Como cães e gatos escrita por kelly pimentel


Capítulo 18
Resitência




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É como uma prova terrível de resistência a todo momento. Na sala de aula, quando me sento na carteira atrás de Manuela e posso sentir o cheiro que seus longos cabelos exalam, ou quando ela está sorrindo e tudo que eu mais quero é passar meus braços ao seu redor. Agora, ela está ao outro lado da sala, sentada junto com minha irmã e suas amigas, Bruna e Luiza falam na maior parte do tempo, imagino que eu e Lucas sejamos o assunto da conversa, ambos vilões. Penso agora em como, talvez, eu esteja sendo injusto com ele, claro que vou sempre tomar o partido da Luiza, não importa o que aconteça, mas consigo entender o desejo de tentar seguir em frente, talvez ele acredite que seja capaz de fazer isso com Luiza, talvez, de fato seja possível. Enquanto elas conversam, estou sentado com dois garotos da sala, Gustavo e Marcos, eles falam sobre um novo jogo de RPG e eu tento prestar atenção, aquele normalmente é um assunto que me interessa, mas não consigo parar de pensar nas coisas que Manuela deve estar ouvindo, em como ela deve estar se sentindo com tudo aquilo.

—Você pode se juntar ao nosso clã, precisamos de mais gente para as batalhas. – Gustavo diz me encarando.

—Claro. – Digo fingindo interesse. Antes que possa dizer mais alguma coisa Ana, nossa professora de História, entra na sala.

—Desculpem o atraso. Vamos tentar compensar esses quinze minutos sendo rápidos para sentar. Sentem ao lado dos seus parceiros de História e abram o livro na página centro e trinta e quatro. Nos terminamos o nosso terceiro assunto do segundo bimestre na aula passada, quero que vocês deixem os exercícios respondidos na minha mesa no final da aula. E hoje, vamos começar a falar sobre a Idade Média...

Enquanto Ana continua falando sobre a organização do bimestre e coisas do tipo, eu volto para o meu lugar e ajudo Manuela a colocar sua cadeira ao lado da minha. Essa é a nossa sentença, de acordo com Ana, fazer todo os trabalhos da disciplina juntos, todas as atividades. Se ela soubesse o quanto eu acho isso conveniente agora.

—Eu não trouxe livro. – Manuela diz. -Você trouxe?

—Tá aqui. – Digo pegando o livro na mochila. Me sento e Manuela faz o mesmo. Aproveito que estamos seguros pelo barulho das cadeiras sendo arrastadas e pela voz de Ana. – Você está linda.

—Eu estou do mesmo jeito de sempre Fábio. Não seja bobo. – Ela afirma. Adoro o jeito encabulado de Manuela.

—Exatamente. Linda como sempre.

—Fábio. – Ana diz. – Você que parece mais interessado em discutir com a sua dupla, pode me dizer algo sobre as características da Idade Média?

—Acho que isso depende. – Digo me ajustando na cadeira. Ah, as vantagens de ser um repetente. – A idade média é comumente dividida em duas fases: Alta e Baixa Idade média. Devo dizer características gerais ou especificas de uma dessas fases? – Alguns alunos riem. Ouço Luiza falando que eu perdi o juízo de vez. Ana dá um sorriso de satisfação.

—Que tal ambas? – Ela questiona me desafiando.

—Ok! A Alta Idade média é marcada por invasões bárbaras, falamos um pouco desse povo na aula anterior. Essas invasões elas levam à queda do Império Romano. Por exemplo, os Francos invadiram o território francês e instauraram os primeiros feudos, criando o regime feudal que deu base à economia europeia, os árabes invadiram a península Ibérica. Foi uma época de grande força religiosa, pela qual deveríamos agradecer ou não, depende do ponto de vista, aos bizantinos, eu, particularmente, estou sendo irônico no agradecimento. Já a baixa Idade Média, é ao mesmo tempo o ápice e o declínio da civilização medieval, o Feudalismo entra em crise. E, embora as pessoas chamem a Idade Média de Idade das Trevas, a Baixa Idade Média foi um período de muitas mudanças e descobertas. A noção de nação, de Estado, as Universidades, a ideia de hora, os garfos... tudo isso surgiu na idade média. Inclusive a ideia de revolução nasceu nesse período.

—Ok! Eu estou impressionada. – Ana diz. Manuela me olha com certa desconfiança e eu quero sorrir, mas me seguro. – Um ponto extra na prova do bimestre. Agora que o Fábio nos deu esse resumo da Idade Média, vamos discutir os pormenores e fazer isso na ordem certa.

—Desde quando você é bom em história? – Manuela pergunta.

—Digamos apenas que eu estou inspirado. – Digo abrindo o livro na página correta.

Seguimos prestando atenção na explicação de Ana, todas as duplas também tiveram que ler trechos do capítulo. Quando o sinal tocou a turma se levantou apressada, deixando os exercícios respondidos na mesa de Ana.

—Fábio, espera um minuto? Preciso falar com você – A professora diz séria.

—Você tinha que se exibir não tinha? – Luiza pergunta deixando a sala.

Assim que todos saem, Ana se senta e abre a caderneta.

—Você tem consciência das suas notas na minha disciplina?

—Eu não tirei notas ruins no primeiro bimestre. Tivemos prova na semana passada, mas achei que tinha ido razoavelmente bem, foi tão ruim assim?

—Não. – Ana diz. - Na verdade, você tirou a maior nota da sala. Um dez. Sua prova estava bem escrita, repostas que não eram simplesmente uma reprodução do livro, você de fato discutiu as questões.

—Dez?! Você tem certeza? Porque já aconteceu com amigo meu de trocarem os nomes e...

—É a sua prova Fábio. Você tirou um dez. E eu perguntei a outros professores e você é excelente em geografia, química, matemática, precisa melhorar em Português, física e idiomas, assim como de um pouco mais de esforço em Biologia, mas meu ponto aqui é deixar claro que você tem aptidões acima da média.

—Você sabe que eu reprovei certo? – Questiono.

—Sei. Mas esse não é o padrão de alunos que reprovam. Eles não ficam magicamente bons nas coisas. Como você era antes de reprovar?

—Eu realmente não reprovei por burrice. – Confesso. – Reprovei porque não tinha cabeça pra estudar, eu tenho certo déficit de atenção e 

—Você não precisa me contar o que foi. Só precisa continuar tentado focar. Mas eu te pedi pra conversar porque quero que você se inscreva nas olimpíadas de História desse ano.

—Não tem ninguém do terceiro ano mais preparado pra isso? Eu não sou nenhum Hobsbawm.

—Não. Mas vamos fazer o seguinte. Vamos agora procurar alguns alunos e perguntar quem é Hobsbawm, se eles souberem você não precisa se inscrever. Além disso, nas competições são por série. E eu acho que você tem grandes chances.  

—Eu posso pensar? – Pergunto.

—Claro. – Ela responde. Apenas não demore muito pra decidir. Temos que terminar as inscrições na próxima semana.

—Tudo bem. – Digo saindo da sala. Já estou no corredor quando algo me atinge, volto pra sala e encontro Ana já com suas coisas na mão pronta pra sair.

—Já decidiu? – Ana questiona me encarando.

—Ainda não. Mas eu só queria agradecer pelo interesse e dizer que você é uma excelente professora e que eu sinto muito se sou um idiota algumas vezes, é algo mais forte do que eu.

—Claro que é. – Ela responde sorrindo.

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Jogo água no meu rosto e olho para o relógio, ainda falta quinze minutos para o final do intervalo, sinto que o tempo está conspirando contra mim. Normalmente, aprecio o tempo livre, converso com o pessoal, faço um lanche, mas ter que ouvir Bruna falando de Fábio realmente não está sendo nada agradável.

—Você está bem? – Isabela questiona. – Deve ter sido horrível ouvir a Bruna falando tudo aquilo sobre o Fábio e não poder dizer nada.

—“Essa garota da qual ele gosta deve ser uma piranha qualquer que provavelmente faz sexo com ele, é isso que os caras querem, certo? Vadias! ”- Digo repetindo as palavras de Bruna.

—Em primeiro lugar, vamos deixar claro que fazer sexo não torna ninguém vadia e que o termo vadia foi criado para reprimir mulheres. Sabe qual a diferença entre uma vadia e uma menina direita? Nenhuma. Quem diz se somos vadias ou certinhas são as pessoas insatisfeitas com nossos comportamentos.

— Obrigada pela força e por não achar que eu sou uma vadia. Agora, se ela pensa assim e nem sabe de nada, imagina o que não vão falar de mim se descobrirem que eu estou com o Fábio?

—Vão falar, com toda certeza. Mas é você quem vai decidir se isso vai te afetar ou não.

—Seja honesta. Você acha que o que eu fiz foi errado? Ficar com o Fábio sabendo que ele estava envolvido com a Bruna.

—Eu acho que a Bruna é inocente nessa história, mas que nem por isso você é a vilã. Nem toda história tem um vilão. Você o Fábio já se gostavam antes, já haviam se beijando antes, você só estava com medo de assumir como se sentia. Claro que ela não vai achar bonito e abençoar vocês dois, mas não é como se eles tivessem um relacionamento duradouro e você tivesse surgido do nada. Se ela tiver um pouco de bom senso, vai ficar tudo bem.

—Obrigada! – Digo abraçando Isabela. – Obrigada de verdade.

—Obrigada pelo que? – Luiza pergunta. – Não me diga que é porque você e o amigo da Isabela se deram muito bem. Você ainda não me contou nada sobre esse cara Manu.

—Não foi nada demais. – Digo.

—Como não foi nada demais? Vocês deixaram a festa juntos.

—Ah, esse meu amigo não é o cara pra Manuela. – Isabela diz. – Serve pra uns beijinhos, mas só isso. Agora que tal irmos comer alguma coisa?

—Ele era gato pelo menos? Apenas me diga isso e eu te deixo em paz. Ah, e qual o nome dele?

—Jonas. E sim, ele é bonito. – Respondo contrariada. Não gosto de mentir pra Luiza, talvez eu devesse contar a verdade para ela, mas algo dentro de mim parece gritar “Não!”.

—Podemos comer agora? – Isabela questiona.

—Claro! – Luiza diz sorrindo. – Vamos pra cantina, Bruna e Carla de vem estar por lá. Manu?

—Vou sim. Só preciso pegar minha carteira na bolsa. – Respondo. – Podem ir. Encontro vocês lá.

Elas seguem para cantina e eu para a sala, estou distraída com o telefone, lendo as mensagens da Bárbara. Ela está perguntando como estou, se comi, etc. Aquilo faz com que eu me sinta ainda mais confusa com tudo. De um lado, eu quero me aproximar da Joana, a conhecer, pelo outro, como eu posso magoar uma irmã que, mesmo do seu jeito torto, sempre esteve aqui por mim? De repente, um braço me puxa para dentro de uma sala. É Fábio, ele fecha a porta e me encosta na parede.

—Você tem sérios problemas. Sabia disso? – Pergunto irritada com o susto.

—Sabia. -Ele diz se aproximando. – O maior desses problemas é que a minha boca e a sua estão muito distantes uma da outra. – Tento ficar séria ao ouvir isso, mas não consigo.

—Nós não podemos fazer isso aqui. E se alguém nos pega?

—Não vão. Essa sala fica vazia nesse turno.

—Como você sabe disso? - Questiono intrigada.

—Eu trago todas as garotas com quem fico aqui. - Ele responde com um sorriso sem vergonha. 

Fábio aproxima nossos lábios e me provoca afastando-os sem deixá-los se tocar. Quando ele finalmente me beija, me vingo mordendo levemente seu lábio inferior. Ele me encara parecendo surpreso e nos beijamos novamente, dessa vez com mais intensidade. Recobro meu juízo e me afasto.

—O que a Ana queria com você? - Pergunto.

—Dizer que eu sou um gênio. - Antes que eu possa argumentar ele se explica, me conta que Ana quer que ele participe das Olimpíadas.

—Isso é extremamente nerd, combina com você. - Digo colocando minhas mãos nas laterais do seu tórax.  - Sem contar que a sua mãe vai ficar orgulhosa. - A menção da mãe do Fábio faz com eu sinta seu corpo se enrijecer.

—Eu preciso te contar uma coisa. – Ele diz me encarando, parece sério. Sinto um nó na garganta.

—O que foi? – Questiono um pouco temerosa.

—Eu não sei muito bem como te dizer isso, mas eu quero que você saiba por mim...

—Desembucha Fábio!

—Ok... a minha mãe, ela tá namorando..

—Certo. - Digo sem entender. - E por que você queria que eu soubesse disso por você?

—Porque ela está namorando com o seu tio.

—Meu tio? – Questiono incrédula. Sabia que meu tio estava envolvido com alguém, mas nem mesmo nos meus maiores delírios aquela possibilidade passou na minha cabeça.– Você tem certeza?

—Mais do que gostaria. – Fábio responde sem jeito. Fico calada por um tempo, não sei bem o que pensar. A mãe do Fábio é bacana, bonita, gosto da ideia, mas ela é a mãe do Fábio e isso não seria estranho? – Você vai falar alguma coisa? – A pergunta de Fábio me retira de meus pensamentos.

—Eu não sei bem o que dizer. – Assumo. – Mas meu tio é um cara bacana e que merece uma pessoa boa como a sua mãe. Mas e você? Como se sentiu como isso?

—Estranho. Mas acho que se ele puder fazê-la feliz, eu não tenho nada pra dizer. Na verdade, que tal se pararmos de fala deles? Estamos só nós dois aqui e...

—E eu tenho que ir. As meninas estão me esperando na cantina. – Falo indo em direção à porta. Fábio me segura pela mão e me puxa de volta.

—Não esqueceu nada? – Ele questiona erguendo as sobrancelhas. Fico de ponta de pé e o beijo. Quando separamos nossas bocas Fábio me olha sorrindo. – Isso foi ótimo, mas eu estava falando disso aqui... – ele diz me mostrando meu celular que estava numa das mesas da sala.

—Eu odeio você! – Digo abrindo a porta.

—Você me ama. – Ele retruca.

(...)

Quando chego na cantina as meninas estão conversando sobre a situação entre Luiza e Lucas, situação essa que envolve Juliana.

—Talvez você devesse dar um ultimato, ou ele se afasta dela ou... – Bruna está dizendo.

—Claro que não! – Carla interrompe. – Se você fizer isso ele vai terminar tudo. Ninguém gosta de ultimatos. Se fosse o contrário, se ele dissesse: -Ou você para de falar com fulano ou nós acabamos, como você se sentiria?

—A Carla tem toda razão. – Isabela diz.

—E o que eu devo fazer então? – Luiza pergunta.

—Você pode usar uma arma secreta. Sondar o território inimigo em vez de partir para o ataque. A Manuela pode descobrir qual é a da irmã dela com o Lucas. – Bruna fala me encarando.

—Isso é totalmente doentio. – Isabela afirma. – A Juliana não é sua inimiga, ela não tem culpa nenhuma do cara gostar dela.

—Claro que tem! Acha mesmo que ela não jogou charme? Que não deixou ele acreditar que...

—Olha aqui, eu ouvi muita coisa sobre a minha irmã calada. Mas eu não vou deixar ninguém fazer esse tipo de comentário sobre ela. – Afirmo enfrentando Bruna.

—Tudo bem. Foi só uma sugestão. – Bruna afirma.

—Eu nunca te pediria isso. Você sabe disso não sabe Manuela? – Luiza questiona. – Eu não posso mentir e dizer que a sua irmã não me intimida, mas ela é sua irmã e eu nunca pediria pra que você comprometesse sua relação com ela. Por sinal, acho que é melhor não conversarmos mais sobre isso. Eu vou resolver meus problemas com o Lucas do meu jeito.

Um silêncio se instaura por um tempo. Até que Carla começa a falar sobre o projeto de educação física passado por Belotto, lembrando que ele ficou de formar os grupos e sortear os temas na aula seguinte. Quando o sinal toca, peço pra que Luiza espere, quero falar à sós com ela.

—Eu sinto muito se fui grossa. – Digo.

—Não tem problemas. Eu também não deixaria ninguém ofender o Fábio. – Ela afirma sorrindo. – Não se preocupe. Você tem sido uma boa amiga, me apoiou, me deu força pra investir no Lucas, e o seu plano funcionou. Agora acho que é a hora da verdade, ou ele gosta de mim ou não, não tem nada que eu possa fazer pra mudar isso. – Ela afirma. Luiza começa a chorar e eu a abraço.


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