Fragmentada escrita por DrixySB


Capítulo 8
Tão perto, tão distante


Notas iniciais do capítulo

Jemma procura se situar e compreender sua nova realidade, tentando se aproximar de Athena e Fitz. Seus esforços são válidos, mas não parecem suficientes...



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Fitz só voltava para casa tarde da noite. E somente para dormir. Às vezes, encontrava Jemma folheando seus antigos cadernos ou lendo suas memórias e confissões no tablet e notebook. Ele evitava passar muito tempo no apartamento, mas ligava o dia todo para saber de Athena. Quando chegava, passava um tempo com a filha e depois se dirigia ao quarto, onde dormia no divã, sem muito conversar com Jemma, apenas perguntando se ela estava bem e como tinha passado o dia. Ele queria lhe dar espaço.

Jemma não o julgava. Nem ela mesma sabia como conversar com ele, como tentar uma aproximação...

Ele já havia lhe contado tudo o que ela havia esquecido.

E eles também já haviam discutido o suficiente por uma vida... Era fato.

Sempre que tentavam se comunicar, a conversa culminava em Fitz sentindo-se extremamente culpado pela atual condição dela e menosprezando a si mesmo por ter em mente que Jemma estava decepcionada com o rumo que sua vida havia tomado.

Em sua mentalidade de 19 anos, Jemma não conseguia aceitar aquele cenário: Não conseguir travar um diálogo com Fitz sem sentir como se estivesse pisando em ovos; discutir constantemente com seu melhor amigo.

O melhor amigo que havia se tornado seu marido.

Ela ainda não havia processado aquela informação em sua totalidade. Mas, à medida que os dias passavam, Jemma não só se acostumava com a ideia, como pensava se tratar de uma progressão natural de seu relacionamento. Era como se, no fundo, mesmo que relutasse, ela soubesse, desde sempre, que era assim que eles iriam terminar.

Ela não podia imaginar seu futuro ao lado de mais ninguém, afinal.

Às vezes, ela o encarava na penumbra do quarto, dormindo sobre o divã... Quando perdia o sono, passava horas lhe fitando, pensando a respeito de como deveria ser outrora... No curioso fato de que, na verdade, ele dividia uma cama com ela e dormia ao seu lado todas as noites antes de Jemma perder a memória.

Certa noite – mais propriamente dizendo, no quarto dia desde que retornaram ao apartamento – como de costume, Fitz levantou-se ao ouvir Athena chorar. Ela sempre chorava no meio da noite, como toda criança de sua idade. Porém, daquela vez, seu choro parecera diferente à Jemma. De modo que, pouco depois que Fitz saiu do quarto, ela o seguiu, nas pontas dos pés, e os espreitou sutilmente pela porta entreaberta do quarto de Athena, tomando muito cuidado para que eles não a vissem.

O engenheiro estava sentado em uma poltrona com Athena em seu colo.

— Mã... Dói? – a garotinha balbuciou.

— Sim, a mamãe está meio doente por isso ela não tem te levado para passear. Mas logo ela irá melhorar.

Jemma tinha dificuldades em compreender o que Athena dizia em sua complicada e quase incompreensível língua de bebê. Mas Fitz fazia aquilo parecer tão fácil...

— Amo! – a menina falou, jogando os pequenos braços em torno do pescoço do pai, o abraçando.

— Eu também te amo.

Jemma fechou os olhos, sentindo seu peito latejar. Era como se seu coração estivesse se estilhaçando.

Ela voltou para o quarto, novamente na ponta dos pés, as lágrimas ameaçando deslizar pelo seu rosto, mas procurou ser forte e não deixá-las cair. Deitou-se na cama em posição fetal, sentindo-se inútil.

Sua filha precisava dela e sentia sua falta. Mas ela sequer havia conseguindo segurá-la nos últimos dias. A garotinha a encarava, sempre curiosa ou entristecida dos braços da mãe de Fitz, com quem ela ficava durante à tarde. Apesar dos esforços de sua sogra, Jemma sentia receio em tomá-la em seus braços, achando que não saberia como fazer aquilo direito, com medo de machucá-la. Ela já havia segurado crianças aos 19 anos. Mesmo que de maneira um tanto desajeitada. Mas Athena se tratava de sua filha.

Uma filha que ela não reconhecia. Jemma não sabia como ser a mãe de Athena. Era demais para ela processar.

Todavia, naquela noite, ela foi invadida por uma imensa sensação de culpa. Toda a responsabilidade fora jogada sobre as costas de Fitz.

Jemma sempre acordava ao ouvi-la chorar. Mas não sabia o que fazer quando isso acontecia. Era envolvida por uma terrível ansiedade, golpeada pela aflição, como se algo a impelisse a se levantar, tomá-la em seus braços e descobrir o que perturbava o sono de sua filha. Mas se via impotente, deitada sobre o colchão, sem coragem de abandonar a cama.

Fitz, no entanto, levantava de um salto do divã e se dirigia prontamente ao quarto de Athena.

Os dias transcorreram assim.

Ao final da primeira semana, Jemma já havia feito alguns avanços na tentativa de se situar na realidade da qual ela não se lembrava, onde tudo parecia novo. Ler algumas memórias, relatos e confissões de sua autoria naqueles velhos cadernos e no notebook a ajudavam um pouco. Ela se deparou com relatos entusiasmados sobre quando entrou para SHIELD e memórias angustiadas do tempo em que esteve infiltrada na Hydra. Leu sobre Fitz. Muito. Sobre tudo o que ele significou para ela ao longo dos anos. E ainda que houvesse algumas menções e relatos sobre Will Daniels, não era difícil perceber que ele jamais ocupou o lugar de Fitz em seu coração. Se a Jemma que se lembrava de tudo se sentiu confusa com relação aos dois em algum momento, a Jemma que não se lembrava e apenas lia as memórias transcritas em um editor de texto não conseguia entender como ela pode sentir seu coração dividido. Estava claro que ela sempre amou Fitz acima de tudo.

O fato é que houve uma forte relutância de sua parte em admitir. Um receio em sair da zona de conforto que era a inabalável amizade que existia entre eles. Ela tinha medo de abandonar aquele status e colocar toda a sua história em risco.

Ler aquelas confissões com sua cabeça de 19 anos era como ler o futuro. E parecia mais fácil analisar a si mesma e chegar às conclusões definitivas sobre seu modo de pensar, de encarar a vida e seu relacionamento com Fitz.

*

Jemma acostumara-se a conversar com sua sogra. Era fácil e gostoso falar com ela. Poderia passar horas, dias, semanas fazendo isso, sem jamais se cansar. A mãe de Fitz era exatamente como ela se lembrava aos 19 anos. Doce, divertida e agradável. Ela costumava atualizar Jemma a respeito dos acontecimentos dos últimos dez anos. O que se convertera em um passatempo interessante para a bioquímica.

— Foi uma decepção tamanha quando o Reino Unido deixou a União Europeia – o olhar de sua sogra tornou-se distante, como se ponderasse os acontecimentos – Mas nada foi mais trágico do que a eleição de Trump...

Jemma concordou ligeiramente com a cabeça.

A mãe de Fitz fitou o relógio de parede por um instante e fez o possível para impedir um bocejo, sem sucesso, ao mesmo tempo em que tamborilava os dedos no colo. Ela parecia ansiosa e exausta.

— Fitz está demorando mais do que o normal.

— É verdade – Jemma franziu o cenho, estranhando a demora do engenheiro naquela noite e encarou sua sogra com certa compaixão – a senhora pode ir descansar se quiser.

A mãe de Fitz havia alugado um apartamento alguns andares abaixo de onde Fitz e Simmons residiam. Ao identificar a culpa no semblante de Jemma, sua sogra fez questão de lhe assegurar que tomara aquela decisão muito antes do incidente. Ela se mudara para lá desde os primeiros meses de Athena, a fim de ajudar nos cuidados e na criação da neta, por livre e espontânea vontade, mesmo diante das tentativas de Fitz em dissuadi-la, afirmando que não queria lhe causar incômodo.

— Algo deve ter segurado Fitz no trabalho. Mas a senhora pode ir. Eu me viro por aqui.

As sobrancelhas de sua sogra se arquearam, formando um visível traço de preocupação em seu semblante.

— Tem certeza?

— Claro. O que pode acontecer em quinze ou vinte minutos? Creio que Fitz vai chegar a qualquer momento – Jemma deu de ombros, procurando dar um sorriso despreocupado.

— Bem... – ainda incerta, a mãe de Fitz assentiu, levantando-se da poltrona e dirigindo-se à neta que brincava no tatame em meio a almofadas e bichinhos de pelúcia no chão. Ela deu um suave beijo na testa da menina e então se virou para Jemma – Não hesite em me chamar se precisar de algo. Pode me ligar, eu subo correndo – concluiu com um sorriso afável como de costume.

— Obrigada – respondeu Jemma, de maneira honesta e genuína.

A bioquímica a acompanhou até a porta e retornou ao quarto. Não fazia nem cinco minutos que sua sogra havia deixado o apartamento quando o rosto de Athena se transformou. Jemma a encarou confusa por um momento. Gradativamente, as bochechas da garotinha ganharam um violento rubor, suas pupilas se dilataram e ela começou a chorar. Alto.

— Ah, não! Não, por favor! Não comece a chorar – Jemma implorou em desespero, sentindo-se desorientada. Seu primeiro impulso foi correr atrás da mãe de Fitz. Mas aquilo não era justo. Ela precisava descansar e Jemma havia dito para que ela ficasse despreocupada. Conhecendo sua sogra como pensava que conhecia, Jemma tinha certeza de que ela voltaria e ficaria ali até Fitz regressar.

Fitz. Onde ele estava, afinal?

— Por favor, pare de chorar. Onde o seu pai se meteu...? – ela se ajoelhou em frente à garotinha que berrava incansavelmente, e gesticulou de modo frenético, incerta de onde deveria colocar as mãos, pedindo encarecidamente que ela parasse de chorar – por favor, Athena... Eu não sei o que fazer – seu tom de voz soava cada vez mais desesperado, o que só piorava as coisas e alimentava ainda mais o choro de Athena.

Olhando para todos os lados, na esperança de que o teto ou as paredes lhe oferecessem alguma mágica solução, Jemma avistou a mamadeira sobre um aparador ao lado do berço. A essa altura, já não estava mais tão quente. Jemma lembrou que sua sogra a deixara ali para esfriar um pouco, antes que Athena sentisse fome.

Jemma se esticou para alcança-la, sem perda de tempo, colocando-a no campo de visão de sua filha.

— É isso o que você quer?

Sim. Era. Athena ainda chorava, mas o volume de seu pranto havia diminuído consideravelmente.

— Muito bem, não deve ser tão difícil – Disse Jemma para si mesma, em um tom encorajador. Ela colocou novamente a mamadeira sobre o aparador e levantou-se do chão. Respirou fundo uma vez, espantando seus receios e temores, e tomou Athena em seus braços pela primeira vez no que deveria se tratar de semanas. Ela foi parando de chorar, sentindo-se mais segura nos braços da mãe, como se tivesse certeza de que ela estaria ali para atender às suas necessidades.

*

Fitz jogou as chaves sobre uma mesa de canto assim que entrou no apartamento. Havia sido um dia deveras estressante. Os ânimos estavam à flor da pele na base da SHIELD. Havia muita coisa acontecendo e um conflito parecia se anunciar como reflexo das últimas ações dos inumanos. Haveria uma intervenção, mais cedo ou mais tarde. O engenheiro tinha medo de quem e de onde partiria essa intervenção. Mas ele não queria pensar nisso agora que havia chegado em casa. Só queria dar um beijo em sua filha e desculpar-se com sua mãe por tê-la feito permanecer tanto tempo por ali, cuidando de Athena durante sua ausência. Ela merecia um bom descanso...

Ele deteve seus passos na porta do quarto ao avistar aquela cena.

Jemma estava sentada em uma poltrona, com Athena em seus braços, lhe dando a mamadeira.

Era como se Fitz estivesse vendo aquilo pela primeira vez em séculos.

Demorou um minuto inteiro para que Jemma se desse conta da presença do engenheiro na porta do quarto.

— Ah... Oi, Fitz... Você demorou, ela começou a chorar, então...

Ele deu um sorriso contido, um tanto melancólico, e se aproximou a fim de acariciar gentilmente o cabelo de sua filha.

— Ela está se aproveitando que a mãe dela está desmemoriada. Athena já costuma tomar isso sozinha.

Jemma deixou escapar uma interjeição de surpresa e então se recordou de todas as vezes em que vira a pequena agarrar a mamadeira das mãos de sua sogra e tomar seu leite sozinha, sem ajuda.

Fitz se dirigiu à janela do quarto e encarou longamente a noite. O olhar dele era distante e tristonho.

Ao notar que Athena já estava satisfeita, Jemma levantou-se da poltrona e a colocou sentada no berço. A menina prontamente agarrou um macaquinho de pelúcia, sorrindo e debruçando-se sobre ele. A bioquímica achou aquela cena adorável e não conteve um sorriso...

Um sorriso que se desfez de imediato no momento em que ela se virou na direção de Fitz. Ele estava a alguns poucos passos dela. Mas parecia tão distante...

— Sabe... Eu odeio isso. Odeio te fazer sofrer – ela disse de uma vez, antes que vacilasse em seu propósito de externar algo que a incomodava há dias.

Fitz, que até então encarava a escuridão da janela, tornou o olhar na direção de Simmons, seu semblante totalmente inexpressivo.

De modo hesitante, ela foi se aproximando do engenheiro.

— Eu queria tanto poder me lembrar... Toda essa situação é agoniante. É horrível sentir como se eu tivesse me perdido de mim mesma – como ele continuou calado, ela prosseguiu – mas esses últimos dias têm me mostrado que... Bem, eu acho que eu consigo entender porque me apaixonei por você.

Um silêncio constrangedor se abateu sobre eles por um segundo que pareceu eterno, antes de Fitz rir sem humor, desviando o olhar do dela.

— Você consegue entender? – ele perguntou em uma inesperada e lívida toada de sarcasmo. Jemma o encarou com certo espanto diante de seu tom de voz e de seu olhar pungente – acontece que isso não é uma coisa que se entende ou que se explica cientificamente, Jemma. É uma coisa que se sente.

A bioquímica cruzou os braços em frente ao corpo, em uma postura claramente defensiva, devolvendo seu olhar cáustico com um semblante desafiador.

— Bem, na verdade, qualquer pessoa madura o suficiente sabe que amor é o resultado de uma cadeia de reações químicas do cérebro...

— Era o que você costumava pensar no passado – ele a interrompeu, alteando a voz.

— E é a mais pura verdade – ela tornou, resoluta.

A proximidade entre eles pareceu subitamente perigosa para Jemma. Ela o encarava olhos nos olhos. E os dele nunca pareceram tão coléricos, de um azul intenso que irradiava fúria e transparecia toda a luta interna que ele travava consigo mesmo.

— Pode ser – ele deu de ombros – acho que não importa mais.

— Por que está agindo assim? Por que está tão irritado?

Fitz respirou fundo, controlando-se.

— Você ainda pergunta? Pra variar, o cosmos está contra nós. O universo sempre dando um jeito de nos separar – disse, afastando-se dela, como se quisesse manter uma distância segura, e agarrando com as duas mãos as laterais do criado-mudo.

Foi a vez de Jemma rir sem um traço de humor.

— Ok, isso é ridículo! O universo não tem nada a ver com isso.

— Engraçado como já tivemos a mesma discussão antes e você me disse exatamente a mesma coisa – ele continuou, mordaz.

— Ah, é mesmo? E quando foi que você falou tamanha estupidez?

— Antes do nosso primeiro beijo – respondeu, sem rodeios, como se as palavras tivessem se adiantado a ele, como se houvessem saído sem permissão.

Eles se encararam em silêncio por um longo instante, ainda tentando abrandar o furor e a exaltação que os envolvera. Foi Athena quem quebrou o silêncio, balbuciando algo incompreensível. Os dois tornaram o olhar na direção da menina que os observava com curiosidade por entre as grades do berço.

Fitz suspirou antes de tornar a falar.

— Ela jamais nos viu brigando. Não é agora que isso vai acontecer.

— Aonde vai?

Ele havia dados as costas a ela e já estava saindo do quarto quando a ouviu perguntar.

— Eu vou dormir. Na sala – respondeu com determinação, abandonando o recinto.

Nada mais foi dito naquela noite.

A bioquímica olhou novamente para sua filha, suspirando conformada.

— Me desculpe, Athena.

*

Ela não conseguiu relaxar naquela noite. A discussão que teve com Fitz mais cedo, insistia em voltar à tona. Ela repassava as palavras ditas milhões de vezes na cabeça, se arrependendo profundamente de cada uma delas.

Mas não conseguia entender o que causara nele aquele alvoroço emocional. Não era a intenção dela feri-lo ou magoá-lo. Ela apenas dissera que entendia os motivos pelos quais se apaixonara por ele. E Fitz respondera da maneira mais irônica possível.

Tudo o que ela queria expressar é que a dedicação, a complacência, a compreensão e o carinho de Fitz por ela, a fizeram se apaixonar...

E, subitamente, ali estava a raiz de todo aquele conflito.

Fitz acreditava que ela estivesse confundindo gratidão com amor. Só poderia ser. E, talvez, isso já houvesse acontecido no passado.

Ela sentiu o coração afundar no peito. Revirou-se mais algumas vezes na cama e, então, certa de que não conseguiria mesmo dormir naquela noite, levantou-se a fim de confrontar Fitz de uma vez por todas.

Toda a sua determinação em ter uma conversa séria, madura, sincera e ajuizada com ele se esvaíram no momento em que ela chegou à sala e o encontrou dormindo no sofá com Athena deitada sobre seu peito. A menina dormia tão profundamente quanto ele.

Jemma encolheu os ombros e retornou ao seu quarto. Pegou no sono horas depois, pensando que dormiria sozinha enquanto sua família dormia no sofá da sala. Tão próximos de si, fisicamente, e tão distantes emocionalmente.


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Notas finais do capítulo

Este foi um dos capítulos que mais gostei de escrever para esta história. Fluiu de uma maneira maravilhosa :)



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