O paciente do quarto 42 escrita por Anata, Ragnar


Capítulo 1
As Luzes do Natal


Notas iniciais do capítulo

Essa é uma história especial de natal. Sem a Akemi Blonde e a Isa Treiner ela nunca teria ido para o papel, muito obrigada.

Boa Leitura ♥



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O natal havia finalmente chegado ao hospital. Não havia sido permitido nenhum tipo de decoração antes do dia 24. Lúcio, um dos estudantes residentes, estava mais do que animado, trouxe de casa sua própria árvore de natal para enfeitar o refeitório onde haveria um jantar especial para os pacientes que passariam a noite ali.  

Como era de se esperar, não haviam muitas pessoas lá, mas eram o suficiente para encher a mesa. Alguns pacientes haviam trocado presentes, outros trouxeram seus parentes, já que ainda não tinham condições de sair do hospital. Lúcio levou um jogo para o game portátil de presente para Hanna, eles haviam se tornado amigos depois de várias seções de quimioterapia e internamentos que a garota teve que passar.  

O clima estava animado, todos pareciam esquecer suas mazelas, as músicas natalinas aqueciam o ambiente. Foi a sua sala para pegar o celular, gostava de compartilhar esses momentos especiais do hospital com sua família, era a sua maneira de estar com eles. Passava pelo corredor de alguns leitos quando viu pelo canto do olho que alguém ainda estava lá, a porta estava entre aberta, mas conseguiu ver.  

As luzes estavam apagadas, o homem de cabelos longos olhava através da janela, não mexia um músculo se quer. Depois de um tempo, lembrou quem era o homem. Ele havia sofrido um acidente há alguns dias, teve ossos quebrados e hemorragia interna, mas se recuperava bem. Angela lembrou que ele estava sempre calado, não proferia nada mais do que um "sim" ou "não", ninguém havia vindo visita-lo ou sequer ligou para saber noticias suas. Aquilo normalmente não a incomodaria, ele era adulto, podia fazer o que bem entendesse, mas não parecia certo deixa-lo ali sozinho.  

Voltou a mesa da ceia e serviu dois pratos, não sabia o que ele comia, mas levou um pouco de cada. Passou com o carrinho que normalmente eram servidas as refeições, tentou ser o mais silenciosa possível, não queria assusta-lo. Ele ainda estava lá, piscava vagarosamente, parecia nem ao menos respirar ou notar sua presença, aquela quietude mórbida lhe causava um desconformo enorme.  

— Posso sentar aqui com você? — Perguntou tentando parecer o mais receptiva possível. Ele não respondeu, acreditou que ela estivesse falando com outra pessoa. 

— Hanzo? — Chamou mais uma vez, para ter certeza de que ele havia ouvido. Foi tirado dos seus pensamentos (ou falta deles) pela mesma voz que agora chamava seu nome,  a última refeição já não havia sido servida? O que seria aquilo? Medicamentos talvez? Virou-se na direção da voz, não era mais uma das enfermeiras, era uma das medicas que haviam o atendido. Essa tinha quase a sua altura, cabelos loiros amarrados e calorosos olhos azuis .  

— Posso me juntar a você? Vi que não foi ao refeitório com os outros paciente e tomei a liberdade de lhe trazer algo. —  Hanzo ficou atordoado por um instante, mas logo se acomodou dando espaço para que ela sentasse a sua frente.  

O silêncio pareceu incomoda-los, nenhum dos dois falou nada, mas Angela considerava aquilo como algo bom, conhecendo a si mesma, não conseguiria passar novamente por ali e vê-lo sozinho, em uma festividade como aquela.  

— Estão todos comemorando — Ele falou, não como as breves vezes de antes, mas olhando atentamente para Angela enquanto lhe entregava o prato, olhando os doces de forma perdida — Não entendo — Confuso, Angela sorriu fracamente e mordiscou de leve o pão doce. 

— É véspera de natal, muitos estão comemorando como podem com seus conhecidos e parentes — Explicou, falando com ternura, sorrindo fracamente — Está indisposto? — Perguntou e ele negou — Atrapalho? 

— Não, mas é que... — Se interrompeu, atraindo de alguma forma a curiosidade da médica, mas se contendo — Sendo médica e de plantão aqui, deveria estar com os seus colegas de trabalho, não com um paciente, você não deveria estar com os outros?  

Angela foi pega de surpresa,  realmente, deveria estar com os outros, mas se conhecia o suficiente para saber que não dormiria bem se não tivesse ido até ele. Ficaria repassando a cena em sua mente, como já fazia com outros milhares de pensamentos.  

— Deveria — Respondeu, enrubescendo —  mas não me sinto muito bem com toda aquela barulheira, preferi ficar um pouco mais reservada — Mentiu.  

Tirou os sapatos apertados e seu jaleco, por baixo vestia um suéter vermelho brega com várias renas brancas, mas talvez bem menos brega que os suéteres com pisca-pisca que Hana e Lúcio estavam usando, a médica suspeitava que eles haviam desenvolvido um relacionamento além da amizade, o que seria perigoso e colocaria o emprego de Lúcio na linha. 

— Não sou acostumado a ver isso — Ele quebrou o silêncio e cortando os pensamentos de Angela. 

— O quê? Um médico interagindo com um paciente? — Ela perguntou e Hanzo negou.   

— Não, o natal — Contou e Angela o olhou confusa — No Japão isso é apenas uma festividade comercial, mas não religiosa — Explicou e ela entendeu — Mas um médico interagir com um paciente é algo novo também — Brincou, rindo fracamente, mas cobrindo a boca ao tossir — Desculpa... Isso diminuiu depois de um tempo... — Contou.    

— Bem, de qualquer forma acredito que lá também seja uma data para se passar com a família ou alguém querido, não? —  Ela estava um tanto quanto curiosa sobre ele, eram poucas as vezes que conseguia conversar de forma sincera com os pacientes, sair do seu papel de médica e voltar a ser uma pessoa qualquer.  

— Sim, também é, mas acredito que eu mereça estar aqui.   

Aquilo atraiu a atenção de Angela, como assim merecia? Sofrer um acidente e ficar sozinho numa data como o natal? Ninguém merecia ficar sozinho, nem de família ou amigos. Isso a deixou intrigada, mas não perdendo a postura diante da curiosidade e notando que o olhar dele caia sobre ela, melancólico e sem desconfiança. 

— Desculpe a postura, mas considero o contrário, Hanzo — Falou, dessa vez a melancolia vinha de Angela — Mesmo que alguém lhe falte ou não esteja mais ao seu lado, nunca alguém deveria ficar só — Contava, sorrindo fracamente. 

— Alguém muito importante pra mim se foi por minha culpa, não há o que comemorar, doutora — Sussurrou e Angela fechou os olhos e contou e riu com aquelas palavra. 

Quantas vezes já não tinha escutado de seus pacientes ou parentes desses essa mesma fala? Chegou a perder as contas, mas no caso de Hanzo ele ainda estava abalado e ela via a culpa no olhar dele. Controlou a respiração tremula e sorriu fracamente. 

— Fareeha Amari — Contou e dessa vez não olhou a possível cara confusa de Hanzo — É o nome da minha mulher, éramos casadas — Explicou. 

— Era? — Indagou, confuso — Poderia aproveitar a data com ela, você tem alguém vivo pelo menos — Argumentou e Angela negou com a cabeça. 

— Ela morreu em serviço nas Forças Armadas contra rebeldes da Síria — Contou, a voz embargada pelo choro contido — Ela foi condecorada com honra pelo exército por ter salvado civis. Eu sempre me pergunto, e se eu tivesse pedido que ela deixasse de servir? E se outra pessoa tivesse se ido no lugar dela? Não há um só dia em que eu não pense em nós duas e não me sinta culpada. — Algumas poucas lágrimas teimosas rolaram pelo seu rosto, seu peito sempre ficava apertado quando tocava nesse assunto. Por um instante ele se sentiu sujo pelo pensamento que lhe ocorreu, mas se sentiu um pouco mais confortável de encontrar alguém que compreendesse sua dor.  

— Me... Me desculpe por isso — Sua voz ainda era embargada, sentiu-se tremendamente envergonhada, era a primeira vez que fala algo tão íntimo a um paciente. 

— Tudo bem, prefere mudar de assunto? —   Ele sentiu necessidade de ampara-la, nunca tinha sido bom em tal coisa, tinha muito mais prática magoar do que acalentar. Pegou o um cupcake que havia no prato e o partiu oferecendo a outra parte a loira que aceitou, mordiscando o doce antes de continuar. 

— Fareeha e eu sempre íamos às feiras de natal, eu me entupia com os doces caseiros, ela preferia se divertir tomando cerveja artesanal e patinando no gelo, colecionei alguns roxos tentando acompanhá-la, mas sempre fui um desastre —  Riu de leve, limpando as lágrimas com as costas da mão — Bem, acho que minha tradição favorita do natal são as luzes. Quando éramos criança sentávamos na sala e passávamos algumas horas ajeitando a árvore. As luzes amarelas sempre deixavam a casa aconchegante — Era uma lembrança boba, mas gostava de como tudo parecia em paz em momentos como aquele.    

— Parecia ótimo — Ele ficou satisfeito de tê-la feito sorrir, ao menos um pouco. 

— Ela era uma pessoa incrível, era um pouco dura talvez, mas tinha um coração enorme. Como era com a pessoa que você perdeu? 

— Costumava ser tranquilo, mas nos últimos anos só consigo lembrar das nossas brigas. 

— Eu sinto muito. — A porta do quarto foi aberta, era Lúcio. 

— Doutora Angela? Seu plantão já acabou. — Ela se levantou, colocou seu jaleco de volta e  recolheu os pratos.  

— Desculpe, Hanzo, tenho que ir, obrigada pela noite. — Falou sorrindo e afagando sua mão.      

— Doutora? — Angela parou de súbito no meio da porta, não olhava em seus olhos, mas o ouviu — Estávamos na estrada, voltando pra casa, acabamos brigando como sempre, um caminhão veio na contra mão, eu não consegui desviar a tempo, meu irmão morreu na hora. A última memória que eu tenho é do seu rosto, assustado. Toda vez que eu fecho os olhos, o rosto dele aparece como se tivesse tatuado em minhas pálpebras. 

— Você deveria se perdoar, Hanzo.  

— Assim como você, Dr. Ziegler. 


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Nos vemos nos comentários ♥
Vai ter mais um capitulo de ano novo, aguardem :3



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