Vidas Opostas escrita por Ku Hye Sun


Capítulo 2
A estatística da surpresa


Notas iniciais do capítulo

Espero que apreciem o capítulo!



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P.O.V Hye Sun

Sentada em uma das mesas no gramado do campus reli algumas partituras, tentando focar nas notas e não na confusão que estava minha cabeça.

Naquela manhã sai mais cedo do que todos, o sol ainda não havia nem se erguido no céu quando levantei na ponta dos pés e deixei a casa e todos os moradores dela em um silêncio absoluto. Não era como se eu pudesse evitar encontrá-los pelos corredores ou quando eu descesse para o café, mas hoje, em especial, eu queria evitá-los nas primeiras horas da manhã, apenas para conseguir manter minha cabeça focada em algo que não fosse os doze belos rapazes.

 O telefone tocou ruidosamente sobre a mesa, tirando-me de meus devaneios e me trazendo para a manhã aconchegante que se iniciava.

Atendi mais rápido que o necessário, levando alguns segundos para perceber que a voz do outro lado da linha era de minha mãe.

—Como estão as coisas por aí?_minha mãe era o tipo de pessoa que mesmo que não estivesse contente com as decisões alheias, ainda assim se empenhava ao máximo para não demonstrar sua decepção.

—A república é boa. Meu quarto é espaçoso e minha colega parece amigável._omiti a parte em que eu vivia com mais doze rapazes, porque era desnecessário ouvir a histeria de minha mãe quando a novidade surgisse.

—As aulas estão indo bem?_perguntou atenciosa, embora eu soubesse que ela preferia me ver segurando um bisturi do que dedilhando teclas.

—Sim. Estão sendo mais do que o esperado._garanti me sentindo na obrigação de mostrar o quão minha escolha estava me satisfazendo.

Houve uma breve pausa onde eu a imaginei minha mãe um pouco desapontada por não ouvir reclamações.

—Você vai entrar naquela aula extra de canto durante a parte da tarde?_perguntou curiosa, uma vez que eu havia mencionado o desejo de tentar algo além da prática de piano.

As aulas se estendiam um pouco mais da hora do almoço, isso sem contar as apresentações para a universidade, as saídas para apresentações em prestigiados teatros dentro e fora de Seul, além dos concertos de finais de semestre que nos garantiam a nota e o reconhecimento do público, mas, fora isso, eu ficava com bastante tempo livre durante a tarde, embora agora eu percebesse o quanto isso poderia ser prejudicial na situação que eu me encontrava.

—Não, eu perdi a data de inscrição._expliquei me amaldiçoando mentalmente por isso.

—Mas você pode tentar algo novo, talvez em outra área...apenas por curiosidade._minha mãe, embora houvesse aprendido a aceitar minha escolha, ainda assim não conseguia deixar de sutilmente tentar mudar meus pensamentos. Não a culpo por isso. Não deve ser fácil ver o destino que você construiu tão meticulosamente para sua filha ruir quando ela decide que precisa se dedicar de corpo e alma a música.

—Não acho que minha curiosidade chegue a tanto._brinquei, achando graça.

O riso de minha mãe ultrapassou a linha e me atingiu, agindo como um bálsamo.

—Ok, querida. Qualquer coisa me ligue. Eu estou sempre a disposição. A qualquer hora mesmo._insistiu.

Assenti, embora soubesse que ela não podia ver.

—Obrigada, mãe.

A linha emudeceu e novamente eu retornei para o campus que começava a ficar lotado por estudantes sonolentos e com cara de ressaca.

Abracei as partituras contra o peito e segui para o prédio de música, esperando que minha frustração não se revelasse nas teclas do piano.

***

—Você precisa tocar com menos pressa, Hye Sun. Assim suas notas parecem atrapalhadas e emboladas umas nas outras. É difícil distinguir qual o concerto que você está tocando._repreendeu-me a Sra. Kang. Quando se tratava em ser rigorosa ela era a pessoa certa, mas sua real capacidade detinha-se em aprimorar nossas técnicas junto ao piano. Eu a admirava de uma forma que admirava poucos adultos.

—Vou melhorar._prometi guardando as partituras na mochila e me levantando do piano. O relógio anunciava duas horas após a hora do almoço, o que significava que eu ainda tinha muito tempo livre após a aula.

—Nos vemos amanhã._despediu-se a professora. Me curvei em um adeus e saí do prédio.

Do lado de fora o sol impregnava cada canto do campus, tão ofuscante que mal se dava para enxergar.

Eu raramente precisava utilizar meus óculos de descanso, mas a presença do sol causou incômodo em meus olhos e me apressei em colocá-los. O alívio foi gradual e bem vindo.

Me distanciei do campus com uma facilidade assustadora. Antes que pudesse mudar de ideia já estava em frente a casa de dois andares, meus pés me enganando e seguindo corajosamente para a porta da frente.

Diferente de ontem, a casa hoje estava apreensivamente barulhenta, o que me fez considerar dar meia volta e voltar dali algumas horas, quando pudesse passar despercebida pelos moradores.

Como em oposição, meu estômago roncou alto, insistindo por atenção. Eu tinha que começar a lembrar de comer algo antes de voltar, caso contrário ficaria conhecida como a pessoa que só retornava para comer.

Criei coragem e girei a maçaneta. Surpreendentemente a porta estava aberta e os meninos, alguns deles, ocupavam a sala, entretidos numa conversa grupal. Procurei Park com os olhos rapidamente, mas não havia sinal da pequena garota.

—Hye Sun, você está em casa!_gritou Baekhyun, tão animado quanto na noite passada.

Não sei o que me surpreendeu mais: ele lembrar meu nome tão claramente ou eu lembrar o dele mais rápido ainda. Ao que tudo indicava os meninos haviam causado uma grande impressão em mim.

—Er...sim. Olá para todos._cumprimentei me curvando.

Para meu desespero Baekhyun pulou do sofá e se lançou na minha direção agarrando meu antebraço e me puxando para o sofá.

Sentei meio obrigada e um tanto quanto muito acanhada entre Baekhyun e Suho, o que me deixou ainda mais desconcertada.

Lembrei mentalmente dos nomes dos meninos a medida que encarava cada par de olhos: Lay estava sentado na poltrona e Tao jogado no chão de barriga para baixo, enquanto  Chanyeol estava de pernas cruzadas sentado ao lado dele.

Não encontrei o olhar encorajador de Xiumin e nem o sorriso descontraído de Luhan. Não achei que iria sentir tanta falta de dois estranhos que conheci ontem, mas, naquele instante, eu apenas rezava para que qualquer um dos dois adentrasse pela porta da frente e me salvasse de um constrangimento sem fim.

—Nós ficamos preocupados quando batemos na porta do seu quarto de manhã para o café e a Park não sabia onde você havia ido._falou Chanyeol despreocupadamente, como se, para ele, já fossemos íntimos o suficiente para preocuparmo-nos uns com os outros.

—Ham..._pensei por um segundo, tentando encontrar minha voz no meio do mar de vergonha dentro de mim_Eu sai bem cedo. Tinha uns assuntos para tratar._informei entre pausas.

—Verdade!_falou Tao animado, mexendo as pernas no ar e me encarando com os olhos brilhantes de empolgação_Você toca piano! Tinha que estudar algum concerto?

Sua pergunta era tão simples e despreocupada que, surpreendentemente, acrescentei Tao para a lista de “garotos que moram comigo e que me fazem sentir mais confortável”.

—Sim, eu estou tendo dificuldades com uma nova prática. Precisava ir para um lugar calmo me concentrar nas notas antes da aula._não era totalmente verdade, porém não era inteiramente mentira. Decidi que era uma boa desculpa, considerando que eu realmente tentei estudar e que estava passando por maus momentos na prática.

—Eu tentei aprender piano uma vez, mas não sou tão bom quanto gostaria._disse Suho entrando na conversa e olhando diretamente para mim. Por um segundo eu tinha certeza que eles podiam ver a vergonha queimar minhas bochechas, mas Suho se manteve sorridente enquanto me encarava.

—É realmente complicado para quem não está habituado._senti que meu tempo de conversa estava se esgotando, em alguns segundos eu não falaria mais nada útil e só conseguiria encarar o chão. Deus do céu! O que estava acontecendo comigo?! Que poder estranho era esse que esses garotos exerciam sobre mim que me fazia querer sair correndo e me esconder de seus olhares de baixo da barra da saia da minha mãe. Era frustrante sentir isso, mas era exatamente assim que eu me sentia: uma garotinha querendo a mãe novamente.

—Eu toco piano! Não sou tão bom quanto você deve ser, mas sei tocar sem errar._disse Chanyeol com um sorriso que mostrava claramente todos os dentes da sua boca.

—Mas não diga que ele toca bem, porque caso contrário ele vai começar a implorar por mais elogios._brincou Baekhyun, levando um tapa do amigo e desviando dele com a mesma facilidade que o recebeu.

Por um segundo todos ficaram entretidos com a pequena briga de Baekhyun e Chanyeol, mas uma voz arrastada e com sotaque interrompeu uma chave de braço mal sucedida que Baekhyun tentava dar no amigo.

—Você já experimentou outra coisa além de tocar piano?_a pergunta de Lay foi tão inesperada que não teve uma alma naquele recinto que não o encarou com os olhos demonstrando perplexidade.

Acho que levou alguns minutos até que minha ficha caísse e eu percebesse que ele estava falando comigo.

—Eu..._parei de verdade de me preocupar com os olhares que me eram lançados e com o fato de estar rodeada de garotos e me concentrei numa resposta real e verdadeira, levando em consideração o quanto ele havia me pego desprevenida_Não._admiti mais para mim mesma do que para ele_Acho que nunca quis tentar algo novo, na verdade. Me apeguei demais ao piano e o que ele representava para mim, então nunca tive o interesse de ir atrás de outra coisa._aquela resposta era exatamente a que eu gostaria de ter dado para minha mãe, mas, diferente da pergunta dela, Lay perguntava isso não almejando que eu largasse a música e corresse para a universidade de medicina mais próxima, muito pelo contrário: ele tinha um interesse genuíno que ia além do imaginado.

Para minha surpresa eu estava começando a me sentir muito confortável e não foi diferente quando concentrei meus olhos ao fim da fala sobre Lay que, mais surpreendentemente ainda, esbanjou um pequeno sorriso de contentamento.

—Nossa, como vocês podem ser tão sérios!_queixou-se Baekhyun fazendo todos rirem.

—Eles estão um nível intelectual acima do nosso._disse Chanyeol entrando na brincadeira.

Enquanto eles soltavam suas brincadeiras eu parei para pensar no que Lay falara: sim, eu me mantive numa caixa moldada por muito tempo, moldada não pelos meus pais, mas por mim mesma. Viver longe de casa e numa nova casa com pessoas diferentes era um grande desafio, mas algo ainda maior estava por vir: a descoberta de desejos ocultos dentro de mim, desejos esses que eu mal sabia possuir.

Antes de me despedir dos meninos e subir escada acima, minha fome inicial esquecida pelos questionamentos de um estranho, eu sem querer olhei para Lay. Dessa vez o garoto quieto parecia mais brilhante do que o normal, como se conseguisse se destacar na multidão, embora seu silêncio reinasse em perfeita paz.

***


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Notas finais do capítulo

Até o próximo!



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