Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 35
Capítulo 32 – Another One Bites the Dust.


Notas iniciais do capítulo

EU SEI QUE SUMI, MIL DESCULPAS. Sério gente, realmente estou envergonhada com meu desaparecimento. É que foi como eu disse nos capítulos anteriores, a vida universitária está acabando com meu tempo. O segundo semestre foi louco demais, muito mais difícil que o primeiro e eu passei por alguns problemas que realmente me deixaram muito pra baixo, a ponto de querer desistir de tudo. Mas eu resisti e agora está tudo melhor. Sobre a fic, eu tirei esse primeiro mês de férias para reler tudo e revisar, mudei só algumas palavras, mas revisei desde o começo. Agora vou retomar a escrita, e me dedicar ao máximo nesse final de férias. Não sei como vai ser esse ano, mas provavelmente ainda mais corrido que 2018, porque assumi mais compromissos ainda. Mas eu vou tentar ir me virando. POR FAVOR, NÃO DESISTAM DE MIMMM.
Bom, vamos falar sobre o capítulo. O título já deixa um pouco intrigado, mas vou deixar vocês descobrirem sozinhos. Um bom capítulo para retomar as postagens hahaha. A música é do Queen, a letra tem um pouco a ver, mas é mais o nome mesmo. Link: https://www.youtube.com/watch?v=rY0WxgSXdEE
Finalmente, espero que ainda estejam comigo nessa jornada e que gostem do capítulo. Boa leitura!



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O que é um bom dia para você? É um dia sem problemas? Um dia feliz? Um dia no qual você passe a maior parte alegre ou pelo menos não triste? Um dia sem desacertos? Um dia com a família? Um dia com a pessoa que você ama? Um dia em que a sua rotina se cumpra perfeitamente, ou um dia em que você se aventure? Como você classifica um dia como sendo bom ou ruim?

Meus olhos não deixavam o relógio. Minhas unhas não saíam do meio dos meus dentes. Minha perna não conseguia ficar parada. A ansiedade estava tomando conta do meu ser por completo, e a cada movimento do ponteiro dos segundos, meu coração acelerava mais.

— Claire, você está com algum problema? – uma voz questionou-me por trás, fazendo-me dar um pulo de susto. Olhei para ver quem era, e descobri que era Rebecca, olhando-me com desconfiança.

— Você sabe o que está acontecendo nesse exato momento? – respondi com outra pergunta, finalmente tirando o dedo da boca.

— Você está tendo um ataque de pânico? – ironizou, erguendo uma sobrancelha.

— Ronan está assinando os papéis do divórcio. – revelei por fim, ignorando seu comentário.

— E depois disso, vocês vão viver felizes para sempre. – falou com sarcasmo novamente, e eu revirei os olhos.

— E depois disso, tentaremos viver felizes para sempre. Ou pelo menos por um dia sequer. – corrigi-a, dando de ombros na última frase.

— Você conversou com o Erick? – perguntou, estudando-me com o olhar.

— Ainda não. – suspirei, lembrando-me daquele detalhe só naquele momento. Eu evitara o homem ao máximo no mês anterior, com medo de ter que ter a conversa com ele. Mas a cada dia a corda apertava mais, e não passaríamos daquele dia para termos um papo sério.

— Deixe-me adivinhar: você está mantendo o Erick no banco, porque caso não dê certo com o divórcio do Ronan, você pelo menos ainda terá uma carta na manga para afogar as mágoas e não ficar sozinha. – especulou, deixando-me sem graça. Infelizmente, ela tinha razão, e colocando em palavras ela me fazia parecer a pior pessoa do mundo. Abri a boca para me justificar, mas não consegui inventar nada, então apenas me mantive em silêncio, motivando-a a continuar – Eu sabia! Você não pode ter tudo, Claire. Seja sincera com o Erick. Ele já deve saber, de qualquer forma... – abaixou a voz na última frase, como se comentasse para si mesma.

— Como você sabe que ele já sabe? – indaguei, surpresa.

— Os rumores não falham. Todos estão comentando sobre isso. – deu de ombros, até me deixando um pouco desconfiada.

Nossa conversa foi interrompida pelo apitar de meu celular, indicando que uma nova mensagem chegara. Sem pensar duas vezes, tirei-o do bolso o mais rápido possível, apertando o botão para a tela acender. Passei os olhos pelas notificações, até que finalmente encontrei o que queria.

Ronan: Está feito. Sou oficialmente um homem divorciado.

Ao ler aquelas palavras, não pude evitar mas abrir um sorriso que faltou rasgar meus lábios, e meu coração parecia que ia saltar do peito. Provavelmente, todos à minha volta estavam vendo o quão radiante eu estava, pois eu mesma me sentia brilhando de felicidade.

— Ele assinou, não é? – questionou Cooper, provavelmente já sabendo a resposta.

— Ele assinou. – respondi sem tirar os olhos do aparelho, ainda sorridente.

— Agora seria uma boa hora para ter uma conversa complicada com um certo alguém... – afirmou, tirando-me de minha bolha de alegria. Ela tinha razão: eu ainda teria que falar com Erick, e não sabia se estava pronta.

— Nem para você me dar um momento de felicidade... – reclamei, suspirando – O que eu devo dizer a ele?

— Que tal: hey Erick, eu sei que andei saindo com você faz alguns meses, mas a verdade é que eu estive totalmente apaixonada por um paciente meu que era casado, no entanto, acontece que ele não é mais meu paciente e nem casado, então agora nada me impede de meter o pé na sua bunda e correr para ele. Tchau. – fez uma vozinha mais fina, como se me imitasse, deixando a ironia explícita.

— Você já mostrou seu ponto de vista, por que está agindo assim? – franzi o cenho, não gostando muito das atitudes de minha amiga.

— Porque eu acho que o que você está fazendo é burrice. – disse, erguendo as duas sobrancelhas e os ombros.

— Seguir meu coração pelo menos uma vez na vida não é burrice. – retruquei, negando com a cabeça.

— Nesse caso, é sim. – riu fraco – Você está largando um cara que se mostrou decente, para ficar com um que traía a esposa com você. O que a faz pensar que ele não fará o mesmo quando estiverem juntos?

— Você acha que já não pensei nisso? – rebati, começando a perder a paciência – Ele se casou com ela por pressão familiar, não porque a amava. E outra, quem é que está falando sobre casamento? Eu só quero sair um pouco com ele. Conhecê-lo melhor. Quem sabe, até me relacionar sério com ele. – tentei justificar, indignada com as acusações da jovem.

— E como você sabe se os motivos de ele traí-la são reais? – perguntou, possivelmente tentando descredibilizá-lo.

— Eu não sei. – ergui o volume da voz, agora realmente impaciente – Mas é para isso que quero conhece-lo de verdade. Vou dar a ele o benefício da dúvida. – respirei fundo e tentei me acalmar, notando que várias pessoas assistiam à nossa cena – Eu tenho que ir falar com o Erick. – virei as costas e comecei a andar, querendo acabar aquela conversa.

— Claire. – chamou-me, e eu brequei e virei-me para ela, já cansada.

— O que? – indaguei, cruzando os braços.

— Só tome cuidado, okay? – pareceu preocupada, fazendo minha ficha cair sobre o motivo daquela discussão. Talvez, ela só quisesse me proteger para que eu não me quebrasse em um relacionamento novamente.

Apenas assenti e retomei meu caminho, não querendo dar o braço a torcer. Enquanto andava, ouvi meu celular apitar novamente, e chequei-o na velocidade da luz. Era outra mensagem de Ronan, e foi só ali que lembrei que não havia o respondido ainda.

Ronan: Que horas posso te buscar no hospital?

Abri outro sorriso imenso e desbloqueei o celular, ansiosa para responde-lo.

Eu: Pode vir daqui uma meia-hora. Vou resolver uns assuntos aqui e já estarei pronta.

Enviei a mensagem e enfiei o celular no bolso do jaleco, pegando o bipe em seguida. Usei-o para chamar Erick numa Sala de Descanso, e fui até lá espera-lo. Enquanto ele não chegava, conversei com a babá que chamava às vezes, combinando os detalhes para a noite. Caminhava de um lado para o outro, ensaiando minhas falas mentalmente e procurando uma maneira de dizer o que tinha que dizer, de tal forma que não me deixasse tão mal vista. Brequei em seco quando ouvi o som da porta se abrindo, revelando o corpo do cirurgião plástico, que parecia curioso.

— Precisa de alguma coisa? – questionou após fechar a porta atrás de si, enfiando as mãos nos bolsos do uniforme e mantendo sua distância.

— Eu... preciso falar com você. – disse, sem saber como começar.

— Você já disse isso quando me bipou. – riu-se, deixando-me sem graça.

— Certo. – forcei um sorriso e engoli em seco, pensando em como continuar – Erick eu... realmente gostei do nosso tempo juntos. Você sempre será especial para mim, já que foi meu primeiro depois do Akira, sem contar que você é um cara muito, muito legal. Mas tem uma outra pessoa que mexe comigo...

— Eu sei. – olhou-me com um leve sorriso sarcástico no rosto, confirmando meus medos de que ele já tivesse ouvido falar.

— Os rumores não falham... – repeti o que Rebecca dissera, suspirando – Eu sinto muito, Erick... Mas era complicado...

— Eu entendo. – deu de ombros e negou fraco com a cabeça – Nós não estávamos ficando sério. Sem contar que o coração quer o que quer, certo? – manteve o sorriso no rosto, deixando-me aliviada. Eu realmente estava torcendo para que ele estivesse sendo sincero em suas palavras.

— Certo. Então, estamos bem? – sorri sem jeito, tentando relaxar um pouco.

— Estamos bem. Seremos amigos e apenas amigos a partir de agora. – assentiu, pronunciando as palavras calmamente.

— Ótimo! – abri mais o sorriso, sentindo um grande peso sair de minhas costas. Agora as coisas estavam se encaixando.

— Bem, acho que deveríamos ir... A não ser que você esteja de plantão. – apontou para trás, provavelmente querendo sair logo dali.

— Não estou. Deveríamos ir. – concordei, e ficamos num silêncio constrangedor em seguida.

— Espero que dê tudo certo. Divirta-se. Boa noite, Claire. – o homem disse enfim, dando as costas para mim e seguindo para fora.

Respirei fundo e fechei os olhos, com a sensação de dever cumprido. Uma coisa a menos para tirar meu sono à noite.

Foi quando lembrei-me que tinha marcado de sair com Ronan, e em poucos minutos ele estaria no hospital. Apressei-me para o vestiário e troquei de roupa o mais rápido que consegui, usando pela primeira vez em meses as maquiagens que mantinha em meu armário. Passei algo simples no rosto, apenas para encobrir as imperfeições, e dirigi-me para o saguão, onde encontraria com o homem que tanto esperara.

Sentei-me em uma das cadeiras da Sala de Espera e fiquei olhando em volta. Minhas pernas não paravam de se mexer, e vez ou outra eu mordiscava minha unha, ansiosa. Peguei uma revista na tentativa de me distrair, tirando os olhos da porta pela primeira vez. Folheei-a por alguns segundos, até perceber que se tratava de uma edição de 2006, então perdi a paciência e joguei-a de volta no cesto, levantando-me logo em seguida. Eu não sabia muito bem o que estava fazendo, mas a ansiedade estava tomando conta de mim, e eu precisava extravasar de alguma forma, por isso comecei a caminhar de um lado para o outro, ignorando os olhares curiosos de todos que passavam por ali.

— Você está bem? – senti uma mão em meu ombro, acompanhada de uma voz em minhas costas com um sotaque irlandês inconfundível. Sem virar-me para trás, já descobri quem era, e sua aproximação quente combinada com seu perfume forte fez-me praticamente derreter. Eu sentia-me como uma adolescente, paralisada diante do seu crush— Claire? – chamou-me novamente, depois de eu ficar alguns segundos totalmente imóvel e calada, apenas sentindo sua presença próxima de mim.

— Eu estou bem. – respondi, tomando coragem para virar-me para ele. Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha e finalmente encarei-o, sentindo o choque ao ver seus olhos azuis. Um sorriso esparramou-se em seu rosto, numa mistura de ironia com felicidade – Melhor agora. – ri fraco, sem tirar meus olhos dos dele.

— Então, quer sair daqui? Talvez tomar uma, ou comer alguma coisa... Talvez só andar mesmo. – sugeriu, dando de ombros no final.

— Eu adoraria. – concordei com a cabeça, animadamente.

O homem ofereceu seu braço, e sem delongas eu enganchei o meu no dele, ambos caminhando para fora do hospital.

— Eu estava pensando em algo especial para nosso primeiro encontro. – afirmou, enquanto andávamos pelo estacionamento.

— O que? – perguntei curiosa, olhando-o rapidamente antes de voltar minha atenção para o caminho.

— O programa americano que mais gosto. – riu levemente, apertando o botão no controle da chave do carro para desarmar o alarme.

— E o que seria isso? – questionei, ficando ainda mais intrigada.

— Você descobrirá logo. – sorriu de sua forma galanteadora, abrindo a porta da caminhonete para mim. Ri e neguei com a cabeça, não acreditando que aquilo estava acontecendo.

Ronan deu a volta e entrou no banco do motorista, colocando o cinto e olhando-me com o canto dos olhos. Deu duas buzinadas e abriu mais o sorriso, virando a cabeça para mim.

— Para onde, senhorita? – indagou, e não demorou muito para eu pegar sua referência.

— Para as estrelas. – respondi, com um sorriso bobo em meus lábios. Eu mal podia crer que ele acabara de reproduzir a cena de um dos meus filmes favoritos. Só esperava que ele não morresse no final...

Ficamos nos encarando por um tempo, até que caímos na gargalhada, notando o quanto aquilo fora bobo, mas, ao mesmo tempo, especial para nós. São momentos como esses que ficam eternizados como boas memórias, e até mesmo nostálgicas.

Depois de nos recompormos, o homem acelerou para fora do estacionamento, e eu apenas fiquei observando a paisagem pela janela, tentando descobrir para onde ele estava me levando. Okay, talvez eu estivesse sendo imprudente, entrando no carro de um praticamente estranho, que não queria me dizer para onde estava me levando. Mas algo me dizia que aquilo iria me fazer bem, e que suas intenções eram boas. Então ignorei a parte racional, e decidi ir pela emocional.

Minutos depois, estávamos em um novo estacionamento. O’Kelleher parou o carro e desceu rapidamente, apressando-se para abrir a porta para mim. Sorri agradecida e desci do veículo, visualizando uma grande bola de boliche de LED sobre um prédio muito bem iluminado. Virei-me surpresa para ele, definitivamente não esperando aquilo.

— Uau. Por essa eu não esperava. – ri, erguendo as duas sobrancelhas enquanto estudava o local.

— Eu acho que todo americano gosta de boliche, e como você é americana, presumi que você também gosta de boliche. – deu de ombros, também olhando em volta – Você gosta de boliche? – voltou a fitar-me, parecendo ficar inseguro de repente, provavelmente começando a se questionar se aquela foi uma boa ideia.

— Eu gosto. – assenti, e o alívio de meu antigo paciente foi notável. Soltou o ar que estava prendendo e sorriu, retomando a pose descontraída.

— Então, vamos entrar? – apontou para a porta do prédio, erguendo uma sobrancelha.

— É claro. – concordei e comecei a andar ao seu lado em direção à entrada, num silêncio um pouco sem jeito.

Não demorou para que entrássemos na construção, que encontrava-se cheia de pessoas divertindo-se nas pistas, a maioria agrupadas em grandes times. Além de uma animada música de fundo, as vozes dos presentes tentavam se sobrepor aos sons das bolas derrubando os pinos, que praticamente não cessavam por nenhum segundo.

Ronan conversava com a recepcionista, enquanto eu observava tudo. Logo ele voltou com uma comanda, e guiou-me para um outro balcão em seguida. Sem muitas delongas, nós dois pegamos os sapatos apropriados que nos serviam, e em alguns minutos estávamos em uma pista só nossa.

— Aqui, pegue as bolas rosas, são as mais leves. – apontou para um par de bolas cor-de-rosa, e eu olhei-o com cara de tédio. Ele acabara de me desafiar, me chamando de fraca...

Não falei nada, apenas peguei uma bola vermelha, testando seu peso antes de posicionar-me para jogar. Mirei bem no pino que ficava mais à frente, e joguei com toda a força que tinha. A bola deslizou pela pista de uma vez, não deixando nenhum pino de pé ao atingi-los. Virei-me para Ronan, que olhava-me boquiaberto, e segurei um vestido imaginário, curvando-me como se o cumprimentasse como uma dama. Ergui uma sobrancelha e afastei-me, dando-o espaço para fazer sua jogada. Ele desafiou-me com o olhar e pegou uma bola preta, entrando em posição. Demorou um bom tempo mirando, até que finalmente arremessou a bola com força, e num piscar de olhos todos os pinos estavam no chão. O homem abriu um sorriso provocador e fingiu tirar um chapéu, curvando-se também numa menção de cumprimento. Estreitei os olhos e levei aquilo como um desafio, o que me motivou ainda mais a derrota-lo.

—-

A noite foi extremamente agradável. Terminamos o jogo com uma vitória minha, o que rendeu várias brincadeiras vindas da minha parte. O estabelecimento possuía praça de alimentação, então aproveitamos para jantar ali mesmo. O cardápio não era muito variado, já que era composto basicamente por fastfood. Acabamos pedindo uma pizza, e ambos comemos como se não houvesse amanhã. O clima foi leve, e consegui me manter descontraída pela maior parte do tempo. As horas passaram voando, e quando menos esperávamos, o lugar já estava fechando. E, mais uma vez, Ronan fizera meus problemas desaparecerem.

Depois de sermos praticamente tocados para fora, finalmente deixamos o prédio, andando lado a lado pelo estacionamento, dividindo uma porção de batatas fritas que havíamos comprado antes de fecharem a cozinha de vez, além de tomando um milk-shake cada. É claro que não apenas comemos, mas também experimentamos quase todos os drinks oferecidos no cardápio. Então não estávamos muito sóbrios, o que nos fazia rirmos de praticamente tudo, e uma pequena coisa se tornava a mais hilária do mundo.

Aproximamo-nos do carro e Ronan destravou-o, apressando-se até a carroceria, que estava coberta por uma lona.

— O que você está fazendo? – perguntei, enquanto o homem retirava a lona. O mesmo apenas me ignorou, e quando acabou, abriu a tampa da traseira e parou com os braços apontando para ela, como se me mostrasse algo.

— Tcharan! – sorriu quando eu me aproximei mais, visualizando o que ele tanto queria me mostrar. A carroceria estava coberta por alguns grossos edredons, além de ter um cobertor pronto para nos acolher, e dois travesseiros.

— Uau. – soltei, sendo totalmente pega de surpresa novamente – Parece que alguém já tinha tudo planejado antes mesmo de ter assinado os papéis. – ri fraco, analisando a cena.

Ele não disse nada, apenas tirou os sapatos e colocou-os num canto da carroceria, subindo nela e estendendo a mão para mim, como se oferecesse ajuda. Também tirei meus sapatos e coloquei-os junto com os dele, em seguida apoiando-me em sua mão para subir.  O’Kelleher abriu a janelinha que nos separava da cabine do carro, e esticou-se todo para alcançar o rádio e liga-lo, tocando algumas músicas românticas. Nós dois nos deitamos, pousando nossas cabeças nos travesseiros, e ele jogou o cobertor sobre nós, que ficamos em silêncio por um tempo, enquanto comíamos as batatas que ainda restavam no saco de papel, que fora a embalagem para viagem que nos ofereceram. Ambos observávamos o céu, que estava bastante estrelado, devido à pouca iluminação do local naquele momento, já que o boliche havia fechado e suas luzes externas estavam todas apagadas. Se eu estivesse sozinha, provavelmente estaria apavorada por estar em um lugar como aquele. Mas, com Ronan, tudo parecia um paraíso.

— Você conhece as constelações? – indagou, quebrando o silêncio que se formara.

— Não muito. Eu gosto de observar as estrelas, mas nunca peguei para aprender sobre as constelações. – dei de ombros, ainda olhando para o céu.

— Aquela é a Ursa Maior. – apontou para um conjunto de estrelas, que não faziam o mínimo sentido para mim – Aquela, é Virgem. – indicou outras estrelas – Qual é o seu signo?

— Câncer. – respondi, estranhando sua pergunta.

— Não dá para ver daqui. Mas dá para ver o meu, que é Capricórnio. – mostrou-me outra constelação, que até pareceu um pouco formar um par de chifres, fazendo jus ao nome – Mas você quer saber? A estrela mais brilhante não está ali. – negou com a cabeça, fazendo cara de desprezo.

— Sério? – questionei confusa, realmente acreditando em sua afirmação.

— Sério. A estrela mais brilhante está aqui ao meu lado. – virou-se para mim com seu sorriso galanteador, pegando-me de surpresa.

Encarei-o por alguns segundos, mantendo a expressão séria, enquanto processava suas palavras em meu cérebro levemente atrasado pelo álcool.

— Isso foi... – finalmente comecei a falar, ainda sem expressar reação – Meio ridículo. – caí na risada, fazendo que não com a cabeça. O homem acompanhou-me no riso, parecendo um pouco sem graça.

— Desculpe-me. Estou meio enferrujado com as cantadas. – falou, ainda rindo.

— Está tudo bem. Você tentou. – pousei minha mão em seu ombro sem pensar, e logo senti como se uma descarga elétrica percorresse meu corpo, fazendo-nos parar de rir gradativamente, enquanto encarávamos um aos olhos do outro.

— Eu tentei. – concordou, agora quase totalmente sério.

Nossos olhos não desgrudaram um do outro por nenhum segundo, e, por um momento, só existiam nós dois e a música de fundo, “I Want to Know What Love Is” da banda Foreigner. Aquela letra condizia muito com o que estava acontecendo em nossas vidas, e encaixou-se perfeitamente no momento.

In my life, there's been heartache and pain

I don't know if I can face it again

Ronan pousou sua mão em meu rosto, fazendo carinho com seu polegar. Um sorriso um pouco tímido escapou de meus lábios, e ele aproximou-se lentamente de mim, beijando-me com urgência a princípio, como se quisesse aquilo há muito tempo. Logo aquela pressa do primeiro momento passou, e o carinho passou a ser o principal sentimento.

I want to know what love is

I want you to show me

Era inacreditável para mim que aquilo era real. Que eu finalmente estava beijando aquele homem que não deixou meus pensamentos por muito tempo desde que eu o conhecera. Eu não conseguia acreditar que finalmente estávamos juntos, sem impedimentos, sem medos. E aquilo parecia a coisa mais certa do mundo.

Após alguns minutos, o clima começara a esquentar, e os beijos tornaram-se mais intensos. Quando notei, Ronan já estava sobre mim, apoiando o peso de seu corpo nos braços, que encontravam-se colados às minhas laterais. Eu realmente não queria que aquilo parasse, mas minha consciência veio à tona, lembrando-me de que estávamos na carroceria de um carro.

— Ronan, espere. – segurei seu rosto levemente e afastei-o um pouco, quebrando o beijo.

— Algum problema? Estamos indo muito rápido? – indagou, parecendo preocupar-se.

— Não, eu quero isso, é só que... – neguei com a cabeça e olhei em volta – Nós estamos em um estacionamento. Podemos ser presos por atentado ao pudor. – afirmei, e ambos caímos na risada, provavelmente imaginando a cena. O homem rolou para o lado, retomando seu lugar na cama improvisada, e continuamos gargalhando por algum tempo.

— Não seria um bom jeito de terminarmos o primeiro encontro. – disse, agora acalmando-se – Minha casa ou a sua?

— Você tem uma casa? – franzi o cenho, ironicamente.

— Bom ponto. – levantou-se e estendeu a mão para mim novamente, me ajudando a levantar-me.

Entrei na cabine do carro enquanto ele arrumava a carroceria, e logo estávamos em meu apartamento. Dispensei a babá rapidamente, certificando-me de que os gêmeos estavam dormindo, antes de levar Ronan para meu quarto. Fechei a porta atrás de mim e escorei-me nela, enquanto o mesmo estudava o local com o olhar. Ao virar-se para mim, nossos olhares se fixaram, e ele começou a caminhar em minha direção, fitando-me de maneira extremamente sexy. Senti meu corpo ferver por dentro, e a temperatura subiu ainda mais quando ele agarrou-me, já tentando livrar-se de minhas roupas. Em um piscar de olhos, estávamos na cama, já apenas em nossas roupas íntimas. Encontrava-me sentada em seu colo, enquanto beijava-o calorosamente, e percorria minhas mãos por todo o seu corpo, querendo conhecer cada milímetro.

No entanto, quando estava prestes a alcançar o mais esperado, o clima foi quebrado pelo som do meu bipe, fazendo-me pular para trás de susto.

— Desculpe-me. Preciso ver o que é. – disse e levantei-me, procurando o aparelho em meio às roupas espalhadas pelo chão. Encontrei-o no bolso do meu casaco, e franzi o cenho ao ler o que era.

— Aconteceu alguma coisa? – questionou Ronan, ainda na mesma posição que eu o deixara.

— Eu não sei... Provavelmente, já que estão me bipando com urgência no hospital. – respondi, ainda confusa. De repente, meu celular começou a tocar, e encontrei-o no outro bolso do casaco, atendendo-o rapidamente após ver quem era – Anastasia? O que aconteceu?

— Ligue a TV. Agora.— ordenou seriamente, e eu apenas corri para o andar de baixo, fazendo o que ela mandou apressadamente.

Apertei o botão para trocar de canal freneticamente, até que encontrei um noticiário.

“Tiroteio em boate LGBT+ deixa 20 mortos, e número de feridos ainda é desconhecido.”

— Oh meu Deus... – coloquei a mão na boca, totalmente chocada – É a boate que a Rebecca frequenta.

— E é a boate que o Diego frequentava também, e onde o Mariano trabalha. Nós estamos correndo para o hospital. — falou Lewis pelo telefone.

— Eu encontro vocês lá. – afirmei e encerrei a ligação, virando-me e dando de cara com Ronan.

— Hey, o que aconteceu? – indagou, segurando meus ombros com preocupação.

— Aquilo aconteceu. – apontei para a TV – Minha melhor amiga frequenta aquela boate, e o namorado de um amigo também. Eu tenho que voar para o hospital, eles precisam de mim lá para ajudar com os feridos. – respondi rapidamente, correndo escadas acima novamente.

Recolhi as roupas do chão e vesti-as o mais rápido que pude, discando o número da babá enquanto colocava as peças.

— Droga, a babá já deve estar dormindo! – amaldiçoei, jogando o celular sobre a cama e calçando os sapatos.

— Hey, eu tomo conta das crianças. Você pode ir em paz. – meu antigo paciente ofereceu-se. Eu encarei-o por um momento, julgando se aquilo era algo certo a se fazer, e cheguei à conclusão de que era melhor não arriscar tanto assim, afinal eu podia não conhece-lo totalmente, e ele podia não ter muita experiência com bebês.

— Que tal você ajudar-me a leva-los junto ao hospital? A creche fica aberta para os plantonistas. – sorri um pouco forçado, acabando de colocar os calçados.

Fui até o quarto dos gêmeos, peguei a bolsa deles e acomodei-os em seus bebê-conforto, tudo com o máximo de agilidade que pude. Ao sair dali, dei de cara com Ronan, que já estava vestido e aparentemente pronto para ir.

— Vamos? – chamou, olhando-me de cima embaixo, provavelmente um pouco surpreso.

— Vamos. Rápido. – assenti e segui com ele para fora, trancando a porta antes de sair.

Após alguns poucos minutos, já estávamos adentrando o hospital. A Sala de Espera estava caótica, com muitas pessoas desesperadas para saberem sobre seus conhecidos e familiares. Cortei rapidamente pela multidão, protegendo Tsunade de possíveis impactos, enquanto Ronan me seguia no mesmo ritmo, também responsável pela segurança de Akira. Corri em direção à creche, que também estava lotada de crianças, e deixei os gêmeos com uma funcionária, trocando poucas palavras com meu companheiro antes de disparar para o vestiário. Em um piscar de olhos, já estava vestida em meu uniforme, e sem muita demora cheguei na entrada das ambulâncias, amarrando o avental.

— Claire, ainda bem. Você tem notícias da Rebecca? – questionou Anastasia, olhando-me preocupada.

— Não, eu saí tão afobada de casa que nem tive tempo de ligar para ela. – neguei com a cabeça, terminando de amarrar. Tirei o celular do bolso do uniforme e apertei 3 na discagem de emergência, que era o número de Rebecca. O celular chamou várias vezes, mas caiu sem ninguém atender. Repeti a mesma coisa por no mínimo umas cinco vezes, sem sucesso – Droga! – amaldiçoei, descontando minha raiva finalizando a chamada com um forte toque na tela – Ela não atende. – bufei, começando a me desesperar.

Lewis abriu a boca para dizer alguma coisa, mas foi interrompida pela aproximação de uma ambulância. Apressamo-nos em direção ao veículo, e as pessoas que estavam lá para serem socorridas tiraram nossas dúvidas: primeiramente, desceram a maca de Rebecca, depois a de Mariano, com ambos desacordados. Enquanto isso, outra ambulância aproximou-se, obrigando a loira a atende-la.

— Não... – os olhos de Diego se encheram de água ao ver seu namorado coberto em sangue.

Aproximei-me mais de Rebecca para ver melhor seu estado, e não parecia dos melhores. Respirei fundo para não ter um ataque ali mesmo, tentando ignorar os possíveis cenários ruins e prender o choro.

— Diego, me escuta. – segurei o braço do rapaz, que já chorava desesperadamente – Eles vão sair dessa. Você toma conta da Rebecca, e eu tomo conta do Mariano, okay? Salve minha garota, que eu salvo o seu garoto. – encarei seus olhos profundamente, tentando passar segurança para ele – Agora temos que agir logo. Vai dar tudo certo. – soltei-o e acompanhei a maca do barman para dentro do prédio.

Os primeiros procedimentos começaram a ser feitos, e logo foi possível identificar 3 ferimentos de entrada da bala, o que nos levou a procurar pelos ferimentos de saída.

— Eu não consigo encontrar a terceira saída. – afirmei, depois de uma meticulosa procura – Eu acho que ele ainda tem uma bala aí dentro. – falei às enfermeiras, que pareciam tensas – Encontre o Hunt ou a Kepner, eu vou precisar de uma ajudinha aqui. – pedi a uma moça, que moveu-se rapidamente.

— O que temos aqui? – questionou April ao aproximar-se.

— Encontramos 3 ferimentos de entrada, mas apenas 2 de saída. – respondi, e a médica apressou-se para pegar o ultrassom portátil, fazendo o exame no abdome, local onde a bala provavelmente estaria.

— O que você vê? – perguntou a ruiva, apontando para a tela.

— Parece que o intestino dele está vazando. – franzi o cenho, não muito feliz com o que via.

— Leve-o para um Raio-X e CT abdominal com urgência, e bipe alguém da Geral. – ordenou a cirurgiã, e a equipe de enfermagem moveu-se agilmente.

Assenti e bipei todos na Geral, esperando para ver quem estava disponível. Segui a equipe até as salas dos exames, esperando algum Atendente aparecer.

— Diga-me o que está acontecendo. – mandou Meredith, adentrando a sala da CT.

— Ele foi baleado 3 vezes, mas aparentemente apenas 2 balas saíram. A terceira parece estar alojada no intestino dele, que provavelmente está vazando. – expliquei rapidamente – Aqui está o Raio-X. – tirei a chapa de dentro do envelope, e a loira segurou-a contra a luz, analisando o resultado.

— Está aqui. – apontou para um ponto na imagem, e abaixou o olhar para a tela do computador, observando a CT – É isso mesmo, agende uma SO com urgência. Temos que tirar essa bala e reparar esse intestino.

Concordei com a cabeça e corri até o balcão das enfermeiras, resolvendo sobre a SO. Parei um instante apenas para contemplar o paciente sendo levado para ser preparado, suspirando ao refletir sobre a enrascada que eu estava envolvida novamente. Mais uma pessoa importante para alguém importante para mim estava em minhas mãos, e eu temia perde-lo também, assim como já acontecera no passado.

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Grey e eu nos encontrávamos lavando-nos. A mulher ao meu lado não parecia muito nervosa, totalmente o contrário de mim. Além de sentir o peso da vida do namorado de um amigo meu em meus ombros, eu estava preocupada com o fato de que ainda não havia recuperado completamente minha sobriedade. No entanto, se eu falasse alguma coisa, seria tirada daquela cirurgia, e eu não podia abandoná-lo daquela forma, afinal, eu praticamente tinha feito uma promessa a Diego. Por outro lado, se algo desse errado, eu poderia entrar em grandes problemas se alguém descobrisse que eu estava embriagada. Mas não queria pensar no pior cenário.

Terminamos de nos lavarmos e adentramos a SO de uma vez, sendo auxiliadas para vestirmos as luvas e aventais. Aproximamo-nos da mesa, e eu fechei os olhos por alguns instantes, fazendo uma breve mas fervorosa oração antes de começarmos.

— Okay, vamos iniciar. Lâmina 10. – disse a cirurgiã, com a mão estendida para receber o objeto.

Ao abri-lo, logo demos de cara com uma quantidade assustadora de sangue, e os aparelhos começaram a disparar, avisando uma parada cardíaca.

— Jesus! – exclamou a loira, tentando estancar o sangue com as mãos – Scofield, pegue o desfibrilador! – ordenou, e uma enfermeira me entregou-o – Carregue para 200. – aproximei-me mais do corpo e posicionei as pás.

— Afasta! – falei, e todos o fizeram. Olhei para o monitor, que mostrou que não obtivemos sucesso – Nada. Carregue para 300. Afasta! – dei o choque novamente, ainda fracassando – 400. Afasta! – nada aconteceu – 600. Afasta! – neguei com a cabeça ao não vê-lo reagir, começando a perder as esperanças – Vamos de novo...

— Claire, eu não acho que vá adiantar. Ele já perdeu muito sangue. O abdome dele está uma bagunça. Devemos anunciar. – afirmou Meredith, olhando-me seriamente.

— Não... Temos que continuar tentando. Ele não pode morrer. Não nas minhas mãos. – fiz que não com a cabeça e devolvi as pás ao carrinho, agora fazendo massagem cardíaca – Vamos lá... Por favor Mariano. Lute mais duro. Pelo Diego. – bombeava cada vez mais desesperada, sem nenhum sinal de melhora da parte dele.

— Claire, pare. – a médica ficou mais perto de mim, mas eu não a obedeci, forçando-a a pôr suas mãos sobre as minhas, impedindo-me de continuar os movimentos – Ele se foi. Ele está morto, Claire. – olhou no fundo dos meus olhos, tentando convencer-me.

— Não... – neguei com a cabeça, já sentindo algumas lágrimas escorrendo por meu rosto.

— Hora da morte, 3:42. – anunciou Grey, checando o relógio na parede.

E novamente, eu fui tomada por aquela sensação de estar debaixo d’água. Tudo se tornou um borrão diante de mim, e o som contínuo da máquina, indicando que não haviam batimentos, ficava bem ao fundo. Aquilo não parecia real. Eu preferia acreditar que era um pesadelo. Que eu havia ido para casa com Ronan depois de um encontro maravilhoso, e dormido com ele pela primeira vez, e tudo o que estava acontecendo não passava de um sonho ruim, do qual eu despertaria a qualquer momento e daria de cara com o corpo do meu irlandês deitado ao meu lado.

Mas, infelizmente, aquilo era real. Fui arrancada de minha bolha por Meredith, que segurava meu ombro e encarava meus olhos, com cara de quem esperava uma resposta.

— Você. Está. Bem? – questionou pausadamente, provavelmente já tendo perguntado antes.

— Sim. – menti, sem me dar ao trabalho de fingir bem.

— Você conhece a família dele?

— Não. Apenas Diego, seu namorado. Dr. Diego Gomes. Trabalha aqui. – respondi, mecanicamente.

— Então acho melhor nós duas irmos dar a notícia. – afirmou, olhando-me com pena.

— Okay. – disse seca, dando as costas para ela e indo me lavar, jogando fora as roupas cirúrgicas no caminho.

Lavei-me sem pressa de acabar, e caminhei vagarosamente até a galeria da SO onde Diego estava operando, segundo uma enfermeira me dissera. Adentrei o local e sentei-me ao fundo, assistindo à cirurgia de Rebecca, com dois sentimentos em conflito: o medo de perder minha melhor amiga, e o medo de ter que falar com Diego. Por um lado, eu queria que a operação acabasse logo, para eu saber se Cooper estava bem ou não. Por outro, eu não queria que terminasse, pois a ideia de dar a notícia a Gomes estava me torturando.

O som do alarme das máquinas me chamou a atenção, indicando que os batimentos da paciente estavam irregulares. Arregalei os olhos e disparei para o vidro que me separava deles, colando meu corpo nele, querendo estar o mais próxima possível. Meus olhos acompanhavam cada movimento da equipe, que se esforçava para manter a moça viva.

— Acho que deveríamos anunciar. – Yang afirmou, parecendo desacreditada.

— Não! – berrei e dei um soco no vidro, sentindo o impacto voltar em minha mão. Segurei-a fazendo uma careta de dor, e escorreguei meu corpo até tocar o chão, deixando as lágrimas escorrerem livremente. Aquele dia que começara tão bem, não poderia terminar daquela forma. Eu não podia perder duas pessoas assim, sendo uma delas meu Suporte à Vida, a mais especial de todas. Apertei minhas pernas contra meu corpo, sentindo meu coração despedaçar-se novamente. Mais uma vez, uma maldita arma estava tirando a vida de alguém que eu amava. Aquilo só poderia ser algum tipo de sina.

De repente, bem no fundo, ouvi um bipe da máquina, que correspondia a um batimento cardíaco. Tirei o rosto do meio das pernas e prestei mais atenção nos barulhos à minha volta, ouvindo novamente aquele som.

— Batimentos voltando. – anunciou uma voz que eu não conhecia muito bem, provavelmente do anestesista.

Coloquei-me de pé em um pulo, voltando a assistir à cirurgia. Todos pareciam aliviados, e um sorriso espalhou-se em meu rosto. Ela estava viva. Eu não havia a perdido.

— Que susto. – disse Diego, respirando fundo.

— Eu sei. Agora vamos continuar. Creio que já podemos fechá-la. Você termina aqui. – falou Cristina, dando espaço para o residente e deixando a sala.

Eu sabia que ele não demoraria muito ali, então desci para a Sala das Pias, bipando Meredith lá. E o momento que eu mais temia chegara: era hora de dar a notícia para Diego.

Quando o rapaz deixou a SO, nós duas já estávamos lá esperando por ele. Seu sorriso foi se desfazendo gradativamente, e ele pareceu já prever o que diríamos.

— O que aconteceu? – indagou, olhando-nos seriamente.

— Diego... – comecei a falar, mas não consegui conter as lágrimas, então cedi ao choro ali mesmo na frente dele, já entregando o que acontecera – Eu sinto muito.

— Dr. Gomes, infelizmente nós não conseguimos salvar seu namorado. Ele morreu de hemorragia na mesa, logo que o abrimos. Nós sentimos muito. – Grey tomou a frente para dar a notícia, percebendo meu estado.

— Não... – negou com a cabeça, deixando as lágrimas descerem por seu rosto – Você disse que ia salvar meu garoto. Eu salvei a sua garota, mas parece que você não foi capaz de fazer o mesmo. – olhou-me de cima embaixo com ódio – Saiam daqui. Agora. Eu quero ficar sozinho. – ordenou, e a loira apenas assentiu, conduzindo-me para fora.

Nós duas saímos dali, e eu pude ouvir o médico socando o metal das pias antes que pudéssemos fechar a porta.

— Vá para casa. Hoje foi um longo dia. – orientou Meredith, e eu concordei com a cabeça – Você vai ficar bem, não é?

— Sim. – respondi, dando de ombros para tentar disfarçar.

A mulher apenas assentiu e deu as costas, seguindo pelo corredor. Olhei pela última vez para a porta do cômodo que estávamos anteriormente, imaginando o que estava acontecendo lá dentro. Agora, mais uma pessoa me odiava, e eu havia decepcionado e perdido mais alguém querido.

—-

Passei no quarto de Rebecca na UTI para dar uma checada, e tudo parecia okay, no entanto, ela ainda estava dopada, então não poderia falar com ela por um tempo. Mandei uma mensagem perguntando onde Ronan estava, e o mesmo respondeu que se encontrava na creche, junto com os gêmeos. A ideia de tê-lo tão prestativo com meus filhos até animou-me um pouco, mas não o suficiente. Segui para o local dito pelo homem, encontrando-o brincando com os gêmeos, que já estavam acordados, como previsto.

— Hey. – cumprimentou-me enquanto eu me aproximava.

— Eu quero falar com você. – afirmei sem enrolação, segurando seu braço e puxando-o para fora dali, indo para a Sala de Descanso mais próxima.

Tranquei a porta atrás de mim e virei-me para ele, olhando-o com cara de paisagem. Quando nossos olhos finalmente se encontraram, senti toda a dor da     quele dia atingir-me como um tiro, e soltei o choro que estava prendendo. Ele foi rápido ao me envolver com seus braços, numa tentativa de me confortar.

— O que aconteceu? – questionou, fazendo carinho em meu cabelo.

— O namorado do Diego morreu... em minhas mãos. Eu não estava sóbria... Talvez eu pudesse ter feito mais... Ele me odeia agora... Nós éramos amigos. – respondi de forma meio desconexa, em meio aos soluços.

— Está tudo bem. Você fez o que pôde. Sem contar que você não estava sozinha, então não foi culpa sua. Ele não vai te culpar por isso. – disse apertando-me mais fortemente contra si.

Ficamos em silêncio por nem sei quanto tempo, enquanto eu encharcava seu ombro com minhas lágrimas. Durante aquele tempo, eu havia refletido sobre algumas coisas, mas nada estava muito claro em minha mente ainda. No entanto, eu percebera que não podia ficar perdendo tempo. A vida muda em um batimento cardíaco, e a qualquer momento mais alguém que eu amava poderia se ir, e eu não queria desperdiçar tempo que poderia ter junto com essas pessoas.

Desencostei minha cabeça de seu peitoral e encarei seus olhos, tomando coragem para falar o que queria. Sem pensar muito, soltei as palavras, não me preocupando muito com as consequências.

— Eu sei que você não tem uma casa aqui em Seattle. Eu quero que você venha morar comigo.

O que é um bom dia para você? Às vezes, um dia tem tudo para ser maravilhoso. Você levanta da cama com aquela sensação de que tudo ficará bem. De que nada nem ninguém estragará seu dia. Mas você já parou para pensar como tudo pode mudar em apenas um dia? 24 horas podem mudar uma vida. Há um dia atrás, você poderia não ser pai, hoje, seu filho nasceu. Há um dia atrás, você era pobre, mas hoje você ganhou na loteria. Há um dia atrás, você tinha a pessoa que você amava, você podia tocá-la, conversar com ela, ouvir o som de sua risada... hoje, ela está morta. Às vezes, nosso dia começa a mil maravilhas, mas pode tornar-se o pior de nossas vidas. Então, o que faz um dia ruim? Será que é a comparação de como nossa vida estava há 24 horas atrás: se estava melhor, o dia foi ruim, e se estava pior, o dia foi bom?


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Notas finais do capítulo

Como diz a música: "mais um bate as botas". O que acharam da morte repentina do Mariano? E do primeiro encontro do novo casal Claire e Ronan (Clonan? Raire?)? Vocês também tiveram vontade de bater na Claire no final do capítulo? Contem-me nos comentários!
E mais uma vez eu peço desculpas gente, perdão mesmo por não postar há quase 6 meses. Não prometo, mas vou tentar evitar isso ano que vem. E pra quem leu até aqui, obrigada pela leitura e pela persistência! Beijos!



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