Narciso escrita por Liz Setório


Capítulo 1
O poder de um abraço — Capítulo único —


Notas iniciais do capítulo

AVISO DE GATILHO: IDEAÇÃO E PLANEJAMENTO SUICIDA

Boa leitura!



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Eu não me sinto bem. É Natal todas as pessoas estão felizes. O ar cheira a felicidade, porém eu não estou nem um pouco alegre. Sinto uma coisa ruim, um peso no coração, uma dor que consome o meu peito. Sinto-me tão solitário, não tenho família.

Digo que não tenho família não por não ter ninguém, mas por não ser compreendido pela maioria dos meus familiares. Sou praticamente sozinho no mundo, só tenho minha mãe. A única pessoa que me entende, não muito, mas que pelo menos não me chama de fresco. Evito desabafar com ela, pois ela já é uma pessoa corroída por tristezas. Talvez ela seja até pior do que eu. Não quero levar mais tristeza a ela.

Sempre tento acreditar na bondade das pessoas. No entanto, já esbarrei com tanta gente ruim nesse mundo que é difícil acreditar. Já me fizeram ficar tão triste.... Os meus olhos, muitas vezes, foram inundados por lágrimas.

Às vezes eu só queria desaparecer. Não morrer, porque não acredito que com a morte a gente suma, para mim, quando a gente morre vai para algum lugar. Não acredito em céu ou inferno. Todavia creio que devem existir por aí alguns universos paralelos que a gente vá. Ou talvez não exista nada.

Sou meio cético, quase sempre, duvido de tudo. Questiono-me sobre Deus, se ele existe mesmo. Tem vezes que tenho certeza. Ele parece tão real que é como se eu já tivesse o visto, porém há momentos que sou um completo descrente. Creio que o mundo é obra do acaso, de um magnífico acaso que criou tudo e todos.

Eu já fui feliz ou acho que fui. Quando eu era criança, todas as coisas eram mais fáceis. Os dias eram mais leves, as amizades mais verdadeiras, o amor mais intenso... Hoje tudo parece ser uma grande mentira, uma grande ilusão. Julgo quase sempre que não sou amado e que se sumisse, não faria falta a ninguém. Nenhuma alma viva iria me procurar, ninguém iria aos jornais com a minha foto para fazer um apelo para que eu aparecesse, as pessoas não veriam o meu rosto colado nos postes. Ninguém se importaria, sou inútil, não faço falta.

 O meu maior desejo é entender o porquê de tantas desgraças acontecerem na minha vida. Não sou nenhum santo, tampouco nenhum demônio. Não me recordo de ter feito grande mal a alguém. Nunca matei ou roubei. É difícil para mim conseguir compreender as coisas ruins que aconteceram e que ainda acontecem nessa minha sofrida existência.

É Natal, todavia ninguém está feliz. Simplesmente eu não consigo acreditar nesses sorrisos falsos vindos de rostos consumistas. Natal não é dia de reverenciar o Papai Noel, mas sim Jesus... Fico pensando, o que ele, caso exista, deve pensar de tudo isso. Essas pessoas frias esbanjam dinheiro e acham que os seus semelhantes só comem no Natal. As pessoas comem o ano inteiro! Dar comida aos pobres só no Natal não resolve nada, eles continuarão a passar frio e fome.

Mas quem sou eu para criticar alguém? Sou apenas um garoto de dezesseis anos que reclama de barriga cheia. Alguns acham que eu deveria agradecer pelo que tenho. O que eu tenho? Uma família falsa e ridícula onde todos se odeiam. Uma casa nojenta que nem ao menos tinta nas paredes tem. Nem móveis direito aqui tem. Vivo em estado de pobreza material e emocional. Sou um ser humano desgraçado.

Aos escrever essas linhas, choro, choro como um bebê. A minha visão embaça, tenho que parar por alguns momentos para secar as insistentes lágrimas que rolam pela minha face.

Começo a reconsiderar uma ideia. A ideia da morte. Penso que talvez não possa ser tão ruim. Vou embora desse mundo e parto para outro paralelo a esse. Ninguém sentirá falta de mim, ninguém me ama. Sou um peso, sou apenas mais um para comer da ração que o amado papai bota na mesa. Velho ridículo, por mim, ele entraria em combustão nesse exato momento. Os meus irmãos dizem que sou um fresco, que não tenho problema nenhum. Que é tudo para chamar a atenção. É claro que faço tudo isso para chamar a atenção, isso é mais que óbvio. Ah, me poupe. Se eu pudesse não seria assim, tão sensível. Tão carente de afeto e amor.

Um dia, o irmão mais velho disse “Narciso, se você tem problema, vai para um hospício. Eu mesmo te boto lá.” Pobre irmãozinho, ridículo e ignorante. Não entende o que eu sinto, não sabe o que eu sinto.

A minha sexualidade incomoda. “Por que não experimenta sair com uma menina?” Por que não perguntam ao meu irmão, hétero, por que ele não experimenta sair com um menino. Odeio quando dizem que isso é pura safadeza. Que eu escolhi ser assim. Odeio o termo opção sexual. Ninguém opta por escolher algo que acabará lhe trazendo sofrimento. Eu não tenho uma opção sexual, mas sim uma condição sexual. Sou assim, porque sou assim. Eu não escolhi, ninguém escolheu, simplesmente aconteceu. Mas ninguém liga pra isso, o Narciso, como sempre, só está querendo chamar a atenção.

Minha mãe me chama, diz que as rabanadas já estão prontas. Agora, eu preciso escolher, encher a minha barriga de pão frito ou deixar essa vida inútil me entupindo de comprimidos para dor. A escolha é complicada. A cartela de remédios me olha, é como se ela me convidasse para um passeio, um passeio para a morte. Viver ou morrer?

Paro de escrever, pouso a caneta em cima do diário e me concentro na decisão que preciso tomar: comer ou morrer.

 A cada segundo é mais difícil, minha mãe insiste em me chamar. Ela está aos gritos, ouço passos, mamãe se aproxima.

— Você não vai fazer falta a ninguém, Narciso — sussurro para mim mesmo.

Num gesto rápido pego a cartela de comprimidos. Ela está cheia, basta ingerir todos para que eu deixe esse inferno de vida.

Já estou decidido, não quero mais viver aqui. Quem sabe, um dos universos paralelos para onde vou seja melhor? Pego a cartela, mas minha mãe entra no quarto.

— Está com dor de cabeça? — questiona em tom suave. Quando mamãe não estava gritando, até que a voz dela era bem doce.

Desato a chorar, perco a coragem instantaneamente.

— O que você tem, menino? — pergunta em tom de preocupação.

Gosto de ver mamãe preocupada comigo, isso mostra que tenho a mínima importância para alguém.

— Dor na alma — respondo soluçando.

— Vem cá, é Natal, não é dia de choro, Narciso — diz me puxando para um abraço.

ATENÇÃO!!!

SE VOCÊ TEM SENTIMENTOS/PENSAMENTOS SEMELHANTES AO DO PERSONAGEM PROCURE UM PSICÓLOGO!!
Geralmente em faculdades que têm o curso de psicologia é possível ser atendido gratuitamente ou a valores menores que o comum. Além disso, há psicólogos que realizam preços sociais (valores mais baratos e/ou adequados à realidade econômica do paciente)


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Notas finais do capítulo

SE VOCÊ TEM SENTIMENTOS/PENSAMENTOS SEMELHANTES AO DO PERSONAGEM PROCURE UM PSICÓLOGO!!
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Espero que tenham gostado da história.

Caso queiram deixar a sua opinião, sintam-se à vontade. Críticas construtivas sempre serão bem vindas.

Essa história possui uma continuação: https://fanfiction.com.br/historia/750578/Alivio/

Muito obrigada por ler ♥