Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 33
Capítulo 30 – You’ve Got to Hide Your Love Away.


Notas iniciais do capítulo

Olá, gente! Mais uma vez, eu venho me desculpar pelo sumiço. Eu me mudei mesmo de cidade, e agora sou oficialmente uma estudante da USP e moradora de Ribeirão Preto. E estou numa fase de adaptação ainda, com o apartamento e tal. Como eu moro com mais duas meninas, é um pouco difícil ter a privacidade que necessito para escrever, já que ninguém sabe dessa parte da minha vida. Mas estou aproveitando essa Semana Santa que estou sem aulas para pôr um pouco a história em dia.
Ah, e vocês viram que a Kepner e a Arizona vão sair, porque suas respectivas atrizes foram demitidas do elenco?! Cara, eu achei uma puta sacanagem. Eu gostava tanto das duas, até que a Kepner era uma das minhas favoritas. Era, porque agora eles estão estragando ela antes de sua saída. Pode ser que os boatos de que ela vai se suicidar, sejam verdade... Agora só nos resta esperar e ver no que vai dar. Mas estou com medo.
Enfim, agora sobre o capítulo: várias coisas vão acontecer nele, vocês vão ver. E são coisas relevantes para a história.
A música de hoje é dos Beatles, bem legalzinha. O título dela combina com algumas coisas do capítulo. Link: https://www.youtube.com/watch?v=AfON7S1mP2Q
Acho que acabei com os avisos. Só peço mais paciência de vocês, por favor. Boa leitura! Espero que gostem.



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Nem sempre nos convém revelar tudo em nossas vidas. Às vezes, omitir algumas coisas é mais do que necessário. Afinal, quem nunca teve aquele grande segredo? Não necessariamente seu, mas de uma pessoa que o confiou a você? Há coisas que podem nos ferrar profundamente na vida se forem reveladas. Então todo cuidado é pouco com algumas informações.

Os raios de sol atravessavam os buracos das persianas, iluminando o rosto do homem abaixo de mim, e eu sentia alguns atingirem meu rosto também. Eu beijava Erick com vontade, sentada sobre seu corpo, ambos vestidos apenas com nossas roupas íntimas. Sua mão subiu de minha cintura até o feixe de meu sutiã, tirando-o com habilidade.

— Você é bom nisso. – cochichei e sorri fraco, voltando a beijá-lo logo em seguida. Eu sabia que não podíamos demorar muito ali, porque estava quase na hora de irmos trabalhar. Então decidi aumentar a intensidade do beijo, livrando-me do sutiã rapidamente.

— Erick, já está na hora de... – uma voz surgiu repentinamente, invadindo o quarto. Desgrudei-me apressadamente do homem e cobri meus seios como reflexo, virando minha cabeça para ver quem era. Visualizei Anastasia na porta, encarando-nos com desaprovação – ... acordar. – completou, intercalando olhares entre nós dois – Desculpe atrapalhar. – deu as costas e bateu a porta, não parecendo muito feliz.

— Ela... – comecei a falar, não sabendo muito bem o que fazer.

— Eu vou conversar com ela. – afirmou e empurrou-me delicadamente, fazendo-me cair deitada na cama. Levantou-se e seguiu para fora do quarto apenas de cueca mesmo, e eu mordi o lábio enquanto encarava sua bunda bem definida pela boxer roxa.

Aquele último mês parecia um sonho. Eu sentia que Ronan ficava cada vez mais para trás, sumindo aos poucos do meu coração, enquanto Erick tomava seu lugar. Não sabia ao certo se éramos alguma coisa de verdade, nem se ele estava saindo com outras pessoas além de mim. Mas eu sabia que eu passava momentos extraordinários com ele. O sexo era ótimo, tanto que eu não sabia como vivera tanto tempo em celibato. Ele era engraçado e atencioso, me levava a lugares bacanas... Eu me sentia uma princesa. Não sabia até quando viveria aquele mar de rosas, mas estava gostando.

Levantei-me também e segui para o banheiro, tomando um banho rápido. Vesti as mesmas roupas da noite anterior, e quando terminei de me arrumar, o homem retornou ao quarto, olhando-me com um sorriso sacana no rosto.

— Já se vestiu? – questionou, comendo-me com o olhar.

— É claro, sua irmã invadiu o quarto. Como ela entrou? – respondi rindo fraco.

— Ela tem uma cópia da chave do meu apartamento, assim como eu tenho uma do dela. – deu de ombros e aproximou-se mais de mim, envolvendo minha cintura com seus braços – Que tal um café da manhã na rua e depois irmos para o hospital?

— É tentador, mas eu tenho que passar em casa ainda. Tenho filhos, sabe? – fiz uma cara de desapontamento – Onde está Anastasia?

— Eu entendo. – suspirou e concordou com a cabeça, não parecendo satisfeito – Ela já foi. Brigou um pouco comigo, rezou um sermão e foi embora. – disse já procurando alguma roupa no grande closet de seu quarto. Vestiu uma calça jeans e uma camisa, depois calçou os sapatos e virou-se para mim – Eu te dou uma carona. Vamos?

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 Entrei na casa torcendo para que todos estivessem dormindo, então fiz o mínimo de barulho possível. Mas, para minha infelicidade, minha mãe encontrava-se na cozinha, já preparando o café da manhã. Antes mesmo de eu conseguir fechar a porta, ela parou na minha frente, olhando-me com uma cara bem feia.

— Bom dia. – sorri sem graça, tentando amenizar o clima.

— Onde você estava? – questionou seriamente.

— Eu te disse que eu estou vendo um cara... – respondi dando de ombros.

— E isso são horas de uma mãe de família chegar em casa, Claire? E seus filhos, hein? Você vai deixá-los para dormir na casa de um estranho? – interrogou repreensivamente.

— Mãe, você sabe quanto tempo faz que eu não me relaciono com alguém? Dá um tempo. – revirei os olhos, não querendo dar o braço a torcer.

— Eu sei que desde o Akira, você não namorou ninguém. Mas isso não justifica você ficar vadiando por aí, como se não tivesse responsabilidades em casa. Eu quero te ver feliz com alguém, mas não se esqueça que você pôs duas crianças no mundo, e agora terá que cuidar delas. – afirmou, fitando-me seriamente – Para você trabalhar, eu cuido dos gêmeos com prazer. Agora se for para você ficar dormindo com qualquer um por aí, eu me recuso a ser babá. Se quiser, pague uma.

Minha mãe nunca mais falara comigo daquela forma. Aquele tipo de bronca, naquele tom, só ocorriam quando eu era adolescente e fazia alguma merda. A partir da faculdade, ela parara de dar aqueles sermões. Mas eu sentia que realmente pisara na bola, e me toquei que meus atos haviam sido extremamente infantis.

— Desculpa, mãe. Não vai mais acontecer. – suspirei, sentindo-me culpada.

— É melhor mesmo. – mediu-me com o olhar e deu as costas, voltando para a cozinha. Respirei fundo e fechei os olhos, arrependida de ter dormido fora. Eu sabia que não ia dar bom, mas mesmo assim decidi deixar-me fazer algo irresponsável.

Subi as escadas até meu quarto e me troquei para uma roupa mais casual, descendo logo em seguida. Sentei-me na mesa e comecei a me servir apressadamente, já bastante atrasada para ir para o hospital. Erick ficara de voltar para me buscar, depois de tomar café em alguma padaria. Além do dia do casamento, eu ainda não o levara para a casa da minha mãe, e não sabia se estava pronta para isso.

Enquanto tomava uma xícara de café preto e comia uma torrada com geleia, observava as crianças brincarem. Os dois estavam sentados no tapete da sala, com alguns brinquedos espalhados. Panelinhas e carrinhos se misturavam no chão, e os irmãos brincavam com tudo misturado.

— Akira, não! – minha mãe repreendeu o menino, e eu não entendi muito bem o porquê – Isso é brinquedo de menina! Você tem que brincar aqui com seus carros, olha. – tirou uma panelinha da mão dele e apontou para um carro – Não quero que você cresça um menino afeminado, está bem? O Papai Do Céu não gosta. – fitou o garoto nos olhos, e ele não parecia entender nada.

Assisti à cena boquiaberta, extremamente surpresa. Então minha mãe estava dando aquele tipo de educação a meus filhos? Além de machista, sendo homofóbica? Eu até entendia o fato de ela ser assim, afinal, ela fora criada daquela forma, em uma época na qual as pessoas tinham uma mentalidade muito fechada. Mas eu definitivamente não queria aquilo para meus filhos. Os tempos eram outros, e eu não aceitaria ter filhos preconceituosos.

— Mãe! – exclamei, inconformada.

— O quê? – questionou virando-se para mim, de forma um pouco desafiadora.

— O que foi isso? – franzi o cenho, sentindo meu sangue começar a ferver.

— Eu estou dando a educação que você não é capaz de dar, Claire. Afinal, alguém tem que ensinar valores a essas crianças. – respondeu, parecendo convicta do que dizia.

— Esses definitivamente não são o tipo de valores que eu quero que meus filhos tenham. – neguei com a cabeça, irritada.

— É claro, até porque você está virando uma perdida mesmo, né. Nem parece minha filha. Eu te criei da mesma forma, e esperava mais de você. – rebateu, agora realmente me deixando brava, além de ofendida. 

— Perdida? Do que você está falando? – uni as sobrancelhas, confusa.

— Você mal fica com seus filhos. Okay, eu sei que você trabalha muito, mas nem é mais por conta do emprego. Você está trocando seus filhos para dormir por aí com qualquer pessoa. E eu nem vou falar nada sobre a gravidez antes do casamento, eu esperava mais de você. Não vai ser nenhuma surpresa se você me aparecer grávida desse aí também, já está se tornando uma vadia mesmo. – afirmou de forma hostil, deixando-me magoada. Aquelas palavras foram como tapas na cara, e não as esperava vindas da minha mãe. Confesso que já tivemos nossos momentos tensos quando eu era adolescente, mas eu sentia que eu podia confiar nela, e aquilo foi como uma traição de último grau, vinda de quem eu menos esperava.

— Já que eu sou uma vergonha tão grande para você, creio que você não queira mais que eu fique na sua casa. Vou voltar para meu apartamento. – falei com convicção, prendendo o choro. Não ia me mostrar vulnerável para ela.

— E você acha mesmo que vai dar conta de fazer tudo sozinha? Trabalhar, cuidar da casa, criar seus filhos... – disse, me desmerecendo mais ainda.

— Eu sei me virar. É melhor do que deixar meus filhos terem uma criação baseada em vários preconceitos. Eu me mudo hoje mesmo, pode deixar que a hora que eu chegar eu vou fazer as malas. – levantei-me da mesa e apressei-me para fora, batendo a porta antes de sair. Mandei uma mensagem para Erick não ir me buscar e liguei para um táxi. Não estava a fim de lidar com ninguém naquele momento.

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— Que cara feia. – falou Rebecca, me observando enquanto eu me trocava.

— É a única que tenho. – retruquei com o primeiro clichê que me veio na cabeça, fazendo a jovem rir fraco.

— Você não sabe ser grossa, Claire. – negou com a cabeça, ainda rindo – O que aconteceu?

— Eu briguei com minha mãe. Vou me mudar de volta para meu apartamento aqui perto. – respondi e virei-me para calçar os sapatos.

— Uau! Não acha que está sendo precipitada não? – ergueu as sobrancelhas, sentando-se no banco que eu apoiava meu pé.

— Não, eu não acho. – disse hostilmente.

— Foi tão sério assim? – perguntou, agora parecendo preocupada.

— Ela me chamou de vadia. – suspirei, abaixando a guarda – Jogou um monte de coisas na minha cara. Isso tudo porque eu passei a noite fora com Erick e questionei ela sobre algumas coisas que ela falou para os gêmeos. Acho que já passou da hora de eu ir construir minha vida sozinha.

— Nossa, eu não esperava isso da sua mãe. Você está bem? – franziu o cenho, surpresa.

— Não muito, mas vou acabar ficando. Eu sempre fico. – dei de ombros, tristemente.

— Se você precisar de ajuda, sabe que pode contar comigo. – levantou-se e colocou uma mão em meu ombro, encarando-me com compaixão.

— Eu sei. Obrigada. – sorri agradecida – Agora vou ao trabalho, preciso me distrair. Vejo você depois.

— Okay. Fique bem. E você não é uma vadia. – sorriu fraco, e eu assenti e imitei-a.

Afastei-me dela e segui para fora do vestiário, tomando meu caminho pelo corredor. Eu chegara tão sem rumo, que nem vira com quem estava aquele dia. E foi aí que lembrei que estaria sem meus internos naquele dia, pois estavam todos em um dia de palestras voltadas para apenas para eles. Comecei a andar até a lousa da escala dos residentes, mas fui interrompida pelo som de meu bipe. Olhei-o e vi que era Bailey me bipando com urgência no quarto do Ronan, e tive certeza que meu coração parou um segundo. Sem perceber, já estava correndo pelos meios do hospital, pegando as escadas mesmo, para ser mais rápido. Ao chegar no quarto, para minha surpresa, o homem não estava morrendo nem nada do tipo, o que já me deixou extremamente aliviada. Respirei fundo tentando controlar a respiração, agora menos preocupada.

— Você está bem, Dra. Scofield? – questionou Miranda, olhando-me ironicamente.

— Sim, só preciso de um minuto. – respondi ofegante, até retomar o fôlego – O que aconteceu?

— Eu consegui o rim. – afirmou Ronan sorridente, antes que qualquer outra pessoa respondesse. Arregalei os olhos e entreolhei todos ali presentes, e todos pareciam felizes.

— Sério? – abri um largo sorriso, também alegrando-me. De repente, meus problemas de mais cedo sumiram. Pelo menos uma boa notícia no dia.

— Muito sério. Vamos apenas fazer alguns exames e já o levaremos para a SO. – confirmou Owen – Agende uma SO para o primeiro horário disponível. Temos que agir rápido. – ordenou-me, e eu assenti desviando meu olhar para o paciente. Seus olhos brilhavam enquanto me encarava, demonstrando sua pura felicidade.

Se fosse um caso normal, eu já estaria feliz, mas aquele era especial, o que me deixara muito mais alegre. E, mais uma vez, toda a merda que acontecera entre nós havia desaparecido. Eu estava simplesmente feliz pelo fato de que teríamos a chance de salvar a vida do homem que mexia com meu coração.

— Bem, agora é melhor o levarmos para os exames. Katlheen já foi contatada e está a caminho. – falou a cirurgiã geral, e todos concordamos com a cabeça. Dei uma última olhada para Ronan e saí do quarto, aproximando-me do balcão das enfermeiras para agendar a SO. Voltei a acompanhar Bailey, caminhando ao seu lado.

— Agendei a cirurgia, Dra. Bailey. – afirmei, fazendo que sim com a cabeça.

— Esteja pronta para participar, Scofield. Limpe sua agenda. – ordenou, e antes que eu respondesse, fui interrompida por uma voz.

— Como assim, Claire vai participar de uma cirurgia com você? Mas eu estou a seus serviços hoje. – disse Anastasia, que encontrava-se em um canto com Eli. A mulher ao meu lado e eu viramo-nos rapidamente para a residente, que nos olhava incrédula. Miranda mediu-a com o olhar e depois seu ex-namorado, erguendo uma sobrancelha.

— Se não ficasse perdendo tempo com esse aí, talvez pudesse participar. Claire está nesse caso desde que o paciente deu entrada no hospital, então ela vai operar. – retrucou a cirurgiã, e continuou andando. A loira apenas ficou encarando a mim incrédula, enquanto seu namorado fazia cara de paisagem – E por que você ainda não está me seguindo? – questionou, sem parar de caminhar.

— Essa cirurgia será minha... – sussurrou ameaçadoramente com os olhos cerrados, e começou a seguir a Atendente.

Eu não podia perder aquela cirurgia, ainda mais porque era Ronan que estava em jogo. Corri para alcança-las, assim como Eli, e continuamos andando todos lado a lado.

— Por que você não dá uma chance para a Ana, Miranda? Ela é tão talentosa. – falou o enfermeiro, tentando jogar um charme sobre a mulher. Estreitei meus olhos para ele e fiz uma careta. Aquilo era golpe baixo!

— Mas eu acompanhei o caso desse paciente desde que sua doença foi descoberta! Eu até ajudei no diagnóstico! – revidei, decidindo também participar da discussão.

— Que dia é a cirurgia? Certo, hoje. E quem é que está com ela hoje? Certo, eu. Então nada mais justo do que eu participar. – Lewis sorriu sarcasticamente, deixando-me com mais raiva.

— A assinatura de qual residente está por todo o prontuário dele? Certo, a minha. Ele é meu. – falei a última frase com firmeza, sem perceber o duplo sentido que ela possuía.

— Okay, calem a boca agora! – exclamou Bailey, virando-se para nós e brecando no meio do caminho – Vocês querem tanto participar dessa cirurgia? Ótimo! Então as duas vão me auxiliar. Satisfeitas? – trocou olhares conosco, que também nos entreolhamos, vencidas.

— Tudo bem... – dissemos juntas, cedendo.

— Miranda, sempre com seu jeito mandão... – Eli riu fraco, com uma pitada de malícia em sua afirmação, fazendo Anastasia olhá-lo feio e dar-lhe um beliscão sutil, mas que eu notei. A mais velha imitou o olhar da jovem, erguendo uma sobrancelha antes de voltar a seguir seu caminho.

—-

O grande momento havia chego. Adentrei o quarto de Ronan e encontrei-o com Kathleen, ambos tendo um momento que parecia emotivo, provavelmente preocupados com a cirurgia. Limpei a garganta para chamar a atenção, não querendo atrapalhá-los, mas precisava.

— Dra. Scofield... Chegou a hora? – indagou a mulher, olhando-me surpresa.

— Sim, eu vim prepara-lo. – respondi, sorrindo fraco para tentar amenizar – Se você puder nos dar licença... – pedi delicadamente, mas no fundo querendo que ela desaparecesse dali logo.

— Claro. – concordou com a cabeça, parecendo relutante – Eu volto antes de você entrar na SO, okay? Eu te amo. – virou-se para o homem, dando-lhe um selinho antes de deixar o quarto.

Suspirei e aproximei-me dele, um pouco sem jeito. Comecei a fazer o procedimento de preparação, enquanto ele observava-me com atenção. De repente, o paciente segurou meu braço levemente, chamando minha atenção para ele. Passei meus olhos por sua mão em minha pele e segui até seu rosto, que fitava-me com o que parecia uma mistura de emoções.

— Antes de entrar naquela sala, eu quero saber em que pé estamos. – afirmou, fazendo-me respirar fundo.

— No que deveria ter sido desde o começo, eu sou sua médica que está disposta a salvar sua vida porque é meu trabalho, e você é meu paciente casado e futuro pai à beira da morte que precisa dos meus cuidados, para assim poder viver felizes para sempre com sua família. – falei, tentando manter a pose profissional.

— Isso é mentira, e você sabe. – retrucou, e eu revirei os olhos.

— Agora não, Ronan. Nem agora, nem nunca mais. O que quer que estivesse acontecendo entre nós, acabou a partir do momento que sua esposa está grávida e você não vai terminar com ela. Eu segui em frente. – neguei com a cabeça.

— Diga-me pelo menos que vai ficar tudo bem. – olhou-me tristemente, fazendo meu coração balançar um pouco.

— Eu não posso prometer isso, mas posso prometer que vamos dar nossos melhores lá dentro, e isso pode ser mais do que suficiente. – disse com o máximo de certeza que pude.

— Só mantenha-me vivo. Eu não posso morrer. Não agora. – pediu, e foi como enfiar uma estaca de madeira no meu peito.

— Farei o possível e o impossível. – sorri de leve, numa tentativa de acalmá-lo.

— Estamos prontos aqui? – perguntou Miranda, surgindo na porta.

— Quase. – respondi e voltei a mover-me rapidamente, livrando-me da mão do homem. A cirurgiã ficou assistindo a mim com desconfiança, até que finalmente terminei – Agora sim. Chamem Kathleen.

Pouco depois, a mulher já estava ao lado de seu marido, fazendo as devidas despedidas, enquanto esperávamos do lado de fora. Confesso que aquela cena estava me incomodando, mas era totalmente compreensível.

— Temos que agir logo, isso tem que acabar. – afirmou Owen, virando-se para nós três.

— Eu não vou interromper. – fiz que não com a cabeça, livrando-me da tarefa.

— Nem eu. – Anastasia imitou-me, obrigando o médico a olhar sugestivamente para Bailey, que devolveu-lhe com o olhar de “nem pensar”.

— Eu vou, então. – o cirurgião revirou os olhos e foi até o quarto, batendo na porta já aberta para chamar a atenção – Desculpe-me atrapalhar, mas nós temos que ir. – afirmou um pouco sem jeito, e os dois o olharam um pouco surpresos.

— Ah, é claro, desculpe... Podem leva-lo. – a mulher desculpou-se, e o ruivo chamou a equipe de enfermagem com a mão.

Logo a maca do paciente estava se movimentando, junto com uma multidão seguindo ao seu lado. Quando finalmente chegamos na porta do corredor que separava local autorizado com local apenas para equipe cirúrgica, todos brecamos.

— Você para aqui. – disse Hunt à Kathleen, que assentiu tristemente.

— Vai dar tudo certo, meu amor... Você vai ficar novinho em folha para cuidar do nosso bebê. – falou a loira, deixando algumas lágrimas escaparem – Eu te amo muito. – sorriu com tristeza e beijou-o ternamente, deixando todos um pouco sem graça.

— Eu também te amo. – sussurrou o paciente, mas eu consegui ouvir, sentindo a mentira naquelas palavras. Era inacreditável como ele mentia para ela sem piedade... Ou será que era para mim que ele mentia?

Os enfermeiros empurraram a maca através da porta, deixando a esposa do paciente para trás, enquanto nós, os médicos, seguimos para nos lavarmos. Ligamos as torneiras e começamos a nos esfregar em silêncio. Minha cabeça parecia que ia explodir, mesmo eu tentando manter a calma. Eu não conseguia tirar meus olhos de Ronan, que já estava sendo sedado. Um milhão de cenários se passavam pela minha cabeça. Ele poderia sobreviver, mas voltaria para sua esposa perfeita e seu filho que provavelmente seria uma criança perfeita, o que não deveria ser um problema, mas eu não podia negar que para mim era. Por outro lado, ele poderia morrer, e nenhuma de nós ficaria com ele, deixando-a grávida de uma criança já órfã de pai, assim como Akira e eu. E aquilo provavelmente tiraria meu sono pelo resto da minha vida. De qualquer forma, as coisas não estavam ao meu favor, e eu precisava aceitar que estava ali apenas para fazer meu trabalho.

Nem vi o tempo passar, apenas saí de meu transe quando notei que todos os outros três já estavam indo para a SO. Apressei-me para terminar e segui-os, sendo vestida com a roupa cirúrgica e as luvas. Aproximei-me da mesa e fechei os olhos, fazendo uma oração mais elaborada dessa vez, enquanto Bailey também fazia a sua de sempre.

— Okay, vamos começar. Lâmina 10. – pediu a cirurgiã, começando todo o procedimento.

Algum tempo depois, o rim do doador já estava sendo colocado no lugar, e Bailey e Hunt trabalhavam em conjunto, tendo Anastasia e eu apenas para auxílio, e fazendo perguntas para testar nossos conhecimentos. Meus olhos alternavam freneticamente entre o monitor dos sinais vitais e a barriga aberta do homem, com meus nervos à flor da pele.

De repente, o que eu mais temia naquele momento aconteceu: o alarme das máquinas começaram a apitar, alertando alteração nos sinais vitais do homem.

— Batimentos caindo. – avisou o anestesista, deixando-me ainda mais tensa.

— Tem um sangramento aqui. – afirmou Miranda, e eu pude ver ao olhar bem para o abdome – Eu vou tentar descobrir de onde está vindo.

— Oh meu Deus... – murmurei para mim mesma, começando a me desesperar – Você precisa de ajuda? Eu posso ajudar. – ofereci-me, sem conseguir ocultar meu desespero. Aproximei-me mais da mesa, enfiando minha cabeça entre eles para poder enxergar melhor.

— Você pode ajudar ficando mais longe. – rebateu a cirurgiã geral.

— Mas eu posso te ajudar a encontrar a fonte do sangramento... – cheguei ainda mais perto, quase implorando.

— Você está atrapalhando a visão. – disse, já ficando impaciente – Afaste-se! – empurrou-me com o corpo, fazendo-me perder um pouco o equilíbrio, mas não ao ponto de cair.

— Eu só quero ajudar... – senti as lágrimas começarem a se formar em meus olhos, enquanto o som das máquinas ecoavam em minha mente – Esse paciente não pode morrer... Ele não pode... Por favor, Dra. Bailey. – neguei com a cabeça, não conseguindo mais segurar o choro, e a mulher olhou-me com os olhos arregalados, parecendo entender tudo – Faça alguma coisa, ele está morrendo! – gritei sem pensar, perdendo a paciência.

— Você tem sentimentos por esse paciente? – questionou, tirando-me o chão. Eu não sabia o que dizer, então mantive-me calada – Você tem ou não tem sentimentos por esse paciente? – repetiu, agora com mais firmeza, e eu ainda não respondi – Responda a maldita pergunta! – ordenou, elevando um pouco a voz.

— Sim. – respondi na lata, deixando as lágrimas correrem livremente por meu rosto, e fazendo-a negar com a cabeça, incrédula.

— Afasta-se dessa mesa. – mandou, com uma pitada de raiva na voz.

— Não, Dra. Bailey, por favor... Eu só preciso de um minuto para me recompor. – pedi, fazendo que não com a cabeça.

— Afasta-se dessa mesa agora, e saia dessa SO. Eu quero você para lá da porta, e ai de você de aparecer na galeria. Você não é mais médica nesse caso, logo não é mais pessoal autorizado. Agora dá o fora da minha SO. – falou com firmeza, encarando-me feio e voltando a mexer nos órgãos do paciente, aparentando estar extremamente estressada.

— Claire, eu acho melhor você ir. – sugeriu Owen, olhando-me com pena. Virei-me para ele e depois para Anastasia, que parecia chocada com tudo. Suspirei e dei as costas, tirando a roupa cirúrgica no caminho.

— Deve ser alguma sina, meus alunos sempre têm que se envolver com pacientes. – comentou Miranda, destilando ressentimento.

Olhei para a mesa com o canto dos olhos e saí dali, lavando-me rapidamente antes de realmente ganhar o corredor. Sentei-me no chão do lado de fora da porta que me dividia da ala cirúrgica, e encostei minhas costas nela, sucumbindo-me definitivamente ao choro. Mais uma vez, eu havia estragado tudo. E agora, teria que ficar com a dúvida de Ronan sobreviver ou não à cirurgia. Minha vida não se cansava em me passar rasteiras.

— Claire? – uma das últimas pessoas que eu queria ver naquele momento aproximou-se: Rebecca – O que aconteceu? – perguntou, sentando-se ao meu lado.

— Nada. – menti descaradamente, e a mesma olhou-me com cara de quem sabia que era mentira – É o Ronan...

— O paciente do transplante de rins? O que aconteceu com ele? – franziu o cenho.

— Sim... Ele conseguiu o rim. – respondi entre soluços.

— E isso é ótimo, não é? – sorriu, parecendo confusa.

— Sim, tirando o fato de ele ter começado a ter um sangramento, os batimentos começaram a cair e... eu surtei. Bailey me chutou para fora da SO. – expliquei, um pouco envergonhada com a situação.

— Por que você surtou? Não é a primeira vez que algo assim acontece numa cirurgia que você está participando. – ficou ainda mais confusa, mas eu sabia que ela estava fingindo não ligar os pontos.

— Sim, mas não é a primeira vez que acontece com alguém que eu amo. – revelei finalmente, olhando-a com culpa – Eu me desesperei porque eu amo o Ronan, Rebecca. Mesmo ele sendo casado, e sendo meu paciente. O coração quer o que quer. – dei de ombros.

— E você pretendia me contar isso quando? – questionou, fechando a cara.

— Não me diga que não sabia! Você viu nosso quase beijo há alguns meses atrás. Eu te disse que flertei com ele no primeiro dia, antes de saber que ele era casado. – retruquei, impaciente.

— E eu achei que você tinha parado, depois de descobrir que ele era casado. Eu não sabia que você estava tendo um caso... – negou com a cabeça, aparentemente desapontada – E o Erick?

— Eu não estou tendo um caso. Nada nunca aconteceu. Nós ficamos só na conversa. – desmenti, erguendo o indicador – Erick... Eu estou tentando esquecer o Ronan através dele. Eu preciso superar, sua esposa está grávida agora e não tem chances de ele pedir o divórcio, e o Erick estava lá, disposto a me ter, então eu decidi seguir em frente... Mas parece que meu coração não acompanhou.

— Inacreditável. – fez que não com a cabeça, julgando-me com o olhar – Nem vou dizer o quanto isso é errado, afinal quem sou eu para falar alguma coisa. – suspirou e fechou os olhos, parecendo abaixar a guarda – E agora?

— Agora vou torcer para dar tudo certo, e depois eu não sei. Bailey me tirou do caso. – dei de ombros, tristemente – Desde quando minha vida se tornou uma bagunça tão grande?

— Desde que um filho da puta entrou nesse hospital e começou a atirar nas pessoas. – afirmou, com grande ressentimento na voz – Você sabe que não importa o que acontecer, eu estarei aqui, né? Mesmo não concordando muito com seu novo namorinho.

— Eu sei. Obrigada. – sorri fraco, e a mesma me deu um abraço, segurando-me em seus braços por um tempo.

— Okay, agora eu tenho que ir. Estou num caso um tanto quanto intenso hoje. – afastou-se e levantou-se – Mantenha-me informada. – começou a caminhar pelo corredor, mas parou no meio do caminho – Ah, e sobre o Erick... Termine as coisas com ele, se for pra continuar assim. Ele merece melhor. – virou-se rapidamente e aconselhou, voltando a seguir seu caminho logo depois.

Assenti e bufei, sem ter a mínima ideia do que fazer. Tudo dependeria de como aquela cirurgia se sairia.

Fiquei esperando por mais algumas horas, alternando olhares entre o relógio e a porta. Andava de um lado para o outro, depois me sentava um pouco, levantava de novo... Só não saía daquele local por nada. Depois de muito tempo, finalmente os enfermeiros saíram com ele de dentro da SO, carregando sua maca pelo corredor.

— E aí? Como ele está? – indaguei a Eli, que coincidentemente estava junto.

— Eu lamento Claire, mas não posso revelar nada para você. Bailey disse que você não é mais médica nesse caso. – o enfermeiro fez que não com a cabeça, olhando-me com pena.

— Eli, por favor. – parei à sua frente, fazendo-o brecar também – Imagina se fosse a Ana no lugar dele. Você não ia querer que eu te desse uma notícia, mesmo não podendo? – apelei para o emocional, numa tentativa de conseguir o que queria.

— Tudo bem. – revirou os olhos e respirou fundo – A cirurgia foi um sucesso. Bailey e Hunt conseguiram controlar o sangramento, e o resto foi perfeito. – afirmou, arrancando um sorriso enorme do meu rosto.

— Muito, muito obrigada! – abracei-o sem pensar.

— De nada... – falou, parecendo sem graça.

Soltei-o e segui sem rumo pelo corredor, reprimindo minha enorme vontade de correr até o quarto de Ronan para vê-lo. Saber que ele estava bem já era ótimo, então decidi que manter a distância era a melhor opção.

Enquanto caminhava pelo corredor feliz de certa forma, ouvi meu bipe disparar, temendo pelo o que seria. Peguei o aparelho e logo vi que era Bailey, chamando-me na Sala do Chefe. Foi quando atingiu-me: eu surtei e admiti que amava um paciente bem na frente do Chefe da Cirurgia. Dei um tapa em minha própria cara como punição e respirei bem fundo, sentindo meu corpo se arrepiar. Eu estava muito ferrada.

Direcionei-me para a sala em que fora chamada, batendo na porta antes de entrar.

— Com licença, vocês me biparam? – falei o mais simpática que pude, tentando amenizar a bagunça em que tinha me metido.

— Sim, nós bipamos. – rebateu Miranda, com uma cara não muito amigável.

— Sente-se por favor, Dra. Scofield. – Owen apontou para uma cadeira ao lado da cirurgiã, de frente para sua mesa.

Engoli em seco e fiz o que ele mandou, morrendo de medo. Eu definitivamente escutaria uns gritos da Bailey.

— Dra. Scofield, é do conhecimento de todos que você passou por muitas coisas nesse hospital. Fracassou em vários casos; foi atingida diretamente pelo tiroteio; entrou em coma; foi obrigada a assinar uma ONR para a mãe da sua melhor amiga, que veio a óbito; entre outras coisas. Nós reconhecemos que sua vida não deve ser muito fácil. Mas o relacionamento entre pacientes e médicos é inadmissível nesse hospital. Nós já tivemos casos em que esse tipo de laços levaram a medidas extremas, tendo consequências que nos assombram até hoje. E eu nem preciso dizer que é moralmente errado se envolver com alguém casado. Então eu peço com gentileza que você fique longe do Sr. Ronan O’Kelleher. A Dra. Anastasia Lewis já foi designada ao caso no seu lugar, então seus serviços para isso não serão mais necessários. Eu vou dar-lhe apenas uma advertência oral sobre isso, mas se você insistir em tentar uma aproximação com ele dentro desse hospital, eu serei obrigado a tomar medidas mais drásticas. Você é uma médica promissora, Claire. Eu acredito que você se tornará uma de nossas melhores. Mas você tem que consertar alguns comportamentos que podem te atrapalhar no caminho. E estamos aqui para ajudá-la com isso. Por favor, tome cuidado. E não deixe que isso aconteça novamente. Eu realmente não quero ter que tomar providências que te prejudiquem. Aquele tipo de reação na SO, aquilo definitivamente não pode acontecer. Você quase desconcentrou a Dra. Bailey, e isso poderia ter custado a vida do paciente. Aprenda a separar as coisas, e se perceber que não consegue, abandone o caso. É o melhor para todos. – Hunt discursou, e eu apenas fiquei encarando-o enquanto ouvia cada palavra com cuidado. Ele estava certo, apesar de eu odiar admitir – Acho que é isso que precisávamos conversar. A não ser que a Dra. Bailey tenha algo a acrescentar, você pode ir. – virou-se para a médica.

— Só queria dizer que eu esperava mais de você, Claire. Alguns erros são admissíveis, pois você ainda está em processo de aprendizagem, de qualquer forma. Mas esse tipo de coisa... Eu achei que Lexie tinha te ensinado melhor. Ela ficaria desapontada em saber disso tudo. – disse a mulher, olhando-me com decepção. Ela pisou no meu calo, e sabia disso. Senti meu coração apertar ao imaginar o rosto de Lexie encarando-me decepcionada, o que fez as lágrimas quererem apontar de novo, mas eu as prendi.

— Eu sei. Eu errei feio. Desculpem-me, não vai se repetir. Obrigada pela oportunidade. – sorri sem jeito, tentando disfarçar como estava triste – Agora eu posso? – apontei para fora, não vendo a hora de sair logo dali.

— Sim, você está dispensada. – assentiu o traumatologista, e eu levantei-me e sai dali rapidamente, seguindo para a primeira Sala de Descanso que encontrara. Eu precisava pôr a cabeça no lugar, e refletir sobre tudo. Quem sabe até chorar.

No entanto, dei de cara com Anastasia no meio do caminho, caminhando na direção oposta que eu. Ambas tivemos que brecar em seco para não trombarmos, e o contato visual foi inevitável. A médica apenas deu-me um olhar de desprezo e contornou-me, continuando a andar.

— Ana, eu sinto muito. – falei enquanto virava-me para ela, me sentindo ainda pior depois de seu olhar.

— Sente muito pelo o quê? Por estar usando meu irmão para esquecer um paciente casado pelo qual você é apaixonada? Ou por eu ser a pessoa que estava na SO quando você surtou? – retrucou hostilmente, também virando-se.

— Eu não estou usando seu irmão... – neguei com a cabeça, tentando justificar.

— Não é o que parece. – cortou-me, erguendo uma sobrancelha.

— Eu só quero e preciso seguir em frente. Não posso ficar presa ao Ronan para sempre, então estou conhecendo seu irmão. Eu sinto que com ele eu talvez consiga finalmente desapegar... – expliquei, suplicante.

— Isso é mentira, e você sabe disso! Se você não contar para ele, eu vou ter que contar. – disse seriamente – Eu realmente achei que você fosse uma pessoa boa, Claire. Acho que estava errada. – deu de ombros, julgando-me com o olhar – Erick merece muito melhor. – deu as costas e voltou a andar.

— Você percebe que é o sujo falando do mal lavado, não é? – soltei sem pensar, perdendo um pouco da paciência – Pelo menos não fui eu que traí meu noivo repetidas vezes. Talvez seja a hora de pôr a mão na consciência, Anastasia. Você não é nenhuma santa, e não tem nenhuma moral para falar de mim! – finalizei, fazendo-a parar por um instante, mas logo seguiu seu caminho, sem ao menos virar-se para mim.

Suspirei e esfreguei as mãos no rosto, já sentindo bater o arrependimento por aquelas palavras. Ela estava certa, mas eu não queria admitir em voz alta. Eu não estava me reconhecendo mais. Não era do meu feitio dizer aquele tipo de coisa apenas para me safar. De repente, eu sentia que estava me tornando outra pessoa, e não era uma pessoa que eu gostava.

—-

O dia finalmente acabara, e a noite começava a cair. Passei o resto da tarde pensando sobre tudo o que acontecera, e cheguei à conclusão que realmente deveria me afastar de Ronan por um tempo. Não prometia que para sempre, mas tentaria ficar longe pelo menos até a poeira abaixar.

Procurei Rebecca por todos os cantos do hospital, afinal ela era minha carona. Como não encontrei, deduzi que ela provavelmente já havia saído. Caminhei até o carro e visualizei-a aos prantos, desesperada. Arregalei os olhos e comecei a me preocupar, batendo na janela para chamar sua atenção. Ela virou-se para mim assustada, mas relaxou ao notar que era eu, então abriu a porta e eu adentrei o veículo rapidamente, enquanto a jovem continuou a chorar.

— O que aconteceu? – perguntei, envolvendo suas costas com um braço, tentando confortá-la.

— Roger e eu terminamos. – respondeu, negando com a cabeça – Mas isso não é a pior parte. A pior parte é o motivo pelo qual nós terminamos.

— E que motivo é esse? – questionei, estudando seu rosto com o olhar.

— Eu nunca te contei, mas... – hesitou, encarando o nada.

— Você sabe que pode me contar qualquer coisa. Ainda mais depois do que eu te disse mais cedo. – afirmei, na tentativa de convencê-la a falar.

— Eu sei... – respirou fundo e fitou-me por um tempo, antes de continuar – Na adolescência, quando eu morava no abrigo... Eu me prostituía, Claire. – demonstrou culpa no olhar, provavelmente após notar o choque em meu rosto – Foi com o dinheiro ganho com meu corpo, que eu paguei minha faculdade de medicina.

— Uau... – soltei, sendo pega totalmente de surpresa. Eu sempre me perguntara sobre como ela havia pago seus estudos, levando em conta suas condições no passado, mas nunca cheguei a questioná-la, pois sabia que aquela época era um assunto delicado para ela – E o Roger descobriu, então terminou com você? – tentei adivinhar, erguendo as sobrancelhas.

— Tem mais. – disse, deixando-me ainda mais perplexa – Eu usava camisinha, mas tive um pequeno problema com um cliente. Ele me comprou a pílula do dia seguinte, e eu achei que estava tudo bem. Mas depois de alguns meses, eu desconfiei que estava grávida e comprei um teste, dando positivo. Levando em conta que eu só tive problema com aquele cara, eu o procurei, e quando chegamos na clínica de aborto, o médico disse que a gravidez já estava muito avançada e o aborto seria tardio, então seria um procedimento mais complicado. Ele me explicou tudo. O bebê tinha 20 semanas, você já deve saber como isso é prejudicial. Mas eu não podia ter aquela criança, então abortei. – explicou, sem parar de chorar por nenhum segundo – Eu não me arrependo, sabe? Mas...

— Ele terminou com você por causa disso? – palpitei novamente, na tentativa de facilitar para ela.

— Não. – negou com a cabeça – Nós trabalhamos juntos hoje, num caso no qual a menina queria abortar, mas a gravidez também já estava com mais de três meses. E eu achei que ele pudesse fazer mesmo assim, porque a menina estava desesperada. Mas ele falou um monte de coisas horríveis. Nem parecia ele mesmo. Nunca imaginei que o Roger pudesse ser tão malvado.

— Mas ele não sabia do seu caso, não é? Ele não falou para magoar... – eu não sabia por que estava defendendo-o, mas estava.

— E é isso que machuca mais. Porque se ele soubesse, ou terminaria comigo, ou tentaria pegar leve. Mas ele deu sua verdadeira opinião. Ele falou de mulheres que abortam com tanto nojo, que eu me senti um lixo. Eu até entendo que ele é todo pró-vida, porque é o trabalho dele trazer pessoas a esse mundo. Contudo, isso não justifica o jeito que ele falou. – suas lágrimas aumentaram, provavelmente porque ela estava relembrando a cena – Eu não aguentei, e comecei a chorar na frente dele. Acho que ele já entendeu na hora, ainda mais quando eu falei que estávamos terminados e saí correndo. Desde então estou aqui, me escondendo de todo mundo.

— Rebecca, eu sinto muito... Nunca imaginei que ele seria capaz de tal coisa também. Mas não se deixe influenciar pelas palavras dele, você fez isso por um bom motivo, e ele não pode dar palpite sobre como você conquistou suas coisas. Não fique tão mal por causa disso, okay? Isso só prova que vocês não foram feitos um para o outro. – aconselhei, enquanto acariciava seu cabelo e sentia suas lágrimas em meu ombro – Você ainda quer me ajudar com a mudança?

— Eu já tinha combinado com você, Claire... Não vou furar. Só preciso de mais um minuto. – respondeu, ainda com seu rosto encostado em meu casaco.

— Okay, não tenha pressa. – continuei fazendo carinho em suas costas.

—-

Rebecca e eu encontrávamos no meu quarto, ela encaixotava algumas coisas enquanto eu fazia as malas. Nós estávamos em um silêncio carregado, afinal aquele dia fora intenso para ambas.

— Acho que acabei aqui. Vou arrumar as coisas dos gêmeos. – falei e deixei o quarto, seguindo para o dos bebês.

Depois de alguns minutos, estávamos com tudo pronto. Chamei meu pai, que nos ajudou a levar as malas para o carro de Rebecca, que de repente ficou cheio. Montei as duas cadeirinhas no banco de trás e deixei meus pais se despedirem das crianças antes de coloca-las em seus devidos lugares.

— Amanhã virá um caminhão buscar os berços. Os dois vão dormir comigo hoje na cama mesmo. – afirmei, finalmente pronta para sair.

— Claire, você tem certeza? Sabe que não precisa ir embora assim... – disse meu pai, não parecendo muito feliz com minha partida.

— Pai, eu preciso ajeitar minha vida sozinha. Preciso seguir em frente. Não posso morar com vocês para sempre. Chega uma hora que simplesmente não dá mais certo. – expliquei, certa do que eu estava fazendo.

— Você sabe que as portas sempre estarão abertas, não é? – olhou-me seriamente, e eu assenti – Vou sentir sua falta, e dos gêmeos também...

— Eu também vou sentir saudades de vocês, mas não é como se eu estivesse me mudando para outro estado. Estarei aqui mesmo em Seattle, só mais perto do hospital. – dei de ombros e suspirei – Tchau, papai. Eu amo vocês. – abracei-o, e senti-o apertar meu corpo contra si. Ele sempre foi muito apegado a mim, então o fato de eu estar saindo de casa o afetava muito.

— Eu também te amo, minha pequena Claire... – sussurrou, fazendo meu coração apertar. Eu odiava despedidas, e mesmo já tendo passado por aquilo, era horrível.

— Nós vamos nos falar todo dia, prometo. – sorri, tentando consolá-lo. Soltei-o e aproximei-me de minha mãe, que estava ao seu lado calada, apenas observando. Encarei-a sem saber o que fazer, enquanto ela retribuía com um olhar indecifrável. Eu não sabia dizer se ela estava feliz ou triste por minha partida – Então... Tchau, mãe. – abracei-a um pouco sem jeito, e ela retribuiu com pouca emoção.

Afastei-me dos dois e entrei no carro, e foi a vez de Rebecca despedir-se, só que mais rapidamente. Logo ela estava sentada ao meu lado, no banco do motorista. Deu partida e acelerou em direção ao meu apartamento, buzinando antes de sair.

Pouco depois, estávamos em frente ao prédio, e sem perder tempo, começamos a levar as coisas para cima. Várias caixas e malas depois, e o carro esvaziara-se. Rebecca ainda ajudou-me a organizar, colocando as roupas no guarda-roupas e algumas coisas das caixas em seus devidos lugares.

— Você não quer ficar para jantar? Vamos pedir alguma coisa, podemos tomar uma também. – indaguei, depois de terminarmos tudo.

— Já está muito tarde, e eu preciso ficar um pouco sozinha. Colocar a cabeça no lugar. – disse Cooper, brincando com a chave do carro em seus dedos.

— Tudo bem, eu entendo... Vejo você amanhã, então?

— Sim. Até amanhã. – assentiu e ficamos nos olhando por um tempo, até que decidi abraça-la. Após algum tempo, ela soltou-me e deixou o apartamento sem dizer nada.

Suspirei e olhei em volta, sentindo-me em casa novamente. Aquele apartamento trazia muitas lembranças, tanto boas quanto ruins. Mas ainda assim, era meu lar.

Sentei-me no tapete da sala junto com os gêmeos, que ainda não estavam em seu horário de dormir. Peguei alguns brinquedos e comecei a brincar com eles, coisa que eu não fazia havia muito tempo. E foi quando minha ficha caiu: ali começava um novo capítulo de minha vida.

Okay, nem sempre conseguimos esconder tudo. Uma hora ou outra, a verdade acaba vindo à tona, querendo ou não. O grande truque é manipulá-la para ser revelada numa hora oportuna. Okay, na maioria das vezes não conseguimos isso também. Então, o que nos resta é lidar com as consequências. Esconder algumas coisas pode nos beneficiar até certo ponto, mas quando elas vêm à tona, ah, podem nos ferrar em enormes proporções. No entanto, temos que estar preparados. Se determinada coisa estragar tudo, comece de novo. Mude seu comportamento. Adapte-se. Tente consertar. Faça alguma coisa, não fique simplesmente se lamentando. Afinal, sua vida está em suas mãos, e apenas você pode muda-la.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Gostaram do capítulo? Acham que a Claire fez a coisa certa em sair de casa assim? E o término da Rebecca com o Roger? O surto da Claire na SO?
Quais são suas apostas para o que vai acontecer com a Arizona e a Kepner? Vocês estão com a série em dia? Vamos conversar sobre!
Beijos, e até o próximo! Obrigada pela leitura.