Doctor Wolf batia a caneta tinteiro repetidamente no bloco de notas, pensativo. Os olhos fechados e a testa levemente franzida evidenciavam muita concentração. Algo parecia incomodá-lo muito, mas quem o visse jamais imaginaria porquê.

Os pássaros cantavam além da janela do seu escritório e o sol gentil esquentava o ambiente com seus raios manhosos. Os livros descansavam perfeitamente alinhados em suas respectivas estantes. Nas paredes não havia nenhum rombo ou fuligem e o carpete estava livre de lama, óleo ou papel picado. A escrivaninha, da qual mal saíra naquelas semanas intensas, tinha a papelada perfeitamente arrumada e os livros de referência organizados. O sofá não estava furado, pulverizado nem rasgado, enquanto a porta continuava inteira e bem presa em seu devido lugar. Mesmo assim... algo não estava certo. E por mais que pensasse, não conseguia chegar a lugar algum.

Abandonando a caneta, o lobo tirou os óculos e esfregou as olheiras cansadas. Estava prosseguindo bem com os seus deveres, não estava? Preenchendo os documentos que deveria, atendendo todos os pacientes da agenda, prestando contas à associação de psicanálise... Sim, tudo indo bem. Exceto... por estar aflito. Com a sensação agoniante de saber estar esquecendo alguma coisa, mas não conseguir lembrar o que é. Conferira sua lista de tarefas para aquele dia e também as listas anteriores. Todos os itens que deveriam estar verificados assim o estavam. A mente do doutor girou várias vezes mais em torno da pergunta sem resposta até que finalmente extravasou sua frustração em um profundo suspiro cansado.

Algo macio e quente foi preensado na sua bochecha com gentileza, tirando-o de seus pensamentos. Quando virou, deparou-se com uma loba muito tímida e de longos e bonitos pêlos rosados.

 - Você esqueceu o seu almoço hoje, querido...

A voz dela foi baixa e macia e suas patas seguravam receosas uma sacola de papel cheia. Lady Wolf não tinha certeza se fora correto interromper os pensamentos do marido já que este parecia tão concentrado. Sua preocupação transpareceu em seus olhos azuis intensos e foi como se um harpão transpassasse o peito do doutor . Os ombros do dele caíram e a expressão abismou-se, apenas para demonstrar pesar um momento depois. Ela começou um pedido de desculpas, mas o lobo não ouviu. Este se pôs de pé e lentamente envolveu a esposa em um carinhoso abraço.

Lady Wolf parou de falar, surpresa. A voz de Dr. Wolf soou mansa e dolorida em seu ombro enquanto dizia baixinho:

 - Perdoe-me, minha querida. Eu te amo.

Gentilmente uma pata rosada pousou em suas costas curvadas, alisando-a demorada e amorosamente. No calor do abraço também chorou, mas não pôde evitar um pequeno sorriso. "Está tudo bem" silenciosamente ela disse.

É claro que estava esquecendo algo, o lobo pensou arrependido. Estava se esquecendo dela.

Foi a primeira e a última vez.