— Bem, se você vai invadir minha casa, eu faço as perguntas – tentou parecer firme, mas sabia que sua voz não era lá essas coisas, e por não ter falado muito ultimamente estava rouca – de onde você veio?

— Demoady, terceiro distrito – ela não vacilava na voz, e a olhava firme sustentando seu olhar, não pareceu tão surpresa quanto Kaya esperava.

— Nunca ouvi falar – e era verdade, nunca mesmo. Mas não era nenhuma surpresa, ela nunca havia saído de Fairwood de qualquer maneira.

— Seria estranho se tivesse ouvido falar, Elementistas não são muito chegados aos Noturnos – ela abaixou o olhar, como se algo a incomodasse.

Noturnos, era isso que ela era? Uma noturna? Era verdade, as raças não se misturavam, nunca haviam se misturado desde que ela sabia, para ser sincera ela jamais havia imaginado como seriam os outros, elas eram muito parecidas.

— O que você está fazendo aqui? Como sabia que eu estava aqui? – suas mãos estavam geladas, ela estava rígida, não conseguia mexer um musculo, parecia um jogo que ela não queria perder.

— Eu na verdade não sei quem é você, não sabia se você estaria aqui – seus olhos estavam firmes, e encontraram os de Kaya sendo totalmente sinceros.

— Então eu repito a pergunta, o que você está fazendo aqui? – A pergunta saiu entre dentes, ela tinha de ser dura.

Neste momento Gwen se levantou devagar com as mãos esticadas para mostrar que não escondia nada, ainda com os olhos firmes nos de Kaya, que também se levantou mais distante observando tudo que ela fazia com atenção. Foi então que ela retirou do bolso dianteiro de seu moletom um objeto prateado pequeno, ela não conseguiu ver direito o que era porque logo se desfez em uma linha fina dourada, como feita dos mesmos pequenos fragmentos de luz que ela sempre via, que levava diretamente até Kaya e acabava.

— Eu também não sei o que é, só tem me mostrado o caminho até aqui – Gwen agora olhava para as mãos vazias, ainda com o formato de quem segurava o objeto redondo – eu apenas o segui.

— E de onde tirou isso? – Ela estava sem fala, nunca havia visto aquilo em sua vida, testou se mover, dar um passo para o lado mas a linha a seguiu.

— Meu irmão me deu – ela apertou um pouco a mão no espaço vazio e a luz desapareceu, devolvendo o objeto a Gwen – antes de ser levado.

Sua expressão se tornou fria e Kaya entendeu, a menina estava tão perdida quanto ela, tão sozinha quanto ela, de repente era como se algo fizesse sentido e como se ela estivesse esperando por Gwen.

— Mas, eu não conheço você, porque esse... eu não sei o que isso é, te traria aqui? – mesmo com esse sentimento de querer entender, ela sabia que não podia.

— Eu não tenho uma resposta pra isso – ela voltou seu olhar para Kaya mais uma vez, desta vez estavam distantes – mas eu preciso de ajuda.

— Ajuda? E espera que eu te ajude?

— Sim – mesmo com toda a situação estranha ela parecia extremamente confiante para alguém que sabia pouco menos que ela.

— Certo, então você tem um mapa estranho, seguiu ele até aqui sem saber o que iria encontrar, e agora que sabe que eu sou uma pessoa quer que eu te ajude? Sem mais nem menos? – em voz alta parecia mais bizarro do que na cabeça dela há meio segundo atrás.

— Mais ou menos isso – ela deu um meio sorriso, Kaya não conseguia ler suas expressões tão suaves e tão confiantes ao mesmo tempo.

Ela respirou fundo, olhando para a menina sem acreditar, eram muitas informações a serem absorvidas, ela se sentiu tonta porém viva, animada.

— Certo – organizou os pensamentos e focou em uma coisa de cada vez – e o que, exatamente, você quer fazer que requer a minha ajuda?

— Eu sei que meu irmão está em algum lugar, esta vivo – ela deu um sorriso que fez Kaya se arrepender de ter perguntado – quero atravessar os portões.

Sentiu cada centímetro de seu corpo tremer, a boca ficou seca e o estômago revirou, mal pôde a acreditar que a menina falava mesmo sério, esperou que ela risse e dissesse que era brincadeira, mas tudo que ela fez foi confirmar o que acabou de dizer com um olhar firme.

— Quer minha ajuda para atravessar os portões do inferno? – quase riu de si mesma ao dizer.

— Não só isso – agora seus olhos brilhavam, negros como a noite – quero sua ajuda para passar pelos sete príncipes do inferno.

—-------------------------------------------------------------------------------------------------

O submundo é mesmo algo maravilhoso, não acha? Todas as mais diversas raças vivendo em livre harmonia sob seus próprios caprichos, humanos nunca saberiam como nos tratar, e o inferno nunca seria um lugar adequado para vivermos, não é mesmo Sally? Imagine só Elementistas, Medusas, Feiticeiros, Noturnos, Alados, Donos do destino, e nós, Caídos, em paz, sem precisar da preocupação daqueles que se acham superior a nós por terem um trono erguido pelos mesmos. Diga-me Sally, você acha mesmo que podem ser chamado de príncipes? Nós somos os mais próximos que esse lugar jamais verá de poder, não que eu me importe.