Coração de Soldado escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 1
Capítulo 01 – Distância


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente.
Mais uma short-fic com esses queridos. Espero que gostem :)



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Há nove meses a família McCarty vive a angustia e a incerteza de ter um ente querido na guerra. Tudo teve início no verão de 2004 quando Emmett foi convocado para servir ao país durante a Operação Iraque Livre – que começou a 20 de Março de 2003.

Piloto experiente, apaixonado pela profissão. Começou no exército com um sonho, ainda aos dezoitos anos de idade. Estar no comando de um Black Hawk era uma das poucas coisas que lhe dava satisfação.

Agora, longe de casa, vivia os horrores da guerra, sem garantia de voltar algum dia para aqueles que o amavam. Nove meses atrás tinha deixado à família pra trás. Todos com lágrimas nos olhos. Levando deles apenas uma fotografia na bagagem e a incerteza no coração.

O filho mais velho, com nove anos, acenando pra ele. Na mão do garoto um helicóptero de plástico unia-se ao adeus. Talvez um dia tenha sonhado ser como o pai, estar no comando de uma aeronave. A filha caçula, de quatro anos, agarrada ao pescoço da mãe, chorando copiosamente. Seus pais, sogros e cunhados também estavam lá. Todos acenando com tristeza contida. Sem conseguir disfarçar a incerteza e o medo que carregavam no coração.

Durante o tempo em que esteve na base de Fort Hood, Texas, se preparando para o combate, e-mails foram enviados de computadores compartilhados. Lá seus dias eram uma sequência de reuniões intermináveis e treinos de quebrar os ossos. Todos sabiam que as coisas que ele dizia nos e-mails eram maquiadas, jamais disse de fato o que acontecia, para não fazê-los sofrer. Depois disso nada mais foi enviado à família, nem mesmo uma única carta.

[...]

Uma porta batendo, em seguida, passos apressados seguindo pelo corredor fizeram Rosalie despertar. Sozinha na cama do casal, ela apertou os olhos com um gemido, sentido toda tristeza da ausência do marido assolar o coração. A mão deslizando pelo espaço vazio onde ele deveria estar dormindo. Havia muito tempo o sentia ao seu lado somente nas lembranças. Pequenas recordações de momentos valiosos.

Desde a partida do pai para o Iraque, Matthew vinha repetindo o mesmo ritual todas as manhãs. Levantava bem antes do horário de ir à escola e descia as escadas, apressado, para ver as últimas notícias na CNN. Implorando que não fosse seu pai a próxima vítima daquela guerra.

Rosalie guardou o medo e a saudade num cantinho do coração, para passar mais um dia sem Emmett. Para amenizar os medos e as dúvidas das crianças.

Pegou o robe floral em cima da poltrona branca ao lado da janela e o vestiu, prendendo com um laço em volta da cintura. Passou os dedos nos cabelos, juntou os fios no alto da cabeça e os prendeu com um elástico. Entrou no banheiro para escovar os dentes e lavar o rosto, antes de sair para o corredor.

Caminhando pelo corredor, percebeu a porta do quarto de Matthew aberta. Exatamente como vinha acontecendo todas as manhãs desde a partida de Emmett. Ela suspirou e seguiu adiante, sufocada pela aquela triste rotina. Ainda do alto da escada, percebeu o garoto de costas, ajoelhado diante a tevê. O repórter da CNN dava as últimas informações sobre a guerra no Iraque.

Apressou-se em descer as escadas, cansada de tudo aquilo. Atravessou a sala, parando bruscamente entre a tevê e o garoto. Alcançou o botão ao lado do aparelho e a desligou.

Matthew olhou incrédulo na tela escura da tevê e, então, em volta buscando localizar o controle remoto.

— Já chega Matthew! – Rose exclamou enquanto o menino ainda voltava-se para tevê. – Não quero você assistindo a isso. Eu tenho pedido com cautela, tantas e tantas vezes. Tenho tentado não ser muito exigente com você. Eu te pedi tantas vezes, filho. Isso acaba aqui.

Ela então se voltou para o garoto, percebendo no mesmo instante que os olhos dele estavam cheios de lágrimas.

— Ah, Matthew... – ela lamentou, diminuindo a distância entre eles, envolvendo-o num abraço carinhoso.

Matthew contou, com o rosto grudado ao robe da mãe. – Eles disseram que um helicóptero foi abatido nessa madrugada... – um minuto de silêncio e ele voltou a falar com tristeza profunda: – Não houve sobreviventes...

Era lamentável tantas vidas perdidas. Tantos sonhos destruídos. Famílias inteiras marcadas para sempre. Porém, naquele momento, Rosalie compreendeu que o maior medo de Matthew era que fosse o helicóptero que o pai dele pilotava. Por isso disse aquilo que sabia que o filho precisava ouvir.

— Não era ele... – o medo estava nela também, mas tinha de parecer forte e confiante pelas crianças ou a família deles desmoronaria de vez. – Não era o papai, Matthew.

— Como você sabe? – Matthew pediu. A voz triste abafada pelo tecido do robe dela.

— Alguém já teria aparecido aqui ou na casa da vovó e do vovô para avisar.

Matthew inclinou a cabeça pra trás, erguendo os olhos, olhando no rosto da mãe. Rosalie reconhecendo, com saudade, nos olhos do menino o mesmo tom de azul que nos de Emmett.

— Eles saberiam, por causa das medalhas e insígnias? Aquelas coisas que precisa carregar com ele.

Rosalie moveu a cabeça com nítida tristeza. – Sim – disse por fim. Os olhos arderam com lágrimas ameaçando cair a qualquer momento.

— Você está com medo? – Matthew pediu.

— Todos nos estamos, querido. Todos nós.

— Guerras não deveriam existir – Matthew concluiu. – Pais e mães não deveriam ter de se separar de seus filhos. De nenhuma maneira.

— Você tem razão.

Rosalie afagava os cabelos dele, quando Matthew disparou.

— Guerra idiota!

As mãos dela deslizaram dos cabelos dele para o rosto, triste e preocupado.

— Agora vá. Suba e se vista para ir à escola.

— Eu não quero ir à escola hoje. As pessoas...

— Matthew, por favor, não vamos discutir isso outra vez. Deixar de ir à escola não é uma escolha. Por tanto, chega. Eu vou voltar lá em cima pra acordar e preparar sua irmã pra aula. Quando terminar, quero encontrar você pronto, na mesa do café.

Frustrado, Matthew se desvencilhou dos braços da mãe e seguiu para as escadas, subindo os degraus depressa. Ainda enquanto Rosalie subia, ouviu o barulho da porta do quarto dele batendo novamente.

— Matthew... – ela lamentou.

Uma vozinha sonolenta e chorosa chamou por ela no andar de cima.

— Mamãe...

— Já estou indo querida.

Rosalie apresou-se em terminar de subir os degraus. Seguindo pelo corredor, lançou um olhar à porta fechada do quarto de Matthew.

Forçando um sorriso nos lábios, entrou no quarto de Lizzie. Encontrando-a encoberta da cintura pra baixo, abraçada a mantinha lilás de quando ainda era um bebê, olhando pra ela com os mesmo olhos azuis do pai, e também do irmão.

Rosalie sempre se perguntava: Sendo também seus filhos, por que tinham herdado tanto do pai e tão pouco dela? Eles eram idênticos na cor dos cabelos, dos olhos e também as covinhas nas bochechas quando sorriam.

— Bom dia, princesa.

— A guerra já chegou aqui?

Rosalie chegou pertinho da cama, e com uma mão afastou o cobertor de cima da menina.

— Foi apenas a porta do quarto de seu irmão batendo outra vez. Ele anda um pouco rebelde desde...

— Diz pra ele não fazer mais isso, mamãe. Eu tenho medo.

Passando a mão embaixo das costas da menina, Rosalie a trouxe cuidadosamente para sentar-se em seu colo.

— Eu vou dizer, sim. – Beijou no alto da cabeça da filha. – Que roupa você quer vestir para ir à escola hoje?

— Eu não sei...

— Tudo bem, a mamãe ajuda você escolher.

— Posso levar minha mantinha pra escola hoje?

— Não é uma boa ideia, querida. Vamos deixá-la aqui mesmo na sua cama. Se levá-la, corre o risco de sujá-la ou até mesmo perdê-la. Não gastaríamos que isso acontecesse, não é mesmo?

Lizzie apertou a mantinha entre os dedos da mão, em seguida, encostou-a ao nariz para cheirá-la. Finalmente olhando pra mãe disse:

— Está bem.

Depois de aprontar a menina, Rosalie a pegou pela mão e desceu com ela as escadas. Na cozinha, deixou Lizzie sentada na cadeira diante a mesa redonda ao lado do balcão e foi preparar as panquecas para o café.  

Matthew entrou na cozinha pouco tempo depois, trazendo a mochila pela mão. Deixou-a no chão aos pés de uma cadeira, sentando-se na outra.

— Você me assustou – Lizzie contou ao irmão, esticando-se até alcançar um giz de cera amarelo no centro da mesa.

— Outro helicóptero foi abatido hoje... – começou o garoto, contando a irmã caçula.

— Matthew, não faz isso... – Rosalie deixou de lado o que estava fazendo, para olhar pra ele.

— Como? – Lizzie questionou, com olhar curioso.

— Matthew, ela só tem cinco anos. Não conte essas coisas pra sua irmã.

— O papai não veio no meu aniversário. E também não me mandou um presente – Lizzie comentou, magoada. – Ele não gosta mais da gente, mamãe?

— Ele está na guerra, sua bobona. Onde pessoas morrem o tempo todo. Ele não tinha como fazer isso. Ele nem sabe se vai voltar.

Lizzie começou a chorar.

Rosalie desligou o fogão, deixou as panquecas de lado e foi para junto da menina.

— O papai morreu de bomba? – pediu Lizzie. Os olhinhos azuis, assustados.

— O papai não morreu, Lizzie – Rose afagou os cabelos da caçula, e então olhou para o menino. – Peça desculpa a sua irmã – pediu. Novamente olhando a menina completou: – Ele vai voltar pra gente, meu amor.

— Desculpe-me, Lizzie.

— Não fale mais que o papai foi batido, senão fico triste. E também de mal com você.

— Está bem. Eu não vou.

— Ótimo – murmurou Rosalie, indo buscar na bancada ao lado do fogão as panquecas que tinha conseguido terminar.

Pouco depois do café, ela pôs os dois no ônibus escolar e foi de carro até a floricultura que Emmett ajudou a montar quando se casaram.

[...]

Poucos dias depois...

Como de costume, Rosalie fechava a loja todas as tardes por volta das três para estar em casa a tempo de receber as crianças depois da escola. Assim, as três e quarenta e cinco, estava na sala de estar, ao lado da janela de vidro, segurando uma xícara de chá entre as mãos, contando os segundos para o ônibus escolar aparecer na rua.

Entre um gole e outro de chá, ouviu o barulho. Em pouco tempo o ônibus amarelo surgiu em seu campo de visão.

No jardim em frente à janela, uma bandeira dos Estados Unidos permanecia parada no mastro com a falta de vento.

O ônibus parou a poucos metros da casa. Ela deixou a xícara, com o restante de chá, em cima do console ao pé da janela cheio de fotografias da família, e saiu para o jardim, para recebê-los.

Viu Matthew ajudar a irmã descer. Sua caçula tinha os cabelos bagunçados, bem diferente da menininha que entrou no ônibus escolar pela manhã.

Lizzie correu pela entrada de veículos, carregando a mochila pesada nas costas e uma lancheira na mão, tão logo avistou a mãe no jardim.

Rosalie a tomou nos braços, preocupada com o que pudesse ter acontecido na escola.

— Ei, o que houve? – pediu bem pertinho do ouvido da menina, enquanto a abraçava. Então, olhando novamente no rosto dela, emendou: – O que houve com o seu cabelo?

— Joshua Green – Lizzie explicou chorosa. – Ele puxou meu cabelo no último horário, quando a gente jogava bola com a senhorita Martinez. Ele me chamou de burra.

— Ah, mas ele não pode fazer isso.

— Ele levou uma bronca da senhorita Martinez.

— Eu vou falar com a mãe dele. Isso não pode voltar acontecer. Joshua precisa de limites.

Matthew se aproximou das duas.

— Oi, mamãe.

— Oi, querido. Como foi na escola hoje?

— O de sempre. Uma chatice.

O menino passou por ela, levando a mochila pesada nas costas.

Rosalie pôs Lizzie no chão, e entrou de mãos dadas com ela dentro de casa.

Matthew largou a mochila no sofá apresando-se até a tevê para ligá-la. Como quase sempre acontecia, já estava sintonizada na CNN.

— Não, Matthew – Rose pediu, fechando a porta detrás das costas de Lizzie. A menina foi guiada pelas notícias para frente da televisão.

— Eles estão falando da guerra – disse Lizzie, olhando a mãe brevemente sobre o ombro. – É onde o papai está – Rose viu os olhinhos dela, idênticos ao do pai, cintilarem com lágrimas acumulando. – Não é bonito lá – falou baixinho.

Isso fez Rosalie apressar-se até onde estava a tevê e desligá-la da tomada.  

Matthew bufou com irritação.

— Eu quero ver as últimas notícias. O meu pai...

— Eles explodiram o papai? – Lizzie questionou. O lábio inferior tremeu. Os olhinhos implorando que a mãe dissesse que não.

Rosalie tentou então mudar de assunto.

— Vocês não tem lição de casa para fazer? Vamos subir. Vocês tomam um banho e depois eu os ajudo com a lição de casa.

— Eu quero que o papai volte pra casa – Lizzie choramingou. – É tudo muito feio onde ele está.

Rosalie a tomou pela mão gordinha.

— Você gostaria de tomar banho com a mamãe? – a pergunta fez a menina pensar em outra coisa que não fosse o medo da guerra e a ausência do pai.

— Posso brincar na sua banheira?

— Claro que sim, meu amor.

— Você também vai ser uma sereia, mamãe?

— Sim. A mamãe vai, sim.

Lizzie sorriu, ainda que um sorriso fraco. Rosalie sentiu o peito doer, pensando em Emmett, em tudo o que estava vivendo longe de casa. Gostava que eles se parecessem com o pai, apesar de às vezes brincar que deveriam se parecer mais com ela. Contudo, em momentos assim, era doloroso olhar para eles. As memórias e a saudade doíam bem no fundo do coração como um machucado na pele.

Ela agarrou Lizzie nos braços, envolvendo a menina num abraço apertado, meio desesperado.

— Mamãe, você está me esmagando... – Lizzie se queixou. – Até parece o abraço de urso do papai. – E isso bastou para que Rosalie se entregasse as lágrimas.

A saudade era imensa.

Apesar de afrouxar o abraço, não conseguiu soltá-la.

— Mamãe...? – Lizzie olhou no rosto dela, preocupada que estivesse chorando. E, assim, também começou a chorar.

Matthew jogou a controle da tevê em cima do sofá, o objeto quicou na almofada e caiu no chão. No minuto seguinte, o garoto estava abraçando a mãe e a irmã.

— Desculpa, mamãe – pediu, sentindo-se culpado verdadeiramente. – Eu prometo que não ligo mais a tevê para ver essas coisas. Eu juro. Por favor, não chore mais. Não chore.

Rosalie se esforçou para não pensar mais no marido e em todas as coisas ruins que poderia lhe acontecer enquanto estivesse na guerra. A simples ameaça de seus filhos crescerem sem o pai, era o bastante para deixá-la sem chão. Ela respirou fundo, e, a muito custo, conseguiu controlar o pranto.

— Tudo bem. – Ela secou as lágrimas nas bochechas com as mãos. – Parem de chorar vocês dois – pediu a Lizzie e Matthew.

— Então você também, mamãe – Lizzie exigiu.

— É – o irmão concordou com ela.

 – A mamãe não está mais chorando. – Rose se esforçou para sorrir. – Estão vendo?

— Esse sorriso é de mentira – Lizzie acusou. – Ele não faz seus olhinhos brilharem como quando você está feliz de verdade.

Matthew concordou.

— Desde que o papai foi convocado, você nunca mais sorriu com felicidade. O brilho em seus olhos, ele sumiu. É sempre um sorriso triste, forçado.

Rosalie se espantou com o entendimento e percepção das crianças em relação a sua tristeza. Talvez não estivesse disfarçando tão bem quanto pensou que estivesse afinal.

— Tudo bem! Já chega disso. Vamos subir... – E, então, o som da campainha tocando interrompeu o que dizia.

— Eu atendo! – Matthew gritou.

— Pergunta quem é primeiro – Rose fez o alerta.

O garoto correu para junto da porta, fazendo exatamente como a mãe pediu que fizesse.

— É a vovó Esme, Matthew. Abre a porta, querido.

Ele olhou pra trás, no rosto da mãe. – É a vovó Esme. – Rose meneou a cabeça, concordando. O menino voltou-se para a porta e a abriu rapidamente.

Esme entrou com uma sacola do mercado e as chaves do carro na mão.

Afagou os cabelos do neto ao perceber que tinha chorado recentemente. Olhando a filha e a neta, teve a mesma certeza.

— Ah, querida... – murmurou indo cumprimentá-la com um beijo no rosto.

Rosalie deixou escapar um gemido carregado de tristeza.

— Vovó – Lizzie falou. E Esme lhe beijou as bochechas manchadas de lágrimas.

— O que está fazendo aqui essa hora, mamãe?

— Vim preparar o jantar para minha filha e meus netos hoje. Não vai me dizer que não posso? Passei no mercado e comprei umas coisas que vou precisar, não tinha certeza se iria encontrá-las aqui.

— É claro que pode mamãe. Só não precisava se preocupar com isso. Eu ia fazer qualquer coisa para mim e pras crianças depois de ajudá-las com a lição de casa.

— Então vá ajudá-las. Eu vou ficar por aqui e preparar o jantar. Seu pai e seus irmãos virão mais tarde para jantar conosco. Eles estão com saudades.

— Obrigada – Rose murmurou. Em seguida, subiu as escadas de mãos dadas com Lizzie. Matthew indo logo atrás delas.

Por volta das vinte horas, Carlisle, Jasper e Edward chegaram. Esme serviu o jantar e todos comeram em meio a conversas. Porém, ninguém mencionou a guerra, nem mesmo o nome de Emmett na presença das crianças.

Após o jantar, avô e tios brincaram com as crianças na sala de estar. Rosalie e a mãe cuidaram de deixar as coisas em ordem na cozinha.

Mais tarde, quando eles partiram, as crianças já dormiam em suas camas no andar de cima. Logo depois a mãe de Emmett ligou pra saber como estavam. Rosalie ficou com Ester ao telefone por cerca de vinte minutos, quando então desligou, foi direto para seu quarto.

Aquela foi mais uma noite de sono agitado. Impossível acordar pela manhã e não se sentir ainda mais cansada que quando foi se deitar a noite. Ainda assim, conseguiu levantar antes mesmo de Matthew. A porta no quarto do menino ainda estava trancada, não havia barulho algum do lado de dentro. Com certeza estava dormindo.

Rosalie desceu as escadas. Vestia um robe amarelo e chinelos macios de pelúcia branca. Os cabelos soltos, ainda sem pentear. Puxou as cortinas na janela da sala, percebendo que aquele seria um dia nublado. No tapete da sala de estar ainda estavam os jogos de tabuleiro que seu pai e irmãos usaram para distrair as crianças ontem à noite logo após o jantar.

A ausência de Emmett estava em todos os lugares.

Há muito tempo não saiam para se divertir. Não participavam de comemorações com a mesma disposição e vontade de antes. Era difícil estar em lugares que frequentavam juntos sem ter agora a presença dele. Faltava um pedaço.

Abaixando o olhar, notou, em cima do console, a fotografia de Emmett com os filhos. Era uma de suas favoritas. Os três sorriam para a câmera. Os dentes de Lizzie, minúsculos. Lembrava-se de ter tirado aquela fotografia pouco tempo antes de ele ser convocado.

Estendia a mão para alcançá-la quando, então, percebeu pelo vidro da janela, um carro preto diminuir a velocidade até parar de frente a casa junto ao meio-fio. Dois homens fardados saltaram do veículo, em seguida. Um deles ela já conhecia da despedida de Emmett no hangar. Era o capitão Thompson.

Por alguma razão seu coração disparou. O corpo inteiro tremeu e o porta-retratos caiu de suas mãos, derrubando outros sobre o console. Rosalie apoiou-se na madeira envernizada com as duas mãos. Os olhos arderam. Quis como nunca fugir da realidade em que vivia. Quis que o capitão não dissesse o que tinha a dizer.  

Enquanto se afundava no medo, antevendo o que iria ouvir, a campainha tocou. Por pouco não chegou a gritar.

Apertou os olhos com força, murmurando. – Por favor, Deus... – Com muito esforço se encaminhou para junto da porta. Quando finalmente a abriu, ficou ali, olhando os dois homens fardados, o peito subindo e descendo com a respiração pesada. O medo sendo cruel com ela.

O capitão retirou o quepe da cabeça revelando uns poucos fios grisalhos, segurando-o junto a o corpo.

Rosalie cambaleou pra trás indo apoiar-se numa poltrona.

— Ele... Ele morreu...? – conseguiu dizer, vendo as coisas acontecerem em câmera lenta.

— Senhora...

Ela se agarrou ao braço da poltrona para manter-se de pé.

— Ele morreu... Veio até aqui para dizer isso, não foi?

— O Black Hawk de Emmett foi abatido nessa madrugada...

Rosalie encobriu a boca com a mão, impedindo que o grito escapasse de sua garganta cortando o silêncio matinal. Com a outra mão mantinha-se apoiada à poltrona, a mesma que, em um dia chuvoso, escolheram juntos numa loja no centro da cidade.

— Ele morreu?

— Ele está vivo.

O alívio foi tão grande que se esqueceu de segurar o grito preso na garganta.

O capitão Thompson continuou:

— Ele está sendo transportado para Landstuhl, na Alemanha, nesse exato momento. Não deve se preocupar. É o maior hospital militar norte-americano da Europa. Seu marido está em boas mãos.

Era tão bom saber que Emmett estava vivo, o alívio era imenso, por isso não percebeu em que momento começou a chorar.

— Como ele está?

— Ainda não tenho nenhum detalhe, senhora. Apenas que ele está sendo levado ao hospital com outro soldado em estado grave.

— O que posso fazer pra ajudar?

— Reze. É tudo o que podemos fazer por ele nesse momento. Tão logo obtivermos informações, um funcionário da Cruz Vermelha irá telefonar para a senhora. Em breve terá todas as informações que precisa.

Rosalie percebeu que ainda tremia. Momentos bons, vividos ao lado de Emmett, preencheram seus pensamentos. Ouviu seu próprio coração. A respiração fluindo dos pulmões com lentidão. E, então, veio o som de uma porta batendo no andar de cima.

Thompson ainda estava falando, mas ela já não se concentrava em suas palavras.

— Virão algumas pessoas mais tarde, para ajudar.

Rosalie pensou como podiam ajudar. De toda forma, não importava. Realmente precisava de apoio, não importava de quem viesse. Pensou na família. E então se pegou desejando que aqueles homens fossem embora de uma vez. Como que lessem sua mente, o capitão e o soldado que o acompanhava se despediram retornando ao carro preto, seguindo pelas ruas de Forks, ainda silenciosas.

Apressou-se em pegar o telefone sem fio, discando imediatamente o número da casa dos pais. Falou com Esme, um breve resumo, e desligou.

Enquanto não chegavam, subiu para falar com as crianças. No corredor, avistou a caçula na porta do quarto, vestida de pijama, agarrada a mantinha lilás. Os pés descalços. Os cabelos escuros bagunçados. A imagem da filha a fez pensar no marido ferido, longe de casa. Precisou se esforçar para não voltar a chorar na presença dos filhos.

Rosalie estendeu os braços ainda enquanto se aproximava. A garotinha deu alguns poucos passos à frente, abrindo os braços, com a mantinha presa numa das mãos. Rose pegou-a no colo, abraçando forte o corpo pequeno, pensando como diria o que aconteceu ao pai deles.

— Matthew bateu com a porta outra vez – Lizzie acusou, coçando o olhinho.

— Acho que sim, meu anjo. Vamos até o quarto dele. A mamãe precisa falar com os dois. É muito importante.

Ela seguiu até o quarto do filho mais velho, levando a menina no colo, agarrada a seu pescoço, ainda bastante sonolenta.

— O papai já chegou? – Lizzie pediu, de repente.

— Ainda não. – Lizzie suspirou com tristeza após a resposta da mãe.

Rosalie bateu na porta do quarto de Matthew antes de abri-la. Encontrou o garoto sentado na cama, encobrindo os ouvidos com as mãos. Os olhos fechados.

Desviou dos soldadinhos no chão ao se aproximar da cama com a caçula ainda no colo.

— Matthew? – como o menino não respondeu, ela se sentou ao lado dele e pôs Lizzie na cama, ao seu lado. A menina se sentou feito um indiozinho, apertando a mantinha junto ao peito. Rose segurou nas mãos de Matthew, e, cuidadosamente, tentou afastar as mãos dele dos próprios ouvidos.

— Preciso falar com você, filho.

Matthew se desvencilhou muito rápido das mãos dela.

— Não quero ouvir – bradou. – Não quero saber.

Rosalie tentou mantê-lo junto, mas, Matthew não permitia se afastando toda vez que tentava trazê-lo pra perto.

— Matthew, não faz isso – pediu. – Eu preciso falar com você.

— Eu não quero ouvir que meu pai morreu naquela guerra estupida. Ele não tinha de estar lá – Rose o ouviu dizer. E parecia furioso. – Ele tinha de estar aqui com a gente. Nunca deveria ter nós deixado.

O modo como falou fez Lizzie chorar.

— O papai morreu?... – Lizzie soluçou.

Matthew continuou falando, ignorando o choro da irmã mais nova.

— Ele nem me viu fazer o gol da vitória na semana passada... Ele... – E então Matthew se rendeu as lágrimas.

— O seu pai não morreu, Matthew. O pai de vocês ainda está vivo. – Dois rostinhos molhado de lágrimas focaram o dela, com esperança e surpresa.

— O papai... – Lizzie murmurou chorosa. – Ele tá muito vivo, mamãe? Igualzinho você, o Matthew e eu? Ele vai voltar e brincar de voar comigo outra vez?

O mais velho investigou com desconfiança.

— Mas eu vi aquele homem. Ele estava lá quando nos despedidos do papai. Ele estava falando pra você agora a pouco que o helicóptero do papai caiu... Você estava chorando. Estava apavorada, eu vi.

Claro que ele tinha ouvido a conversa do alto da escada. E tinha voltado correndo pro quarto, por medo da confirmação do que deduzira ser a morte do pai. Por isso a porta batendo minutos atrás, quando ela ainda estava conversando com o capitão na sala de estar.

— Oh, meu amor, você não ouviu toda a conversa. – Rose esticou o braço, finalmente conseguindo tocar em Matthew, acariciando os cabelos escuros que caiam na testa do menino. – O helicóptero dele caiu sim. Mas, o mais importante, o papai está vivo.

— Ele caiu, mamãe... Foi atingido...

— O papai é forte, Matthew. Ele sobreviveu. Estão levando ele, e um colega, para o hospital militar. O melhor que poderiam. O papai está longe da guerra agora. Ele vai se recuperar e voltar pra casa. Vai voltar pra gente.

— Promete? – o menino implorou, olhando no rosto dela com os olhos cheios de lágrimas e uma angustia sem fim.

Rosalie puxou o menino para um abraço. Então Lizzie, ainda chorosa, também os abraçou.

A campainha tocou. Os primeiros a chegarem foram os pais e os irmãos de Rosalie. Logo em seguida os pais de Emmett.

Pouco tempo depois, enquanto conversavam na sala, mais pessoas chegaram. Pessoas que Rosalie não conhecia. Parentes de outros soldados. Todos muito atenciosos e solidários. Alguns deles trouxeram comida em refratários cobertos com papel alumínio. Rosalie os recebeu com devida gratidão e gentileza.

Esme subiu com as crianças e as ajudou se trocar, mesmo que nenhuma delas fosse à escola dessa vez.

Todos ficariam juntos aguardando por notícias. Orando a Deus que fossem notícias boas.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Em breve vocês poderão conhecer um pouco mais da história.
Seria muito bom pudesse encontrá-los nos comentários. Todos serão respondidos com devida atenção.

Beijo, beijo
Sill