Strange and Beautiful escrita por SilentStorm


Capítulo 2
II Antes das estrelas.


Notas iniciais do capítulo

Primeiro de tudo gostaria de agradecer pelos leitores dessa obra, pelos comentários, favoritos, pelos incentivos. Obrigado por tirarem um tiquinho do tempo de vocês lendo algo que eu estou criando.

Esse capítulo não tem cute cute, mas tem farra.
Deixem-me saber se continuo agradando a vocês!
(perdoem pelos erros gramaticais, caso encontrem algum)



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Bucky tivera uma noite que pareceu ter saída de um sonho bom, daqueles que ao acordar sente vontade de cair no choro por não ter sido real. O seu foi, a noite existia e os postes da rua serviam de estrelas para um céu nublado. Nem mesmo a garoa fina impediu que o grupo despreocupado sentisse desânimo pelo frio, nem pelos cabelos molhados, muito menos quando tiveram de se despedir. Estavam enérgicos, protegidos pela certeza de terem um ao outro e Bucky só sabia rir alto. Seu coração pulsava gratidão por ser aceito entre eles.

Eles realmente foram tomar milk-shake numa sorveteria no centro da cidade, mas não pararam por lá, alguém (Clint) inventou que deveriam mostrar os melhores lugares de se ter um porre para Bucky e acabou que cada um do grupo arrastou o rapaz novo, empurrando-o de um lado ao outro. A tarde, o começo da noite e perto da madrugada seguiu em andança, farra, a risada alta de Thor tremendo as portas de ferro dos comércios fechados e Bucky tendo dores na boca do estômago de tanto rir.

Eles eram loucos, despreocupados, eram jovens, queriam viver e Bucky desejava viver na mesma sintonia que eles.

Ele se sentia bem pela primeira vez após a perda dos pais, nenhum pensamento lhe assombrou a mente, nem mesmo o fato de ter de pegar ônibus sozinho e ser deixado num bairro perigoso no fim do mundo da cidade pareceu apagar a luz de seus olhos. Estava tarde, garoava fino e a avó morava numa assustadora casa que mais parecia saída de um filme de terror dos anos 80. O telhado da varanda era até meio curvo para baixo devido à falta de manutenção há anos.

Às vezes a rua é mais acolhedora do que a própria casa.

A avó não dera chave alguma da casa para Bucky ao esquecê-lo na escola, trancou-o para fora e pelo breu que estava lá dentro, a velha deveria estar no último estágio do sono. Ele caminhou em volta da casa, arquitetando na mente jeitos de escalar até a janela do quarto que seria seu. Aquilo era uma espécie de sobrado caindo aos pedaços, devido sua localização estar exatamente embaixo de um viaduto, a poluição dos carros transformou o que fora um dia branco em cinza com cheiro de gasolina. A janela do quarto de Bucky era grande e dava exatamente para o viaduto. Quando um caminhão passava, a sensação era que a casa desabaria ― qualquer dia aconteceria isso mesmo, Bucky pedia para que não com ele dentro.

O rapaz arriscou alguns pulos, tentando agarrar as vigas de madeira que sustentavam a varanda coberta. Escorregou várias vezes no cimentado lodoso, nada que tentava fazia-se certo. Pensou que sua última alternativa fosse ter de dormir na caçamba da velha caminhonete da avó. Estava mesmo caminhando em direção a ela quando sentiu algo acertar violentamente sua mochila. Ele correu para longe, então se virou.

― O que você quer, seu merdinha?

― Vó! Sou eu! ― Bucky disse, desviando de vários golpes de vassoura que a velha dava às cegas.

― Ah, você! Isso são horas de chegar em casa? ― Ela parou por um momento, sem se mover. O rapaz pensou que a velha tinha dormido ali mesmo em pé, no lugar, mas a vida voltou-lhe ao espírito e ela rumou em direção a casa, e ele foi junto.  ― Não admito que chegue tarde, se vai morar comigo terão regras!

― Me desculpe, vó. Eu não sabia o horário dos ônibus...

― É, vocês nunca sabem de nada... Sabem foder com a vida da gente, isso sim.

O interior escuro era tão frio quando o exterior, quase não haviam móveis e os que ocupavam alguns cantos eram da pior qualidade, fabricados há décadas. A velha não renovava nada, não mudava nada de lugar e claramente sentia-se incomodada por incluir uma peça nova em sua moradia. Linda era seu nome e reprovava a existência de Bucky desde seu nascimento. Tê-lo como último restante da família era um insulto para si. Ser obrigada a abriga-lo em sua amada moradia era tão repulsivo quanto adotar uma ratazana de rua e tentar amá-la.

― Trate de chegar mais cedo, não vou ficar te esperando.

Bucky queria que o falatório terminasse para poder ir direto para seu quarto no andar de cima. Um ponto positivo sobre sua avó era que ela tinha as duas pernas fodidas por qualquer doença de nome esquisito que ele também não se dava ao trabalho de memorizar, então raramente encostava na escada. Lá em cima somente o barulho dos carros lhe fariam companhia.

― Prometo que não vou chegar tarde, mas a senhora não me deu uma cópia das chaves. Como vou entrar sem acordá-la?

Linda pareceu pensar, não queria admitir que o rapaz tinha razão, queria encontrar motivos para brigar com ele.

― Não vou te dar uma cópia das chaves da minha casa, ficou louco?

Bucky estava quase ficando mesmo, mas de raiva.

― Como espera que eu entre sem te acordar, então? Posso pular uma janela...

― Pular janela coisa nenhuma, vai bagunçar toda minha casa! Argh! Maldita hora que aqueles dois foram morrer... ― Linda tocava no assunto que trazia uma dor agonizante ao peito do rapaz sem se importar se o afetaria ou não. Ela sabia que afetava, tocava no assunto porque sentia prazer em ver a chateação transformar o rosto redondo de Bucky. Linda queria vê-lo cabisbaixo e sem vontade de viver, queria transformá-lo em uma cópia de si mesma. A velha continuou resmungando, arrastando seus pés em passos de tartaruga pelos cômodos, acendendo e apagando as luzes sem motivo algum. Bucky não aguentou mais.

― Estou indo dormir, boa noite.

A avó mais do que depressa se arrastou ao pé da escada, puxando-o pela alça da mochila.

― Me respeite enquanto estou falando. Aquela vagabunda da sua mãe não te deu modos?

Bucky se voltou contra ela, partindo para cima de seu corpo concorda e baixinho, um punho estava levantado no ar, pronto para desferir um poderoso e merecido soco, que não veio. Ele respirava ruidosamente pelo nariz, sua boca estava espremida formando uma linha reta.

― Não fale assim dos meus pais. Eu não pedi para vir morar na porra dessa casa.

Linda estapeou o rosto de Bucky. Ela podia ter seus quase oitenta, mas tinha força nas mãos enrugadas. O rapaz se curvou com os cabelos longos cobrindo-lhe o rosto avermelhado, tentava proteger-se dos golpes com um braço dobrado na direção da velha furiosa.

― Nunca levante a mão para mim, sua aberração! Nessa casa você não é o homem que acha que é!

― Ótimo! E a senhora é um demônio, não uma avó!

Ele conseguiu desvencilhar-se da sessão de tapas e correu pela escada, fugindo de uma vez dela.

― Jenna, trate de descer aqui agora! Você não é macho o suficiente, pare de se iludir!

Lá de cima ouviu-se um estrondo de bater de porta, depois outro de abrir porta e passos martelando o piso rústico, descontando nele a fúria que Bucky, respeitoso de mais, não podia descontar naquela velha. Sua vontade era quebrar-lhe o pescoço. Ele apareceu ao alto da escada e o que saiu de sua boca foi um grito másculo. Seu peso teve o poder de fazer tremer as vigas velhas da casa e ecoar pelas ruas desertas daquele bairro pobre como um aviso.

― MEU NOME É BUCKY E EU SOU HOMEM SIM, CARALHO!

Bucky não deixou que a acidez do atrito com sua avó o fizesse esquecer do bom dia que tivera. Não havia outra escolha. Ele não queria morar com ela, mas não tinha para onde ir e ambos não se davam bem desde que ele era uma criança.

A velha, com seu ideal sobre tradicionalismo e pensamento antiquado não queria compreender o óbvio, e não era por falta de informação. Quando vivos, os pais de Bucky explicavam constantemente a ela sobre sua condição. Bucky era um menino e ponto final. O gênio forte de Linda os fazia ter a sensação de falar com uma parede.

Seu quarto era o último do corredor, ao lado de um banheiro grande e completamente vazio a não ser por um espelho faltando lascas das bordas encostado numa parede. Entrou nele, louco para aquecer o esqueleto gélido numa ducha bem quente. A sensação ruim provocada pela velha foi dissipando-se da mente que só tinha um foco: os novos amigos. E Steve. Ali pôde se despir, mas pendurou com certo carinho o moletom de estrela vermelha no peito que Natasha insistira em lhe dar na maçaneta da porta. Ali, sozinho, tinha coragem de aparecer completamente nu defronte ao espelho e sentia certo prazer em enxergar as belas mudanças que os hormônios faziam constantemente em seu corpo. Afinal, vivia uma segunda puberdade logo aos dezessete anos.

Seu físico era duro, e o corpo geneticamente robusto trabalhava muito bem com a testosterona em esconde traços ainda femininos, como a cintura ― nem tão fina assim, na verdade era da mesma largura que seus ombros. O rosto parecia meio liso e adorável de mais para um rapaz que vivia desgrenhado, de cara amarrada e cabelos feito uma juba cor de chocolate, mas todos os dias Bucky aproximava-o do espelho na esperança de ter nascido mais algum pelo escuro em alguma parte dele. Ele tinha uma levíssima sombra cinzenta no queixo e seguindo o traço do maxilar, parecia suficiente por agora. Bem que esse monte de pelo espesso aparecendo pelo corpo inteiro poderia rumar direto para minha cara, cacete. Pensava.

Seu maior problema e principal ponto de insegurança eram aquelas duas saliências que carregava no peito, pertencentes a um corpo biológico que não fora designado a ele, infelizmente. O lado bom era que não passavam de duas colinas de pele que, se usasse ― e usava, como um ritual ― uma camiseta apertada por baixo da roupa podia escondê-los muito bem. Sua sorte, pensava sobre outros garotos trans com o mesmo problema e agradecia pela genética de sua família ter sido gentil com ele. Satisfeito, grudento de suor e descabelado, ligou o chuveiro em seu máximo e entrou nele.

Antes de tocar em qualquer outra coisa, Bucky levou a mão que tocara Steve pela primeira vez ao rosto e finalmente pôde se deliciar com seu cheiro de suor ― ele queria ter feito isso o dia todo, até tomava cuidado para não tocar em nada com aquela mão para que o cheiro do outro rapaz ali se preservasse. Ainda estava vivo, num fraquíssimo fragmento, mas Steve estava bem ali em sua essência, no banheiro com Bucky. E ele sorria. Sentia-se fervendo por dentro. O meio de suas pernas pulsou de um jeito gostoso algumas vezes, implorando para que o rapaz fizesse um carinho e imaginasse que fosse Steve. E foi isso mesmo que Bucky fez. Ele acabou sentado no chão, deixando a água quente atingir suas costas; o vapor de água quente misturou-se com o cheiro do próprio sexo estimulado e o envolveu numa neblina de pensamentos obscenos. Bucky gozou imaginando o quão belo poderia ser sentir Steve cavalgando sobre si.

—x-

 

O último quarto era bem espaçoso e enormes janelas industriais pegavam a parede inteira em direção a vista que dava para a rua e para o viaduto, logo acima. Linda não se dera ao trabalho de conseguir uma cama para o neto poder dormir, ao invés disso, jogou um par de velhos palettes de madeira ― que algum feirante deve ter lhe doado ― num canto, junto de um colchão fino e todo esburacado. Os ancestrais daquela velha deveriam ter dormido nele por décadas de tão antigo que era! Uma pilha de livros e cds mal arrumada ao lado da cama, junto de uma porção de caixas encostadas no outro lado do quarto eram tudo o que Bucky possuía. Esse imenso e vazio quarto era seu novo mundo. Um quarto numa torre, cuidado por um dragão idoso logo abaixo.

O dragão roncava em sua caverna obscura e Bucky babava no travesseiro com cheiro de mofo num sono profundo.

Fora acordado por uma vibração intensa, parecia que alguém trabalhava com uma britadeira bem ao lado de seu ouvido. Era o celular tocando cedo na manhã, ganhando intensidade sobre a madeira na qual era apoiado, com uma Natasha de humor nem um pouco amigável do outro lado da linha. Ela queria-o fora de casa, e queria agora.

Bucky encontrou Natasha e Clint no ponto de ônibus na qual descera durante a noite. Ela, de couro e óculos escuros, cruzava os braços feito uma agente secreta profissional pronta para executar uma missão importantíssima. Já Clint saltitava ao redor dela, brincando de dar mortais para trás ao subir no banco do ponto. Estavam bem despertos, contrário de Bucky, que de rosto e olhos inchados de sono mal podia andar em linha reta. Num bocejo: ― Vocês não sabem que finais de semana servem para dormir?

― Sabemos. Mas hoje é dia de vingança. ― Disparou Natasha, fogo queimando em seus olhos.

― E vingança das boas, mano.

― O quê? Como assim? ― Bucky sentiu-se muito mais confuso. ― Como assim “vingança”. Vingança contra quem?

― Contra a vagabunda de ouro que me pôs na detenção. Sharon.

Aquele nome. Bucky sentiu o mesmo aperto no peito da primeira vez que o ouvira. Não sabia dizer se era inimizade por ela ter posse do rapaz de seus sonhos, ou porque o nome realmente soava maldoso.

― Como você sabe que foi ela?

― Tenho meus contatos, Só Bucky. ― Natasha revirou os olhos.

O rapaz não sabia o que dizer. Sabia que dali viria encrenca, mas estava tão inebriado pela sensação de fazer parte de um grupo que acabou aceitando, com sono mesmo. Outro bocejo e algo sobre o banco do ponto chamou-lhe a atenção. Eram duas geladeiras térmicas tamanho médio.

― O que são aquilo?

― A vingança! ― Exclamou Clint. Seus olhos brilhavam dourados à luz do sol, tornando-o inteiro uma supernova de excitação. Correu para perto, puxando Bucky pelo braço. ― Veja só, que delícia...

Ele abriu a tampa de uma geladeira e instantaneamente os três se afastaram, enojados, cobrindo os rostos com as mãos. Dúzias e dúzias de ovos podres transbordavam fora da geladeira. Clint forçava um riso maligno, parando uma ou duas vezes para segurar a ânsia de vômito.

― Ew! Onde vocês conseguiram isso? ― Perguntou Bucky, afastando-se. O cheiro despertou-o por inteiro.

― Não é óbvio? Foi a Nat quem botou ontem à noite quando descobriu que foi a Sharon quem dedurou ela por ter tacado fogo na cortina!

O ataque foi instintivo, feito o bote de uma naja. Natasha fora tão rápida que Bucky sentiu apenas a força do vento jogar seus longos cabelos no rosto ao passar um vulto preto. Ela encheu a mão e acertou em cheio um ovo podre no peito de Clint.

― Argh! Caralho, Romanoff, sua ogra! Eu estava brincando!

Bucky imediatamente entrou em estado de alerta, ficou duro no lugar! Aquela garota era uma furação e ele achava muito corajoso da parte de Clint provoca-la. Na verdade, o outro deveria até estar acostumado com a brutalidade dela. Por isso eram melhores amigos e não se desgrudavam.

Parceiros de crime e Bucky, um cúmplice extra.

― Certo, hm... Nós estamos esperando o ônibus? ― Perguntou Bucky.

― Que nojo! Ah, puta que pariu! ― Berrava Clint.

― Não, estamos esperando por uma pessoa. ― Disse Nat.

― Que nojo! Meu Deus, que nojo! ― Clint.

― Essa pessoa é quem?

― QUE NOJO! Eu quero morrer! ― Clint batia as mãos na camisa para tirar o grude fétido e as cascas de ovo.

― Um dos meus contatos. ― Ela disse, dando um soco no braço de Clint. ― Cala a boca e aguenta o tranco.

Um som de pneus queimando asfalto fez os três girarem na direção da esquina onde um potente porsche vermelho lustroso desfilava pelo asfalto judiado com suas calotas cromadas do que parecia ser ouro puro. Diminuía a velocidade como se procurasse por alguém na rua e o coração de Bucky explodiu no peito ao perceber que aquela máquina monstruosa de luxo estacionava bem à frente deles. Natasha pertencia ao submundo, deveria ter imaginado que seus contatos poderiam variar entre mendigos viciados à playboys dos condomínios mais caros da cidade. O que saiu de dentro dele fez Bucky soterrar ainda mais no chão.

Moreno, quase de sua mesma altura, mas com um brilho num sorriso sacana que ofuscaria qualquer rapaz que tentasse se mostrar alguma coisa no campo, onde Bucky costumava morar. Os cabelos pretos bem alinhados num topete combinavam extremamente bem com o cavanhaque da mesma cor, tornando aquele estranho a visão perfeita de um canalha do tipo gostoso, que sabe que é canalha e sabe tirar vantagem dessa característica, como se lhe servisse de habilidade. Ele tirou os óculos escuros e mordeu a perna, ainda sorrindo.

― É aqui a granja? Vim buscar umas galinhas.

O tom de voz dele era puro deboche. O cara era a personificação da ironia. Estava nele inteiro, estampado num rosto que não parecia deixar se abater por pouca coisa, o bom humor maldoso impedia. Bucky tinha uma mania de cruzar os braços sobre o peito quando sentia-se inseguro diante de outros rapazes, pensando que talvez pudessem notar algo de diferente nele. Pura bobagem de sua cabeça, mas difícil de conter. Ele estava quase todo encolhido e cabisbaixo quando o rapaz o chamou.

― Esse daí que vocês defumaram ontem? ― O sorriso dele era tão lindo quanto o de Steve. Bucky corou até o último fio de cabelo.

― É. Esse é o Só Bucky. ― Nat disse, fazendo Clint entrar no carro e tentar não derrubar as geladeiras de ovos podres enquanto reclamava feito uma megera na tpm.

― Tony Stark, chama só de Tony. Vem cá, não precisa ter medo. Só a Natasha quem morde aqui. ― E piscou, cheio de charme.

Bucky foi sentado junto de Clint no banco traseiro, ambos cuidando das geladeiras como se fossem dois berços de recém nascidos ― Tony deixara bem claro que os faria limpar com a língua caso algum ovo sujasse o couro importado do carro. Natasha foi na frente com ele, conversando sobre o plano feito profissionais no ramo.

― Escuta, vou largar vocês na parte de trás da casa, Sharon aparecendo, mando uma mensagem. ― Tony disse, derrapando numa curva de propósito.

Ele estava adorando a sensação de se exibir para moradores de um bairro podre, afinal nunca tivera motivos para visita-lo antes ― e nunca tornaria a fazê-lo, obviamente.

― Você precisa segurar Sharon fora da casa até sairmos, entendeu? E tem certeza que só ela estará em casa? ― Perguntou Natasha num tom ameaçador.

― Tenho! Hackeei o sistema de câmeras e compromissos até da casinha do cachorro daquela casa, que por sinal, que bicho nojento. Quem pinta as unhas de um cachorro? Caralho...

― Sharon pinta as unhas do cachorro dela?! ― Perguntou Clint olhando da mesma forma que Bucky um para o outro: enojados.

Como Steve poderia namorar uma menina cheia de manias? Bucky maquinava na cabeça que talvez ela o escravizasse.

― Agora ouçam! ― A voz da única garota que era mais macho que os três homens naquele carro trovejou e eles se encolheram, quietinhos. ― Quando Sharon estiver fora da casa, Tony vai nos mandar um sinal e, terminado tudo, mandaremos um sinal de volta quando estivermos fora da casa, entendidos?

― Sim senhora! ― Gritaram todos em uníssono.

― Mas, Nat... Você tem certeza que foi Sharon quem te dedurou? ― Bucky não acreditou que estava querendo se apiedar da garota que o impossibilitava de ter Steve só para si, mas também não esqueceu de ser justo. Deu de ombros. ― Poderia estar sendo maldosa com que não merece.

Natasha e Tony se entreolharam, sorrindo igualmente maliciosos.

― Ele é realmente uma gracinha, Nat.

Ela virou-se no banco para poder ficar de frente para Bucky e assim explicar-lhe sem meias delongas. Havia faíscas por trás do esverdeado daqueles olhos, arrepiando o garoto. Natasha tinha um olhar intenso, capaz de sugar uma alma se quisesse.

Eu tenho certeza de que foi ela. Recebi a notícia da fonte.

Do retrovisor interno do carro, Bucky viu Tony Stark dar-lhe uma piscadela por cima dos óculos escuros.

― Da... Da fonte?

Os três riram do rostinho contorcido em confusão de Bucky, Clint pulou em cima dele para tentar apertar suas bochechas, mas Nat gritou com ele por causa das geladeiras.

― Tony tem um casinho secreto com a coordenadora Potts. Sharon contou a ela. Num dos desabafos de Potts a Tony, escapou esse. ― Explicava Nat.

― E como eu não sou um dos melhores amigos da Nat... ― Ironizou Tony, dando de ombros.

Bucky estava boquiaberto. Não pelo feitio de Sharon e a descoberta em si, mas pelo fato de um rapaz poder se envolver por baixo dos panos com uma mulher mais velha, ainda pior, coordenadora da escola onde estudavam! Para ele, interiorano, era uma espécie de absurdo que só acontecia em programas de televisão que sua avó assistia, não na vida real.

Você pega a senhorita Potts?!

O porsche passou voando em alta velocidade pelas ruas começando a ganhar movimento, deixando para trás seu vulto em fogaréu e o som alto de risadas.

—x-

 

A casa branca no estilo moderna, rodeada por engradados de madeira e muros altos cobertos por folhagem conseguia pegar metade de um quarteirão. Até nas árvores que cercavam a rua, os donos puseram câmeras. Mal podiam ver a imensidão luxuosa que era protegida pelas cercas vivas e seus moradores, no momento, um único. Sharon. O portão da garagem se estendia no começo da esquina capaz de deixar entrar um caminhão, um pouco mais afastado, o portão social era protegido por decorações e adornos que se iluminavam durante a noite, feito em pura pedra. Bucky nunca vira tanta riqueza antes. Para ele, a casa mais chique que pudera bater os olhos era uma fazenda próxima da casa onde morou com os pais. Comparada, seria capaz de caber quatro fazendas daquela na casa onde estavam prestes a invadir. Entrariam por um discreto portão para empregados, no fim do muro ao lado esquerdo, perto da lixeira.

Tudo era automático e quem comandava a operação era Tony Stark, somente com o celular. Ele era um gênio, por isso fora chamado como peça essencial. Através do hack, podia monitorar o movimento das câmeras dentro da casa, aparecendo no visor do tablet acoplado ao painel do carro. Num simples deslizar de dedo, Tony fez destrancar o portão dos funcionários.

― Mando sinal quando a galinha deixar o ninho. ― Disse Tony enquando todos saiam do carro.

― Quando a piranha deixar o rio. ― Disse Clint, abraçando uma geladeira.

― Quando a vaca deixar o pasto. ― Disse Nat, rindo.

― Quando a vagabunda deixar de ser vagabunda... ― Foi Bucky quem disse e todos se viraram para ele, surpresos, enquanto nem prestava atenção no que dizia porque tentava equilibrar a outra geladeira entre um braço e a lateral do corpo. ― Bom, daí nunca entraríamos na casa porque escória desse tipo nunca muda, mesmo...

Corou ao perceber que todos o olhavam.

― O que foi?

― Você é selvagem, hein, Só Bucky? Esse cara é dos meus! ― Tony disse e logo foram ocupar seus respectivos postos.

Tony teve de caminhar contornando o extenso muro de trepadeiras até alcançar o portão social e socar o dedo no interfone. Deu um jeito na roupa, secou gotinhas discretas de suor na testa por ter de caminhar tanto do carro até ali e esperou, em sua melhor pose galante.

― Sai fora, Stark. ― A voz de Sharon soou robótica através do interfone.

― Bom dia para você também, meu anjo. Por que não vem aqui fora me dar o ar de  vossa graça? ― Cantou ele. Ouviu-se um bufo do outro lado da linha.

― O que você quer?

― Quero ver seu belo rosto de boneca para que me alegre o dia! Por que outro motivo acha que viria até aqui, de manhã, quando poderia estar... Enfim, Sharon, eu tenho uma coisa para te contar. Mas é confidencial, ninguém pode sab... Sharon?

Mosca pega na rede. Garotas feito Sharon acumulavam na mente sobre fatos, acontecimentos, nomes e intrigas entre pessoas. Ela era a rainha da colmeia que tacava fogo por onde passasse e suas fiéis abelhas alastravam fagulhas em forma de bochicho para mais longe, causando um verdadeiro incêndio. Ouvir um babado na porta de casa foi de mais para ela. Num piscar de olhos, envolta num curtíssimo pijama de seda, lá estava a loira abrindo o portão para esgueirar-se em seu batente numa falsa falta de interesse.

Stark sorriu, uma mão apoiada nesse mesmo batente e a outra apertando um botão no touch screen discretamente, dando sinal verde para a invasão.

Natasha, Clint e Bucky serpentearam pelo jardim dos fundos, percorreram atentos a uma parede altíssima e, quando se viram expostos num imenso pátio de pedra com mais luxo, mais jardim, piscina e Clint não conseguiu contar quantos carros haviam na garagem porque Natasha o empurrava na direção de uma porta dupla de correr. A casa era metade gesso, metade vidro. Um palácio moderno e quadrado. Podia-se ver tudo em seu interior e não demorou para os três descobrirem, no andar de cima, qual quarto pertencia a Sharon ― um enorme e brilhante “S” feito de luz neon cor de rosa atraiu-os fácil.

Stark estava certo. Parecia que somente Sharon se encontrava em casa. A sorte caiu no colo de Natasha instantaneamente após descoberta a traição.

Bucky entrou boquiaberto no quarto de Sharon, até mesmo Clint soou um assovio. Os rapazes não puderam perder tempo contemplando o interior trabalhado em branco e cores claríssimas porque Natasha os chamava raivosa no portal do que parecia ser outro quarto dentro de um quarto ― era um closet gigante, e a sensação era essa. Prateleiras e mais prateleiras ocupavam uma parede inteiramente de sapatos. Somente sapatos. Ao lado das enormes janelas, um espelho que batia do chão ao teto também possuía a mesma moldura cor rosa neon que o “S” na porta. Sharon deveria passar horar da vida ali, sentindo-se a rainha do mundo.

― Tudo bem, galera. Comecem a desovar. ― Ordenou Natasha, arrancando dos bolsos luvas plásticas.

― O quê?! Você trouxe luvas só para você?! ― Protestou Clint. Ele ainda fedia.

― Duh! Achou que eu seria imundo igual a você e pegar ovo podre na mão? Me poupe.

Clint, furioso, arrancou a camiseta e com ela usaria para pegar os ovos. Então ambos se voltaram para Bucky. Tinha alguns ovos na mão, olhava de um lado ao outro feito um filhotão confuso, sem saber onde quebra-los.

― Só Bucky... Você não tá com nojo? ― Perguntou Natasha, erguendo uma sobrancelha.

― Não, tudo bem... Eu ajudava meus pais no campo. Já enfrentei coisas piores. Então... O que eu faço com eles agora?

Ela se voltou para Clint com um sorriso desafiador intensificando o vermelho dos lábios perigosos, vendo-o todo debruçado e torto tentando não tocar com as mãos nuas nos ovos. Ele entendeu o que ela quis dizer, mas ignorou revirando os olhos.

― Não percam tempo quebrando ovo podre em sapatos, só sapatos. Destruam esse closet. Sujem o que parecer mais caro e valioso.

E eles se puseram ao serviço, tomando cuidado vez ou outra para não acabarem aparecendo para os dois vultos lá embaixo, devido às enormes janelas que serviam para expor tanta riqueza.

Bolsas de marca, sapatos, vestidos que mal saíram de suas caixas. Cadernos, diários, Clint chegou a encher uma gaveta inteira de calcinhas e lingeries com a podridão de gemas e cascas. Natasha sentia o gosto com cheiro de ovo podre lhe impregnar as narinas, muito mais satisfatório do que o aroma adocicado que Sharon preservava em sua intimidade. Ela se divertia. Estava dando uma lição. E Bucky, rindo o tempo inteiro, achou que vir morar na cidade nem era tão má ideia. Ter momentos de adrenalina feito estes compensavam a relação abusiva que vivia em casa e, para sua sorte, nem precisava ficar com a velha o dia todo.

De alguma forma, do jeito que deveria ser, o destino tirou-lhe da família biológica, mas compensou juntando-o com pessoas tão perdidas e quebradas quanto ele para que, juntos, pudessem crescer enfrentando o mundo. Entre malabarismo de ovos, explosões em paredes e cheiro ruim, Bucky, Natasha e Clint se entreolhavam aos sorrisos. Felizes intimamente, pois a semente de certa confiança brotava e só tinha a florescer.

Clint sumiu dentro de um dos enormes guarda roupas brancos e saiu de lá segurando duas camisetas baby look. Uma rosa com desenho de um cupcake e outra verde bebê, sem estampa. Colocou sobre o peito desnudo e gritou para ter atenção sobre si.

― Gente, qual combina mais comigo? Rosa ou verde?

Os outros dois caíram na risada e Clint abriu um enorme sorriso.

― Estou falando sério, não vou voltar pra casa com essa camiseta podre...

― Você vai roubar uma camiseta da Sharon? ― Perguntou Bucky.

― Eu preciso cobrir minhas vergonhas! ― Disse ele teatral, abraçando os mamilos minúsculos como se ali houvesse algo a ser escondido. ― É sério! Não consigo me decidir, qual vocês acham que... Assim... Combina com a minha personalidade?

Bucky não conseguiu ajuda-lo, porque estava de quatro sobre o tapete de veludo, rindo até lágrimas rolarem pelas bochechas.

― Fica com a verde logo, porra! ― Disse Natasha, arrancando as luvas, também sem deixar de sorrir.

― Então vou ficar com a rosa. ― E vestiu. A camiseta não fora feita nem um pouco para seu tamanho, mas ele também não era robusto, então, ficou só justo e ridículo com o umbigo a mostra junto de uma trilha de pelos curtinhos que desciam sumindo dentro da calça.  

O momento de sarro dissolveu-se pelo constante metralhar de mensagens no celular de Natasha. Ela olhou pela janela e viu claramente uma Sharon marchando de volta para casa!

― Porra! Temos de vazar agora, ela está voltando!

Houve alvoroço, Clint quase esqueceu as geladeiras e Bucky teve de levar a camiseta imunda e fétida dele, pois não podiam deixar provas do crime. Eles correram em direção às escadas, mas passos martelando os degraus de madeira fina os fizeram recuar. Sharon estava subindo e eles não tinham para onde se esconder, exceto se jogarem atrás de sofás dispostos contra as janelas de vidro do terraço e rezarem para que fosse o suficiente até a garota permitir passagem. Ela entrou no quarto, eles correram desesperados, fazendo um barulho que mais parecia uma cavalgada acontecendo dentro da casa e não pararam até estarem seguros, na rua. Porém, antes de conseguirem, por fim, encontrarem o portão dos funcionários, ouviram um rugido furioso. Um grito fino, estridente, capaz de não deixar inteiro nenhum vidro daquela casa.

A abelha rainha descobrira o estrago que os ursos inimigos fizeram em sua colmeia-palácio.

― Puta que pariu, quase que vocês me fodem! ― Gritou Tony Stark ao volante, derrapando perto dos amigos para fazê-los entrar e assim poderem arrancar a toda velocidade dali.

― Nós conseguimos... ― Disse Natasha, olhando-o de queixo erguido. Ele não fez perguntas, conhecia bem aquela garota e sabia de sua capacidade. Quando Natasha enfiava uma coisa na cabeça... O capeta não seria páreo para tirar.

― Nós conseguimos! Nós conseguimos! Ela não vai ter roupa pra ir à praia com a gente essa noite! ― Cantarolava Clint, mal podendo se conter no banco. Abraçava Bucky, chutava o banco de Stark, estapeava os ombros de Natasha. Ele era pura energia contida num baby look rosa de cupcake.

― Qual artimanha usou para segurar Sharon? ― Perguntou Nat a Stark, que a devolveu um dar de ombros desdenhoso.

― Você não é a única a ter inimizades, viúva negra colegial... Ela se interessou em saber que Maria Hill...

― Maria Caminhão?!

― Esta mesma, Clint... Enfim, ela não vai pro banheiro das meninas se maquiar...

― Até porque ela nunca usa maquiagem. ― Disse Nat, fazendo graça.

Bucky tinha um enorme sorriso no rosto redondo, mal ligando pros fios grossos de cabelo suado grudado em suas bochechas. Ele estava contente por fazer parte dos bagunceiros, mas o real motivo que lhe trazia brilho ao cinza chumbo dos olhos era a esperança de ter Steve sem Sharon, tê-lo perto de si, poder conversar com ele sem nenhuma garota nojenta interrompendo. Bucky suspirou, o coração ansioso desejando que pulassem para uma noite onde a única luz existente fosse Steve e sua aura dourada de doçura.

Não o conhecia, não sabia nada sobre ele, mas o desejava. Queria realmente desvendar o que aqueles olhos azul cobalto tentavam esconder enquanto sorria.


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Notas finais do capítulo

A avó de Bucky foi inspirada em tempos em que morei com minha avó, de modo menos exagerado, era assim.

E ovo podre tem um cheiro BEM horrível, juro.



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