Contramão escrita por Lua Reyna


Capítulo 6
Capítulo 5 - Perdoar


Notas iniciais do capítulo

Perdão pela demora para postar, mas espero que gostem ♥



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Quando eu acordei tinha um total de 234 mensagens e 47 chamadas perdidas de Noah. Eu havia esquecido completamente que não havia avisado a ele sobre ter ido encontrar a minha tia, e nessa altura do campeonato, ele deveria estar completamente pirado atrás de mim, se é que ainda não havia chamado a polícia. Imediatamente retornei as ligações.

                — Eu espero que você tenha uma ótima explicação para ter desaparecido completamente ontem à noite. — disse ele assim que atendeu a chamada.

                — É uma longa história, mas não precisa se preocupar, vou direto pro trabalho.

                — Aconteceu alguma coisa? Você está estranha.

                — Na verdade aconteceu sim, mas mais tarde eu te explico.

                 Era outro péssimo dia. Eu precisava daquela sensação anestesiante de estar entre os livro novamente, mas ao mesmo tempo queria fugir daquele lugar. Para ser 100% sincera, eu não queria olhar para Dorothy, Patrick ou Summer. Eu não queria contar a eles o que havia acontecido e também não queria que agissem como um dia qualquer.

                Quando entrei na livraria, obviamente atrasada por conta da distância da casa de tia Natalie ser maior que a distância do meu apartamento até o centro, Patrick estava com cara de poucos amigos atrás do balcão, digitando rapidamente no notebook.

                — Espero que você tenha uma boa desculpa.

                — Eu tenho. — Então passei por ele, andei rapidamente até as estantes que ficavam mais afastadas e me sentei atrás de uma delas, encarando os exemplares de Harry Potter que estavam na minha frente.

Livros eram, de certa forma, a minha única garantia de algo que sempre estaria por perto. Era reconfortante e ao mesmo tempo assustador. Eu não queria pensar dessa forma, mas o realismo que aquela filosofia trazia parecia ser uma garantia de que as coisas aconteceriam em seu tempo, quer eu ficasse bem com isso, quer não.

Passei alguns minutos divagando em minha própria mente, e essa conversa interior se tornou tão interessante que eu não percebi Summer se aproximando, até que ela estava sentada do meu lado.

                Eu não tinha muitas pessoas. Entretanto, o ser humano tem a necessidade de ter alguém por perto. Alguém com quem podemos desabafar e contar para todos os momentos. Tia Natalie foi uma das únicas pessoas que apareceram na minha vida e me fizeram sentir amada, apesar eu conhecer bem a solidão, o amor dessas pessoas havia feito parte de mim e me dado a sensação de segurança.

                O que traz uma dúvida constante na minha mente: O amor é, de certa forma, algo que cultivamos porque a sensação de estarmos sozinhos nos faz conhecer lugares sombrios que cultivamos nas profundezas da nossa mente, ou é algo que usamos para encontrar alguém com quem dividir nós mesmos da forma mais pura que podemos demonstrar?

                Apesar de eu ter me escondido por anos da Tia Natalie, eu via nela uma forma de amor. Por que, apesar de tudo, eu sabia que ela se importava comigo como sua própria filha. Diferente dos meus pais biológicos, ela havia dedicado tempo da vida dela para cuidar de mim e me fazer sentir bem depois de tudo. Eu não queria perder isso.

                — Você precisa conversar? — perguntou Summer, com um semblante preocupado.

                Em primeiro momento eu queria negar, dizer que estava tudo bem e continuar o dia como um outro qualquer, mas ela me abraçou. Eu senti uma angustia tão grande, e ao mesmo tempo a liberdade de poder colocar tudo aquilo para fora. As lágrimas começaram a descer e eu não conseguia entender a forma brutal como as memórias e pensamentos se misturavam na minha cabeça.

                Era aterrorizante, parecia que algo havia explodido dentro de mim, e por pior que pareça, não era a primeira vez que me sentia daquela forma.

                Na verdade, não me lembro de muito do que aconteceu depois. Apenas Patrick no telefone, Noah aparecendo e eu estava em casa. Era tudo o que eu queria, mas não queria alarma-los com nada disso. Muito menos deixá-los preocupados.

                    Era mais um dia nublado no meio do ano letivo. Minha mochila balançava no ombro esquerdo enquanto eu corria desesperadamente para longe daquele lugar.

                Meu rosto estava coberto de machucados e minha boca estava sagrando. Parecia que todos os ossos do meu corpo iriam explodir a cada passo que eu desse, mas eu precisava chegar em casa.

                — Espera! Por favor! — Era a única voz que eu conseguia identificar na multidão de insultos e palavrões que rodeavam a minha cabeça. — Noelle! Me deixa ajudar

                — O que você vai fazer? — Finalmente parei, gritando de volta. — Você não pode mudar o que aconteceu, Julia. Você não pode.

                Ela se aproximou, com os olhos marejados e a expressão completamente perdida. Eu jamais havia visto ela tão assustada como naquele dia.

                — Ellie, eu juro, eu tentei impedir, eu... — Somente Júlia me chamava daquela forma, era um apelido carinhoso que ela havia criado. Ela olhava nos meus olhos, mas eu não conseguia sentir nada além de raiva.

                — Eu vi o que aconteceu. — Eu não queria ser grossa com ela, mas a situação havia sido tão humilhante que eu não conseguia parar de pensar em milhões de formas de desaparecer dali naquele exato minuto.

                Os flashbaks vinham na minha cabeça como um choque, e eu estremecia cada vez que lembrava daquele momento. Quase todas as pessoas da minha turma ao meu redor, me atacando com todas as formas de agressões físicas e verbais que se poderia imaginar, e, logo depois, cortando quase completamente o meu cabelo à força. “Se você quer se comportar como um menino, então seja um menino” eles disseram.

                Eu estava me sentindo tão impotente, fraca e assustada, que todo o meu corpo tremia por completo. Todas as lágrimas que desciam dos meus olhos pareciam da ainda mais ênfase no fato de que eu não podia fazer nada para mudar aquilo. Eu não podia fazer nada para mudar a cabeça daquelas pessoas. Eu não podia fazer nada para mudar o fato de que eu me importava com o que elas diziam e com o que elas achavam que sabiam sobre mim.

                Aquelas palavras rodearam a minha cabeça por todo o caminho. Eu não queria aceitar que algo tão simples havia gerado aquela confusão toda. Muito menos que eu devia satisfações sobre algo tão pessoal para pessoas que ao menos falavam comigo.

                Julia se aproximou, segurando minha mão. A sensação de angústia preenchia meu peito, eu queria gritar.  Então ela olhou nos meus olhou, poucos segundos antes de nossos lábios se tocarem. Apesar do gosto de sangue e a situação em que nos encontrávamos, eu havia me sentindo bem por ter feito aquilo naquele lugar, onde qualquer um poderia nos ver.

                Me lembro de ter pensado que jamais alguém iria conseguir me machucar como havia acontecido naquela manhã, então eu sinceramente não me importava com nada mais. Eu não queria esconder que o que eu sentia por ela era tão real quanto qualquer outro romance.

                Para ser sincera, eu queria que as pessoas vissem o quão feliz eu estava com ela, apesar dos pesares. Eu queria que soubessem do meu amor, da minha liberdade em fazer o que eu quisesse com a minha vida. Eu me senti aliviada, naquele momento. Porque decidi não me esconder de ninguém, independente do perigo que aquilo significasse.

                — Me perdoa. — disse Julia, ainda segurando minhas mãos.

                Naquele momento, eu pensei que ela estava se desculpando por não ter conseguido impedir o acontecido, mas depois daquele dia, durante a madrugada, Julia sumiu. Havia sido minha última lembrança com ela.

                Eu nem sequer me lembrava de ter adormecido, mas quando acordei eram aproximadamente três da manhã. Noah se encontrava na sala, com a tv ligada e os olhos fixos no nada.

                — Minha tia vai morrer. — interrompi o que quer que estivesse passando naquele momento. Ele me olhou, assustado. Provavelmente não havia notado minha presença.

                — Você gritou isso no mínimo oitenta vezes enquanto dormia. — Noah me abraçou, então os sentimentos ruins se acalmaram. Eu precisava dele mais do que tudo naquele momento. — Eu amo você.

                — Eu também amo você.

Julia,

Fiquei por muito tempo pensando no porquê de aquela memória ter voltado a mim logo naquele dia, naquela situação. Na verdade, nada tinha feito muito sentido.

Aquele havia sido meu último momento com você, e eu gostava de pensar em como tudo aquilo havia me feito amadurecer. Talvez essa nova fase seja mais uma forma de crescimento.

Eu posso encarar isso como uma oportunidade de passar os últimos momentos da minha tia ao lado dela, diferente dos seus.  

De qualquer forma,  acho que é um bom momento pra eu dizer que te perdoo também.


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Notas finais do capítulo

Esse é um dos meus capítulos favoritos ♥ Espero que tenham gostado.



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