Falalafada escrita por Marylin C


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oooooi! Cá estou eu, postando pro Café mais uma vez.

Bom, eu até teria feito algo de Legião ou algo assim pro Café desse mês, que era songfics com música brasileira. Mas o Marcondes (/125132) me indicou um álbum de folk brasileiro que me sussurrou uma história que eu simplesmente tive que escrever. Obrigada por isso, caro amigo!

O link da música, caso alguém queira: https://www.youtube.com/watch?v=TfybnIPIVN8

No mais, é isso. Boa leitura!



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O que serei? Será? Seremos? - Não... Vamos lá!

Talvez seu mundo não suporte o verdadeiro amar

O belo vive onde não há o entender

Semeia o riso e espera um sempre renascer

 

O rapaz sentava-se nas encorpadas raízes de uma árvore, suas asas abertas para que ele conseguisse apoiar as costas no tronco sulcado. Estava sozinho em uma floresta que encontrou em meio ao seu voo desesperado pela real solidão, não aquele sentimento que o consumia ao pensar em sua Jane e em como simplesmente desistira. Aquele lugar lhe pareceu mais adequado para seu sofrimento que o quarto que o aguardava em casa, onde seus pais ou irmãs poderiam irromper pela porta a qualquer momento.

Após suas lágrimas terem se esgotado, tudo o que lhe restou para exprimir sua tristeza foi a música. Ele tocava uma melodia triste na flauta de bambu que lhe pertencia, tendo certeza de que seus olhos estavam vermelhos do tanto que ele chorara. A combinação de notas tristes que ele inadvertidamente arrancava do instrumento refletia tanto o seu humor quanto o seu exímio talento para a composição.

Foi acelerando o ritmo de sua música, pensando no olhar de asco da mulher que invadira seu lar apenas para insultá-lo. Não só a ele, mas a todo o povo das fadas e, especialmente, a sua família. A tristeza cedeu um pouco do espaço à raiva, que tornou a melodia que saía da flauta mais ritmada e forte. Uma harmonia perfeita para dançar.

De repente, como que materializada do nada, uma moça de pele totalmente rubra dançava à frente do rapaz que tocava, uma expressão risonha no olhar amarelo como o de um gato. Intricados desenhos em preto adornavam partes de seu corpo e rosto. As orelhas alongadas e pontudas, juntamente com o cabelo cacheado em um tom de loiro escuro, acrescentavam algo exótico à figura selvagem. O rapaz hesitou levemente antes de continuar; agora tinha uma plateia.

A moça foi dançando, os movimentos fortes e harmoniosos demonstrando a fluidez de seu corpo. Ela não usava roupas propriamente ditas. Parecia envolta em brumas, que deixavam os detalhes do que ela queria cobrir impossíveis de distinguir. Os pés descalços marcavam o ritmo, as mãos guiavam o olhar de quem a observasse. Em certo momento, ela fechou os olhos, apreciando a música enquanto dançava com um sereno sorriso nos lábios fartos, pintados com a mesma tinta negra que decorava o resto de seu corpo. Ela parecia pertencer àquele ambiente, como se o vento e a floresta estivessem contidos em seus movimentos e ela pudesse criar ou destruir apenas com um olhar.

O rapaz acabou com a melodia de modo satisfatório: voltando a tornar a harmonia lenta. Mas, dessa vez, um toque de admiração tornou a música mais alegre até o fim. A desconhecida desacelerou seus movimentos à medida que a melodia terminava, até parar completamente com as mãos abertas um pouco à frente do rosto e um dos pés estendido. Ele respirou profundamente, recuperando o fôlego, apenas para perdê-lo novamente ao ver o sorriso da moça lentamente abrir-se em sua direção juntamente com seu olhar de gato. Ela não parecia nem um pouco cansada, apesar de ter dançado sem parar por vários minutos.

— Q-quem é você? — ele recuperou sua voz junto com o fôlego, gaguejando levemente. Ela riu.

— Tenho vários nomes, tsc tsc. — ela afirmou, fazendo um som de estalo com a língua — No Mundo de Lá, me chamam de Caipora.  Mas você deve me conhecer como Táne. E você? Quem é e o que faz na minha floresta?

— Táne? A guardiã das florestas e dos portais? — ele indagou, ao que ela assentiu. — Pensei que fosse apenas uma lenda.

A moça aproximou-se até as respirações dos dois misturarem-se e os narizes de ambos se tocarem, o olhar amarelado intensamente encarando o azul tempestuoso do rapaz. Mais uma vez, ele perdeu as palavras.

— Eu pareço uma lenda para você? Tsc, tsc. — Táne sussurrou-lhe, sua voz quase um ronronar. Ele rapidamente negou com a cabeça, ao que ela sorriu antes de afastar-se. — Muito bem, tsc. Sua vez de apresentar-se. Qual o seu nome?

— A-Aedan. Aedan Sepp.

— O filho daquela fada que povoa as canções dos bardos há mais de duzentos anos? Ysolt... Qual o nome mesmo? — ela franziu a testa, suas grossas sobrancelhas louras quase se juntando. Aedan achou esse gesto adorável. — Oh, sim. Ysolt Sionnan Sepp, certo? Gosto de dançar as baladas que fazem para ela, tsc.

O rapaz assentiu, sem ter nada a acrescentar.

— E o que fazes na minha floresta, Aedan Sepp?

— E-eu... Só achei este lugar adequado para o meu sofrimento. — deu de ombros, desviando o olhar do dela com dificuldade.

— O que lhe aflige, jovem fada? — Táne voltou a aproximar-se, dessa vez usando uma das mãos para puxar o rosto do rapaz para que ele voltasse a encará-la.

— E-eu... — Aedan tentou falar, mas a entidade interrompeu-o com uma risada, parecendo ter descoberto o que se passava apenas por algo no olhar azul do rapaz:

— Já entendi, tsc tsc tsc. Difícil, não é? O primeiro amor. Mas você é bonito. — usou o polegar que segurava o maxilar dele para acariciar-lhe a bochecha antes de finalmente soltá-lo — Ainda há muito que viver, tsc. Vai superar quem quer que seja. E aquela música incrível? Foi você quem compôs?

— F-foi uma improvisação guiada pelas minhas emoções, mas sim.

— Você é bem talentoso, tsc tsc. Eu gosto disso. — ela concedeu-lhe aquele sorriso lento mais uma vez, fazendo-o perder a fala novamente. Táne alcançou um cacho de seus revoltos cabelos e começou a enrolá-lo em um dos dedos, olhando pensativamente para o rapaz à sua frente. A pele bronzeada, tão contrastante com a sua, vermelha, evidenciava o lugar em que morava: o litoral. Os cachos negros presos por um tecido vermelho indicavam que ele trabalhava na cozinha, talvez na pousada que as canções sobre sua mãe contavam. Suas asas, em um tom de azul escuro que combinava com a cor de seu olhar tempestuoso, o denunciavam como um espécime da que muitos consideravam como a mais bela das Cinco Raças: as fadas. As mãos delicadas e típicas de um artista seguravam a flauta com a confiança de quem já a tinha como companheira há séculos. Notou seus lábios finos e a pequena marroquina que se formava quando ele dirigiu-a um sorriso hesitante. Qual seria o gosto daqueles lábios?

— No que você está pensando? — ele finalmente encontrou suas palavras definitivamente, ficando acostumado com o olhar inquietante da mulher à sua frente. Táne sorriu-lhe e, sem nada dizer, estendeu a mão em sua direção. Aedan hesitou, mas no final aceitou a mão e levantou-se.

— Por favor, tsc, venha comigo. — ela entrelaçou seus dedos nos dele, puxando-o para dentro da floresta.

— Para onde vamos? — ele perguntou, depois de alguns momentos de corrida desenfreada por trilhas desconhecidas para ele. Seus pés já estavam ficando cansados, mas a mulher ao seu lado parecia mais viva do que nunca.

— Vamos visitar meu lar. — sorriu-lhe, soltando sua mão e correndo livremente em uma velocidade irreal. Aedan ficou livre para voar atrás dela, tentando não escutar a voz em sua consciência que o lembrava das canções de beleza e perigo que, ainda em sua infância, o apresentaram àquela criatura envolta em esplendor. Seu coração havia ficado mais leve, o fardo da dor quase se desfazendo.

Táne guiava o caminho com sua corrida, enquanto o rapaz voava atrás dela e desviava habilmente de galhos e troncos. De tempos em tempos ela olhava para trás, para ele, e o fazia perder-se em seu sorriso etéreo. Por sua causa, ele não notou a paisagem mudando de uma floresta para um jardim florido. Só acordou de seu estado maravilhado quando a mulher parou em frente a um riacho de límpidas águas e ele foi obrigado a largar a sensação de liberdade que voar sempre o trazia. Aterrissou imediatamente ao lado dela, que continuava com aquele sorriso nos lábios. Não parecia nem minimamente cansada.

— Este é o meu lar. Construí este espaço para mim quando aprendi a manipular minha própria mágica e os portais. — ela comentou, encarando seu próprio reflexo distorcido nas marolas que a água em movimento provocava.

— E o que existia aqui antes disso? — Aedan indagou, desesperado por mais informações sobre aquela entidade misteriosa. Táne ergueu o olhar para encará-lo, seu sorriso tornando-se mais divertido:

— Nada, tsc.

— E como chegamos aqui? Não é mais a floresta em que estávamos, certo?

A mulher revirou os olhos e voltou a aproximar-se do rapaz, naquela distância desconcertante onde suas respirações se confundiam. Ela levou as mãos até a cabeça do rapaz, desamarrando o tecido vermelho e lançando-o na água antes de embrenhar seus dedos nos cacheados fios escuros.

— Este, tsc tsc, é um lugar além do tempo. — sussurrou-lhe, sorrindo ante a confusão do seu mais novo objeto de desejo. — Esqueça o que te atormenta, nada disso existe aqui.

— Nada? — o rapaz perguntou, ao que Táne assentiu. Então a entidade notou o momento em que a magia daquele lugar finalmente removeu todo o peso do coração de Aedan Sepp, quando ele a puxou pela cintura e a beijou.

Nenhum dos dois pensou muito naquela tarde. Ou será que era mesmo tarde? Não tinham como saber, extasiados pela torrente de sensações que beijos, toques e sexo os trazia. As brumas que envolviam o corpo da entidade foram desfazendo-se à medida que o rapaz tocava-lhe, deixando-a verdadeiramente desnuda ao seu olhar. As peças de roupa que Aedan usava, assim como sua flauta, foram lavados pelo rio e depositados nas margens, como se a água soubesse que não deveria tragar os pertences do mais novo amante de sua senhora. O desenho de seus corpos não se encaixava perfeitamente, como nas baladas amorosas que os bardos tanto costumavam cantar, mas quem realmente pensa sobre isso em meio à paixão?

— Aedan? — Táne chamou, o que pareceu uma eternidade depois. Ambos deitavam-se em um campo florido, desnudos. A entidade apoiava a cabeça em um dos braços do rapaz e deitava-se sobre uma das asas do mesmo, ao passo que ele brincava com os fios loiros de seus revoltos cabelos em um sonolento acordar, as pernas de ambos entrelaçadas. Ele voltou seu olhar para o dela, apenas para ver a satisfação quase palpável em seu rosto vermelho. — Você vai ficar aqui comigo?

— Para sempre, você diz? — ele indagou, ao que ela assentiu com um pequeno sorriso. Ele hesitou, desviando seu tempestuoso olhar azul para a paisagem que os cercava. Pássaros cantavam nas frondosas árvores frutíferas, o som do rio correndo sem rumo certo, o céu sempre azul...

Lembrou-se então, finalmente, daqueles que tinha deixado para trás. As dúvidas, os problemas, o amor. A proposta era de fato tentadora.

Voltou a encarar Táne e, tanto ela quanto ele, souberam. Souberam qual seria a resposta dele, assim como ela soube o que lhe afligia ao encarar os límpidos olhos azuis dele e assim como ele lera o desejo no olhar amarelado dela. Do mesmo jeito que sabiam que o tempo curaria tudo. Ele sempre cura.

 

Fada, és a mais bela entre as do sonho,

Talvez me renda a seu convite espectral

Mas os que deixarei aqui no coração vão me pesar

De que me vale essa mágica sem os meus?


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