Without The Lights escrita por Bárbara Martin


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá! Muito obrigada por vir aqui.
Recomento a música que inspirou a história para acompanhar: https://www.youtube.com/watch?v=SmnXGvXYpKg

Boa leitura ❤️



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/717335/chapter/1

A densa floresta de pinheiros crescia em direção ao céu nebuloso de outono e, suas folhas, jazidas no chão, faziam os passos receosos da jovem ecoarem por quilômetros. Ela não sabia como havia parado ali ou por que o fizera. Seus pensamentos estavam cada vez mais embaçados e sua cabeça pesava para baixo. 

Enquanto ela se esgueirava entre as árvores, uma brisa fria soprava seu vestido branco e fazia seus braços se arrepiarem. Algo no ar tocando sua pele a fez acreditar que ele carregava um aviso, um pressentimento ruim.

Por um breve momento, quando ela ergueu os braços pálidos para afastar um galho, seus dedos tornaram-se névoa, impotentes por alguns segundos, mesclando-se ao vento. Mas então ao piscar, eles eram de carne e ossos novamente. Um truque de sua cabeça afetada, pensou ela. Mas por que ela havia se sentido tão vazia subitamente?

Com a respiração ofegante, ela voltou a caminhar tentando achar uma saída dali sem nem saber por onde começar. Entretanto aquela brisa ressoou novamente em seus ouvidos, dessa vez trazendo consigo um sussurro. Uma voz curiosa vinda de todos os lugares.

― Quem é você, anjo?

Ela se virou para trás e então para os lados, mas não pôde encontrar o dono da pergunta.

― Eu sou Inocência. ― Ela sorriu hesitante. Alguém poderia ajudá-la a achar uma saída dali. Levá-la de volta para casa. ― Onde você está?

― Venha ao meu encontro, querida. ― Agora a voz era doce e parecia vir de sua esquerda, então foi para onde ela se direcionou.

― Quem é você?

― Como você pode ser tão bela? Nunca vi traços tão delicados. ― A voz, agora próxima, ignorou sua pergunta enquanto a garota sentia as maças de seu rosto ferverem.

Quando ela estava chegando à clareira na qual achava que a voz se originava, um cervo saiu de trás de alguns pinheiros e parou em sua frente. Impedindo-a de continuar. Seus olhos eram expressivos e ele parecia implorar para que ela não continuasse.

Mas a voz era tão convidativa, ela pensou. Aquele cervo não sabia como o dono daquela voz poderia ajuda-la. Não sabia como ele podia fazer bem a ela. Por isso ela voltou a caminhar, passando do lado do animal. Porém, ao fazê-lo, ele abocanhou seu vestido e puxou-a para trás, arrancando-lhe um grito assustado.

Seu coração batia tão rápido agora que fazia seu corpo todo estremecer. Ela correu e correu até que não visse mais nada além de pinheiros. Correu até que suas pernas cansassem e que ela achasse uma árvore larga o suficiente para se esconder atrás do tronco. As mãos delicadas da garota cobriam sua boca para abafar sua respiração, mas ela sabia que, mesmo assim, ela ainda podia ser ouvida.

A floresta em sua volta parecia ficar mais escura, silenciosa e pesada, como se até a luz soubesse que algo ruim estava para acontecer. Como se a escuridão estivesse caçando-a e agora o cervo era o menor de seus problemas.

Como se em resposta a seus pensamentos, duas mãos surgiram vindas de atrás dela, ultrapassando a árvore e cobrindo seus olhos deixando um rastro de tinta escura em seu rosto. Ela cambaleou para frente com as mãos trêmulas erguidas em busca de algum direcionamento, mas não havia mais nada por ali. Por mais que caminhasse, as árvores haviam sumido. Era como se ela estivesse no vácuo. Como se a escuridão houvesse tirado qualquer apoio que ela poderia ter.

Ela esfregou os olhos quase chorando quando alguém a abraçou por trás. Alarmada, ela tentou fugir, mas foi logo puxada novamente, se chocando com o corpo largo atrás de si. Agora que podia ver, ela se atreveu a olhar por cima do ombro.

O homem, bem mais alto que ela, vestia-se todo de preto e tinha a pele manchada com a mesma tinta escura que agora cobria o rosto dela. Ele sorriu levemente, afrouxando o abraço e percorrendo suas mãos pela extensão dos braços dela. Inocência sorriu de volta. Tudo ia ficar bem agora.

Ele voltou a abraçá-la e os inclinou para frente, conduzindo-a em uma dança silenciosa, fazendo seu vestido esvoaçar. Ao estender um braço mais uma vez, ele sussurrou em seu ouvido com a mesma voz gentil que ela havia escutado antes: ― Você é tola mesmo, não é, garota? ― Então ele lhe entregou um espelho e a soltou abruptamente, fazendo-a cair de joelhos no chão.

Ao ver seu reflexo, ela não se reconheceu. Seus cabelos, uma vez sedosos e brilhantes, estavam secos como palha, cheios de galhos e tinta preta. Seu rosto também estava manchado com tinta e seus olhos estavam profundos, tristes. Olheiras roxas agora eram bem marcadas e haviam poucas partes de seu vestido que ainda eram brancas.

Ela estava confusa, aflita e perdida. Perdida em si mesma e perdida no mundo.

Uma pressão começou a se instalar em seu peito e ela percebeu que talvez nunca mais voltasse a ser quem era antes.

O homem então passou os braços ao redor de seu rosto e o apertou novamente contra si, sufocando-a em questão de segundos. Ela se debateu e tentou puxar seus braços, mas ele era muito mais forte e havia pegado ela de surpresa.

― Você não pode fugir de mim. ― Ele falou com um tom que não era mais carinhoso. Era um tom que lembrava um relâmpago em uma tempestade, um tom carregado de malícia antes que o verdadeiro trovão chegasse.

Ela sentia a vida se esvair de seu corpo, juntamente com o ar que restava em seu pulmão até que ele finalmente a soltou, fazendo-a inspirar dolorosamente o máximo de ar que conseguia antes de quase tossir os pulmões para fora.

Assim que ela conseguiu erguer a cabeça, notou que estava em um lugar diferente. Um quarto escuro sem janelas e com apenas uma porta. No cômodo havia apenas uma cama e uma luminária que mal atingia o restante do ambiente. Seu vestido sujo estava pendurado no canto mais escuro do quarto, junto com outros lençóis também manchados de tinta. Entre ela e porta estava o homem de pé, olhando-a de cima.

Ela vestia uma blusa preta agora. Dele, ela supôs. Quando ele teve tempo de leva-la até ali e trocar sua roupa?

As últimas palavras dele ecoavam em sua mente. Ela realmente não podia fugir dele. Ele tinha o dobro de força e tamanho e ela estava cansada. Assim, quando ele estendeu a mão para ajuda-la a levantar, ela a aceitou.

Ele passou os braços ao redor de sua cintura e a conduziu em uma dança mais uma vez, só que agora ela escutava uma melodia baixinha no fundo de sua cabeça. Seus movimentos eram mais harmoniosos e seus braços pareciam conhecer os dele. Ela sentia a música em si e já sabia quais passos dar.

Ele já conhecia o corpo dela também. Seus movimentos eram suaves e ele a erguia com facilidade, rodando-a no ar enquanto ela jogava a cabeça para trás, começando a apreciar a relação dos dois. Ele a colocou no chão novamente, passando os dedos delicadamente no rosto dela ao passo que seus pés os embalavam pelo quarto.

Ela estava confortável com a escuridão ao seu redor já, embriagada pela música e pelos movimentos dos dois. Sentindo-se fazer parte daquele cenário. Então ele ergueu um braço dela e a rodopiou. Soltando-a enquanto ela girava e aproveitando para caminhar até a porta.

Ele estava indo embora. Ele ia deixá-la. Ela não podia permitir que ele fosse. Agora que aprendera a dança. Portanto ela o puxou antes que sua mão tocasse a maçaneta. Puxou sua blusa e puxou sua mão, murmurando súplicas, mas bastou um empurrão para que ela fosse jogada na cama.

Ele se aproximou e ela se debateu, chutando o ar com fúria e angústia, mas ele simplesmente segurou sua garganta com força. Não a sufocando, mas forte o suficiente para que ela soubesse que lutar era inútil.

Então ela parou. Ela parou e ficou quieta enquanto observava ele sair do quarto e se manteve assim até que um estalido da lâmpada ao seu lado acordou-a da inércia.

A música em sua cabeça havia ficado mais alta e estridente, deixando-a agitada e irritada. Por algum motivo, ela não conseguia faze-la parar e cada vez mais as melodias ficavam mais estrondosas.  

A lâmpada agora tremeluzia e a garota se pegou desejando que ela queimasse. Que desistisse de uma vez e deixasse a escuridão cobrir o quarto inteiro. O escuro era mais aconchegante e até as roupas sujas no canto do cômodo a incomodavam.

Ela se levantou e foi direto para o vestido pendurado. Arrancou-o e o atirou no chão. Ele nunca mais seria como antes. Ele não tinha esperanças. Nenhum daqueles tecidos sujos e patéticos tinha. Ela não tinha.

Não tinha como fugir. Não tinha como se esconder.

― Parem a busca! ― A voz do policial ecoou quando ele falou no rádio de comunicação preso em seu cinto. Alguns latidos eram ouvidos à distância. ― Eu a encontrei na floresta.

Sua lanterna iluminava o rosto sujo da garota enquanto ela mantinha o olhar vazio para o chão. Ele não havia notado, mas por baixo dos lençóis manchados com os quais ela havia se coberto, uma mão com tinta preta repousava em seu ombro, espreitando sua essência corrompida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá novamente. O que acharam? Por gentileza, comentem aqui. Podem ser críticas construtivas também. Eu adoraria ler o feedback de vocês e respondo bem rapidinho.

Como havia dito no disclaimer, o clipe foi feito para o mês de conscientização da violência doméstica, entretanto cabe a várias interpretações, portanto quis manter o mesmo tom. Assim, a história pode abranger também o estupro, sequestro ou até mesmo doenças mentais como a depressão, ansiedade ou esquizofrenia.

Me contem também se acharam ser só uma história sobre uma garota. Todas as interpretações são válidas e bem vindas.

Espero que vocês tenham gostado.
Até outra hora.