Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 21
Capítulo 20 – Don’t You (Forget About Me).


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Mil perdões por sumir, eu sei que tinha dito que iria postar a cada duas semanas, mas é que está tudo muuuito corrido mesmo. Mas, em compensação, esse capítulo é o mais longo postado inteiro, então espero que me perdoem!
A música é um clássico do filme O Clube dos Cinco, que talvez não combine tanto em ritmo com o capítulo, mas a letra e o título combinam. Link: https://www.youtube.com/watch?v=CdqoNKCCt7A
Bom, vamos ao capítulo. Espero que gostem. Boa leitura!



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Vocês já pararam para pensar que as pequenas coisas podem mudar tudo? Às vezes pequenos gestos, nos fazem pensar e sentir bem mais do que grandes coisas. Decisões e ações que parecem insignificantes, na verdade podem mudar nossa vida e as das pessoas à nossa volta drasticamente. As pequenas coisas importam.

Caminhava calmamente pela calçada, e já pude avistar a fachada da casa dos meus pais. Havia já alguns dias que eu começara a fazer academia, na tentativa de voltar à forma que era antes da gravidez. Portanto, acordava mais cedo todos os dias e ia antes do trabalho, já aproveitando para ter um tempo a sós comigo mesma, o que era algo raro.

Destranquei a porta da frente e entrei na casa, já sentindo o cheiro do café da manhã. Ouvi algumas vozes diferentes das dos meus pais, e quando cheguei na sala pude ver quem era: Diego se encontrava com minha filha no colo, que chorava desesperadamente, Rebecca estava com o menino e Anastasia apenas observava, enquanto minha mãe colocava a mesa do café.

— O que você fez para a menina?! – exclamou Cooper, soando como uma repreensão para Diego.

— Eu só peguei ela no colo, eu juro! – respondeu o rapaz, parecendo desesperado e chacoalhando a criança no colo.

— Faz ela parar! – disse a morena, parecendo estressada.

— Toma Ana, usa seu dom para calar ela. – falou Gomes, entregando Tsunade para a loira, que pegou-a meio sem jeito. Ela não perecia muito bem familiarizada com crianças, contudo, em poucos segundos, a garotinha parou de chorar, deixando o cômodo no mais pleno silêncio novamente – Incrível. – sorriu, aparentemente surpreso.

Fiquei assistindo a toda essa cena paralisada, afinal não era todo dia que encontrava minha casa tão cheia. A primeira pessoa a me ver foi Diego, que ergueu as sobrancelhas e mediu-me com os olhos.

— Hey Claire, não sabia que era do tipo que vai à academia. – cumprimentou antes de jogar-se no sofá.

— Bom dia, mamãe. – Rebecca fez uma vozinha ridícula como se fosse a de Akira Jr., acenando com o bracinho dele.

— Graças a Deus, segura aqui sua filha. – Anastasia veio rapidamente até mim e praticamente jogou a menina em meus braços.

— O que está acontecendo? – finalmente indaguei, olhando todos com o cenho franzido.

— Estamos relembrando os velhos tempos, isso rolou muito na época que, você sabe né... – afirmou Diego, dando de ombros, enquanto mudava os canais pelo controle remoto.

— Nós estávamos com saudades desses nenês lindos... – Cooper disse com uma voz boba novamente, fazendo caretas para o menino.

— Okay... Fiquem à vontade, eu vou tomar meu banho. – falei, devolvendo Tsunade para a loira, que não pereceu muito feliz.

— Vê se não demora muito, não queremos atrasar. – ordenou Lewis, chacoalhando a criança levemente.

Revirei os olhos já subindo as escadas para o segundo andar, onde tomaria meu banho. Passei em meu quarto, peguei algumas coisas e tomei uma ducha rápida, descendo já pronta. Quando cheguei na sala de jantar, todos já estavam sentados na mesa, e apesar de serem apenas três pessoas, faziam o barulho de cem. Juntei-me a eles na mesa e servi-me com café preto, tentando me sintonizar com o assunto. Eles falavam, para variar, sobre o hospital e seus casos mais recentes. Detive-me a apenas comer e ouvir, afinal eu não estava em meus melhores dias no trabalho.

Devido a meus espasmos e minhas perdas de memória, eu estava trabalhando apenas em casos mais fáceis, que não exigiriam muito de mim. Sem contar que fazia terapia e fisioterapia, na tentativa de melhorar. Contudo, eu já estava conformada que aquela situação poderia ser permanente, mas me decidi que não deixaria minha carreira desmoronar por causa daquele maldito coma. Por isso eu redobrava a atenção e me esforçava bem mais, o que estava me deixando exausta. Haviam dias que preferia a morte do que levantar para ir à academia, mas por motivos que me recusava a aceitar, eu realmente queria voltar a ter meu corpinho esbelto, então vencia o cansaço e ia para a batalha. Não sabia até quando aguentaria aquele ritmo, mas não desistiria tão fácil.

— E o seu paciente da fila do transplante, Claire? – perguntou Anastasia, dando um gole em seu café logo em seguida.

— O Ro... – lembrei-me que não podia demonstrar proximidade, então corrigi-me rapidamente – Sr. O’Kelleher? Ele está estável, a esposa dele anda procurando uma casa ou apartamento para eles se mudarem. – dei de ombros, tentando parecer objetiva com o caso.

— O apartamento ao lado do meu está para alugar, não é um prédio de luxo, mas dá para sobreviver... Caso ela tenha interesse. – disse Diego, e eu assenti, um pouco incerta que diria isso à Katlheen.

— E quanto aos rins, alguma boa notícia da UNOS? – questionou Rebecca, mastigando um pedaço de bolo.

— Nada ainda. – afirmei, sorrindo “tristemente”. Eu sei que parece doentio, mas eu ficava feliz por ele não ter conseguido os órgãos e por sua esposa não ter conseguido uma casa.

— Nós deveríamos ir, já está na nossa hora. – falou a loira, olhando em seu relógio de punho.

— Sim, vamos. – concordou a morena, levantando-se da mesa.

Todos nós a seguimos até a sala de estar, e cada um deu um beijo nos gêmeos e pegou suas coisas de cima do sofá.

— A mamãe ama vocês. – falei a meus bebês e beijei também minha mãe, deixando a casa com eles.

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Dei uma leve arrumada no cabelo antes de adentrar o quarto, respirando fundo. Entrei no cômodo de peito estufado e sorrindo fraco, tentando parecer naturalmente sexy, como quem não queria nada, e avistei o homem sozinho, deitado em seu leito usando óculos de grau para ler um livro. Seu ar sério e distraído deixava-o ainda mais lindo, tirando-me o fôlego.

— Bom dia! Vim checar como estão as coisas. – cumprimentei ainda sorridente e aproximei-me da cama.

Aye, já achei que não vinha hoje. – disse olhando-me por cima dos óculos, também sorrindo.

Ficou observando-me enquanto eu analisava algumas coisas, e eu tentei parecer não notar, mas na verdade fazia cada movimento o mais graciosamente que podia. Eu não sabia muito bem porque estava fazendo aquilo, já que ter segundas intenções com aquele homem era errado em um milhão de maneiras, mas simplesmente não conseguia parar, era viciante.

— Você emagreceu? – perguntou, quebrando o silêncio um pouco tenso que estava estabelecido. Aproveitei que estava de costas para ele e abri um sorriso largo com a pergunta, enchendo-me de alegria por ele ter notado.

— É, acho que sim. Estou fazendo academia. – dei de ombros, fingindo indiferença.

— Está ainda mais bonita. – afirmou, sorrindo de seu jeito galanteador, e eu olhei-o rapidamente, corando ao extremo e rindo fraco.

— Obrigada, Sr. O’Kelleher. – agradeci, tentando retomar a postura.

Fechei o sorriso lentamente e continuamos encarando-nos, agora um pouco perdida. Fazia apenas um mês que eu o conhecera, e eu visitava seu quarto todos os dias desde então. Eu sabia que era errado ter essa aproximação, mas ele simplesmente não saía da minha cabeça, e eu tinha que inventar uma desculpa para vê-lo pelo menos uma vez no dia. Havia uma lista gigante de motivos pelos quais eu deveria me afastar, mas eu já tinha passado por tanta coisa àquela altura, que necessitava fazer algumas coisas para satisfazer a mim mesma, mesmo não sendo certo. Sem contar que além de muito bonito, ele era de certa forma atencioso, levando em conta que mal nos conhecíamos, ele sempre se preocupava em perguntar como estavam as coisas. Mesmo eu sempre mentindo que estava tudo bem, eu apreciava esse seu gesto.

— Café da manhã. – anunciou uma enfermeira, deixando uma bandeja com comida sobre a mesinha móvel do quarto. Acordei do transe e desviei o olhar dele para o prontuário, tentando disfarçar o quanto estava constrangida. Aqueles momentos acabavam acontecendo com frequência, e cada vez menos eu sabia como lidar com eles.

— Delícia. – ironizou, ajeitando-se na cama para começar a comer – E os gêmeos? – questionou, espalhando geleia em sua torrada.

— Tudo igual. – respondi, dando de ombros.

— Você nunca me disse os nomes deles. – deu a primeira mordida no pão.

— Porque não é da sua conta. – tentei fazer-me de difícil, mas acabei soltando um sorriso brincalhão.

Ouch. – fingiu estar com dor, rindo fraco.

— Tsunade e Akira. – cedi, sorrindo abobalhada.

— Escolha interessante de nomes, eles são asiáticos? – pareceu curioso, mas me deixou um pouco sem graça.

— O pai deles era. – respondi, me esforçando para não parecer triste.

— Oh... Desculpe-me pela pergunta indelicada. – desculpou-se, aparentemente arrependido por ter perguntado.

— Está tudo bem. – sorri fraco e dei de ombros – Acho que acabei por aqui. Até amanhã.

— Você não precisa vir somente uma vez no dia. – ergueu uma sobrancelha sugestivamente, fazendo-me rir.

— Eu sei que você está carente e entediado, mas logo sua esposa encontrará uma boa casa para vocês. – rebati, enfatizando a palavra “esposa”, e o mesmo negou com a cabeça.

— Eu até gosto de ficar aqui no hospital. – falou, inicialmente sorrindo, mas depois ficou sério e tivemos mais um momento encarando um ao outro, contudo não me permiti entrar num transe.

— Até amanhã. – despedi-me definitivamente e deixei o quarto, sentindo minhas pernas moles.

Respirei fundo e tentei me normalizar, ou no mínimo não parecer tão mexida. Entreguei o prontuário para uma enfermeira do balcão e segui meu caminho até onde tinha combinado de encontrar minha Atendente do dia, a Dra. Altman.

— Bom dia. – cumprimentei a loira, que estava concentrada em uma papelada que preenchia sobre o balcão – Desculpe a demora.

— Bom dia. – respondeu, medindo-me com o olhar – Está tudo bem, vamos esperar o outro residente, okay?

— Que outro residente? – questionei, franzindo o cenho.

— Aquele ali. – apontou para trás de mim, e virei-me rapidamente para ver quem era.

— Olá, garotas. – disse Diego, já próximo de nós duas – É um bonito dia para enfiar a mão no peito de alguém, não acham? – riu-se fraco, e eu neguei com a cabeça.

Desde o ocorrido, eu raramente tinha um caso exclusivo com um Atendente. Sempre colocavam outro residente para trabalhar comigo, como se eu não fosse competente para ajudar o cirurgião especialista sozinha. E era sempre o outro que fazia as melhores partes da cirurgia, eu só ficava assistindo e se tivesse sorte, respondia a uma pergunta ou duas.

— Dr. Gomes, menos. – pediu Altman – Então, vamos começar. – pegou uma pilha de prontuários e entregou ao rapaz, seguindo para o quarto em frente – Bom dia. – cumprimentou a paciente, que encontrava-se deitada na cama, cercada de três crianças, que tagarelavam entre si.

— Dra. Altman... – a mulher sorriu, e um garotinho veio até a cirurgiã e a abraçou.

— É hoje o dia da senhora curar nossa mamãe, não é? – perguntou o menino, ainda com seus braços na altura dos quadris da mulher. Ele deveria ter seus 6 anos, então ele batia mais ou menos no umbigo de Teddy.

— É sim. – respondeu a loira, sorrindo e acariciando a cabeça da criança.

— Alec, deixa a doutora em paz. – disse a paciente, rindo sem graça.

— Não tem problema, Sra. Mitchell. – a médica negou de leve com a cabeça, e o menino voltou para a cama com sua mãe – Bem, como passou a noite? – questionou, ajeitando seu jaleco.

— Normalmente. – a mulher assentiu.

— Então acho que já deveríamos começar a falar sobre a cirurgia, não é? – sugeriu Altman, olhando para Diego e eu – Esses são Dr. Gomes e Dra. Scofield, eles vão me ajudar em sua cirurgia. – apontou para nós – Scofield, apresente a paciente, por favor.

— Claro. – aproximei-me mais da cama e peguei o primeiro prontuário da pilha, checando a foto para ver se era ela mesmo – Angela Mitchell, 38, veio para a colocação de um marca-passos. A cirurgia está marcada para hoje à tarde, às 14:00. – apresentei, e virei-me para a cirurgiã, esperando alguma instrução.

— Creio que não há muito a ser discutido sobre a cirurgia, a não ser que você tenha alguma dúvida. – disse a cardiologista.

— Minha mãe vai ficar com uma cicatriz muito grande? – perguntou uma menininha, aparentemente mais nova que o menino de anteriormente.

— Scofield, você pode explicar para a Aida como será a cicatriz da mãe dela? – pediu, voltando-se para mim.

— Será uma cicatriz bem pequenininha, aqui. – apontei para mim mesma, um pouco abaixo da clavícula, e ela assentiu.

— Minha mãe vai morrer? – perguntou o outro menino tristemente, que parecia ter a mesma idade da menina.

— Não, é claro que não! – respondi num impulso, tentando confortá-lo, e a cirurgiã me olhou feio.

— É uma cirurgia fácil, então sua mãe tem quase zero chances de morrer, okay? Vocês não deveriam se preocupar tanto. – falou a médica, calmamente.

— Eu sou a única pessoa que eles têm, então eles se preocupam até demais. – afirmou a mulher, acariciando-os.

— Entendo... – concordou Altman – Mais alguma dúvida? – quebrou o clima meio tenso que se formara. Ninguém se pronunciou, então ela prosseguiu – Ótimo, eles virão preparar você para a cirurgia mais tarde. Fiquem tranquilas crianças, a mãe de vocês está em boas mãos.

— Muito obrigada, Dra. Altman. – a paciente agradeceu – Deem tchau para a doutora. – ordenou às crianças, que acenaram.

— Tchau, Dra. Altman! – disseram em conjunto, arrancando risos de todos nós.

Saímos do quarto e seguimos para o próximo, e aquela família me deixara pensativa sobre como seria quando meus filhos atingissem aquela idade. Quando ela disse que ela era a única coisa que eles tinham, eu me senti em seu lugar, afinal o mesmo servia aos meus gêmeos.

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  Sentei-me junto com os outros três na mesma mesa de sempre e coloquei sobre ela minha bandeja com praticamente apenas comidas light, pois estava tentando fazer uma dieta. Era engraçado que normalmente os internos que se tornavam residentes acabavam sentando-se em mesas dentro do hospital e se enturmando com os outros residentes mais velhos, só que nosso grupinho foi um dos únicos que continuou isolado do resto. Sempre fomos os antissociais, de qualquer forma.

— Eu espero que a Altman nos deixe fazer a operação hoje. Ela é bem liberal quanto a isso, amo aquela mulher. – falou Diego, já dando a primeira garfada em sua macarronada.

— É verdade, ela é uma ótima professora. Ainda bem que existe ela, porque os outros são um saco, nunca nos deixam nem perto dos pacientes. – disse Anastasia, revirando os olhos.

— Só se for você, porque todos eles me deixam ajudar nas cirurgias. – Rebecca deu de ombros, como sempre querendo se mostrar.

— Nem vou falar nada, que ultimamente nem fazer suturas estão me deixando. – bufei, demonstrando minha frustração.

— É que ainda está tudo muito recente, mas logo você estará de volta ao jogo. Mais uma maldita concorrente. – brincou o rapaz, numa tentativa de aliviar a tristeza do assunto.

— Claro, enquanto isso eu fico só plantada observando. – ironizei, e todos pareceram um pouco desconfortáveis.

— Então, eu vi seu paciente do transplante, Claire... Por que nunca nos disse que ele é um supergato? – a loira mudou de assunto, para quebrar o climão, mas acabou piorando a situação para mim. Aquele assunto me deixava mais sem graça ainda, e tinha medo de não conseguir esconder isso.

— Ah é? Nem reparei. – menti, fazendo-me de desentendida.

— É claro que reparou! Não tem como não notar um deus grego daqueles. – retrucou Lewis, negando com a cabeça.

— Primeiramente, ele é escocês. Segundo, ele é casado. Terceiro, ele é um paciente, não posso ficar olhando muito para a beleza dele. – repeti o que dizia para mim mesma todos os dias, numa tentativa frustrada de convencer-me que deveria me afastar.

— Olhar não arranca pedaço. – Ana riu-se, enfiando uma garfada de salada na boca.

— Agora vocês me deixaram curiosas. Já quero ver esse bofe. – disse Diego, arregalando os olhos, aparentemente curioso.

— Não é nada demais... – tentei fazê-lo mudar de ideia, mas a loira falou junto comigo.

— Quarto 212. – sorriu maliciosamente.

— Anotado, vou dar uma passadinha lá mais tarde. – o jovem acompanhou ela no sorriso.

— Gente, vamos mudar de assunto! – pedi, já cansada daquilo – E sua mãe, Rebecca? – só depois de perguntar que notei que fui um pouco inconveniente, mas valia tudo para acabar com aquela conversa.

— O de sempre, Alzheimer e tal. – respondeu Rebecca, parecendo surpresa com a pergunta, e não querendo falar à respeito.

— Entendi. – assenti e ficamos em silêncio, mais uma vez com um clima esquisito. Todos ali tinham assuntos delicados a serem discutidos, e sempre que acabávamos entrando neles, ocorria esse tipo de coisa.

Continuamos calados pelo resto do almoço, fazendo apenas alguns comentários sobre o clima e coisas aleatórias. Fomos nos retirando um por um, seguindo para nossos respectivos destinos.

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Adentrei o quarto da paciente juntamente com Diego, e já avistei a mesma cena de mais cedo. Os quatro pareciam brincar alegremente, e senti até pena de interromper o momento fofo. Limpei a garganta para chamar a atenção e sorri educadamente.

— Boa tarde, nós viemos para prepara-la para a cirurgia. – falei, e notei seu olhar se entristecer um pouco, assim como seus filhos calaram-se na hora.

— Por que vocês não vão lá fora comprar alguma coisa para comer? Aposto que aqui tem muitas coisas gostosas. – disse a mulher, provavelmente tentando distrair as crianças.

— Algum de nós pode levar vocês na cantina, enquanto o outro prepara sua mãe para a cirurgia. – sugeriu Diego, também sorrindo educado.

— Você me prepara, por favor. – apontou para mim instantaneamente, e pareceu ficar um pouco sem graça por seu impulso – É que eu me sinto mais confortável com médicas e enfermeiras mulheres.

— Okay, vamos crianças? – concordou e chamou o médico, e os três foram com ele.

— Nós te amamos, mamãe. – falou a menina, antes de sair.

— Eles são uma gracinha. – quebrei o silêncio tenso que se formara, enquanto checava algumas coisas.

— Eu sei. – sorriu fraco – É uma pena que o pai deles não ache o mesmo... – suspirou tristemente.

— Ele não é participativo? – perguntei, mas temi que estava sendo invasiva demais.

— Nem um pouco. Ele nunca os quis, na verdade. – respondeu, não muito feliz.

— Isso é triste. – não consegui pensar em nada melhor para dizer. De repente me peguei refletindo como o mundo é injusto: o Akira, que queria tanto ter filhos, morreu antes que soubesse da existência dos seus, e um homem como o pai daquelas crianças, que tinha a chance de aproveitar a vida deles, mas não ligava, estava vivo.

O som das tosses da mulher me tirou do transe, e eu olhei-a preocupada.

— A senhora está bem? – questionei, franzindo o cenho.

— Sim, é que com todo esse stress da vida, eu acabei caindo na bobagem de começar a fumar, e você sabe né, os pulmões não são mais os mesmos. – afirmou, deixando-me surpresa.

— Você não andou fumando por esses dias, não é? indaguei, um pouco desconfiada.

— Não, a Dra. Altman ordenou que eu não fumasse. – falou com convicção, e eu decidi acreditar.

— Okay... Acho que estamos prontas. Vou bipar o Dr. Gomes. – afirmei e o bipei. Ficamos aguardando por alguns minutos, e logo ele apareceu com as crianças.

— Já está na hora? – perguntou o menino mais velho, olhando-me preocupado.

— Sim. – assenti, e ele correu até sua mãe.

— Por favor, não morra mamãe. – pediu com a voz embargada, abraçando-a fortemente.

— Eu não vou. Daqui a pouco eu estou de volta, não vai dar nem tempo de sentirem minha falta. – a mulher sorriu tristemente, tentando passar calma para seus filhos.

— Você promete que minha mãe não vai morrer? – questionou a garotinha, puxando a ponta do meu jaleco. Eu não sabia o que responder, afinal nós tínhamos ordem de nunca prometer nada, mas por outro lado, não podia negar aquela promessa, ainda mais com aqueles olhos me encarando daquele jeito.

— Eu prometo. – afirmei, já me arrependendo no segundo seguinte, e olhei para Diego, que não pareceu contente.

— Está na hora. Vamos. – chamou Altman, aparecendo no quarto. Torci para que ela não tivesse ouvido, e pelo jeito ela realmente não ouvira.

As três crianças se juntaram em um abraço na mulher, numa cena de cortar o coração.

— Amo todos vocês. – disse, antes que os enfermeiros começassem a mover a maca.

Seguimos para a sala das pias e começamos a nos esfregar, enquanto os anestesistas aplicavam a anestesia local na mulher.

— Espero que dessa vez ocorra tudo bem. Você se lembra da última cirurgia que fizemos juntos? – falei, olhando para Diego.

— É claro que me lembro. Meu primeiro paciente que veio a óbito. – riu fraco – Mas cardio é minha área, eu aprendi muito bem como proceder. – afirmou com convicção, e eu sorri largo. Era incrível como em pouco tempo, já tínhamos evoluído tanto.

Adentramos a SO e eu olhei para a paciente, que parecia nervosa. Sorri fraco para tentar passar um pouco de calma, e fiz uma oração rápida, como de costume.

— Okay, vamos começar. Diego, gostaria de abri-la? – sugeriu a cirurgiã, e a máscara estava cobrindo sua boca, mas posso apostar que ele sorriu largo.

— Seria uma honra. – ele respondeu e aproximou-se mais da mesa – Lâmina 10. – esticou o braço para a equipe, que logo entregou-lhe o bisturi. O jovem pareceu avaliar o local por um instante, e em seguida fez um corte perfeito no local em que seria colocado o marca-passos.

— Como é um procedimento simples, vou deixar que vocês se divirtam. Claire, pode auxiliá-lo com os cabos. – afirmou Altman, e eu já me alegrei. Aquilo seria o máximo que faria em dias, então estava ansiosa.

— Obrigada, doutora. – agradeci e me juntei a Diego – Cabos-eletrodos. – pedi, e uma enfermeira me entregou. Ajudei o médico a colocar os dois fios na veia do coração da paciente – Aparelho do marca-passos. – virei-me para a equipe, e a mesma enfermeira asiática colocou-o em minha mão.

— Conectando o aparelho. – anunciou Gomes, assim o fazendo – Alguém pode ler o prontuário para eu programar aqui, por favor?

Um enfermeiro pegou a pasta e leu as informações em voz alta, enquanto o médico mexia no dispositivo. Teddy permaneceu o tempo todo observando, mas não disse nenhuma palavra.

— Estamos prontos para fechar. – disse o rapaz, mas foi interrompido pelo sons dos aparelhos, que indicavam batimentos caindo.

— Ela perdeu a consciência. – avisou o anestesista, parecendo preocupado.

— O que está acontecendo?! Eu fiz algo errado? – questionou Diego, começando a se desesperar.

— Não que eu tenha visto. – respondeu a cirurgiã, negando com a cabeça – Tragam o ultrassom portátil. – ordenou, e alguém entregou-lhe o objeto em pouco tempo. A mulher passou-o na região do coração, franzindo o cenho – O problema não é aqui. – suspirou – Creio que vamos ter que abri-la para descobrirmos. Eu assumo daqui. – afastou Diego da mesa e tomou seu lugar – Preparem-na para peito aberto.

— Será que não são os pulmões? Ela é fumante. – sugeri, tentando não parecer quase estar tendo um ataque nervoso.

— Eu disse a ela para não fumar nos dias antes da operação, e ela me garantiu que não fumaria. – rebateu, certa do que dizia.

— Pessoas mentem. – dei de ombros – E o pulmão dela pode estar muito ferrado já.

— Você tem razão. Vamos dar uma olhada nesses pulmões. – a cirurgiã assentiu e pegou o bisturi, cortando-a com agilidade. Em pouco tempo estávamos observando seus órgãos, que não me pareciam muito bonitos – Você estava certa. Esses pulmões já eram. – negou com a cabeça, frustrada, e as máquinas apitaram novamente.

— Parada cardíaca. – disse o anestesista.

— Não me diga? – retrucou ironicamente – Pás internas. – pediu, e logo que lhe foi entregue, ela deu o primeiro choque depois que todos se afastaram do corpo. Não obtivemos sucesso depois da primeira, nem depois da segunda, e nem depois de várias outras – Por quanto tempo ela esteve parada? – questionou, aparentemente já desacreditada.

— 15 minutos. – respondeu uma enfermeira.

— Vamos anunciar. – afirmou, devolvendo as pás.

— Não! Não podemos! – exclamei, inconformada – Eu prometi às crianças que a mãe deles sairia viva!

— Pois não deveria. Agora teremos que explicar isso para eles. – repreendeu-me – Hora da morte, 14:00. – afastou-se e tirou as luvas.

— De novo não... – murmurou Diego, também aparentemente inconformado.

— Droga! – reclamei, arrancando minha roupa cirúrgica rapidamente e saindo dali furiosa.

Fiquei observando o corpo sendo retirado, enquanto lavava minhas mãos. Eu me sentia culpada até o último fio de cabelo, e comecei a ensaiar mentalmente o que diria para as crianças.

— Isso não foi culpa de vocês... Mas fazer promessas que não tem certeza que podem cumprir, isso sim foi um baita erro. Agora vocês terão que ir se explicar para aqueles três. Eu estarei lá com vocês, mas essa é uma lição que têm que aprender sozinhos. – falou Teddy, esfregando as mãos ao lado de Diego e eu.

Sequei as mãos rapidamente e sai dali prendendo o choro, pois teria mais uma vez que ser forte. Fui até a brinquedoteca, onde os três pareciam se divertir com as outras crianças, e só de imaginar que eu teria que acabar com aquela felicidade, me matava mais por dentro. Fiquei observando-os da porta por alguns minutos, até que Gomes e Altman juntaram-se a mim.

— Eu posso dar a notícia se você preferir, Claire. – ofereceu-se o rapaz, olhando-me tristemente.

— Não, eu vou contar. Fui eu que prometi a eles, e eu irei assumir que quebrei minha promessa. – afirmei, concordando com a cabeça – Está na hora. – respirei fundo e fui até eles, que já me cercaram logo que me viram.

— Cadê a nossa mãe? – questionou um dos garotos.

— Ela está bem? – perguntou o outro.

— Podemos “ver ela”? – pediu a menina.

— Eu preciso conversar com vocês ali fora, vamos? – falei, tentando parecer neutra.

— Aconteceu alguma coisa com ela? – disse a garota, já se preocupando.

— Só me acompanhem, por favor. – detive-me a isso, e fui acompanhada por eles até uma sala vazia, destinada a dar notícias ruins em acontecimentos mais sérios – Sentem-se. – apontei para um sofá, e eles me obedeceram. Olhei para Teddy e Diego, que também foram conosco, e engoli em seco antes de começar a falar – Então... Vocês sabem que a mamãe de vocês fuma cigarros, não é? – tentei buscar o caminho certo para começar.

— Sim, aquilo fede, eu já pedi para ela parar... – respondeu o menino mais velho.

— Pois bem, aquilo faz muito mal para o corpo... E não foi diferente com ela. Mesmo sendo um procedimento simples, os pulmões dela já estavam muito fracos... E ela não conseguiu resistir a cirurgia. – expliquei, pisando em ovos. Encarei-os esperando uma reação, que demorou um pouco mais do que eu pensei.

— Você está dizendo que...

— A mamãe está morta?

— Sim. – engoli o choro – A mãe de vocês está morta.

— Mas você prometeu...

— Eu sei... Desculpe-me. – abaixei a cabeça e tentei tocá-los, mas o mais velho deu um tapa em meu braço.

— Você prometeu que nossa mãe ia sair viva! Você mentiu! Nós te odiamos! – berrou, e começou a chorar, assim como os outros dois.

— Eu sinto muito... – não consegui mais segurar as lágrimas, e deixei-as escorrer por meu rosto.

— Acho que você deveria sair, Claire. Deixe-me que eu lido com o resto. – falou Altman, colocando uma mão em meu ombro.

— Ligue para o pai deles, mas não tenho certeza se ele vai se importar muito. – afirmei e deixei a sala, agora nem me dando mais ao trabalho de disfarçar a tristeza. Corri pelo corredor em direção às Salas de Descanso, mas brequei ao ouvir o som do meu bipe. Amaldiçoei-o mentalmente e olhei quem era: Ronan. Não sabia se estava muito a fim de vê-lo, mas ele poderia realmente precisar de alguma coisa, então segui para seu quarto, secando as lágrimas no caminho.

— Claire! – exclamou animadamente ao me ver, mas logo fechou o sorriso, provavelmente ao notar minha cara de infelicidade – Você esteve chorando? O que aconteceu? – questionou, parecendo realmente preocupado.

— Só mais um dia difícil. – respondi e funguei, ainda segurando o choro – Do que você precisa?

— Nada, eu só achei que você pudesse me fazer companhia... Fiquei sabendo que tem alguns jogos de tabuleiro aqui no hospital, para distrair os pacientes internados. Mas parece que quem precisa de companhia é você... – encarou-me com pena – Conte-me o que aconteceu. – deu algumas batidinhas na cama ao seu lado, me convidando a sentar ali.

— Eu não posso discutir sobre pacientes com outros pacientes. – retruquei, tentando fugir do assunto.

— Então é sobre algum paciente? Ufa, achei que era algum problema mais pessoal. – disse, com certo alívio na voz – Então não precisa me contar o que aconteceu. Só fique aqui. Eu cuido de você. – ergueu uma sobrancelha, de forma convidativa, e meu coração amoleceu por um momento.

— Eu não posso... Eu tenho mais o que fazer. – neguei com a cabeça.

— Nessa situação, eu aconselho que você não pratique Medicina não. – riu-se fraco.

— Quem você pensa que é? – franzi o cenho, ficando na defensiva – Você chega aqui, dá em cima de mim um dia inteiro, depois sua esposa brota do chão, e mesmo com ela fazendo de tudo, você continua flertando comigo. – desabafei, um pouco irritada.

— Eu não estou flertando com você. Estou oferecendo um ombro amigo. É o que cavalheiros fazem. Se você está com duplas interpretações, não é problema meu. – sorriu ironicamente, me irritando mais ainda. Mas mesmo estando uma pilha de emoções, a vontade de deitar naquela cama com aquele homem maravilhoso estava gritando, e só de imaginar-me em seus braços já me confortava um pouco mais.

— Você está se aproveitando de um momento frágil meu para me seduzir. Eu não vou cair nessa. – cruzei os braços, me segurando para não juntar-me a ele.

— Okay, você não quer vir até mim, então eu vou até você. – afirmou e levantou-se da cama, revelando seu corpo coberto apenas com as roupas hospitalares. Caminhou até mim, arrastando o soro consigo, e envolveu-me num abraço apertado.

De imediato não correspondi, porque meu cérebro gritava o quanto aquilo era errado. Mas decidi ceder ao momento, então encostei minha testa em seu peito, relaxando um pouco. Voltei a ver a cena das três crianças chorando e culpando-me, então as lágrimas voltaram a escorrer em meu rosto, e nem me importei de chorar ali na frente dele. E eu me senti segura, depois de muito tempo sem me sentir assim.

Após nem sei quanto tempo, afastei-me um pouco e sequei as lágrimas, e o homem continuou a me encarar, de maneira intensa. Subi meu olhar para seu rosto, olhando para seus olhos e depois para sua boca, que parecia bastante convidativa. Engoli em seco, tentando reprimir a vontade de unir meus lábios nos seus, contudo o mesmo não ajudou muito, aproximando seu rosto ainda mais do meu. Quando estávamos quase no ato, foi como se um raio caísse em minha cabeça, e eu parei para prestar atenção no que estava fazendo. Coloquei minha mão em seu peitoral para impedi-lo de chegar mais perto e o empurrei levemente, negando com a cabeça.

— Eu não posso fazer isso. – sussurrei, fechando os olhos e abaixando o rosto.

— Claire, eu preciso de você. – falou uma voz feminina, e eu arregalei os olhos ao reconhecer quem era. Avistei Rebecca parada na porta, olhando aquela cena de forma julgadora, mas ela saiu dali rapidamente, continuando seu caminho pelo corredor.

— Eu tenho que ir. – retomei a postura e deixei o quarto o mais rápido que pude, não dando tempo para ele falar mais qualquer coisa. Ao parar na porta, vi a morena correndo lá na frente, e apressei o passo para acompanha-la – Rebecca, espere! – pedi, inutilmente.

Segui a jovem até uma Sala de Descanso, chegando lá um pouco ofegante. Mesmo fazendo academia, ainda não estava 100% em forma.

— O que houve? – questionei, tentando retomar o fôlego.

— Minha mãe quer me ver. – afirmou, também com a respiração descompassada – Ela acha que estamos nos anos 90, e que eu ainda sou uma criança. – continuou, parecendo chateada.

— Então vá vê-la! – exclamei, um pouco surpresa.

— Não sei se devo... – negou com a cabeça, colocando as mãos na cintura e andando de um lado para o outro.

— É claro que deve! Talvez seja a oportunidade perfeita para vocês fazerem as pazes! – retruquei, animada com a ideia.

— Eu não quero fazer as pazes num momento que ela nem sabe quem eu sou. – virou-se para mim – Você não entendeu? Ela pensa que eu sou a menininha dela, hétero, inocente... Ela não sabe de nada do que aconteceu.

— Então você deveria mostra-la quem você realmente se tornou! Que a menininha dela se tornou um mulherão! E aproveitar para ter um momento mãe e filha com ela, sem brigas. É sua chance de ter sua mãe de volta, nem se for por apenas algumas horas. Vá, Rebecca! – tentei convencê-la, procurando bons argumentos. Era uma situação complicada, sem dúvidas, mas também seria a chance perfeita de ela matar a saudade de como é ter uma mãe. Porque eu tinha certeza que ela sentia falta daquilo.

— Você está certa... – suspirou, jogando-se sobre a cama debaixo do beliche daquela sala – Você vai comigo? – pediu, implorando-me com os olhos.

— Mesmo achando que é uma coisa que você deveria fazer sozinha, eu vou com você. – cedi, assentindo.

— Que bom. Está ocupada agora? – levantou-se, aparentemente decidida.

— Não, meu caso de hoje foi um desastre. Acho que estou liberada. – respondi, dando de ombros.

— Então vamos. – agarrou meu braço e puxou-me para fora.

— Já? – franzi o cenho, acompanhando-a.

— Já. – disse, seguindo comigo pelo corredor.

—-

— Boa tarde, eu sou Re... Elizabeth Cooper, filha de Gale Cooper. Eu recebi uma ligação mais cedo, dizendo que minha mãe teve uma crise e exigiu falar comigo. – afirmou Rebecca, ao aproximar-se do balcão da recepção da Casa de Repouso.

— Ah, Srta. Cooper, é claro... Sua mãe vai apreciar muito sua visita. Siga-me, por favor. – disse a recepcionista, antes de sair de trás do balcão e seguir por um corredor – Ela encontra-se em seu quarto. Ficou indisposta depois do almoço, provavelmente porque seu pedido de ver a filha não foi atendido. – explicou, caminhando em nossa frente – Ela tem seus dias bons e ruins, mas normalmente ela é bem dócil com todos.

— Legal. – respondeu a morena ao meu lado, não se incomodando em demonstrar interesse.

Continuamos andando até uma porta, onde a moça deu algumas batidinhas antes de abrir uma fresta.

— Boa tarde, Gale... Você não vai acreditar quem está aqui. – sorriu simpática, abrindo mais a porta, assim dando a Rebecca e eu uma melhor visão do quarto.

— Elizabeth? – questionou a senhora, mudando sua postura completamente. Ela, que se encontrava deitada em sua cama lendo um livro, parecendo abatida, depois que abrimos a porta, colocou o objeto de lado e sorriu largo, enchendo-se de alegria.

— Eu mesma. – falou Rebecca, engolindo em seco. Se eu a conhecia bem, ela estava nervosa, pois cravou as unhas nas palmas das mãos e pareceu prender a respiração. Deu um passo à frente e adentrou o quarto, com uma expressão indecifrável no rosto.

— Eu vou deixa-las a sós. – a funcionária deixou o local, e eu fiz menção de segui-la, sem saber como agir, mas parei ao ouvir a voz da morena.

— Claire, fica. – pediu com certa autoridade na voz, mas eu deduzi que era devido ao nervosismo. Dei meia volta e fechei a porta, parando ao lado dela, dentro do cômodo. O clima estava extremamente tenso, porque de um lado, Rebecca estava muito na defensiva, e por outro, sua mãe não fazia a mínima ideia porquê.

— Você não é a Elizabeth... Pelo menos não minha Elizabeth. Ela tem apenas 8 anos. – a mais velha negou com a cabeça, com certeza na voz.

— Na verdade... Sou eu sim. Eu cresci. – afirmou a morena, encarando sua mãe de braços cruzados.

— Mas... como? – a senhora questionou, franzindo o cenho.

— Você tem Alzheimer. – Rebecca disse de uma vez, fechando os olhos.

— Al...zheimer? – sussurrou a mulher, arregalando os olhos – Não pode ser... – negou com a cabeça – Nós estamos em 1994, em Londres. Meu nome é Gale Cooper, sou casada com Anthony Cooper, e minha filha é Elizabeth Cooper, de 8 anos. Você só está tentando me enganar. – começou a se exaltar, mas sua filha aproximou-se mais dela.

— Calma... Eu tenho como provar. – falou e pegou o celular, procurando alguma coisa por alguns segundos – Essa aqui é uma foto que eu peguei no site da escola... Minha formatura do primário. – olhou para a tela e depois virou-a para sua mãe, que pareceu desacreditar – Está vendo? Somos o papai, você e eu. – ergueu uma sobrancelha, e voltou o celular para si – Tem essa também, formatura do colégio. Infelizmente você não estava, mas... – mostrou para a mulher, que pareceu ainda mais confusa.

— Está vendo, você mente. Eu nunca perderia a formatura da minha bebê! – retrucou, sorrindo vitoriosa.

— Mas você perdeu. – Rebecca suspirou – Quer mais? – guardou o celular no bolso da jaqueta e abaixou um pedaço do cós de sua calça, revelando uma pinta gigante em sua cintura – Você reconhece essa marca de nascença?

— Não pode ser... – Gale negou com a cabeça, aparentemente entrando em conflito interno novamente – Elizabeth? Minha bebê? É você mesma? – sorriu largo, deixando algumas lágrimas escorrerem em seu rosto.

— Sim... – a morena deu um sorriso contido, subindo a calça novamente.

— Oh meu Deus... Sente-se aqui! Conte-me mais sobre sua vida! Minha bebê... – a mulher bateu na cama ao seu lado como convite, agitada.

— Calma... – Cooper riu, sentando-se na beirada do leito. Ela parecia já bem mais leve, o que acabou arrancando um sorriso de mim. Tentei ser o mais invisível possível, e nem foi tão difícil, já que elas estavam bem focadas uma na outra.

— O que aconteceu com você? – questionou a mais velha, segurando a mão de sua filha.

— Eu juntei dinheiro e vim fazer faculdade de Medicina aqui nos Estados Unidos. Eu me formei na Columbia, depois consegui entrar no programa do Hospital Seattle Grace, que é um dos melhores do país. E aqui estou. – explicou a jovem, mostrando ser orgulhosa de sua história.

— Eu estou tão orgulhosa de você! Minha bebê se tornou uma médica! E se mudou para os Estados Unidos! Eu sempre soube que você seria o sucesso da família. – exclamou, e Rebecca fechou um pouco o sorriso, entristecendo-se. E eu até entendi o porquê: sua mãe dizia aquilo porque não sabia de sua sexualidade. Somente pelo simples fato de sua filha gostar de pessoas do mesmo sexo, fazia-a ignorar todo o resto de suas conquistas.

— Pois é... – riu sem graça, tentando não demonstrar desconforto.

— Tem alguma coisa errada? – Gale franziu o cenho, olhando a jovem com preocupação.

Cooper virou para mim, pedindo um conselho com o olhar. Neguei com a cabeça, como se a dissesse para não contar sobre a parte obscura de seu passado. Eu achava melhor deixar as coisas como estavam, para a garota ter pelo menos uma boa lembrança com sua mãe. E contar sobre aquilo, estragaria tudo.

— Não, mãe. – mentiu a morena, sorrindo falso.

— Quem é aquela? – perguntou, apontando para mim.

— Ela é minha melhor amiga, Claire Scofield. Ela trabalha comigo. – Rebecca voltou a olhar-me, com carinho nos olhos. Sorri como resposta e acenei, um pouco sem graça.

— Venha cá, deixe-me abraçar a melhor amiga da minha filha. – a mulher abriu o braço livre, convidando-me.

As pequenas coisas importam. Uma palavra, um gesto, um detalhe, pode mudar tudo. Preste atenção. Às vezes você pode deixar passar algo aparentemente insignificante, mas que vai te mudar profundamente.

Aproximei-me das duas e nos juntamos num abraço triplo, e vi sem ela notar, que Cooper carregava um sorriso largo no rosto. Como reflexo, imitei sua expressão, sentindo-me genuinamente feliz por minha amiga. Talvez era aquilo que faltava para sua vida ser melhor.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam do reencontro de Rebecca e sua mãe? E Claire e Ronan, hein? Claire como sempre azarada kkkkk
Bom feriado para vocês! Beijos!



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