Electus escrita por Khaleesi


Capítulo 15
Capítulo 14


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas! Como vão?
Sei que demorei um pouco mais, porém eu queria fazer esse capítulo com calma. Já que ele é um dos últimos com explicações. Só mais um e dai se encerra o bombardeio de descobertas.
Espero que gostem do capítulo.
Boa leitura!



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Capítulo 14

 

Ter alguém mais forte para ajudar nas entregas era útil. Valkyon pegava duas caixas em vez de uma, como eu. Enquanto o rapaz ajeitava as mercadorias no depósito, fui de encontro com a dona do local para pegar o dinheiro. Estávamos nessa disposição a uma semana, Valkyon me ajudava nas entregas, Nevra era nossos olhos e ouvidos durante o dia e barman a noite, Ezarel ajudava no cultivo e finanças junto de Ykhar, e Miiko estava sem uma função oficial ainda, mas ajudava no que podia.

— Muito obrigada, Kentin – a senhora agradeceu, entregando-me o envelope.

— Estamos sempre a disposição – respondi, acenando com a cabeça.

Virei-me, pronto para ir embora, quando senti a senhora me parar com um pequeno toque nas costas.

— Sim? - pedi.

— Todos aqui te achamos um garoto esforçado e que tem uma vida inteira pela frente – ela começou, pegando um panfleto – e acreditamos também, que novas oportunidades são bem-vindas – completou entregando o item – e elas não estão em Sweet Amoris.

Olhei para o folheto que era um anúncio voltado aos jovens de toda Europa. Uma grande empresa estava ofertando vagas para aprendizes com bolsa de estudos e estadia garantida por ela. Na verdade, eu já tinha ouvido rumores e fofocas pelas ruas a respeito do tal Projeto Conto de Fadas – como era apelidado pela massa jovem – e sabia que alguns que participariam. Incluindo Alexy.

— Vou pensar a respeito – respondi, sorrindo.

Saí do local apressado, recebendo um olhar curioso de Valkyon. Uma das coisas que prezava naquele quase estranho era a sua capacidade de permanecer quieto, sem importunar as pessoas mesmo que tivesse curiosidade.

— Vamos visitar uma pessoa e espero que permaneça quieto sobre isso – disse, olhando-o de canto, notando sua sobrancelha erguida – por enquanto – completei.

Dirigi um pouco apressado, diria. Passei pela cidade, agradecendo por aquela ser a última entrega, e direcionei-me a parte rural. De tanto que a visitava já conhecia os buracos de cor, desviando deles sem precisar pensar muito. O que era um alívio, já que minha mente corria a mil após notar um certo detalhe no panfleto.

— Aconchegante – foi a primeira palavra dita por Valkyon desde que saímos com o carregamento.

O rapaz olhava a chácara de Dona Margarita com admiração, quase sorria ao ver os pequenos gnomos espalhados no jardim em frente a sua casa. Espere para ver o quanto ela já sabe sobre vocês, pensei um pouco mais bem-humorado. Bati a porta, educadamente. Era mais um gesto automático ensinado por minha mãe, pois a senhora provavelmente já sabia que eu chegara pelo som da picape.

— Olá, Ken! Como vai a vida meu garoto? - Dona Margarita respondeu, abrindo a porta.

Ouvi Valkyon tomar uma longa respiração atrás de mim, sem dúvidas notando a semelhança da senhora com Olimpya. Ela em contra partida estreitou os olhos de leve sobre o rapaz, analisando clinicamente.

— O que um faelin faz contigo? - pediu, fazendo com que a boca de Valkyon fosse ao chão.

Incapaz de segurar, soltei uma risada diante a situação constrangedora que ele passava.

— Dona Margarita esse é Valkyon – disse, indicando o rapaz – e Valkyon essa é Dona Margarita, avó materna de Olimpya – apresentei-a, fazendo a senhora estreitar os olhos diante a menção de sua neta.

— Acredito que não veio para uma visita usual – ela comentou, dando espaço para que nós dois entrássemos na residência.

Após nos acomodar e nos oferecer o usual pedaço de doce, ela sentou-se a nossa frente em sua poltrona.

— Como sabia o que eu sou? - Valkyon pediu.

De fato eu estava igualmente curioso, pois ele era comum em aparência, mesmo com a excentricidade do cabelo e olhos. Mas, tínhamos pessoas igualmente exóticas em Sweet Amoris para que ninguém estranhasse.

— Você emite uma aura diferente dos demais e se comparado ao lado de um humano fica ainda mais aparente – respondeu, calma – além de que você se parece muito com um faelin que conheci anos atrás – ao notar nossas expressões ela deu um pequeno riso – Lembra das nossas aulas, Ken? Contei que alguns faelin escolheram ficar em nosso mundo. Entretanto, acontece que uma vez ou outra aqueles que escolheram Eldarya fazem uma visita por aqui.

— Então essa pessoa estava a passeio? Porquê? - perguntei.

Valkyon ao meu lado olhava para a senhora de modo assombrado. Provavelmente achava que seu mundo era um segredo tremendamente bem guardado.

— Estava fugindo na verdade – ela respondeu, olhando para Valkyon – temendo pela vida de sua filha e sobrinho.

Inesperadamente o rapaz levantou-se e se ajoelhou ao lado de Dona Margarita, os olhos febris e quase pedintes.

— Qual era o seu nome? - ele falou, a voz rouca.

— Varon.

Meus olhos se arregalaram de tal modo que era um milagre não terem caído ao chão. Valkyon estava chorando.

— Mas o que? - sussurrei, alarmado.

Dona Margarita começou a fazer leves carícias na cabeça do rapaz, consolando-o. Mas, o choro não era angustiado e sim… aliviado.

— Achava que estavam mortos, não? - ela pediu com a voz doce.

Ele aquiesceu, incapaz de falar.

Demorou um bom tempo até que ele se acalmasse e pudéssemos ter uma conversa descente. Acabei descobrindo que vida dessas pessoas estavam praticamente todas entrelaçadas desde muito tempo. De acordo com os dois, o pai de Valkyon – o tal Varon – fugiu de um ataque tenebroso ao local que moravam para que sua filha e sobrinho sobrevivessem, enquanto o seu irmão ficou responsável por Valkyon e seu outro filho.

Valkyon que ficara em Eldarya – sem memórias até tomar a poção dias atrás – acreditava que sua família estava morta. O mais louco de tudo, era saber que Dona Margarita e mais um casal – que ela se recusou a falar os nomes – os ajudaram a se estabelecer após sua chegada despreparada. Tiveram que dividir as crianças por segurança, porém as deixaram próximas uma a outra para não perdessem o laço familiar. Quanto a Varon, ele se misturou ao mundo humano já que não encontrou modo de voltar para Eldarya uma vez que a filha não fazia ideia de sua herança mágica.

— Desculpe incomodar – comecei, interrompendo o papo entre eles sobre onde seus parentes poderiam estar – mas, eu vim até aqui por outro motivo.

Peguei o panfleto que a senhora do mercado me entregara e passei para Dona Margarita.

— Olhe o símbolo no canto inferior esquerdo – falei. Tanto Valkyon quanto a velha mulher prenderam a respiração – lembrei de ter visto algo parecido durante nossas aulas naquele seu velho livro e pensei em vir até aqui – completei.

— E fez muito bem – ela respondeu, levantando-se.

Não tardou e ela voltou com o livro em mãos. Era como um álbum, recolhendo todas as notícias com envolvimento sobrenatural dos últimos trinta anos, quando a senhora descobriu a verdade sobre sua família. Ela parou em uma página quase no começo, indicando um símbolo pichado em um muro retratado em uma foto de manchete. Era igual ao do panfleto.

Nós três observamos o mesmo símbolo se repetir durante vários anos e acontecimentos, desde sequestros, assassinatos, roubos e muito mais. Aos poucos fui percebendo que se tratava de uma organização criminosa com laços ao lado mágico do mundo, pois a maioria dos casos era tratado como sensacionalista ou sem solução.

— A Tríade – Dona Margarita sussurrou.

— Nós o conhecemos como Trio Negro – Valkyon falou.

O rosto dos dois transmitia desgosto.

— Podem me explicar? - pedi, sentindo-me excluído.

— Esse símbolo retrata uma facção contrária a Guarda de Eel em nosso mundo. Eles são os responsáveis por ataques ao QG, sequestro de membros, e no momento, pela tomada de poder junto da nossa expulsão – ele virou-se para a senhora – e Olimpya pode estar nas mãos deles.

A boca de Dona Margarita se tornou uma linha tensa.

— Aqui eles são chamados de Tríade, um grupo criminoso que foi muito forte durante a época do tráfico de Ópio. Mas, a verdade é que eles existem muito antes disso. Eles são os resquícios do grupo que causou a guerra entre os humanos e os faelin, aqueles que sobreviveram a criação de Eldarya – ela cutucou uma notícia com o dedo – e continuam perseguindo os seres mágicos que permaneceram nesse mundo.

— E aparentemente esta empresa está relacionada a essa facção – comentei, indicando o panfleto – mas, por que identificar o símbolo nesse chamado?

— Possivelmente para alertar os demais aliados sobre seu movimento. Aposto que essa promoção é disfarce para algo pior – Valkyon comentou, pensativo, entrando no modo de Chefe de Guarda.

Mil coisas passavam por minha mente, mas uma em especial se fixou. Alexy participaria dessa campanha, mal sabendo do perigo que estava exposto. Isso me fez ter uma ideia louca. Meu rosto deve ter transparecido algo, pois os dois me olharam com curiosidade.

— Vou me infiltrar nessa promoção – falei.

 

(…)

 

Chequei pela décima vez os corredores antes de sair pé por pé. Você não está fazendo nada de errado, Valkyon. Pensei, acalmando meus nervos. Agradeci pela primeira vez que Nevra fosse meu colega de quarto, pois nesse horário ele estaria no trabalho no bar local, fazendo com que só tivesse que esperar os demais moradores irem dormir.

Depois de passar horas discutindo um plano com Dona Margarita e Kentin, e mais duas horas com o restante do pessoal aqui na fazenda, conseguimos chegar a um consenso onde Kentin entraria disfarçado, sozinho, já que os demais eram reconhecíveis demais.

Eu detestava mentir e fazer coisas escondido, mas essa era uma situação que não podia ser ignorada. Durante uma pausa onde Kentin fora ao banheiro, a avó de Olimpya me pediu para vir visitá-la mais tarde, pois existiam coisas que queria falar comigo a sós. Então lhe propus que fosse a noite, onde eu evitaria perguntas demais sobre minha ausência.

De qualquer modo eu achava difícil dormir com tanta coisa rodando em minha mente. Apesar da presença de minha mãe ter me dito que eles estavam vivos, ter a comprovação através de outra pessoa tornava a coisa real. Eu tinha uma família e estavam tão perto. Meu coração batia de forma mais leve pela primeira vez em anos.

Porém ainda havia um fato nessa redescoberta toda que me deixava inquieto. Lysandre. Não havia dúvidas de que o meu primo era o nosso acolhedor. As características parecidas com Leiftan, o fato de já saber sobre o mundo mágico, o jeito calmo e o fogo protetor. Eu quase conseguia ver a face da criança quando o olhava. Mas, ele sabia sobre mim?

Eu não sabia como agir perto dele, pois apesar do laço sanguíneo nunca tivemos interação alguma, afinal fomos separados pouco tempo depois de seu nascimento. E ainda havia aquela garota da foto. Rosalya. Kentin me disse o nome dela, sem saber o real significado que aquilo teria em mim. Céus, Lysandre e Rosalya eram amigos de Olimpya!

Tudo isso era tão entrelaçado que nem parecia ser coisa do acaso. Eu poderia chutar que havia uma presença superior atando a linha de nossas vidas de moda metódica.

Quando cheguei na chácara de Dona Margarita notei as luzes da cozinha acesas. Dirigi-me para a porta dos fundos, dando uma leve batida para me anunciar. Coloquei minhas mãos nos bolsos para me impedir de ficar mexendo-as inquieto.

— Boa noite, Valkyon – ela me saudou, indicando que eu entrasse.

Mas assim que pisei no cômodo congelei. Sentado do outro lado da mesa ao centro da cozinha estava Lysandre. Sua expressão era tão surpresa quanto a minha. Nós dois olhamos para a senhora com uma pergunta muda.

— Sim, eu chamei os dois sem que um soubesse do outro – respondeu sem arrependimentos – Lysandre me ajude com o chá e Valkyon coloque as xícaras na mesa, sim? - comandou como se aquilo não fosse estranho.

Sem opções, fizemos conforme pedido, trabalhando em conjunto no mais perfeito silêncio.

— Não quero ser grosseiro, Dona Margarita – Lysandre falou ao pousar o bule na mesa – mas, pode nos explicar o motivo do chamado?

No fundo eu sentia uma leve inveja do modo como ele sabia se portar e falar sem ofender ninguém. Por vezes eu permanecia calado, pois não sabia como expressar os pensamentos. Como agora.

A senhora puxou uma caixa de um armário próximo e então sentou-se, olhando-nos com seriedade.

— A alguns anos eu e mais duas pessoas fizemos uma promessa a um casal em especial, de que quando a tranca dessa caixa se abrisse nós revelaríamos a verdade por trás de nossas famílias – ela falou, as mãos pousadas na caixa – e a uma semana essa trança se rompeu – ela girou a caixa para que fizemos a fechadura rompida.

Meu coração acelerou-se com a visão. Pois ao redor da trança haviam arabescos dourados que formavam a imagem de asas de dragão, idêntica a caixa de minha lembrança. Aquela que meu pai e tio guardavam até o fatídico ataque.

— Essa caixa pertencia aos pais de vocês – ela contou, olhando-nos calmamente.

Lysandre franziu o cenho, pensativo.

— Desculpe, mas nunca vi esse objeto antes – comentou.

— Oh, eu não falava de Josiane e George, seus pais aqui da Terra – sua voz tornou-se doce, como se o assunto fosse delicado – e sim dos seus pais biológicos, os que você não teve muita oportunidade de conhecer.

Pela frase percebi várias coisas. Lysandre já sabia parte de sua história familiar e sua herança mágica. E o assunto já foi discutido várias vezes entre ele e a avó de Olimpya. E havia uma certa relutância nele a respeito de seu passado.

— Meus pais são Josiane e George. E apenas eles – ele respondeu, a voz se tornando fria – não tenho nenhuma relação com aqueles que me abandonaram enquanto bebê.

Então era isso. Ele se ressentia por ter sido separado deles e entregue aos seus tios – meus pais – na fuga.

— Não fale besteiras. Eles não te abandonaram – respondi, firme.

Senti seus olhos díspares me dardejarem, havia um claro aviso em sua face. Mas, dane-se. Eu não ficaria ouvindo um mimado falar mal dos pais que jamais conhecera e que lhe amaram tanto ao ponto de dar a vida por ele.

— E o que você sabe? - retrucou.

Algo no seu tom de voz inflamou meu temperamento.

— Sei que a vila que nascemos foi atacada por demônios. Sei que sua mãe protegeu aos seus dois filhos e dois sobrinhos, que no caso era eu e minha irmã, com unhas e dentes. Sei que seu pai matou tantos demônios quanto podia para nos dar uma chance de sobrevivência. Sei que eles não pretendiam se separar de você, mas entre a vida deles e a sua sobrevivência eles optaram por você. E sei que você não faz a porra da ideia do quanto eles te amavam pra falar uma merda dessas – explodi.

Certamente essa não era a conversa ideal que eu queria ter com o meu recém-descoberto primo, mas algo dentro de mim se destravou com a petulância dele. Olhando Lysandre, notei sua expressão de surpresa como se tudo aquilo que eu lhe falara fosse novidade.

— Você não sabia – sussurrei, acalmando-me.

— Acredito que não encontrou a segunda parte da carta deles – Dona Margarita falou para Lysandre, olhando-nos de forma curiosa.

— Carta? - pedi, confuso.

— Meus pais… Josiane e George, deixaram uma carta que encontrei logo após seu falecimento. Nela dizia sobre meu passado, que eu fui acolhido por eles e que tinha um tio e prima nesse mundo. O principal conteúdo era sobre Eldarya. Entretanto, não havia menção sobre o que acabou de me falar – ele respondeu, desviando o olhar.

Dona Margarita suspirou.

— Josiane me pediu ajuda para escrever as cartas – começou, alisando a caixa que fora esquecida no momento – eram duas, uma contando sobre Eldarya e outra sobre seus pais. Por algum motivo você só encontrou uma delas – ela sorriu para Lysandre que enrubesceu – na outra contava de um modo mais delicado o que nosso querido Valkyon falou.

Agora foi a minha vez de ficar vermelho, envergonhado pelo modo explosivo que joguei a verdade na cara dele.

— Então somos primos? - ele perguntou com uma sombra de sorriso.

— Sim – respondi, tentando algo que poderia ser qualquer coisa menos um sorriso – uma loucura, não?

Lysandre balançou a cabeça e deu uma curta risada.

— Acho que precisamos ter uma conversa sobre o assunto. De forma mais calma – falou, estendendo a mão – prazer em conhecê-lo, primo.

Eu conseguia sentir a veracidade em suas palavras, o real desejo de entender toda essa loucura e abraçar o novo, mesmo com o receio da verdade dolorosa.

— Prazer em conhecê-lo – apertei sua mão, um pouco emocionado.

Olhando para a senhora, notamos uma pequena lágrima lhe descendo pela bochecha. Mulheres, sempre emotivas.

— Acho que interrompemos a sua explicação – Lysandre comentou, cordial.

— Fico feliz que tenham se acertado – ela limpou a lágrima antes de voltar a se concentrar – bem, onde eu estava?

— Algo envolvendo uma promessa, essa caixa e nossos pais – respondi.

Ela bateu a mão sobre o objeto em questão, fazendo-o se abrir.

— A sua família, Lysandre querido, descende de uma raça poderosa e extinta em Eldarya. Os dragões – o rapaz lhe ouvia com atenção, enquanto de minha parte eu apenas assentia pois já sabia essa história – Eles se denominam por Drarosh. Por inúmeros motivos, o principal por sobrevivência, seus iguais precisaram viver isolados dos demais. Seu pai em especial era responsável, junto de seu tio Varon, pela guarda do Rei. E por isso eles receberam uma missão em especial do monarca – sentei-me mais ereto, pois aquilo era novidade para mim – um sacerdote havia previsto um longo período de turbulência pelos próximos anos e apenas um descendente direto de Olim poderia parar o caos.

Senti uma leve coceira na mente, algo que já tinha ouvido pelos corredores do QG. Uma espécie de profecia sobre o salvador de Eldarya.

— Dentro desta caixa contém um pergaminho enfeitiçado para revelar o nome desse descendente quando o mesmo revelasse seus poderes. Assim o lacre se arrebentaria e seus pais protegeriam o escolhido até a hora que ele salvasse Eldarya. Seu pai, Lysandre, tinha sido designado a vir para cá no mundo humano, enquanto Varon ficaria por lá assegurando as coisas. Mas, eles foram surpreendidos por um bárbaro ataque em sua vila, precisando agir de emergência. Seu pai fez com que Varon fugisse com você e sua prima primeiro, e sua mãe viria depois com seu irmão e Valkyon.

Ela me olhou como se pedisse que eu acrescentasse algo.

— Fomos atacados e raptados por um demônio maior. Seus pais se sacrificaram para que eu e seu irmão, Leiftan, pudéssemos fugir. Seu acabei me acidentando no processo e perdi as memórias – comentei.

Dona Margarita assentiu.

— Assim, Varon e sua esposa ferida acabaram vindo para cá de forma não intencional, trazendo essa caixa além das crianças. Josiane, George e eu os encontramos e os ajudamos a se recuperar – a mulher se concentrou em mim, o rosto um pouco dolorido – sua mãe me reconheceu como descendente de Olim na hora, ela tinha uma sensibilidade maior que os demais. Josiane por ter um pouco de magia nas veias fez o feitiço que ela instruíra, para que pudesse ver o filho uma última vez.

Precisei respirar fundo para conter a emoção.

— E ela conseguiu – respondi, a voz rouca.

— Seu pai ficou muito abalado com o que aconteceu e não conseguia sair da cama por meses. Naquela altura Josiane e George já haviam se apegado as crianças. Então, concordamos que Lysandre seria criado pelo casal e a menina pelo pai – a senhora deu um suspiro – Não sei se Varon continuou com as buscas do seu jeito, pois fez com que nós três vigiássemos a caixa. Era visível que qualquer laço com Eldarya lhe causava dor.

— Ele desistiu? - pedi, estremecendo.

— Ele entrou em profundo luto por sua esposa, querido – a mão calejada da senhora pegou a minha em solidariedade – Os Drarosh em geral são muito profundos em relação aos seus sentimentos. Perder a parceira e não poder fazer nada para impedir isso causou uma ferida no coração daquele guerreiro – ela deu um suspiro – faz anos que eu não tenho notícias dele.

— E minha irmã? Rosalya era seu nome. Tem notícias? - perguntei, o coração pesado.

Lysandre que até então estava quieto cuspiu o chá que acabara de colocar na boca. Ele olhou arregalado para nós dois.

— É quem eu penso que é? - ele questionou, pálido.

— Sangue puxa sangue – Dona Margarita falou, enigmática – e sim, a sua cunhada é sua prima também.

Agora foi a minha vez de cuspir.

— Eu tenho um irmão aqui – ele começou, fazendo-me entender que era o outro filho de Josiane e George – ele se chama Leigh. E atualmente está namorando a minha antiga colega de classe, Rosalya. Aquela moça que você viu na foto. E agora sabemos que ela é sua irmã e minha prima.

Pisquei algumas vezes, incapaz de falar algo. Devagar, virei-me na direção de Dona Margarita.

— Qual a probabilidade de toda essa confusão ter caído na mesma cidade?

A senhora deu uma pequena risada.

— Destino e Magia agem como querem. Isso significa que não era para vocês se distanciarem – respondeu, dando de ombros.

Definitivamente eu não dormiria essa noite, tinha coisas demais para pensar.

 

(…)

 

O início de uma dor de cabeça ressoava, zumbindo como um vespeiro em minha mente. Sempre que o assunto era Magia, Eldarya e afins, eu tinha uma terrível enxaqueca. Acredito que meus pais não previram esse efeito colateral quando selaram meus poderes. Dona Margarita foi uma das pessoas com que mais conversei nos últimos anos devido a questão das cartas e o que descobri junto delas. Ou melhor, de uma delas.

Foi através dela que soube do bloqueio a minha própria magia. Segundo seus relatos, eu tinha aproximadamente doze anos quando uma Fúria me atacou na floresta que margeia a propriedade. A besta me encontrou por meio do meu cheiro e da minha magia. Assim, meus pais criaram a proteção invisível em torno da fazenda e suprimiram a minha herança. Aquilo teve uma marca. O bloqueio tornou-me heterocromático, um olho permanecendo dourado como nasci e o outro verde como os de minha mãe biológica.

Para ter efeito precisaram suprimir meus conhecimentos sobre Eldarya e questões mágicas. De acordo com a avó de Olimpya a reversão seria fácil, eu deveria mergulhar no assunto e pouco a pouco as amarras iam sendo destruídas. Falar é fácil. Olhei para o chá e enchi minha xícara novamente, já que cuspi o conteúdo anterior.

Imaginava se algum dia eu não teria uma nova revelação que quase faria meu coração parar de bater. Primeiro minha adoção, então Magia e Eldarya, após Olimpya sendo enfiada no meio desse furação todo, e agora saber que eu tinha um irmão e agora dois primos. Céus, eu estava cansado de ser surpreendido. Mas, olhando a caixa misteriosa tinha o pressentimento de que não havia sido encerrado as bombásticas notícias.

— Não quero ser rude, mas já está bem tarde – suspirei, analisando o relógio – qual a relação da caixa, a missão e nós? - perguntei.

Dona Margarita se tornou sombria subitamente, como se o conteúdo ali guardado tivesse um gosto amargo.

— Como aparentemente Varon desistiu da missão que lhe fora concedida, precisamos de outras pessoas para continuá-la. E não vejo duas pessoas melhores para isso – ela ergueu o olhar sério para nós – são filhos dos guardiões anteriores da missão e tem laços com a pessoa escolhida.

Um arrepio me desceu pela espinha com explicação deixada no ar. Espiando pelo canto de olho notei que Valkyon tivera a mesma impressão. Sem que pudéssemos falar algo antes, ela ergueu a tampa e retirou o pergaminho. Nem parecia que estava trancado a anos, sua cor era de papiro novo em folha e havia um leve cheiro de canela no ar.

A senhora retirou a fita roxa que envolvia o pergaminho e o desenrolou. Meu coração batia descontrolado enquanto a observava depositar o item na mesa entre Valkyon e eu. E ali, com uma bela letra cursiva gravada com tinta que parecia ser de ouro, um nome destoava, gritava e chamava atenção.

 

Olimpya Sefle.

 

A pessoa que chegou em Sweet Amoris abalando as estruturas do nosso colégio e a vida monótona dos estudantes. A garota de sorriso encantador que não media esforços para ajudar a todos, enfiando-se nas mais diversas confusões. A bela jovem que unira pessoas tão distintas umas das outras criando um imenso grupo de amigos.

Aquela por quem entreguei meu coração.

— Então estou pedindo a vocês além de portadora desse conhecimento, mas também como avó. Cuidem da minha menina, não deixem que esses tempos difíceis apaguem sua luz – a voz da senhora era rouca, mas ela se recusou a deixar as lágrimas transbordarem.

— Conte comigo – Valkyon respondeu, sério.

— Darei minha vida se for preciso – respondi.

— Obrigada – ela agradeceu, visivelmente emocionada.

Apesar do horário avançado, nós três ficamos naquela cozinha por um bom tempo. Principalmente por minha causa. Dona Margarita que por ser descendente de Olim e conhecer meu tio, sabia muito sobre o seu povo. Com a ajuda do guerreiro, os dois me contaram e explicaram o que sabiam sobre os Drarosh, o povo de Eldarya, e a situação que se encontravam.

Estávamos no segundo bule de chá quando Valkyon anunciou que retornaria para a propriedade, afinal estava quase na hora que Nevra saia do clube. Algo no rosto de Dona Margarita me fez dar uma desculpa ao rapaz e permanecer no local. Observamos Valkyon sumir na floresta em silêncio.

— Presumo que tenha outro assunto a tratar comigo – comentei.

A senhora sorriu.

— Nada lhe escapa, não é mesmo?

Em resposta apenas ergui uma sobrancelha.

— Precisamos quebrar o seu bloqueio mágico – contou, direta.

— Acredito que já estava fazendo isso – retruquei, curioso.

Ela balançou a cabeça, concordando.

— E está, mas esse processo é lento e pode demorar anos até que rompa todas as amarras feitas por Josiane. Ela era muito habilidosa nesse quesito. Como planejam entrar em Eldarya vai ser necessário ter acesso a todo seu poder.

Cruzei os braços, analisando tudo.

— Presumo que já tenha a solução – comentei.

— Uma ideia, diria – ela me corrigiu – seu sangue é descendente dos dragões, como o meu e o de Olimpya, exceto que no nosso caso vem do ramo real. Antigamente os Reis costumavam ter guerreiros juramentados a eles, o próprio Olim tinha um mesmo que não fosse Rei ainda. Esse tipo de encantamento costuma quebrar quaisquer amarras que o guerreiro tivesse antes de realizar o juramento.

Aguardei em silêncio, porém já previa onde queria chegar.

— Porém, ao contrário do que está pensando – ela fez uma careta – eu posso ler no seu rosto, querido. Não quero que jure a mim e nem a Olimpya. Pensei em algo parecido com isso, só que sem a servidão irredutível que o laço cria.

— E o queria? - perguntei.

— Você faria uma promessa a mim e não um juramento.

— Uma promessa específica que romperia o bloqueio – falei, recendo um aceno afirmativo da senhora.

— Vai ser um pouco doloroso o processo – ela me advertiu, um pouco arrependida de ter dado a ideia.

Eu sorri para tranquilizá-la.

— Então é melhor começarmos logo.

E foi assim que a minha vida deixou de ser a mesma. No fundo do meu coração eu sabia que aquela promessa seria a linha que a dividira, antes da tempestade e após ela. Porém, eu não tinha medo de enfrentá-la.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam dessa tripla narração? Eu gostei de contar com a ideia de cada um e espero que não tenha confundido-os com o tanto de coisa que precisei colocar.
Espero que tenham gostado e estou ansiosíssima para ler os comentário de vocês!
Um beijão e até o próximo.



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