Apesar de tamanha raiva, desamassou o papel, soltando a fumaça de cigarro com força pela boca. A primeira aula da lista era
matemática.
   Merda!
   Matemática Avançada - Woton Pontelli (sala 307) - 8h40
   Estava 10 minutos adiantada. Jogou fora o cigarro e foi rastejando, sem nenhuma vontade, para o terceiro andar do prédio dos fundos. Subindo as escadas, não encontrou ninguém pelos corredores. Esperava que, pelo menos, Lanna ou Linden fizessem parte daquela aula. Fala sério! Quem teria que aguentar matemática àquela hora da manhã?
   Finalmente, achou uma porta de madeira corrida escrito ''Matemática Avançada'' e entrou.
   Uns poucos alunos já estavam lá, mas nem sinal do professor. Tina também não viu ninguém conhecido. Ao entrar, os que estavam conversando, imediatamente pararam para encará-la. Analisaram-na de cima a baixo, com olhares de reprovação e talvez até nojo.
   Felizmente, já estava acostumada com aquele tipo de recepção. Procurou a última carteira nos fundos da sala e acomodou-se com seu jeito desleixado. Enterrou seus fones no ouvido e fechou os olhos, deixando 2 On, de Tinashe, explodir. Foi acordada por uma mão áspera em seu ombro, já ao final da música.
   - Bom dia, você deve ser a aluna transferida - o dono da mão tinha uma voz bastante potente.
   Tina tirou os fones, sem nenhuma pressa, porém sem a cara costumeira de tédio. A garota explorou bem o homem a sua frente.
Porte simples, nem muito atlético nem acima do peso, usava uma camisa de botão azul aparentemente nova com as mangas estrategicamente dobradas na altura dos cotovelos, deixando à mostra metade de uma tribal, os três primeiros botões estavam abertos e podia-se ver um convidativo peito largo com alguns pêlos castanhos bagunçados. Seu cabelo era mal cortado, entretanto conveniente à sua aparência descuidada. Barba por fazer, olhos castanhos e boca em um perfeito formato de coração, rosada. Usava calça jeans clara e tênis esportivo. Carregando um cordão de ouro no pescoço, um relógio simples e aliança no dedo, Tina só tinha uma palavra em mente.
   Sexy.
   - Pode me chamar de Tom - ele disse, simpático.
   Com certeza, a garota de cabelos azuis o chamara a atenção.
  - Como foi transferida agora, talvez tenha certa dificuldade, mas estou aberto à dúvidas e sugestões - ele sorriu de lado e virou-se para começar a aula.
   Ok. Depois de dias estressantes que ela estava tendo, algo diferenciado precisava surgir, era o que pensava. Pelo menos, na aula de Tom poderia se distrair de tudo que vinha acontecendo. Não falara com seus pais desde o ocorrido da semana anterior. E, após a conversa com diretora Chloe, teria mais uma pedra em seu sapato para retirar. Claro que não conseguiria focar naquela matéria, especialmente por um pecado daqueles ser seu professor. E talvez nem se esforçaria.

Sua aula sucedeu rápido como uma onda derruba alguém na areia. Tina se preparava para levantar, quando Alícya, a patricinha,
adentrara a sala. Andou esbaforida, sem seus capachos seguidores, e jogou uma folha sobre a mesa de Tom. Este, mal a encarou.
   - Bom dia, professor. Desculpe incomodar. Gostaria muito de fazer sua aula e trouxe o papel de pedido. Só preciso que o senhor
assine aqui... - ela mostrava, jogando-se sobre ele.
   Estava bastante evidente para todos da sala que ela estava dando mole para ele. Todavia, os alunos começaram a sair com tumulto. Tina passou pela mesa dele e deixou um papelzinho rasgado com seu nome, fazendo Alícya cravar nela um olhar de ódio.
   - Tá aí meu nome, Tom. Acho que não precisa de mais nada meu - e foi saindo.
   - Vejo que o senhor vai ter alguns problemas na sua turma - Alícya soltou, encarando Tina.
   Tom se levantou da cadeira e apanhou o pequeno papel. Olhou brevemente e voltou-se para a outra garota.
   - Até a próxima aula - sorriu.
   Mas Tina já estava de costas. Ele assinou o bilhete de Alícya, ainda olhando enquanto a garota de cabelos azuis virava o corredor.

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   Não tinha mais aulas por hoje, ainda bem. Decidiu não falar com mais ninguém na escola e ir direto para casa.
   Uma vez em seu quarto, tirou as roupas pesadas e deitou nua na cama com seu celular. 11h23. Não tirava da cabeça todas as palavras impostas pela diretora Chloe. Como ela faria para atender à todas as suas exigências? Mudar da água para o vinho? Não podia dizer que era extremamente complicado. Contudo, teria que se esforçar consideravelmente. Coisa que não era de seu feitio se tratando de estudos. Não anotara sequer um cálculo que Tom pusera no quadro. Claro, estava muito ocupada ouvindo sua voz e
reparando seu corpo. Trocaram alguns olhares discretos durante toda a aula. Era impressão sua ou ele também mostrou certo interesse? Impossível saber. Talvez ele estivesse só impressionado com sua aparência distinta. De qualquer forma, ela teria de agir rápido. Não podia esquecer-se de Lanna estava sob sua responsabilidade e que seus atos se espelhariam na ruiva.
   Ouviu passos na escada pouco antes de colocar seu mp3 para tocar e fingiu dormir. Alguém abriu a porta de seu quarto. Não sabia dizer se era sua mãe ou seu pai. Logo, a pessoa desistiu e fechou a porta. Tina olhou de rabo de olho para ter certeza de que estava mesmo sozinha e relaxou. Caiu no sono ao som de Girls Love Beyoncé, Drake.

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   O vestido era verde musgo. Longo, porém de panos finos e realçando suas curvas. Tinha um pequeno decote em U e algumas
pedras brilhantes no busto. Sentiu um vento e notou que era aberto nas costas. Ela segurava a calda e corria. Corria debaixo de um céu azul bonito, com um sol forte, numa grama fresca. Cheiro de terra seca estava no ar.
   Por que você corre?
   Uma voz foi ouvida. De onde vinha aquilo? De repente, parou. Olhou em volta.
    Nada.

Olhou para seus pés. Descalços. Estudou melhor o vestido. Era simples. Foi passando a mão por seu corpo. Seu cabelo estava mal
preso, talvez num coque, não sabia dizer. Havia uns poucos cachos soltos. Negros. Negros? Seu cabelo não era negro. Não, porque não queria. Sua cor natural, sim. Sua franja era chata nos olhos. Voando todo o tempo. Sentiu algo no pescoço. Resolveu tirar o que estava pendurado e deu de cara com um bonito cordão de prata. Continha um pingente azul em forma de pimenta. Azul da cor do céu e brilhava.
   NÃO!!!!!!
   Deixou cair, no susto. Aquela voz de novo. Conhecia aquela voz?
   Sentiu sua pele queimar, como se o sol estivesse forte de mais. Instantaneamente levou as mãos aos braços, como que se protegendo e viu queimaduras profundas e feias surgindo. Sua pele estava ficando em carne viva, cada vez mais, enquanto esfregava. E queimava. Muito. Estava insuportável.
   Coloque de volta!
   O cordão! Caiu de joelhos e começou a procurar o que tinha deixado escapar. Havia muita grama. E a dor aumentava. Não ia conseguir. Não estava encontrando. E aquela dor não parava. Finalmente, sua mão tocou na pedrinha. Estava fria como um floco de neve. Suspirou, aliviada. Segurou com força e suas queimaduras foram desaparecendo, lentamente.
   Não deveria tê-lo tirado, senhorita!
   Aquela voz era real ou estava somente em sua cabeça?
   Alguém fez sombra atrás dela. Uma sombra grande. Olhou para trás, mas estava muito sol. Machucou seus olhos e não era capaz de enxergar o rosto.
   Isto não é um presente. É sua sobrevivência.
   A pessoa se abaixou. Ela piscou e avistou um par de olhos verdes.