Addispiratu escrita por LC_Pena, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 3
Capítulo 2.


Notas iniciais do capítulo

Uma pequena viagem para vocês, mais barato que o Viajanet.com



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Eu estava olhando fixamente para meu gorro cor de berinjela em cima da mesa: ele combinava com meu colete de mesma cor, com minha blusa de manga comprida lilás e até mesmo com minhas meias ¾. A única coisa que não combinava naquela cena toda eram meus pais, ali, de pé, dançando uma canção ridícula do ABBA sobre meninas de 17 anos que são rainhas dançantes. 

Merlin, eu tenho 17 anos e o mais próximo da realeza que me sinto hoje é da boba da corte! 

Afastei meu café da manhã inacabado, apoiando meus cotovelos no lugar, queixo sobre as mãos. Ontem a noite havia pulado o jantar e tinha surtando entre a linha “estou maluca e inventei o mundo mágico” e a “fui chutada do mundo bruxo”.  

Nenhuma das duas fazia sentido, então qualquer que seja a realidade, eu sou insana, mas, independente disso, uma coisa estava clara: havia algo errado com meus pais. O vestido com estampa geométrica de mamãe ainda estava no lugar e o cabelo tinha um toque extravagante da década passada, que ela tanto gostava. 

Papai ainda tinha os mesmos cabelos ralos e ruivos e insistia em usar calças sociais retas, mesmo que todo mundo soubesse que isso era muito ultrapassado! Usava o terno completo, com direito a lenço de bolso e abotoaduras, ainda que a jaqueta estivesse vestindo uma cadeira nesse exato momento. 

Suspirei pesado de novo, porque nada disso fazia sentido.  

Quando finalmente fui vencida pela exaustão ontem a noite, mergulhei em um sonho que era mais realista do que qualquer outra coisa que tinha acontecido nas últimas 24 horas: 

Chovia muito e o pastor da Igreja em que meus pais se casaram e de vez em quando frequentavam em algum acesso bobo de culpa tardia, falava palavras que não eram ouvidas por mim. 

Eu estava cercada de todas as pessoas da cidade que alguma vez já cruzaram com a minha família na vida, vestidos de preto, debaixo de seus guarda-chuvas pretos. Sentia uma presença confortadora atrás de mim, um quase abraço, que terminava com minha mão sobre a sua em meu ombro. 

Eu não chorava por trás dos óculos escuros grande que usava, embora uma Petunia apoiada sem forças em seu sempre fiel companheiro Vernon deixava entreouvir alguns murmúrios desconexos de “eu não entendo” e “por que tão cedo?” que eram realmente de partir o coração. 

A cena era óbvia, se tratava do funeral dos meus pais e a sensação dolorosa de desamparo, confusão e tristeza formava uma bola opressora em meu peito, deixando o ar quase rarefeito. O homem no púlpito a frente encerrou o serviço fúnebre.  

Os caixões começaram a descer nas covas feitas com diferença de poucos centímetros entre elas e vê-los descendo solenemente para dentro daqueles buracos escuros na terra foi tão perturbador que acordei com a mão estendida para o nada e o gosto de um “Não” não dito, na boca. 

Ver o meu quarto familiar levemente iluminado pela luz das primeiras horas da manhã não diminuiu o aperto no peito, aquela sensação de perda insubstituível, então minha mãe me encontrou chorando copiosamente, apertando o travesseiro como se fosse uma boia salva-vidas. 

Mesmo quando ela me abraçou e penteou meus cabelos com os dedos, murmurando que ia ficar tudo bem, que foi só um sonho, a sensação de perda ainda estava muito viva. A voz dela, o calor de seu abraço, seu cheiro... Pareciam mais memórias distantes do que aquela dor horrível parecia com uma ilusão. 

Ela me pediu desculpas por ter se irritado ontem e eu fiz que sim com a cabeça, mas não soube o que responder a um animado “Pronta para a volta às aulas?”. 

Mesmo tendo me vestido, me asseado, me penteado, colocado os materiais de aulas comuns dentro da bolsa: caderno, canetas, lápis, borrachas com cheirinho de morango... A sensação de que devia estar colocando pergaminhos, tinteiro e varinha ainda estava lá e só não era pior do que a sensação de ver meus pais tão bem e felizes na minha frente. 

Por que a visão deles no caixão parecia mais real do que essa aqui? 

Mamãe sussurrou algo no ouvido de meu pai, que me olhou com um ar intrigado. Ele finalmente se despediu da esposa com um beijo terno na testa, pegou a jaqueta do terno na cadeira e sacou algumas libras da carteira. 

—Aqui, querida, compre algo bonito para você hoje. - Minha mãe o olhou reprovadora, provavelmente ela tinha sugerido que ele me desse alguns pennys, não notas de libras. Guardei tudo na bolsa, com um sorriso sem dentes.– Tenha um bom primeiro último dia de aula na escola! 

— Obrigada, pai. 

Assim que ele saiu pela porta da cozinha, minha mãe franziu o cenho para o nada, depois fez uma expressão aborrecida e por último gritou feito uma louca, me fazendo pôr as mãos sobre os ouvidos. 

— PETUNIA EVANS, DESÇA JÁ AGORA, LILY NÃO PODE CHEGAR ATRASADA NA AULA! 

Um som irritante e rápido de saltos na madeira soou, então na escada e por fim, a futura senhora Dursley surgiu na porta da cozinha, com um visual mais sofisticado do que era exigido para levar a irmã caçula na aula. 

— Não precisa gritar, mãe! Quer que os vizinhos saibam de tudo que se passa na nossa vida? 

— Achei que essa era a razão de estar se emperequetando toda a essas horas da manhã... - Finalizei meu suco de laranja e deixei o copo na mesa com um barulho seco.– Não é para isso que vive? Para ser notada? 

—Mamãe, a senhora ainda não disse qual vai ser a punição de Lily por arruinar o meu quarto. - Petunia ignorou meu comentário como sempre e eu ignorei seu tom irritante e desagradável, como sempre. 

— Não é punição o suficiente ter que olhar pra sua... 

— Lily... - O tom de aviso era claro, então fechei a boca com um zíper imaginário, a discussão boba com Petunia desatando um pouco o aperto em meu peito.– Seu pai deu algum dinheiro para ela, Tuney, tenho certeza que vocês duas podem se divertir um pouco comprando algo para substituir o que sua irmã estragou. 

— Minhas coisas são muito caras, não dá... 

— Eu não vou gastar um centavo com a senhorita cara de cavalo, futura senhora... 

— Já chega vocês duas! - Minha mãe sibilou para a gente, apontando o dedo em riste de uma para a outra.– Isso não foi uma sugestão, agora passem daqui, antes que Lily chegue atrasada para a aula. 

Enfiei meu gorro com raiva nos cabelos soltos enquanto via Petunia passar pela soleira da porta usando seu vestidinho elegante e esquisito, em um tom de abóbora queimada. Ela entrou no lado direito do carro e eu estava quase abrindo a porta do carona, quando pensei melhor e abri a porta dos fundos. 

— O que pensa que está fazendo, sua estúpida? 

— Vamos, Alfred, não quero chegar atrasada no meu importante compromisso! - Falei no meu melhor tom nobre, quase uma rainha Elizabeth e Petunia me encarou irritada pelo retrovisor. 

— Se acha que vou me deixar chatear com suas picuinhas, está muito enganada, porque eu sim tenho um compromisso importante e não posso me atrasar por causa de suas criancices. 

— Te pago para dirigir e não para falar, Alfred. 

Petunia tirou o carro da garagem, sem dizer mais um pio, mas sua expressão de constipação me dizia que ela estava resistindo bravamente ao impulso de responder minha provocação a altura. 

Saímos de nossa rua e fomos em direção a margem do rio Doe. Me aprumei melhor na janela e tive um pequeno vislumbre da entrada da Spinner’s, então resolvi desviar o olhar dali. Agora que finalmente estava sozinha com meus pensamentos, a realidade absurda em que me encontrava voltou com tudo: 

Eu sou uma bruxa, o que diabos estou fazendo indo para Paignton? 

— Tuney, você pode me deixar perto da rua Oak, ao invés de na frente da escola? 

— Ah, voltei a ser Tuney? - Ela perguntou irônica, então me vi obrigada a encostar meu queixo no encosto de seu banco. 

—Não seja tão implicante, não é como se o arranjo fosse ficar ruim para você... - Disse isso no meu melhor tom pacífico, mas a megera só passou a segunda marcha com mais força.– Por favooooooor! 

— Como vou saber que não vai ficar de saliência com Kilmartin em alguma viela? - Meu Merlin, de onde Petunia tirou essa história minha com esse garoto que eu nunca vi mais gordo? Revirei os olhos, mas ela não viu, ainda bem. 

— Bem, sequer sei o que deu em mim para sair com ele da primeira vez... Vamos, Tuney, preciso ver se uma revista que estou esperando já chegou nas bancas. É importante! 

— Está bem, que seja, mas se eu souber que você não foi para a escola e a mamãe colocar a culpa em mim, eu juro que eu... 

Passei a mão pelo vão entre os bancos da frente e apertei a bochecha ossuda e maquiada de minha irmã mais velha. Ela chiou ultrajada.  

— Guarde suas ameaças, Tuney. - Voltei a me recostar no meu assento, satisfeita que pela primeira vez nessa loucura toda, eu estava tomando as rédeas da minha vida. –Juro que vou me comportar. 

*** 

Remus Lupin estava realmente esperando pelo pior, então quase saiu de sua própria pele quando o ronco do motor da moto de Sirius quebrou o silêncio na rua deserta do bairro familiar. 

O motociclista tirou o capacete e a juba escura que fazia as moças suspirarem pelos corredores de Hogwarts surgiu ao mesmo tempo em que seu dono descia da moto gigante e pouco prática. 

— O que foi que aconteceu? 

— Cheguei agora também, Sirius. - Remus envolveu uma mão na outra e as soprou. Algumas noites de outono eram mais frias do que outras.– Será que Peter já chegou? 

— Como eu vou saber, Moony? Não acabamos de estabelecer que ambos acabamos de chegar aqui? - Remus revirou o olhos, irritado com a idiotice de seu amigo. 

— Era mais uma opinião do que uma confirmação, Pads, você não precisa ser tão literal! 

— Ora, mas se... 

— Hey, será que os dois idiotas poderiam entrar de uma vez? 

Assim que James revelou sua localização, a casa número 12 surgiu bem diante dos olhos dos dois amigos. Eles já estavam quase se acostumando com isso, mas James usando a capa da invisibilidade não ajudava a diminuir o susto. 

Entraram sem demora no corredor iluminado do jeito trouxa e antes que o dono da casa pudesse dizer algo, os dois visitantes começaram a bombardeá-lo de perguntas. 

— Como assim meu afilhado sumiu? 

— Você chamou Dumbledore? Onde está o resto da Ordem? Como... 

— Não sei. - O pobre anfitrião calou o moreno de cabelos compridos com uma mão e se voltou para o mais alto e magricela do outro lado.– Não chamei Dumbledore e nem ninguém mais, só vocês e Peter. 

— Por que... 

— Remus, por favor, não temos tempo pra isso! - James passou a mão pelos cabelos naturalmente bagunçados.– Harry e Lily simplesmente sumiram e eu preciso que me ajudem a achá-los! Sirius, qual é mesmo aquele feitiço de rastreamento que... 

— Ei, ei, ei, espera um minuto aí! Onde você estava quando os dois sumiram, Prongs?  

— Sim, cara, os malditos comensais te machucaram? Como eles conseguiram chegar até... - O tom de Sirius nem de longe fora tão acusador quanto o de Remus, mas, porque conhecia muito bem aquela expressão no rosto de seu melhor amigo, o moreno mudou completamente a abordagem.– James, onde diabos você estava? 

— Eu... Eu estava fora. 

*** 

Pro-vi-den-ci-al  

Separava as sílabas nos meus lábios enquanto aguardava o trem que me levaria de Cokeworth até St. Pancras, em Londres. A inesperada doação monetária de meu pai seria mais do que suficiente para pagar minhas passagens de ida e volta, só que, se tudo der certo, eu não vou precisar da passagem de volta. 

Providencial. 

Meu plano é o seguinte: vou até King’s Cross, até a plataforma 9 e ¾ e de lá até a gerência do Expresso de Hogwarts, exigir que me mandem para a escola. Caso não haja ninguém lá, vou até o Beco Diagonal em Charing Cross, para procurar meus direitos, porque eis minha teoria: 

Espera, primeiro deixa eu pegar um bom lugar na janela. Pronto. Me sentei e pus minha bolsinha no colo, iria colocar no assento ao lado para ninguém se sentar comigo, mas a velhinha na frente me olhou repreensiva. 

Ok, agora sim. Eis minha teoria: 

O Lorde das Trevas está colocando em risco, ainda mais, a vida dos nascidos-trouxa esses tempos e porque algumas políticas públicas do mundo mágico não tem o menor cabimento, algum doido achou que seria melhor tirar todos nós, nascidos-trouxa, da zona de perigo. 

Saquei meu caderno da bolsa e aproveitei para usá-lo de uma maneira útil, já que logo voltaria aos pergaminhos. 

Essa foi uma ação extremamente absurda, pois a ignorância não é a resposta pra nenhum problema, muito pelo contrário, de acordo com um famoso pensamento budista, o qual não recordo o fim, “é da ignorância e da avidez que surge o mundo do erro”, sendo a ignorância atual dos nascidos-trouxa e a avidez sendo do Ministério com a melhor das intenções de nos proteger, exatamente o tipo de erro que alguém que se intitula “Lorde das Trevas” espera que aconteça para poder ascender em seu reino de terror. Me recuso a acreditar que o melhor caminho seja a fuga e separação do mundo bruxo, de fato, creio que essa é a hora de nos unirmos contra aquele que 

Acordei com a senhora a minha frente fazendo barulho para pegar sua maleta no bagageiro acima de nossas cabeças. Onde estávamos? Olhei os arredores e reconheci como sendo a estação na qual chegava sempre para ir até o embarque do Expresso de Hogwarts nos últimos seis anos.  

Isso! 

Joguei a caneta e o caderno com meu discurso inacabado dentro da bolsa de qualquer jeito e segui os outros passageiros para fora do trem. Muito bom que havia deixado meu bilhete em cima da mesinha, então não fui incomodada no meu cochilo mais do que merecido, depois da horrível noite de sono ontem. 

Nada bom que não tenha acabado o meu discurso inflamado para qualquer que seja a criatura que terá o desprazer de me ouvir. Eu sou muito boa no improviso também, não é a toa que virei monitora-chefe, é preciso muito jogo de cintura para lidar com aqueles pestinhas do primeiro ano. 

Desci na estação St. Pancras e acabei apenas tendo um vislumbre do dia nublado em Londres, enquanto rumava para a estação ao lado. Ao descer novamente aqueles degraus já conhecidos da estação de King’s Cross, fui me acalmando mais e mais. 

Era fácil dar sumiço em um malão e em objetos mágicos bobos de uma garota de 17 anos, mas fazer sumir toda uma estação de trem era uma outra história. Corri um pouco até a plataforma 9, porque faltava sete minutos para as onze horas da manhã. 

Nem dava para acreditar, apesar de todos os pesares, eu estou mesmo indo para Hogwarts! 

Avistei a já familiar intercessão entre a plataforma 9 e a 10 e por isso mesmo apenas acelerei o passo em direção a parede de tijolos. Sorri antes de acertar com a cara naquela sólida parede a minha frente. 

— Oucht! -  Mais do que meu nariz e agora a bunda com a queda nada elegante no chão, minha dignidade estava extremamente ferida. 

— Querida, você está bem? - Um casal de idosos pareciam preocupados, mas eu estava irritada demais e por isso não aceitei a mão que o senhorzinho me ofereceu. 

— Vou ficar bem assim que... - Tentei verificar se meu pobre nariz ainda estava inteiro e depois comecei a tatear e então a estapear aquela parede estúpida.– Parede maldita! O que raios você pensa que está fazendo? 

— Isso mesmo, menina, mostre a ela quem manda! - A velhinha havia soltado o braço do marido e agora me mostrava alguns golpes leves que eu supostamente deveria aplicar na parede vilã. 

Parei com minha cena absurda, funguei mais uma vez para ter certeza que não havia sangue na equação e então ajeitei melhor minha bolsa nos ombros. 

— Peço perdão pela minha loucura, o dia não está sendo como deveria ser... 

— Talvez não devesse estar tentando tanto fazer as coisas acontecerem do seu jeito... - Algo na voz do homem me lembrou a maneira de falar de... Não, não era possível! Encarei aquele senhor com aparência de avô de histórias para criança e o tom taciturno e levemente arrogante deu lugar a um bem mais ameno.– Me refiro a tentar atravessar as paredes. Há jeitos menos dolorosos de chegar aos lugares quando não se é um fantasma, mocinha. 

Ele disse divertido e sua senhora o acompanhou no riso condescendente. Dei um sorriso sem graça e agradeci a ajuda. Qual era o meu problema com idosos hoje? Normalmente não falo com nenhum e agora já dei de cara com três! Bem, isso pouco importava, porque tinha um plano B para pôr em prática. 

Chegar em Charing Cross sozinha foi uma aventura mais assustadora do que eu lembrava, porque normalmente vinha com um dos meus pais, mas cá estou eu depois de uma vigorosa caminhada de 45 minutos. 

Não dá pra ficar gastando dinheiro a toa com condução, se meus sapatos foram feitos para andar mesmo. 

A intercessão entre a rua Strand, a Whitehall e a Cockspur era um dos marcos centrais de Londres desde sempre, mas acima de tudo, era a porta de entrada para o Beco Diagonal. Parei um pouco para respirar, tentando me lembrar onde era exatamente a viela do Caldeirão Furado. 

Dei de ombros, tentaria todas, infelizmente tinha puxado a péssima memória para lugares de meu pai, apesar de que tinha chegado aqui sozinha, tendo pedido informação a apenas quatro pessoas. 

Estrelinha dourada na testa pra mim. 

Ok, isso não estava dando certo. Depois de entrar em todas as ruas ligadas à Charing Cross e não encontrar nada, desci até a orla do Tamisa mais para baixo na avenida Northumberland, sentando com meu saquinho de papel com um sanduíche de pastrami já frio dentro. 

— E agora? - Dei uma bocada generosa no pão, porque realmente estava com fome. Um pombo se aproximou do meu pé e eu aproveitei a companhia para desabafar minha frustração. Falei de boca cheia mesmo.– Poderia me afogar nesse irmão mais velho e igualmente feio do rio Doe, mas com minha sorte seria levada para um hospital trouxa e não para o St. Mungus! 

O pombo grasnou, então joguei uma pontinha de carne pra ele. 

— Eu não sei onde fica a entrada do hospital e mesmo que soubesse, é provável que ficasse do lado de fora feito uma palhaça... - O pombo tinha achado um amigo para disputar seu almoço, então joguei um outro pedaço do sanduíche no chão. 

Dei mais uma mordida no pão seco, desejando ardentemente, como o senhor Darcy desejava Lizzie Bennett, um suco de laranja fresquinho agora. Suspirei, inalando aquele cheiro esquisito do Tamisa, de sujeira e maresia. 

— Podia esperar o Nightbus vir me buscar... - O pombo respondeu malcriado.– Ah, meu caro, é melhor do que a ideia de invocar o Lorde das Trevas para vir me pegar. Acha que eu não faria? Faria sim, estou desesperada! 

Completei rasgando mais um pedaço de pastrami com o canino. Ajeitei melhor o gorro desajeitadamente com o pulso, porque sou bagunceira e minhas duas mãos estavam sujas de comida. 

— Ser morta pelo estúpido megalomaníaco não me parece tão mal agora, sabem o que dizem, né? Melhor morta do que errada! - Os agora em quatro pombos me olharam sem dar muito crédito e eu tirei mais uma mordida para mim e outra para eles.– Eu não sei quem diz isso, mas há idiota para tudo, veja só essa estúpida lei que me colocou nessa enrascada! 

Acabei meu sanduíche compenetrada, porque precisava traçar uma nova estratégia de ação. Tinha que estar em casa às 15 horas agora que o Expresso de Hogwarts não era mais uma possibilidade, mais porque Petunia iria me dedurar para mamãe e papai do que porque queria voltar mesmo. 

Tirei meu gorro roxo da cabeça e penteei meu cabelo alaranjado com os dedos, lembrando tardiamente que eles estavam sujos de carne. Bem, ao menos tinha passeado por Londres, de certa forma. Todos os anos vinha até a cidade tão apressada para comprar meus materiais ou ir para a Escócia, que acabava que eu nem sequer apreciava mais a paisagem. 

Vá lá que o rio não era lá muito cheiroso, mas os prédios de arquitetura imponente e antiga deixavam a orla dele bem impressionante. Claro que podia ter um pouco mais de cor na paisagem, algo mais além das roupas coloridas dos meus compatriotas mais arrojados. 

Mordi o lábio inferior pensando em uma alternativa divertida e moderna para a orla do rio Tamisa. Tinha o jardim de Whitehall as minhas costas e o St. James mais para baixo, então verde não era bem o que faltava na cidade. 

— Quem sabe uma grande lona de circo bem colorida? - Fechei as mãos formando um quadrado com os dedos. Estava tentando enquadrar a minha visão da margem oposta do rio.– Não, isso não é o bastante... Quem sabe... Quem sabe uma roda-gigante? 

Fiz um círculo com a ponta do dedo e um dos olhos fechados, visualizando uma bonita e colorida roda-gigante iluminando as águas barrentas do Tamisa, na bela noite londrina. Abri os dois olhos e fiz um aceno para mim mesma, colocando a bolsa de volta no ombro e a boina de volta na cabeça. 

— É isso então: se nada der certo, vou construir uma roda-gigante nas margens do rio Tamisa! -  Sorri para o último dos pombos, aquele atrasado que não tinha dividido o almoço comigo e por isso mesmo ainda tinha esperanças de conseguir algo.– Mas por hora, vou dar um jeito de chegar a Escócia, meu querido! 

Dessa vez peguei um ônibus até a estação St. Pancras e de lá pegaria o trem de volta a Cokeworth. O plano não tinha morrido, apenas teria que tomar contornos mais sofisticados, o que significava mais dinheiro e talvez uma ajuda improvável. 

Assim que Petunia parou o carro na frente da escola, subi no banco do carona, sendo cumprimentada pela sua expressão de escárnio divertido. 

— O que houve no seu nariz garota? - Toquei nele automaticamente, o que foi uma péssima ideia, porque fiquei consciente do pulsar latente que já tinha esquecido. 

— Um idiota deixou um livro pesado no meu armário e quando eu abri, ele caiu no meu rosto. - Minha irmã me olhou em dúvida, mas essa era uma daquelas histórias tão estapafúrdias que não podiam ser inventadas, só que, no caso, essa era. 

— Céus, Lily, você é tão desastrada. - Ela tirou o carro da fila de motoristas aguardando seus passageiros e eu agradeci pela imaginação limitada que minha irmã tinha, isso fazia dela uma pessoa muito crédula.– Ponha o cinto, mamãe pediu para irmos até o mercado e eu não quero que dê um jeito de se estropiar ainda mais. 

— Muito considerado da sua parte. 

— Ela provavelmente poria a culpa em mim.  

Apoiei o queixo sobre o braço, assistindo as ruas de tijolos vermelhos idênticas ficando para trás em um borrão confuso. Novamente passamos pela Spinner’s End e eu desviei o olhar da rua de Severus, porque a culpa foi dele da nossa amizade ter acabado, então não queria acrescentar isso a minha lista de coisas a resolver. 

Tinha problemas maiores para solucionar, como por exemplo: de que maneira conseguiria dinheiro e carona para chegar até a vila de Hogsmeade, na Escócia. Sim, porque não estava no meu sangue desistir tão fácil! A vila escocesa será minha próxima parada. 

Porque eu vou solucionar esse mistério e vou chamar de idiota o culpado por todo o meu desespero atual ou eu não me chamo Lily Evans! 


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Notas finais do capítulo

Gostaram do tour rápido por Londres? Fato interessante, quando estava escrevendo essa cena, iria colocar a London Eye nela, mas quando fui pesquisar melhor, percebi que ela havia sido construída para a passagem do milênio, para a chegada dos anos 2000, então por isso nada de roda-gigante para Lily, só a da imaginação dela, claro.

Bjuxxx



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