Another Way to Die escrita por Claire Smith


Capítulo 2
Capítulo 2




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Três meses atrás

Molly Hopper

Estava dançando com o amigo de Sam, uma amiga da adolescência que há tempos não via. Ela nos apresentara no momento que cheguei ao pub para comemorar seu aniversário. James Fraser era escocês, alto, forte, ruivo e tinha olhos azuis. Conversamos bastante até minha grande amiga nos obrigar a dançar – não posso dizer que odiei totalmente a ideia. Uma música lenta começou – obra de Sam – e de bom grado me juntei ao corpo quente de seu amigo; embalada pela conversa fácil e pelas duas taças de álcool que bebi o beijo foi inevitável. Aquela festa ia ser melhor que pensara.

— Normalmente, as músicas lentas são as últimas para dar intimidade ao casal e criar um clima para algo mais – falou com seu sotaque carregado.

— Sim – concordei, imaginando se ele achava que aquilo fora ideia minha. – Você conhece a Sam, é típico dela.

— Eu gostei - afirmou e dei um beijo rápido nele. – Quer algo para beber? – indagou.

Respondi que sim e procurei a aniversariante quando ele se afastou.

— Obrigada pela música lenta, Samantha – encontrei-a à mesa encarando fixamente um homem negro charmoso, no lado oposto, que conversava com outra mulher. – Você devia ir lá se está interessada.

— Estou pensando nisso, ele é um deus grego – falou e me abraçou, sussurrando para não chamá-la por seu nome todo que a fazia se sentir velha. – Dei pulinhos quando você beijou o James – disse animada.

Sorri. Tinha esquecido a energia que ela tinha.

— Ainda bem que me vesti adequadamente para a ocasião – comentei.

Sam avaliou a blusa cinza de paetê com manga curta, saia longuete preta que ia até os joelhos e os sapatos de salto grosso amarelo ouro. Olhou dos meus pés para mim e gargalhou.

— Essa é a Molly Hooper.

Fingi não entender o que disse. Ia continuar o assunto quando ouvimos gritos vindos do andar de cima. Várias pessoas começaram a descer as escadas e saíram para a rua. Quem falava dizia que tinham invadido a festa, duas mulheres reclamaram da falta de sorte por não conseguirem fotos com as celebridades, um homem com a camisa rasgada veio correndo, parou ao nosso lado e falou:

— Saiam daqui. O maníaco está lá e armado! – Voltou a correr.

Não me orgulho ou sequer entendo o que fiz a seguir. Subi as escadas depois que a maioria saiu; Sam gritava meu nome enquanto me perguntava por que raios estava ali. A verdade? Curiosidade. Estava louca para ajudar quem quer que fosse, e louca para ver o maníaco em ação. Louca!

Assim que entrei vi pessoas desmaiadas, gente tentando acordar quem pudesse antes de sair dali. Nenhum sinal de um louco.

— Saiam, saiam! – alguém gritou do cômodo em frente. Era John, carregando uma mulher inconsciente, dando ordens. – Molly? O que faz aqui? – perguntou ao me ver.

— Não sei - fui sincera. – Quem está ali dentro?

Ele colocou a mulher nos braços de um homem que estava saindo. Uma arma deslizou pelo chão e dois homens vieram em seguida, numa demonstração feroz de luta onde ninguém iria dar o braço a torcer.

— Isso te responde?

O louco era o Estrangulador de Veneza, ou melhor, Vicent Bolton. Eram a mesma pessoa. Consegui reconhecê-lo graças às imagens dos jornais que circulavam e não podiam deixar um cidadão londrino sem o pânico daquele nome. Ele estava claramente disposto a honrar o título aplicando uma chave de braço em Sherlock, que desviou e deu um golpe no tórax do outro. O estrangulador se contraiu e puxou o ar, tentou dar dois passos à frente, mas o detetive o bloqueou. Ambos se mediram, provavelmente buscando falhas na defesa oposta, avaliando os possíveis danos que poderiam sofrer. Observei, um pouco chocada, Sherlock deixar uma brecha, distanciando por alguns centímetros o seu braço direito do corpo. Ele estava deixando seu flanco aberto, exposto. Tinha que ser um blefe; aquilo era como era como balançar um pano vermelho para atiçar um touro, o que claramente conseguiu, Vicent deixou escapar um risinho detestável de deboche. Ele era repugnante.

— Não faça isso, sr. Holmes - sua voz era frágil, dando a impressão de que quebraria a qualquer momento. Agora sei como atraía suas vítimas. - Estamos cansados desse jogo, e eu não gosto que me comparem a um animal - falou, gesticulando para o pequeno espaço aberto pelo detetive.

— No fim, não somos apenas isso?  - Sherlock perguntou, enquanto sua plateia de três pessoas ficava estática perante seu timbre grave. Ele sabia muito bem que ali, naquele instante, tudo era decisivo. - Somos animais, sr. Bolton - falou, devolvendo o tratamento educado. - Todos. Animais. E você é um dos piores que existe - sua última frase não passou de um sussurro profundo.

Vicent rugiu perante o que foi dito. Se ele queria mesmo que acreditássemos nele, aquela era a hora para mudar suas atitudes incriminatórias.

John se pôs em meu caminho e se aproximou dos homens, novamente em briga. O estrangulador investiu primeiro e deu dois socos que desorientaram o Holmes. Continuou investindo e tentou acertar o flanco de seu oponente, mas foi surpreendido por um golpe rápido em seu pescoço e outro no meio do peito.

Haveria lesões nos pulmões, sem dúvidas, meu lado legista afirmou.

Vi os músculos da costa  de John se retesarem, ele esperava que aquilo terminasse agora, mas Vicent Bolton nos surpreendeu. Mais uma vez. Seu contragolpe foi perfeito, aplicou um chute concentrado de força contra Sherlock, e sem esperar reação depois disso, alcançou a arma ainda no chão e mirou.

O estampido ruidoso me assustou. Sherlock não conseguiu empurrar o assassino a tempo de evitar o tiro. John se virou e pensei que o veria ensanguentado, entretanto, assim que o vi ileso, entendi quem havia sido atingido.

Desabei. O impacto foi sentido, e sua dor foi lentamente se espalhando por cada terminação nervosa. Acho que o tempo parou nessa hora, ou era apenas uma reação de defesa do meu organismo, mas eu achava o ambiente lento, escuro, sombrio. O choque tomava conta do meu corpo, o sangue ensopava a camisa, tornando o cinza mais escuro. Aquilo me mataria.

— Sherlock! Ela levou um tiro! – Ouvi John gritar.

Mais um tiro foi ouvido. Naqueles poucos instantes de consciência que ainda tive, acreditei que o detetive estava ferido ou morto, porém quando me virei na direção do som vi a cabeça do estrangulador pender e o corpo acompanhar a ação da gravidade.

— Ele se matou? – John não conseguia entender.

Nem eu entendia. A dor, outrora lenta, se espalhava cada vez mais rápido. Senti frio. Meu sangue se esvaía e em seu rastro interno, parecia deixar um caminho de gelo, que a cada minuto me deixava mais fraca e letárgica.  O doutor rapidamente ligou para a ambulância enquanto Sherlock checava minha pulsação.

— Molly! Molly! – chamava. – Não entre em choque!

Fácil para você dizer isso! quis gritar.

Não tinha mais controle sobre meu corpo. Minha mente estava ali apenas como mediadora entre a insanidade e a vida. Meu pai diria que descrevi a sensação perfeitamente, e que agora, deveria me concentrar em não deixar o meu ‘eu real’ ir. Ele riria disso caso pudéssemos conversar por uns minutos, caso ele pudesse afagar meus cabelos...

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto.

Já era tarde demais para qualquer conselho ou lamento. Nem devia estar ali para começar. A escolha já havia sido feita.

— Ela vai morrer? – Foi a última coisa que ouvi e sequer lembro quem a disse, mas não importava.

Aquele era um caminho certo para a morte.



Tempo presente

Sherlock Holmes

— Como assim voltou? – Ouvi John perguntar.

Fui até o corpo da Sra. Bolton; 52 anos, corpulenta, sem picadas nos braços, peso e altura compatíveis com idade, sem margem para exposição de riscos nesse sentido. Havia indícios de noites mal dormidas em torno dos olhos, mas o globo ocular não possuía danos. Sem aparentes problemas de saúde, de acordo com minha breve avaliação – só uma necropsia comprovaria.

Puxei o tecido preto que cobria seu tornozelo: livre de vasos dilatados.

Observei, mais atentamente e de forma perita, seu rosto. Inchado e arroxeado, houve uma obstrução quase completa das vias de circulação venosa e arterial; seus lábios e orelhas também estavam com tons de roxo, havia um pouco de espuma rósea nos cantos da boca, e ao abrir a mesma, encontrei a língua um pouco projetada para além da arcada dentária e extremamente escura. Saúde ok, pleno vigor físico e o assassino, ainda assim, conseguira incapacitá-la antes do crime e enforcá-la. Aquilo era...

— Surpreso? – Molly se aproximou, olhando os sulcos que marcavam a pele da vítima.

— Interessante – falei sem pensar, concluindo o raciocínio.

— Como? – disse, mas logo descartou a pergunta com um aceno de mão. – É bom saber que não fui a única a ser pega de surpresa.

— Não se preocupe – comentei. – John sempre está nessas situações.

Observei um riso rápido cruzar o rosto da legista, que logo desapareceu. Ela olhava o corpo sem vida de Helena Bolton como se o ar em seus pulmões estivesse preso ali e dependesse disso; havia um leve tom de dor nos olhos castanhos, uma dor que certamente espelhava seus pensamentos.

— Molly – toquei seu braço, trazendo sua consciência de volta ao emaranhado em questão.

— Sim – focalizei seu olhar, não estava mais perdido como a pouco. – Não é incrível que ele tenha conseguido fazer tudo sem que alguém percebesse? – perguntou.

Concordei sem falar nada. Sabia que ela percebera a surpresa que não consegui esconder diante de sua sutil dedução.

— Sem palavras é um conceito que imaginei ser desconhecido para você – provocou.

— Nunca ouvi palavras tão verdadeiras, Molly Hooper – e no momento que disse, avaliei ser algo idiota para ser dito, contudo ambos sorrimos.

— O que está acontecendo aqui? – John quis saber; a julgar pela sua expressão, um ataque estava a caminho. – E como ele voltou? – repetiu.

— A alcunha se faz presente, John. O homem, Vicent Bolton, está morto. Testemunhamos o ato, lembra? – apontei para a sala, para cada detalhe manipulado, para o corpo, para a frase. – Isso não é apenas uma encenação, é um recado artístico. Uma obra de arte.

— Ok! Que recado seria esse?

— Não sei. Ainda – não gostei de admitir aquilo, embora pudesse supor algumas ideias, novas peças de um jogo novo.

Molly se afastou e iniciou uma conversa com sua assistente. Os peritos da Scotland Yard tentavam encontrar possíveis digitais que eu sabia serem incompletas e de difícil visualização; algumas fotografias foram tiradas, amostras incomuns coletadas para exames. Qualquer chance de solução se encontrava preparado para o novo catálogo da polícia.

— Você teve seu tempo, Sherlock – Lestrade comunicou. – Essa é a hora que preciso de informações. O que procuramos?

— Um homem. Não tão forte. Vê as marcas no pescoço? – indiquei os dedos destacados na pele clara. – Ele fez uma pressão além da necessária, não tinha confiança no que fazia, mas decidiu ir até o fim, com a vítima e com o objetivo.

— Acha que ele não queria matá-la? Talvez isso explique a falta de confiança, o exagero almejado – disse.

— Ah, não – expliquei. – Não, inspetor, ele quis matar. Talvez não estivesse totalmente de acordo com o método no início da ação, mas o desejo que o instigou se encontrava nele.

O detetive da Yard balançou a cabeça, como para afugentar dos pensamentos o desejo que preencheu o assassino.

— Ela o conhecia? – Indicou Helena.

— Talvez sim, talvez não. Preciso pensar.

Ele suspirou.

— Então estamos atrás de outro maníaco?

— Diria que sim – John respondeu depois de acompanhar a conversa.

Lestrade nos olhou por um instante e chamou Molly.

— Vou precisar de um depoimento seu. Tudo desde o momento que chegou – disse a ela.

— Sem problemas.

— E também quero que você e o Sherlock estejam presentes durante o relato de Elizabeth Bolton. Você a acompanhou até aqui e ele - apontou para mim – bom, sabemos o que faz – bufei. Todos concordaram.

— Algo mais para sabermos? – John perguntou.

— Os parentes das vítimas anteriores – a legista falou de repente.

— O quê? – O inspetor e o doutor perguntaram sem me dar chance de resposta.

— Você pensou nisso – ela me disse e explicou aos outros. – Sherlock acha que pode ser um recado, certo? A alternativa lógica é que seja para os parentes de cada vítima de Vicent Bolton. Aqui não houve apenas uma morte; quem fez essa encenação teve tempo, buscou referências em “seu mestre estrangulador”, acho que posso dizer assim. Acrescentou sutilezas como, vestir Helena de advogada se referindo à personagem Pórcia que enganou o financista e o duque no livro, sua pose no sofá altiva até a morte e mesmo as pétalas, são uma saudação – ela fez uma pausa, dando tempo a todos de acompanharem seu raciocínio. – O próprio livro, Mercador de Veneza, está presente como assinatura do primeiro estrangulador e é um recado. A assinatura desse é a frase “Atos contra natura engendram perturbações contra natura”- concluiu.

— Uau! – Lestrade comentou – Isso foi...

— Incrível! Brilhante! – John, como sempre, impressionável demais.

— O que faz a frase destoar? – Foi a dúvida do inspetor.

— Quer responder? – Ela quis saber.

Neguei. Estranhamente gostava daquela exibição de conhecimento.

— Só posso dizer que pertence ao livro de Macbeth – respondeu. – O assassino aprecia Shakespeare.

— Mandaram a mesma citação ao Sherlock – John lembrou. – O recado pode ser para ele.

— Ou o estrangulador quer sair para jogar – discordou Molly. – Um show particular, como você disse. Não seria a primeira vez que ocorre – terminou.

— Ora, ora – Lestrade elogiou. – Vejo que aprenderam bem – se afastou sorrindo. – John, veja com Sally as informações sobre possíveis alvos futuros – falou ao se virar mais uma vez.

— Nosso trabalho terminou aqui – falei, guardando meus pensamentos exibitórios para outra ocasião, dirigindo-me para fora. A assistente nos acompanhava. Qual era mesmo o nome dela?

— Vou chamar um táxi – John falou. – Vem junto?

— Não, vou andar um pouco.

Ele se despediu e caminhou até a outra rua para conseguir um veículo.

— Muito bom, Molly – gesticulei com a mão indicando a dedução que fizera. – Foi realmente bom.

— É, foi interessante – disse com os olhos dispersos, sua mente maquinando. – Não vou tomar seu lugar, se está pensando nisso – sorriu.

— De forma alguma – falei quando a garota ruiva se aproximou. – Vejo vocês depois.

Molly meneou a cabeça, mas a outra respondeu:

— Até o próximo crime, Sherlock! – e balançou a mão em despedida.

Olhei-a por alguns segundos e vi um desafio naquele rosto efusivo que não ficou claro para mim. Corpo levemente inclinado, brilho de expectativa no rosto e uma pose, talvez, arrogante. Certamente não fizera nada para ser desafiado, ainda nem falara direito com ela, pelo amor de Deus! Eu nem mesmo lembrava seu nome... Droga!

— Hm – qualquer ruído seria melhor do que havia dito. Não devia ser um nome difícil, oras. Elizabeth, Dakota, Natasha, Amanda... – Eva? – arrisquei.

Sua animação sumiu tão rápido quanto um mar se acalma após uma longa tempestade. Molly, no entanto, olhou de sua amiga para mim e se agradou com o que viu, pois esboçou um sorriso.

— Emma Thompson – a ruiva falou cabisbaixa, por algum motivo que não compreendi. – Boa noite.

Murmurei algo – provavelmente um “quase estive certo” - e voltei a andar. Após uns vinte metros, encoberto pela noite e pelo clima londrino, virei na direção oposta e vi Emma colocar algo na palma estendida da legista.

Uma aposta. Algumas situações resolveram não ser comuns essa noite.

Recomecei a caminhada, sentindo a adrenalina de ter um novo quebra-cabeça em mãos.

Um novo jogo havia começado.


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