Damned escrita por IS Maria


Capítulo 23
Confronto


Notas iniciais do capítulo

O que estão achando?



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Caius observava o rosto de Katerina cuidadosamente como se tivesse passado meses sem o ver. Correu seu dedão contra sua bochecha, notando que a palidez em suas bochechas havia aumentado. Seus olhos vermelhos tinham perdido parte de sua intensidade enquanto a área abaixo de suas pálpebras inferiores, tinha tornado-se mais escura. 

— Você precisa se alimentar. — Caius disse em uma breve advertência. Kate sabia que não havia sido um pedido ou conselho.  — Posso pedir para Elijah…

— Cuidamos disso por aqui. — Carlisle o interrompeu. 

Kate se tornou desconfortável por entre os braços de Caius. Por um instante tinha se esquecido de que não estavam sós. A presença dos outros, no entanto, rapidamente se tornou notável. 

— Eu consigo cuidar dela. — Caius rebateu. 

— Por favor...— Kate o repreendeu, implorando em silêncio para que não começasse coisa alguma. 

Não era uma discussão que poderiam vencer. 

Katerina avaliou por alguns segundos a tensão que os envolvia, seu instinto lhe dizendo o quão indesejado Caius era ali. 

— Carlisle...poderia nos dar licença? Preciso falar com ele. 

Carlisle olhou diretamente para Caius e o que quer que tenha o dito com os olhos, fora compreendido muito bem por ambas as partes. 

— Tudo bem. 

Nenhum lugar por ali seria bom o suficiente ou lhes daria privacidade o suficiente, tratando-se de uma casa cheia de vampiros, mas não era como se precisassem discutir um segredo de estado ou qualquer coisa do tipo. 

— Presumo que conheça bem essa parte da casa. — Kate lembrou-o assim que chegaram ao quarto dela, no andar de cima. 

— Assim como todas as partes… por observá-la pelas janelas e paredes de vidro. — Ele sorria. Aquilo já era algo que Kate havia visto em suas lembranças, assim como o impregnante pensamento obsessivo contra os Cullen que ele costumava nutrir antes de tudo acontecer. 

— A árvore mais alta...— Kate olhou pela enorme porte que lhe dava acesso direto à floresta. No momento, estava extremamente feliz por Edward ter deixado o quarto desocupado antes que passasse a fazer parte da família. — Consegue me alcançar no último galho? 

— Espero que isso não seja um desafio..— Caius a abraçou por trás, apertando-a brevemente, antes de roubar a vantagem e sair em sua frente. 

Felizmente, Kate ainda tinha um pouco de seu sangue humano em suas veias, o que a tornava mais rápida. 

Se corresse rápido o suficiente, era como se estivesse voando. 

A vista durante a noite conseguia ser tão bela quanto a da luz do dia e sentia-se grata por ter olhos que a ajudavam a enxergar isso com facilidade, sendo um pedaço a mais a acrescentar em toda a sobrenaturalidade daquele mundo. Quanto mais se fazia parte dele, menos as coisas pareciam reais e mais dentro de um conto de fadas se sentia estar. 

Permitiu que Caius chegasse primeiro para ter o prazer de ser trazida para os braços assim que o alcançasse. A visão que tinha dele era ainda mais intensa no escuro, quase como se o tivessem desenhado para as sombras. 

Ele lhe roubou um beijo e então tornaram-se confortáveis ali, a metros de distância do chão, longe de qualquer criatura que não pudesse voar. 

— Você deveria ter me contado. — Suas palavras soaram como um sussurro, porém afiado, enquanto a acusavam. 

— O que eu diria? Não tenho certeza de nada e se as minhas teorias estiverem corretas…

— Suas teorias?

Katerina realmente não queria entrar em detalhes sobre o que se passava em sua cabeça, mas, considerando o poder que ela mesma possuía em revirar a dos outros, não era mais do que justo. Não tinha escolha, Caius já tinha se autodeclarado envolvido em qualquer que a dissesse respeito. 

— No começo eu conseguia engolir sangue animal...aos poucos o gosto foi se tornando mais e mais estranho, nada que eu pudesse desconfiar, até que já não conseguisse manter nada dentro de mim se não sangue humano..

— E?

— E que não é preciso calcular muito, meu corpo está deteriorando desde o dia que eu fui transformada o que provavelmente tem a ver com o veneno de lobo que faz parte de mim.

— Um veneno está lutando o outro. — Caius disse. Era a suspeita que ele tinha formado com o pouco que descobriu nos últimos dias. 

— Não tem nada que prove que um veneno é mais forte do que o outro, no mais eu diria que são dois lados de uma mesma moeda...dois predadores distintos de uma mesma presa. 

— Então tudo deveria se equilibrar.

— Seria uma possibilidade, mas, eu nunca parei de piorar ainda que tenha sido uma piora devagar, o que me deixa para a segunda possibilidade. 

— Está te matando. 

— Exatamente! 

Não era uma presunção muito complexa, no entanto, ela havia se tornado a única criatura que não deveria ser destruída por nada além do fogo. 

— Como se a solução fosse ir embora. 

— Eu não fui embora, eu voltei para casa, sabendo muito bem que você viria atrás de mim ainda que eu desejasse que não o fizesse. 

— Então por que vir sem mim? 

— Eu esperava que colocasse junto o peso da nossa briga com o retorno de Athenodora e ficasse alguns dias longe, o suficiente para que eu pelo menos decidisse a maneira de…

— Se despedir? É isso? — Ele a interrompeu. — Você iria simplesmente desistir? 

— Acredito que não tenha nada que possamos fazer. 

A expressão em seu rosto se tornou sombria e ele aos poucos, trancou suas emoções dentro de si não lhe deixando compreender o que se passava em sua cabeça. Kate não violaria seus pensamentos. 

— Preciso conversar com Carlisle. — Ele a soltou.

— Agora? Sobre o que?

— Eu sei que é o que ele quer. — Simplificou. — E tem coisas que também preciso dizer. — Katerina soube que não ganharia mais nada além disso. 

— Tudo bem…

Ele se jogou do topo da árvore, sendo engolido pela escuridão até não estar mais à vista. 

Naquela noite ele não retornou mais. 

 

Dia 3 

 

O cheiro de sal a distraía da sede, da confusão e do medo. Sentia-o vir de seus cabelos, de sua pele e de suas roupas, mantendo-a longe dos pensamentos que não conseguia abandonar. O gosto era amargo, acentuado, nada convidativo, tal qual seu presente. 

Seus pés afundavam na areia enquanto caminhava indo de encontro às pedras e seus olhos observavam as veias nas palmas de suas mãos. Nenhum sangue fluía ali, nada que pudesse a aquecer sob o vidro no qual havia se tornado, ainda sim, podia o sentir, quieto, desvanecer aos poucos. 

Era a sua maneira de observar o tempo passar...sentir os últimos resquícios da humanidade, sumirem como se nunca houvessem existido. 

À medida que andava, suas roupas grudavam em sua pele, fazendo-a sentir-se pesar um pouco mais. Escondeu o rosto por entre as mãos por alguns segundos, fazendo a claridade do dia ir embora por alguns instantes, o suficiente para que, ainda que breve, fingisse não existir mais nada e não tivesse que se importar com qualquer outra coisa. Mas, os barulhos não a deixavam esquecer e não havia nada capaz de os afastar deles. 

Trouxe a luz mais uma vez. Poderia buscar fugir o quanto desejasse, afastar-se de todo o resto, do que importava e deixava de importar, todo o esforço seria inválido. Aquilo do que queria fugir, estava dentro de si e a acompanharia aonde quer que fosse. 

O conforto não demorou para a abandonar e o agora a puxou mais rápido que esperava. Deixou de sentir o cheiro salgado, sendo invadida por uma essência conhecida. Seu rosto estava longe, mas podia enxergar cada detalhe em perfeição. Parou de se mover, seu corpo não desejava continuar. 

Vê-lo fazia-na sentir o peso da escolha que tinha feito quando foi preciso. Se é que teve qualquer escolha. Conhecia o que sentia, porém, jamais teve visão tão embaçada. Tudo havia se tornado empoeirado e nebulento, fora de controle e prestes a desmoronar. 

Forçou-se a continuar. 

Ele também caminhou em sua direção. 

— Seth. — Seus lábios se encheram ao pronunciar o nome dele. Parecia terem se passado décadas, não dias. 

Os olhos dele lhe pareciam mais castanhos do que nunca, mais profundos do que antes. Seus cabelos estavam brevemente maiores...ele lhe parecia mais alto e em sua pele, notou que o tempo passava rápido para ele, enquanto para ela, estava congelado. Eram transformações sutis que talvez ninguém mais tivesse notado, mas ela o conhecia bem. 

Seth não disse nada. 

Havia algo em seu silêncio, ou talvez fosse na maneira em que ele a olhava, algo discreto e quase imperceptível, tanto quanto as mudanças em sua aparência… que a cortava em um milhão de pedaços, algo que dedurava o que ele não havia dito, mas pensava. 

Ele sabia. 

— Eu sinto muito. 

Não havia qualquer outro som além de suas palavras dispersas ao vento ou das ondas, quebrando uma atrás da outra. Tinha medo de o olhar nos olhos. 

Katerina deu um passo para trás, afastando-se um pouco mais, temendo que ele não a quisesse por perto. Não queria que ele dissesse coisa alguma, não queria que ele tivesse que a ver. Odiou-se cada vez mais a cada segundo. 

— Eu...— A voz dele impediu que se afastasse mais ainda. — Não sou bom o suficiente?

Katerina fechou os olhos. 

Desejou poder gritar. 

— Você é mais do que suficiente, Seth. — Disse, odiando-se por fazê-lo duvidar de si mesmo. Katerina acreditava naquilo com todas as suas forças, se o seu coração ao menos tivesse o escolhido, não duvidaria que seria feliz. 

— Então...por que?

— Eu tentei...não me apaixonar por ele. 

— Eu também tentei não me apaixonar por você. — Foi a vez dele de se aproximar, levando suas mãos às dela, sem medo algum de a tocar. 

— Eu não posso mais continuar fazendo isso… eu deveria ter contado antes, eu sei e não tem nada…

— Minta para mim! — Interrompeu-a — Por favor, continue mentindo para mim. 

Kate sentiu suas palavras a deixarem. Queria o segurar perto, por mais egoísta que fosse. 

— Eu não posso! — Soltou suas mãos da dele.

Precisava o deixar ir. 

— Eu nunca tive chance. — Seus lábios se contorceram em um sorriso amargo. 

— Eu amo você, Seth! Eu sempre vou amar você. 

O rosto de Seth se transformou, enfurecido e cheio de angústia, as emoções aos poucos a acumularem em sua garganta, o enforcando aos poucos, roubando-lhe o ar.

— Não da forma como eu te amo. — Katerina pôde enxergar o lobo em suas palavras, enquanto sua voz se banhava em fúria. 

— Eu sinto muito. — Odiou se repetir. Mas, não lhe restava mais nada. Nada poderia ser desfeito. 

— Se eu pudesse a segurar mais uma vez...— Seth tinha passos gentis, porém rápidos — Fazê-la perceber...sentir, o quanto é certo...— O corpo dela alcançou o dela, fazendo-a notar o calor do qual ainda se lembrava, — Não existe ninguém para mim, além de você. — Segurou a mão de Katerina mais uma vez e a posicionou contra seu peito. 

O coração dele batia rápido enquanto a pele dele vibrava à sua vontade, levando-a a escutar os sons que vinham de dentro dele. Seu corpo se movia freneticamente, por dentro, fora de ordem, ainda que em perfeita sintonia. Suas emoções e pensamentos, revelando-se aos poucos, sem a ajuda de seu dom...todos expostos na carne. 

Seth era o calor que jamais poderia ter e a vida que nunca viveu. Ele era a escolha que todos os outros fariam. 

Porém, para Katerina, como pedra, não lhe restava nada a não ser partir-se ao meio. Naquele instante, nada doía mais do que não ser capaz de corresponder aos sentimentos dele. Admitia que ela também o escolheria...Mas, novamente, aquilo nunca havia sido uma escolha. 

Viu-o se aproximar de seu rosto, o coração dele se tornou ainda mais rápido contra seu toque, enquanto seu calor parecia aumentar. Tudo se tornou mais perigoso. 

Seth sentiu as pontas dos dedos de Katerina, afundar contra a carne de seu peito. Katerina repousou sua cabeça contra ele, lentamente e então ele percebeu, que ela se agarrava a ele enquanto o restante de seu corpo se contorcia. 

Notou as veias escuras em sua pele, agora que já não a olhava mais nos olhos. 

Tomou o rosto dela em suas mãos, seus lábios estavam entreabertos, mas percebeu que ela não conseguia falar. Os olhos de Kate embranqueceram.

— Katerina! — Chamou-a, enquanto segurava seu rosto.

Ela não dizia nada, mas suas mãos ainda o apertavam, deixando-o consciente de que ela ainda estava ali. Sentiu as veias em seu pescoço se expandirem sob suas mãos e abrirem caminho em direção ao rosto de Katerina. Sua pele se tornou quente sob seu toque. Pela primeira vez. 

Deitou-a sobre a areia, chamando-a. 

Ela não conseguiu responder. Engasgava à medida que murmúrios incompreensíveis deixavam seus lábios. 

— Por favor...— Ele a trouxe mais para perto. Não conseguia pensar direito, completamente cego pelo próprio desespero. — Seu eu te perder...— As lágrimas mancharam sua bochecha. 

***

— Conseguiu a encontrar? — Carlisle perguntou assim que viu Caius chegar à sala. 

— Não! Eu a ouvi sair mais cedo… não esperava que levasse tanto tempo. 

— É realmente...uma sensação amarga, não saber onde ela está. — Carlisle sorriu. 

Caius sorriu. 

— Algo não está certo. — Olhou para as janelas, procurando por qualquer coisa que pudesse indicar que ela estaria por perto. A inquietante sensação de não a sentir por perto, enquanto o resto do mundo parecia permanecer em seu lugar. 

Em meio ao cenário imaculado, um único pássaro a repousar, alheio a qualquer outra coisa ou a qualquer outro som. 

— É estranho ver você assim…

— Como? — Não tirou seus olhos da janela. 

— Se importando com algo que não seja você mesmo, não parece você. 

—  Eu sei, não é? — Caius ainda não reconhecia a si mesmo e seus sentimentos, tinha certeza deles, mas ainda lhe eram estranhos. 

O pássaro voou para longe e uma pequena gota de orvalho, deixou seu lugar em uma das folhas, arrancada como a lágrima de um estranho. 

O cheiro de água salgada, amargo, acentuado, nada convidativo…

Katerina. 

— Carlisle, Preciso de ajuda! — Seth entrou, mal conseguindo manter a porta no lugar. 

Caius a enxergou nos braços do animal. 

Agulhas a envolveram seus olhos enquanto cacos de vidro desciam por sua garganta. Era como descreveria surpresa e medo juntos. O suficiente para que a indesejada presença da criatura tanto quanto seu cheiro, fossem completamente mascarados a ponto de nem serem notados. 

Não havia nada que enxergasse além de Katerina e seus cabelos molhados, seu cheiro de sal e seus olhos enevoados. 

Caius notou que seu corpo não mais o obedecia, governado pelo instinto, que parecia vir de uma parte em si não muito conhecida. Era intenso e doloroso, bloqueando seus pensamentos ou qualquer manifestação de consciência, um verdadeiro frenesi motivado por algo que não fosse sua sede, mas, que parecia possuir ainda mais poder do que o sangue. 

Não teve qualquer conhecimento do que fez em seguida, perdendo o controle e a noção da ordem dos fatos. 

Seth que tentou colocar-se em seu caminho, foi lançado para o outro lado do cômodo, como se pesasse o equivalente a um peso de papel, partindo uma mesa de vidro e derrubando um dos quadros de uma das paredes como consequência. 

Nem o cheiro de sangue foi capaz de distrair Caius, que no próximo instante, estava de joelhos ao chão enquanto Kate descansava em seus braços. 

— Katerina...— Sussurrou seu nome, com a voz regada em pavor. 

— Deixe-me vê-la...— Carlisle chegou perto, mas Caius não se moveu. 

Os movimentos dela eram enrustidos e pesados, como se congelasse aos poucos. 

Kate agarrou o tecido da camisa de Caius, seus dedos pequenos em contraste ao tecido escuro, fazendo-a parecer ainda mais frágil. 

Por dentro, Katerina sentia-se como se um milhão de correntes segurassem seu corpo enquanto uma imensa pedra repousava sobre seu peito, mantendo-a presa. Estava acordada, mas pouco conseguia ver ou falar. 

Puxou o ar com a força que lhe restava, procurando fazer qualquer som que pudesse.

Sentiu as correntes se romperem.

Estava de volta. Da mesma maneira como tinha ido. De repente. 

Simples assim. 

— Hey! Hey...— Caius procurou a acalmar, enquanto Katerina se tornava mais e mais agitada. 

Ele, por fim, também conseguindo retomar o controle sobre si mesmo. 

— O que está acontecendo? — Seth perguntou a Carlisle, que o ajudava. 

—  Eu estou...— Katerina olhou Caius nos olhos, incapaz de formar uma sentença completa, agitando-se, mal deixando-se segurar. 

Ele segurou seu rosto por entre suas duas mãos, observando seus olhos se tornarem mais e mais escuros.  

— Tudo bem...eu entendo, vamos resolver isso...Carlisle. 

— Eu vou buscar. — Carlisle saiu o mais rápido que pôde. 

— Por favor...— Ela se agarrou ainda mais à sua camisa, enquanto usava tudo de si para se manter no lugar. — Eu...não consigo...— Escondeu seu rosto na curva do pescoço dele, enquanto um breve grunhido deixou seus lábios. 

— Eu estou aqui...— Caius a apertou com força, segurando-a no lugar.

— Dói muito, por favor, faça parar de doer...— As palavras dela, soavam como gritos moldados. Katerina o soltou e levou sua duas mãos contra sua garganta. Era insuportável.

A sede era insuportável.

— Tudo bem, você vai ficar bem...Carlisle? — Caius temia não conseguir a segurar. 

— Eu não consigo parar de escutar — Katerina se voltou para Seth, seus olhos mais escuros do que nunca. — As batidas...são altas demais. — Tapou os ouvidos. 

— Que batidas? — Seth perguntou-a. 

— Do seu coração. 

Avançou em direção ao lobo. 

E teria o atacado se não tivesse sido segurada pela cintura. 

Katerina pôde sentir o cheiro do líquido se aproximando. A única coisa capaz de abafar o som estrondoso do sangue a correr nas veias de Seth.  Chegou em Carlisle antes que ele pudesse a alcançar e arrancou a caixa de isopor de suas mãos. 

As mãos ansiosas de Katerina apanharam a bebida como se nada fosse mais precioso, seus lábios se preencheram pelo veneno e seus dentes formigavam como se em sua gengiva houvesse um milhão de agulhas. 

Não pôde se mover. 

Era doloroso demais continuar segurando, quando sentia que pudesse morrer se não se alimentasse. Jogou a bolsa para longe de si enquanto seu corpo se curvou para trás diante a um espasmo de dor. 

Era sangue humano e Seth estava ali.

Os olhos dela, agora completamente escuros, capturaram os dele. Não conseguia falar, já era muito que conseguisse controlar os grunhidos dentro de si. 

Os olhos de Seth, no entanto, a encaravam, paralisados, enquanto seu rosto se tingia por completo em confusão. Seth não parecia estar disposto a resolver coisa alguma e Katerina notou que aquele não era um olhar que conhecia. 

Katerina encolheu-se, forçando-se a permanecer no lugar. Desviou seus olhos dos de Seth, sentindo-se envergonhada em meio à agonia que sentia. 

Seth caminhou lentamente até Carlisle, temendo que qualquer movimento seu fosse o suficiente para a fazer perder o controle. 

O lobo tomou a bolsa de sangue em suas mãos. 

— Beba. — Ofereceu a ela. 

O líquido estava tão perto que ela sequer pôde recusar. 

Não esperou qualquer outra coisa. Alimentar-se era como, aos poucos, colocar fim em um incêndio, um tecido de cada vez a apagar cada uma das chamas que crescem incessavelmente. O líquido lentamente acalmava a ardência e a dor, mas jamais as eliminavam por completo. 

Caiu ao chão, sentindo seu corpo se aquietar e o juízo retornar. A tortura finalmente tornou-se suportável, porém, não deixava de ser eterna. 

Tinha feito uma bagunça em seu vestido e em seu rosto, tanto quanto em suas mãos. 

Fechou os olhos por alguns segundos, aliviada por ainda estar viva e por, aparentemente, estar de volta a si mesma. Limpou os lábios com as costas das mãos e decidiu não pensar, por hora, no que Alice diria ao perceber que mais um de seus vestidos haviam sido completamente arruinados. 

Seu alívio, porém, não durou muito, quando se lembrou da última cena que tinha enxergado antes de perder seus sentidos. Caius estava ao seu lado para a ajudar a levantar, mas não lhe trazia conforto ver Seth esperar do outro lado da sala, não muito longe. Cada vez mais, sentia-se fora da realidade agora que tudo parecia ter se misturado. 

Muito ainda teria que ser dito, pelos dois, muito a ser resolvido. 

— Por que não me contou? 

— Os lobos não podiam saber, Seth. — Carlisle respondeu por Katerina. 

— Kate… por que esconder de mim? — Ele a acusava e ela podia sentir o calor em seu corpo aumentar. 

— O Carlisle…

— Eu pensava não ser somente um dos lobos para você. 

 — E você não é…

— Mas não sou o bastante para ser um de vocês.

— Pare de dizer que não é bom o bastante, ou não é o suficiente, Seth! — Katerina fechou os olhos ao sentir o peso de suas próprias palavras. — Você não percebe que a culpa não é sua, Seth? Você foi a única decisão certa que eu já tomei. 

Katerina sabia que Caius estava perto o suficiente para a tocar se quisesse, podia o sentir ao seu lado quase o bastante para conhecer seus pensamentos sem os penetrar. Mas, Seth era a consequência que lhe deixaria uma cicatriz. 

— Talvez você tenha sido a decisão errada da qual mais me arrependerei, Katerina. — Seth disse, o branco de seus olhos aos poucos se tornando mais e mais avermelhado. 

— Eu sinto muito. — Katerina, mais uma vez, desejou ter lágrimas para derramar. 

— Pedir desculpas não conserta nada. — Deu-lhe as costas. 

***

A floresta agora não mais parecia ser sua amiga, agora que mal sabia para onde ir. Todas as suas certezas haviam caído por terra, deixando-o cheio de uma confusão da qual não tinha acesso à pontas para desfazer o nó. A cada segundo, as perguntas aumentavam e destas, outras mais surgiam. 

Parou de andar como se tivesse esquecido o caminho que tinha feito todos os dias desde que era criança, nada mais lhe parecendo familiar.

— Seth! — Ouviu a voz de Carlisle. — Será que podemos conversar? — Não esperava que tivessem vindo atrás dele, mas queria que tivesse sido ela. 

Ainda que tivesse dito o que disse. 

Mesmo depois do que ela fez.

Seth permaneceu calado, não sabia o que dizer ou o que fazer. 

— Eu não sei se notou, mas Kate está doente.

Por alguns segundos, não houve barulho algum a não ser aqueles que eram trazidos pela floresta. O lobo permanecia incerto quanto ao que dizer ou até onde deveria escutar. Tinha percebido que Kate estava estranha e que muita coisa havia mudado, mas doença não estava exatamente em seus pensamentos. 

— Quão doente? — Não conteve o que desejava saber. 

— Provavelmente, muito. — Aquilo era algo que Carlisle ainda não havia admitido à si mesmo. 

— Vampiros podem ficar doentes? — A voz de Seth deixava claro o quão pouco sentido tudo aquilo fazia, junto com todo o resto. 

— Ela é a exceção! Kate não consegue se manter às custas de sangue animal e tem se carregado com bolsas de sangue, preciso que saiba que ela jamais tirou a vida de ninguém. 

— Quanto tempo ela está assim? — Suas emoções estavam seladas, escondidas por trás da expressão estática que apresentava. 

— Acho que desde o começo, mas vem piorando nos últimos dias, não sabemos quanto tempo temos...se quiser saber mais, venha mais tarde e a procure… 

Carlisle voltou-se para o caminho que tinha tomado até ali, pretendendo retornar. 

— Carlisle — Seth o impediu de ir, — por que precisa ter certeza de que eu saiba tudo isso? 

— Porque preciso que entenda o que pode acontecer caso conte o que viu para alguém. — Carlisle revelou. — Ela não merece sofrer mais e você sabe disso melhor do que ninguém. 

Seth sabia o que significava. Quando Kate tinha perdido o controle e o atacado, não tinha retornado para casa até ter certeza de que seria capaz de manter aquilo longe de seus pensamentos para que nenhum dos lobos fosse capaz de os escutar. Algo assim, poderia colocar Kate em perigo. 

O que tinha descoberto, no entanto, colocava em risco tudo o que tinha sido ensinado desde que era pequeno. Porém, não era qualquer um em jogo. Se ela tivesse o contado antes, ele teria a aceitado de qualquer maneira. 

Ou aceitado qualquer outra coisa. 

Fazia dias que não voltava para casa e suas razões agora tão pouco faziam sentido. Seth não era mais capaz de dizer estar tão confiante quanto suas prioridades, mas sabia ainda não estar pronto para voltar. 

***

— Kate, eu sinto muito! — Carlisle disse assim que retornou para casa. 

— Eu tô bem. — Forçou-se a esboçar um meio sorriso. — Como ele tá?

— Ele vai ficar bem. — Carlisle sorriu. — Sente-se satisfeita? — Mudou de assunto rapidamente. 

— Por enquanto. Obrigada! — Kate correu as mãos contra os braços. 

— Talvez fosse melhor se trocar antes que os outros cheguem. — Carlisle respondeu. Ele tinha razão, o cheiro de sangue humano não seria bom para os outros. 

Katerina dirigiu-se à escadaria. 

— Caius? — Chamou-o. 

Ele ainda não havia dito qualquer palavra. 

Ou a olhado nos olhos desde então. 

Mas, ainda sim, respondeu ao seu chamado e a seguiu mais uma vez. 

Precisava tirar o sangue de seu corpo e lavar o sal de sua pele e de seus cabelos. Fechou a porta do banheiro assim que ele se juntou a ela. 

— Pode me ajudar? — Virou-se expondo suas costas e os botões do vestido que usava. 

Abriu cada um dos botões lentamente, aos poucos libertando-a do tecido. Pousou a ponta de seus dedos contra a pele revelada sentindo-a desfazer diante ao seu toque. Não haviam muitas veias ali, apenas umas ou outras. Curvou-se cuidadosamente e beijou uma das marcas que existia. 

— Eu sou uma decisão errada? — Sussurrou contra seu corpo. 

— Sim. — Ela se virou, encaixando seu rosto em meio às mãos dele. — Você foi a decisão errada que me guiou a algo extraordinário no final. 

Caius sorriu. 

— Gostaria de ficar assim, com você, para sempre. — Kate sorriu em resposta, aproximando-se um pouco mais ao corpo dele, convidando-o mais para o seu. 

— Talvez não para sempre...mas...muito tempo? 

— Como assim? — Katerina estava completamente derretida por ele e não acreditava que qualquer coisa pudesse a atingir agora. 

— Carlisle e um de seus amigos médicos, encontraram uma solução. 

Se o coração de Katerina batesse, teria parado agora. 

— Como...— Queria realmente acreditar no que tinha acabado de ouvir. 

— Pode haver uma maneira… de a tornar humana outra vez. 

Katerina se afastou.


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