Contramão escrita por Lua Reyna


Capítulo 3
Capítulo 2 - Dianna, O Poodle


Notas iniciais do capítulo

Hey! Eu juro que tentei atualizar o mais depressa possível, mas eu estava sem o meu notebook nesses dois últimos dias. Enfim, espero que gostem.



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Naquele dia, tanto eu quando Noah, havíamos acordado bem adiantados para o trabalho. O tal velho havia mandado uma mensagem para que ele retornasse ao pub e ele estava mais do que animado. Toda aquela ansiedade havia me contagiado, e isso havia me feito conseguir chegar na hora certa na livraria.

Patrick pareceu um tanto impressionado quando eu cheguei, e brincou dizendo que eu estava ansiosa para ver a patricinha novamente. E, para falar a verdade, eu ao menos havia me lembrado de qualquer coisa que houvesse acontecido comigo no dia anterior. Estava apenas animada por Noah e pela oportunidade que ele estava tendo com o velho misterioso.

Porém, decidi não comentar. Falar de Noah para Patrick, ou vice-versa, era declarar a terceira guerra mundial. Aqueles dois realmente não se suportavam, por um motivo que, na minha opinião, já deveria ter sido esquecido a muito tempo.

— Ei, bonitinha. Por que não relaxa um pouco e espera sua nova colega de trabalho chegar? — perguntou Patrick, provocando-me. — O dia está tranquilo hoje... A livraria não está muito cheia.

— É sério isso? — questionei.

— O que? — perguntou, confuso.

— Quando eu chego atrasada você me vem com uma pilha de livros para arrumar, e quando eu chego na droga do horário você vem com essa de que não tem nada para fazer?  — perguntei, fingindo estar com raiva. — Vai se ferrar, Patrick.

Ele riu, bebendo um gole do café que Dorothy havia feito.

— A culpa é sua de ter chegado tarde ontem.

Não demorou muito para Summer chegar. Apesar de ela estar simplesmente magnífica com suas roupas de grife e tudo mais, o que me surpreendeu foi o fato de que o poodle estranho estava novamente naquela bolsa estranha com ela. 

— Ei, esse bicho não pode entrar na livraria. — disse, tentando me manter o mais longe possível daquele pequeno animalzinho assustador. Eu realmente tinha pânico de cachorros. Patrick ria de mim enquanto negava com a cabeça.

— O cachorro pode ficar. — disse ele, rindo ainda mais. — Vamos lá, Noelle. Ele não vai te fazer nada.

— Ótimo. — disse, derrotada. — Mas se ele fizer qualquer tipo de resíduos tóxicos por aqui eu não vou limpar, nem levar pra passear, nem comprar ração, nem nada do tipo.

— Tudo bem, bonitinha. Deixe de ser chata e vá explicar a Summer como funcionam as coisas aqui.

Suspirei. O cosmos estava começando a conspirar para tirar de mim o bom humor.

— Olha, é só colocar os livros separados por gênero... Terror, comédia, romance... Essas coisas — disse, quando já estávamos na parte das estantes. — Mas os que são do mesmo autor tem que ficar juntos, e as continuações também.

— Tudo bem. — disse ela, depositando pequeno pedaço de carne e pelos em um canto perto de uma das estantes. — Como eu começo?

— Começa me ajudando a arrumar esses livros. — disse, apontando para uma pequena pilha que se encontrava em cima de uma cadeira. — E se algum cliente entrar aqui você oferece ajuda. Tipo o que eu fiz com você ontem. Se alguém perguntar o preço de alguma coisa é só passar naquela maquina ali no canto e dizer.

No início ela fez uma confusão imensa de gêneros, chegando a colocar os livros de Divergente em romance e Crepúsculo em distopias. Tive que passar um bom tempo explicando para ela que o fato de ter um casal não classifica o livro como romance, se não 90% dos livros lá seriam romances.

Depois de bastante tempo ela começou a pegar o jeito da coisa. Não era tão difícil assim, afinal. O problema foi quando os clientes começaram a chegar e a perguntar sobre coisas que ela não tinha ideia de onde estavam. Ela praticamente enlouqueceu quando a livraria começou a encher e mais e mais pessoas começaram a pedir informações.

Acabou que eu a convenci a ficar perto da maquininha conferindo os preços dos produtos enquanto eu atendia os clientes que chegavam. As coisas estavam começando a se acalmar.

— Eu realmente não levo jeito pra isso. — comentou ela, enquanto organizava uma pilha de livros.

— Empilhar livros? — questionei.

— Trabalhar. — respondeu ela. Nós duas rirmos.

— Então porque está fazendo isso? — perguntei, tentando manter um clima agradável.

— Essa semana eu discuti com o meu pai, então ele disse que eu não era independente o suficiente para a minha idade. Então resolvi provar que ele estava errado e conseguir meu próprio dinheiro. — disse ela, terminando de arrumar aquela parte da estante e partindo para outra.

— Entendi... — respondi. — Então vai enfrentar a vida de gente grande e pôr a mão na massa?

— Acho que sim. — respondeu ela, rindo. —Já está na hora, eu acho.

— Pois é.

— E você? Por que começou a trabalhar tão cedo? — questionou ela, curiosa.

— Tão cedo? Eu tenho vinte e cinco anos! A adolescente aqui é você.

— Ei, eu tenho vinte e dois. — disse ela.

— E não devia estar... Sei lá, na faculdade?

— Você também não deveria? — questionou.

— Digamos que minha tia tenha me expulsado de casa sem me dar nada assim que eu meu formei na escola e eu tenha arrastado meu melhor amigo para um apartamento que não tínhamos dinheiro para pagar. — contei, suspirando. Toda vez que me lembrava disso pensava o quanto Noah havia sido, e ainda era, especial pra mim.

— Nossa... — foi tudo o que ela disse, então ficamos em silêncio por alguns segundos. — Por um momento que me senti uma criança mimada que não está pronta para enfrentar a vida.

— Relaxa, você se acostuma. — respondi, tentado parecer casual. — As coisas vão se ajeitando com o tempo.

— As coisas já se ajeitaram pra você? — Ela era a única pessoa no universo que eu julgava ser mais curiosa que eu.

— Mais ou menos... Eu e Noah estamos tentando sobreviver — respondi, rindo. Ela não pareceu achar muita graça.

Passamos parte da manhã conversando e arrumando estantes e mais estantes. Estava sendo bom ter uma companhia naquele lugar, apesar de Patrick ser uma pessoa incrível. Summer conversava comigo com uma naturalidade um tanto preocupante. Eu geralmente não fazia amizades tão facilmente.

Tudo estava em sua mais perfeita harmonia, até que aquele bicho teve a brilhante ideia de sair de sua bolsinha estranha e correr por toda a livraria.

Existem apenas duas coisas que eu tenho pavor: Altura e cachorros.

Aquela pequena bola de pelos me fez gritar bastante e sair correndo também. Acabou que eu fui parar dentro da lanchonete de Dorothy, e cima de uma cadeira de plástico que não parecia ter sido feita para escapar de cães do mal. Então a cadeira tombou no chão junto comigo, fazendo minha bunda bater com força naquele chão duro de madeira.

Patrick não conseguia conter a gargalhada. Em vez de me ajudar e tirar aquele cachorro de lá, ele ficava rindo e fazendo escândalos pela loja. Inútil.

Summer estava com a cara de quem havia cometido o pior crime do mundo, e Dorothy estava furiosa por eu supostamente quase destruir o nosso almoço. Se tinha uma regra clara era: Ninguém entra na cozinha de Dorothy. Mas, uma regra mais clara ainda era: Não deixem cachorros perto de mim.

— Meu Deus! Me desculpe! — disse Summer, parecendo estar se sentindo realmente culpada. — Dianna geralmente se comporta muito bem. Não sei o que deu nela.

— Só faça ela parar de me perseguir. — disse. Por que raios era tão impossível ter raiva dela?

— Tudo bem. Vou ligar pra alguém vir busca-la e juro que ela não vem trabalhar comigo. — Summer continuava com aquele olhar culpado praticamente impossível de resistir.

Não demorou muito para um homem que aparentava ter uns quarenta e cinco anos aparecer trajando um elegante terno. Summer imediatamente se dirigiu a ele, entregando o monstrinho.

— O que achou dela? — perguntou Patrick, quando já estávamos no final do expediente.

— Ela não leva jeito. — respondi, observando-a. Summer estava na lanchonete conversando com Dorothy. — Devia passar uma semana morando comigo para deixar de ser patricinha.

— Você não a deixaria menos patricinha nem se ela passasse um ano morando com você. — disse Patrick, implicando. — Ela é a reencarnação boa de todas aquelas garotas de “meninas malvadas”.

— Ah não? Vamos fazer uma aposta. — propus, sabendo que se tem uma coisa que Patrick adorava eram apostas. — Se eu conseguir dar um jeito nela até o final do ano você me dá um aumento.

— E se você não conseguir? — questionou, desconfiado. — O que eu ganho?

— Ai não tem que me dar o aumento, oras. — respondi, rindo.

— Não é uma aposta justa. Que tal um beijo? 

— Você sabe que... — tentei argumentar com o fato de não gostar de homens, mas Patrick interrompeu-me logo em seguida.

— Sei, por isso mesmo. Vai ser uma coisa ruim pra você e boa pra mim. Justo.

Aquela tarde havia passado um tanto rápido demais depois disso, e eu estava ansiosa para saber o que havia acontecido no primeiro dia de Noah no pub. Não contive a minha ansiedade e acabei telefonando para ele.

— E ai, como foi? — perguntei, criando mil e uma expectativas na minha cabeça.

— Foi simplesmente maravilhoso, Noelle. Você vai adorar esse lugar. — disse ele, com a voz transbordando de felicidade. — Eu vou trabalhar aqui até tarde hoje, por que não vem e curte um pouco? Você está precisando relaxar.

— Seria maravilhoso! Me passa o endereço, mais tarde eu chego ai.

Não demorou nem um minuto para eu receber uma mensagem de Noah, com a localização e algo como “Traga seus amigos, vamos lotar esse lugar”.

Por um momento pensei em convidar Patrick, então pensei melhor. Não daria certo. Então, acabei chamando a única outra pessoa que eu imaginava aceitar um convite para ir em um pub.

— Então, Dorothy, o que acha de ir a um pub comigo hoje? — Ela me encarou como se eu fosse completamente pirada.

— Noelle, por que você não experimenta sair com pessoas da sua idade? Sabe a última vez que eu fui em um pub? Quando chamavam de discoteca. — disse ela, rindo da minha cara de frustração. — Convida a novata para se divertir um pouco.

Pensei por um instante. Talvez fosse uma boa ideia chama-la para sair, principalmente por conta de minha aposta com Patrick.

— Tem razão, obrigada Dorothy. — andei até onde Summer estava, um pouco nervosa por não saber qual seria a reação dela, pelo fato de nos conhecermos a muito pouco tempo. — Ei, tem alguma coisa para fazer depois do turno? — de primeiro momento ela me encarou confusa, então sorriu e respondeu

— Na verdade não, por que?

— Bom, meu melhor amigo está trabalhando em um pub em um bairro próximo, e eu pensei que talvez você gostaria de conhecer. — Na minha cabeça essa frase havia ficado bem menos estranha.

— Eu adoraria! — exclamou, sorrindo de uma forma extremamente simpática.

Assim que saímos da livraria levei-a até o ponto de ônibus mais perto e pegamos um que nos deixaria na rua do pub. No caminho acabei percebendo que Summer estava um tanto nervosa.

— Por favor me diz que você já andou de ônibus. — ela me olhou e esboçou um sorriso culpado. — Meu senhor, você vive em uma bolha?

— Eu chamaria essa bolha de Cristian Hilt, mais conhecido como meu pai. — quando ela disse isso, a lembrança de ter conversado com aquele velho no ponto de ônibus. Era de lá que eu me lembrava do nome dela. Por incrível que pareça minha mais nova colega de trabalho era filha de um dos nomes que mais saía em jornais e notícias de TV atualmente.

— Você só pode estar brincando. — disse, sem muita reação.

— Por que?

— Sinceramente, se meu pai tivesse a grana que o seu pai tem eu com certeza não iria passar as minhas tardes arrumando livros.

— Eu já falei sobre isso, não quero mais depender dele. —respondeu ela, um pouco mais séria. — Como é a sua relação com o seu pai?

— Família não é algo que eu tenha muita experiência. — ela ficou ainda mais séria e me encarou com curiosidade.

— Desculpa.

— Não tem problema. Eu não conheci meus pais biológicos e minha família adotiva é... Complicada. De qualquer forma, não tenho pai. — Ela parecia não saber o que dizer, então apenas me deu um meio sorriso. — Você realmente não precisa ficar chateada com isso, eu sou uma mulher completamente independente.

— Eu sei, por isso eu me sinto cada vez mais ingênua quando estou com você. — disse ela, com a voz baixa enquanto me olhava nos olhos. — Você viveu tanta coisa, e eu sempre estive no mesmo mundinho de conto de fadas. Às vezes eu quero simplesmente sair correndo sem rumo e criar uma nova realidade.

— Sinceramente, se você soubesse metade do que eu vivi, você agradeceria esse mundinho. — Eu não queria parecer direta demais, mas ela precisava entender algumas coisas. — Olha, eu sei que as vezes você fica de saco cheio de acordar cedo com seus empregados fazendo sua comida e tudo mais, e eu realmente admiro a sua iniciativa de começar a trabalhar e tentar conseguir alguma coisa com mérito próprio, mas você não pode bater de frente com o mundo e esperar que ele reaja bem. Eu já passei por isso, e não me arrependo de ter feito muitas coisas, mas existem outras que poderiam ser resolvidas de forma muito mais simples. Você não pode espontaneamente mudar tudo, as coisas não funcionam assim. Um dia você vai entender que você não pode esperar pelas coisas, você tem que modificar sua realidade até o momento em que ela te agrade, e não criar uma nova, porque é isso que você é.

Ela parecia feliz de ter ouvido tudo aquilo, mas nenhuma palavra saiu de sua boca até chegarmos no pub. A entrada estava com dois imensos e mal humorados seguranças que pareciam não gostar muito da minha cara.

— Qual é? Eu já disse que viemos aqui para ver meu amigo tocar. — Nenhum dos dois pareceu dar muita bola para o que eu estava falando. O mais alto, negro e completamente careca, parecia se divertir com a situação. Já o outro, que era alguns centímetros menor e um tanto gordo, me encarava de maneia séria. Summer ria enquanto eu ligava para Noah.

— Você não podia ter avisado aos seguranças que viríamos? — esbravejei assim que ele atendeu a ligação.

— Me perdoa, eu esqueci desse detalhe. Já estou indo. — respondeu, desligando a chamada.

Alguns minutos depois, Noah apareceu e os seguranças nos deixaram entrar. Para a minha surpresa, o clima dentro do pub era bem mais agradável do que eu imaginava. Os móveis e a decoração davam a ideia de algo retrô, assim como a iluminação. Noah não havia começado a tocar ainda, então You know i’m no good ecoava das caixas de som.

— Parece que a Noelle é uma pessoa mal educada demais para nos apresentar, então deixe-me ter as honras. — disse Noah para Summer, com um sorriso brincalhão no rosto. — Me chamo Noah e sou a pessoa que a Noelle mais ama nesse mundo.

— Muito prazer, sou a Summer. — respondeu ela, apertando a mão do meu melhor amigo.

— Eu esqueci que vocês não se conhecem, implicante. — argumentei, revirando os olhos. Noah passou o braço pelo meu ombro e deu um beijo na minha bochecha.

— Eu sei disso, mas o que seria de mim sem te irritar? — Então ele sorriu pra Summer e saiu logo depois de falar algo sobre como o meu cabelo estava bagunçado.

Nós nos sentamos nos bancos que ficavam de frente para o bar, esperando o momento em que Noah fosse subir no palco. O lugar estava consideravelmente cheio, e ele só havia tocado para um grande número de pessoas na época em que ele participava da banda da escola e, consequentemente, dos festivais da cidade. Sinceramente, eu não tinha ideia de como ele lidaria com o público.

— Então, vocês tem alguma coisa? — perguntou Summer, com o semblante curioso.

— Quem? — questionei, tentando entender sobre o que ela estava falando. Em minha defesa, eu havia bebido um pouco.

— Você e o Noah. — respondeu, como se fosse óbvio.

— Você está falando sério? — Eu não sabia se ria ou se respondia a pergunta, mas não pude me controlar.

— Eu sou lésbica. — disse, ainda rindo. — E mesmo se fosse completamente hétero, ele é o meu melhor amigo. Além disso, Deus me livre de relacionamento nessa fase da minha vida.

— Noelle falando em relacionamento? Eu pensei que iria morrer sem ver isso acontecer novamente. — intrometeu-se Noah, chegando por trás de nós duas. — Miga, você é piranha demais para se manter em um relacionamento, aceita.

— Ei! Você vai passar a ideia errada da minha pessoa pra Summer.

— Noelle, não tem uma festa que a gente vá que você não encontre alguma menina que você já tenha ficado. Inclusive, já vi aquela loira por aqui. — disse ele, rindo enquanto Summer se segurava para não fazer o mesmo. — Mas não tem problema, no fundo somos todos assim. Que a minha piranha interior saúda a sua piranha exterior, putastê.

Nesse momento, todos nós começamos a rir exageradamente. Summer havia ficado vermelha e sem ar.

— Na verdade, eu vim aqui pra te chamar pra conhecer meu chefe. — disse Noah depois de um tempo, bebendo o resto de vodka que tinha sobrado no meu copo.

Nós o acompanhamos até a parte de trás do pub, onde um velho estava sentado em um sofá junto com alguns outros homens com roupa social, como se estivesse em algum tipo de reunião.

O velho se levantou, andando na nossa direção, e eu imediatamente o reconheci, antes mesmo que Noah dissesse o seu nome.

— Noelle, esse é o...

— Anthony. — completei, sem dar a ele uma chance de falar.

— Que surpresa agradável, senhorita. Não pensei que voltaria a vê-la. — disse ele, beijando minha mão e, logo em seguida, a de Summer. — Quem é esta mocinha?

— Ah, é uma amiga, seu nome é Summer. — repondi, ainda impressionada por toda aquela coincidência.

— Espera um pouco, de onde diabos vocês se conhecem? — questionou Noah, confuso.

— Um dia aleatório. — respondeu ele, com um sorriso simpático no rosto. — Ficamos um bom tempo conversando em um ponto de ônibus.

— Nossa, eu ainda estou impressionada.

— Eu também. — disse Noah. — Enfim, vou me pegar a guitarra, a banda já está posicionada.

Eu e Summer voltamos para onde estávamos sentadas, enquanto observávamos Noah e o resto da banda começarem a tocar.

Havia um baterista, um tanto musculoso e com o braço coberto de diferentes tatuagens. Uma menina no vocal, com metade da cabeça raspada e a outra metade loira. Noah, parecendo estar um pouco tímido e um menino baixinho no teclado.

Ele me encarou antes de começar a tocar, então eu sussurrei um “relaxa”. Logo, a música começou a tocar. Eu não havia reconhecido a batida, mas parecia ser um rock antigo. A letra falava sobre o primeiro amor e essas coisas todas, ou algo do tipo. Para ser sincera, não prestei muita atenção no tema, estava mais ocupada observando meu melhor amigo tocar em público pela primeira vez depois de tantos anos.

No início, ele parecia um tanto travado, mas depois que as pessoas começaram a se aproximar mais do palco e dar toda a atenção para eles, ele começou a se soltar. Parecia que ele nunca havia parado de tocar, ou que estava novamente naqueles tempos de escola.

Eu estava absurdamente orgulhosa dele. Não só por ter conseguido um emprego, da forma mais inesperada possível, diga-se de passagem, mas também por ser um artista tão bom. Eu realmente torcia para que ele conseguisse algo sério com a música, mas isso não é algo que se consegue do dia pra noite.

De qualquer forma, independentes de quais fossem as escolhas dele depois disso, eu o apoiaria, assim como ele fez comigo tantos anos atrás.

— Vamos dançar! — disse Summer, me puxando da cadeira sem dar tempo para que eu respondesse.

A pista estava um tanto tumultuada, mas o clima era agradável. Todos pareciam se mexer conforme a música, e, em muito pouco tempo, nós também estávamos.

Eu não era o que se poderia chamar de a melhor dançarina do universo, mas eu sabia me divertir nesse tipo de festa. Já ela, parecia estar em casa, completamente habituada a dançar daquela forma. Não posso negar, fiquei impressionada com a forma como ela dançava bem, era como se ela e a música fossem uma única coisa.

Vi Noah rindo para mim enquanto estávamos dançando, mas logo depois voltou a se concentrar na guitarra. Ele parecia estar absurdamente feliz, fazia tempo que eu não o via daquela forma.

As horas se passaram como minutos, a luz do pub, a música de Noah e o rosto de Summer... Era praticamente tudo o que eu havia me concentrado. Eu estava feliz, completamente desligada de todo o resto. Tudo aquilo havia sido como um anestésico pra mim.

Eu finalmente consegui descansar por conta do mais novo emprego de Noah! Estávamos nos virando das melhores e piores maneiras possíveis para manter aquele apartamento, e isso havia durado sete longos e difíceis anos.

Eu estava emocionalmente exausta, mas não de um jeito ruim. Era importante demais pra mim manter aquela vida pela maior quantidade de tempo possível, e Noah estava mais do que me ajudando com tudo.

Deitei na cama com um sorriso no rosto, fantasiando coisas possíveis e impossíveis que poderiam acontecer ainda naquele ano. Tudo poderia mudar, restava saber se para melhor ou pior.

O sono foi me puxando como uma marionete controlada, em certo momento eu não aguentava mais manter os olhos abertos, apesar de ainda querer aproveitar um pouco do que restava daquele dia. Por fim o sono venceu, e a noite começou a ficar um tanto perturbadora.

Eu andava freneticamente pelos corredores da minha antiga casa, passando por quadros na parede e fotos em família que não passavam de fotos. O papel de parede descascado e manchado com diferentes tipos de bebida emalava um odor alcoólico. Eu sabia que ele viria a qualquer momento, sabia que ele estaria a poucos passos de mim novamente. Mas, por alguma razão, eu não conseguia sair daquele maldito corredor.

Josh estava do meu lado, pedindo insistentemente para que eu corresse para bem longe dali. Ele parecia o mesmo de sempre. Os mesmos cabelos ruivos de quando eu o vi pela última vez, as sardas espalhadas pelo rosto e os olhos castanhos apreensivos. Eu podia ver sangue escorrendo de sua boca, como se ele tivesse acabado de levar um tapa, mas ele não parecia se importar.

Depois de muito esforço, finalmente consegui correr. Tropecei no carpete, mas consegui recuperar o equilíbrio e continuar correndo. O pânico de estar naquele lugar novamente era a maior motivação para minhas pernas obedecerem aos meus comandos. Mas eu não queria largar Josh ali. Não queria perde-lo novamente.

—Você precisa ir embora, Noelle! — gritou ele, projetando-se para trás a medida em que aquele homem se aproximava. — Vá!

Antes que eu pudesse falar ou fazer qualquer coisa, senti meu corpo sendo puxado, como em uma forte correnteza. Meus olhos se abriram e de repente eu estava novamente no apartamento que dividia com Noah.

Meu corpo estava suando frio, lagrimas desciam pelo meu rosto sem que eu percebesse e o cobertor estava jogado no chão.

Não conseguia parar de pensar o quão estranho havia sido aquele pesadelo. Apesar de eu frequentemente sonhar com coisas relacionadas ao passado, esse não fazia sentido nenhum. Josh não poderia estar naquela casa. Eu não poderia estar naquela casa. Não novamente.

Julia,

Os pesadelos estão voltando.


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Notas finais do capítulo

Se eu fosse vocês não acreditaria em coincidências.



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