofá com as pernas cruzadas. Os olhos castanhos a olharam de cima para baixo, indagando sobre a sua visita.
— Eu me preocupo, só isso — respondeu com um olhar doce se levantando do sofá e segurando as mãos esguias da mais jovem entre as suas.
— É incrível como mesmo palavras gentis soam sádicas em sua boca — respondeu a loira se afastando com agressividade da morena que fechou o rosto.
— Eu não sei o que fiz a você — respondeu a mulher observando a outra que parecia perturbada demais apenas em estar em sua presença.
— Fique longe de mim — respondeu a mulher apontando o dedo para a outro que apenas se aproximou.
— Então não venha até aqui — respondeu com simplicidade — Se quer tanto a sua distancia, pare de aparecer, pare de vir até aqui e me esqueça — ela respondeu, os rostos a centimilímetros antes dela se afastar com um giro displicente, voltando para a cadeira — A não ser que tenha algo que aqui que ainda queira.
A loira respirou pesado mais uma vez, o corpo tenso, relaxando aos poucos ao ar da casa conhecida. Queria se sentar no sofá e tomar um café, esticar os pés sobre a mesa de centro e assistir um filme e ficar ali até dormir e acordar apenas na hora de ir trabalhar, mas sabia que as coisas não seriam tão fáceis.
~~ o ~~
As noites eram incrivelmente mais terríveis para Érica. Quando criança ela nunca fora o tipo de pessoa que acreditava em contos de fadas, mas por algum motivo, o universo adorava ironias.
Érica chegou a ser uma bailarina cotada para grandes companhias quando criança, mas tudo mudou quando alcançou seus treze anos. Dançava como um anjo quando tudo aconteceu, era etérea e bela com os longos cabelos loiros presos em coques cheios, a dor dos pés em pontas em contraste com a beleza pálida do vestido em um branco azulado pela luz.
Mas havia algo mais naquela noite tão especial, algo negro que passou despercebido para Érica e para sua mãe. Alguém que estava lá, uma pobre menina de cabelos negros como a noite e olhos tão escuros quanto. Ela era uma dançarina como Érica, tinha os pés tão pontudos quanto os delas e estava lá ao lado dela. Os pés em pontas perfeitas e as costas eretas em perfeição. No plateia estava a mãe dela, tão fechada que não sorria para a própria filha.
A noite estava clara pela luz da lua cheia quando Érica percebeu que nunca mais veria a mãe. Foi no exato momento em que parou para arrumar o sapato que foi obrigada a por na presa. Foi quando sentiu a escuridão de um saco negro cobrindo seu corpo enquanto mãos se fechavam em torno dela, mas ela não relutou, gostava de pensar que estava em choque, mas sabia que na verdade adormeceu nos braços misteriosos. Quando acordou era um belíssimo cisne branco em uma lagoa e então viu os olhos duros de Noemi do outro lado do lago em um vestido negro e simples, nunca a perdoaria, mas era a única convivência humana que tinha.
~~ o ~~
Érica estava confiante. Sua primeira noite fora do terrível avatar de cisne. Claro que não seria a noite, tão pouco passaria das seis da tarde, mas havia algo sobre a forma como aquele rapaz a encarara que fizera ela acreditar que nunca mais precisaria assumir sua forma de cisne novamente.
Wesley era um rei de ébano com olhos carinhosos e um charme único. Era tão claro que ela estava a ponto de deixar sua maldição que ignorou qualquer coisa que pudesse dar errado, nem mesmo percebeu o rosto conhecido em meio a festa. A jovem que cresceu com ela, seus cabelos negros soltos e caindo pouco abaixo das costas, um vestido tão negro quanto os fios.
Ela encarava o casal de longe enquanto os dois pareciam dançavam suavemente pelo salão. Mas em breve o sol iria se por, tinham pouco tempo para que ele se declarasse, para que se beijassem e o terrível feitiço fosse quebrado. Sentiu o corpo rodar pelo salão e como se lesse seus pensamentos Wes se aproximou, os lábios carnudos muito próximos de seu ouvido e a voz grossa roçando em seu pescoço como um cobra se enroscando lentamente, pronta para dar o bote em sua vitima. Aquele ato tão simples criou um arrepio completamente novo para ela que a fez se afastar um pouco encolhendo a cabeça a fim de proteger o local.
Noemi sorriu inconscientemente para essa reação, isso significava que Érica não se sentia confortável com a proximidade de seu novo amigo inconveniente.
— Vamos lá fora — disse o homem de braços fortes, segurando com firmeza a mulher loira em seus braços — Há algo que quero falar com você. Pedir a você! — corrigiu segurando as mãos e a fazendo girar. Um sorriso casto apareceu em seus lábios enquanto acompanhava-o para o lado de fora.
O dia já começava a se esvair no oeste pintando o céu em tons de laranja, rosa e roxo, enquanto poucas estrelas começavam a aparecer na parte mais escura, Érica não poderia pensar em um cenário mais doce e mágico para o que iria acontecer sua volta à vida real, a vida que conhecera, já podia pensar em tudo o que faria, todas as festas as quais iria acompanhada de seu amado Wes, o casamento que selaria seu amor e o mais importante, primeiro a faculdade de dança na UNIP, a seguir Juliard, Joffrey Academy, Kirov e por fim o Bolshoi e logo estaria nas estrelas, sendo a primeira bailarina assoluta como Maya Plisetskaya, o céu era o limite para ela enquanto observava aquele céu se desfazendo em tons purpúreos.
— Você me contou sobre a sua condição — respondeu o homem a puxando para mais perto de seu corpo quente e confortável — E eu estou tão feliz que tenha confiado em mim com isso meu amor. A confiança é a primeira coisa em um relacionamento como sabe.
Érica apenas assentiu, observando o sol ser engolido cada vez mais pelas terras distantes do oeste, apenas aconchegada ao peito de Wes é que soube que estava bem e segura, mesmo assim seu corpo teimava em se retesar, a visão dos olhos âmbar em contraste com a pele muito negra do rapaz a faziam tremer e se fechar e ela não sabia o porque.
— Eu só quero que saiba que nunca me afastarei de você — ele disse encostando os lábios nos dela.
Um toque gentil e cheio de carinho, mas ao invés de encontrar o calor do amor de outro ser humano, recebeu apenas o frio contato de lábios indiferentes e então o céu escureceu de vez e vieram as dores, conhecia bem a transformação, a dor de quando as pernas se curvavam em patas e as penas cresciam, mas agonia em seu olhar não era apenas pela torturante metamorfose, mas também pela traição, por ver aquele a quem jurou amor a empurrando para a água enquanto encarava sua mudança com um brilho gélido nos olhos e um sorriso de satisfação nos lábios.
— Não se sinta mal, Érica, querida! — ele disse segurando o rosto empenado e virando seu bico para o rosto duro — Eu não menti quando disse que a amo, mas a coisas mais importantes que é amor nesse mundo, como o dinheiro que irei ganhar com você, se o mundo puder ver sua transformação. Estou pensando em dois shows diários, um pelo amanhecer e um pelo anoitecer. — ele falava com uma naturalidade assustadora, enquanto o animal se recusava a olhar para ele, Érica até tentou fugir de seu terrível companheiro, mas ele a segurou com força pela asa, mantendo-a no lugar — Não fuja não, querida, ficarei com você durante o dia inteiro, ainda poderemos casar e ter seus belos filhos, só que seremos ricos — ele sorriu de forma diabólica enquanto tirava um saco negro e de pano dobrado de dentro de seu casaco. —Talvez nossos filhos dancem no Bolshoi, agora anime-se e entre no saco — mas o cisne, resoluto, se moveu para longe até ser pego pelo pescoço fino e frágil — Então será da forma mais difícil, sinto muito querida — mas seu tom de voz deixava claro que não sentia em nada.
~~ o ~~
Noemi havia desviado os olhos por um momento, apenas o suficiente para Érica desaparecer com o rapaz negro que a acompanhara naquela noite. Seu desespero fora tangível quando correu pelo salão na busca dos dois, mas não havia um sinal, nem ao menos uma testemunha que os tivesse visto sumir da festa. Não era de se espantar, Érica era branca o suficiente para se parecer com um fantasma no vestido branco que usava e o homem alto e negro, por mais que não passasse despercebido, era como uma sombra em seu terno escuro.
A mulher de negro chutou um vaso próximo em frustração. O rosto assumindo um tom avermelhado pela ira de si mesma que a consumira, como pudera ser tão estupida para deixar aquilo acontecer? Foi quando olhou para a enorme janela de vidro que recobria a parede para o pátio, os dois se encontravam em um abraço romântico, os lábios juntos e por fim ela teve de morder os lábios, a raiva queimando em seu interior, uma mistura de ciúmes ardente e cólera explosiva.
Saiu marchando do local em direção ao casal, as mãos ardendo, apertadas em punhos. Podia pensar em um milhão de feitiços horríveis para acertar o homem, mas então algo mais aconteceu e Wesley não estava mais falando com Érica e sim com um belo cisne branco virginal. Aquilo a aterrorizou, correndo o mais rápido que pode com o vestido em seus joelhos. Ela se lembrava de ter tropeçado em uma pedra erguida do pavimento e encontrado o chão. Os gritos de Érica se tornaram mais altos, alarmando ainda mais o coração já apertado de Noemi, a mulher se ergueu nas pernas doloridas e voltou a correr, mas quando chegou já era tarde demais, havia apenas um conjunto de penas brancas no lugar onde estiveram, Wes havia sumido com o saco negro em um carro como a noite.
Noemi respirou fundo, juntou algumas penas do chão, a raiva ainda queimava em seus olhos, junto de lágrimas não soltas.
— Há tanto para lhe dizer — ela disse para o ar noturno, as mãos apertando a pena branca em suas mãos — Eu podia desfazer seu feitiço esse tempo todo — os dedos apertando ainda mais a pena pálida e macia em seus dedos — Eu vou busca-la — os olhos queimavam e a pena continuava aprisionada entre os dedos da feiticeira — Eu amo, mesmo que não sinta o mesmo e eu não vou deixar que alguém a machuque.
Ela soltou a pena que bailou docemente até alcançar o chão, estava tão negra quanto o carvão, tão escura quanto o vestido que se arrastava a sua frente e tão queimada quanto o rastro de vingança que Noemi deixava por onde passava.


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Notas finais do capítulo

Eu espero que tenham gostado, de coração.

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Voltem sempre, beijos J. Kod'S



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