Reino da Magia escrita por semita13


Capítulo 13
Endora, a Bruxa Branca.




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            Victoria conduz as crianças em direção ao castelo. Ricardo está do seu lado esquerdo e Nicolas do lado direito. Serena, Lucius e os outros estão do lado dele. Enquanto caminham, Victoria faz comentários a respeito de cada lugar por onde passam e as crianças a ouvem com atenção. Seguindo pela extensão daquele campo, eles se aproximam da construção retangular, feita de madeira. Era semelhante a uma arquibancada, daquelas usadas para se apreciar os duelos de cavaleiros. Ficava de frente para uma área plana, com algumas rochas nas laterais. Uma arena de competição.

—Esta é a área de treino, crianças! Aqui tem espaço suficiente para vocês praticarem seus dons e lá - ela aponta para a construção de madeira - é onde serão avaliados, competindo entre si. Não quero saber de disputas dentro do castelo, entenderam?

—Competição? - pergunta Serena.

—São os torneios. - lhe diz Sidney, que se aproxima dela por trás. - Aqui é uma área de treinamento.

          Serena olha para ele enquanto Nicolas e Lucius estão desconfiados.

—Ei Lucius! Qual é a desse engomadinho, hein?

—Ainda não descobri. Parece que quer alguma coisa com a Serena. Melhor ficarmos de olho!

—Pode deixar! Se fizer mal pra Serena, eu chuto o traseiro dele.

          Serena olha para o garoto que novamente tenta puxar conversa. Curiosa, decide lhe dar uma chance.

—Você parece conhecer bem este lugar.

—Na verdade é a primeira vez que venho a esta entidade de ensino. Mas todas têm um campo para treinamento. Meu nome é Sidney, Sidney Phelan.

—Eu me chamo Serena, Serena Fitcher.

—Fitcher?

             De repente o semblante de Sidney muda. Ele se cala e aos poucos diminui os passos até se afastar dela, voltando para perto dos seus amigos. Serena não entende sua atitude inesperada, mas nota que ele só passou a agir assim após ouvir seu sobrenome: Fitcher. “Será que é algo relacionado à minha mãe? Victoria também havia comentado algo sobre o meu rosto...”. Serena fica apreensiva e espera que os acontecimentos em Kolkingham não voltem a atormentá-la de novo. Um aroma agradável lhe chama a atenção e a dos outros. É o perfume das flores do Jardim das Delícias. Alguns chegam a fechar os olhos e empinar o nariz, sentindo aquele delicioso odor. O caminho agora passa a ser sinuoso, composto por pedras planas, que formavam um desenho harmonioso no chão. Pequenas árvores, arbustos e flores de vários tipos compõem o cenário. Havia outros caminhos que se ligavam a trilha central e que levavam a outras áreas com mais vegetação, mas para não se perderem, as crianças seguiam a professora Victoria.

—Hum... Jardim das Delícias! Não vejo outro nome melhor para esse lugar, hum... - Lucius.

—Tem razão! Aqui é maravilhoso. E esse cheirinho, hum... - Serena.

—Delícia me lembra comida. Ei, Professora Victoria! O castelo ainda tá longe? Tô com uma fome... - diz Nicolas, esfregando uma das mãos na barriga.

—Já estamos quase lá. Tenha paciência! - responde Victoria - “Esse garoto, só pensa em comida. Espero que não pense em comer minhas flores, hunf! Pelo menos acertou o meu nome”.

—Olhe, Nick! Aquelas flores são margaridas. - indica Serena.

—Hum... Parecem ovos mexidos. Será que não tem nenhuma planta aqui que se pode comer?

—As flores NÃO SÃO PARA COMER! - alerta com veemência a professora - A não ser que você queira morrer envenenado. “Que garoto insolente! Se ele arrancar alguma planta do jardim eu o transformo num sapo. Vai matar a fome comendo moscas”.

            Eles se aproximam do centro do jardim. O chão formava um grande círculo, onde as trilhas se ligavam a ele, como se todas levassem para aquela área. Alguns bancos de pedra rodeavam uma construção circular feita de tijolos. Era baixa, chegava à altura dos joelhos dos garotos, e se assemelha a um chafariz. Mas não havia água no seu interior e sim flores, muitas, de vários tipos que rodeavam uma base circular onde havia no centro uma estátua. Era a estátua de uma mulher trajando um vestido longo de mangas compridas e havia uma armação em suas costas que lembrava um leque, mas com algumas partes quebradas. Aliás, havia partes danificadas na estátua. Os braços estavam estendidos, as mãos abertas, como se recebesse ou desse algo para alguém. E ela olhava para baixo, como se tivesse deixado algo cair no chão. Victoria deixa as crianças e caminha em direção à estátua. Elas param, observando a professora.

—Finalmente chegamos! Crianças, este é o Jardim de Endora!

—Endora? Quem é Endora? - pergunta Nicolas.

—Endora, a Bruxa Branca. - responde Ricardo.

****

           Não muito longe dali, na adarve sobre os portões do castelo, duas pessoas olham atentamente na direção do jardim, entre as ameias, apoiadas sobre o parapeito da muralha. Uma é alta e magra e a outra baixa e gorda. A primeira tem os cabelos pretos, lisos, cheios, que iam até seus ombros e cujas pontas estavam penteadas voltadas para cima. De longe parecia que ela estava encapuzada. A outra tem os cabelos castanho, curtos e encaracolados. Sua fisionomia é a de uma senhora beirando os cinquenta anos. A primeira, uns trinta anos. Ambas estão curiosas e ansiosas.

—Consegue ver alguma coisa, Hilda? Minha visão já não é mais a mesma. - diz a senhora de cabelos curtos, abanando uma das mãos próxima ao rosto - Ah, como eu queria que chegassem logo, estou tão emocionada! Espero que estejam bem.

—Não tem nenhum problema em sua visão, Flora! Eu também não vejo ninguém. Mas que demora! Victoria deve estar explicando tudo, detalhe por detalhe. Essa menina gosta de complicar as coisas! - responde a outra - Não sei por que ela não quis que fôssemos junto receber os garotos. Acho que é pura vaidade dela.

—Também acho. Ei, onde está o Mark? Ainda não voltou dos exercícios matinais na floresta?

          Hilda olha de um lado para o outro por toda extensão de terra à sua frente.

—Ainda não! Victoria não vai gostar nem um pouco se ele não estiver aqui para receber os novos alunos. Ele tem andado estranho ultimamente. Vai ver é por causa da mudança da lua.

—Ou então deve estar tão nervoso quanto nós, amiga!

           Ambas riam, mas logo se debruçam na mureta e voltam a procurar Victoria e as crianças.

****

—Endora, a Bruxa Branca? - pergunta Nicolas.

          Victoria vira-se para as crianças, parecia emocionada. E olhando para cada rostinho curioso que a encara, enche os pulmões de ar e lhes fala sobre Endora.

—Vejam! Esta é a estátua de Endora. Ela foi a diretora dessa entidade de ensino e uma das mais queridas professoras dessa escola. Sempre calma e serena, desfilava pelo castelo com seu vestido branco, irradiava luz e sabedoria por onde passava. Eu fiz o Jardim das Delícias e dentro dele, a Praça da Bruxa Branca, o Jardim de Endora, em memória dessa pessoa que combateu o mal em prol de uma causa que ela desconhecia, mas depois a abraçou e a tratou com todo o carinho do mundo: a nossa existência. Então eu tive a honra de assumir o posto de diretora dessa escola no lugar de minha mestra.

—Então a senhora além de professora é também a diretora dessa escola? - pergunta Serena, obtendo a resposta por meio de um gesto afirmativa de Victoria com a cabeça.

—Aqui é uma escola? Mas que escola é essa? - pergunta Nicolas.

—Escola Preparatória de Aprendizes, mocinho. E por enquanto é só o que você irá saber.

         Nicolas sente que a professora pretende ignorá-lo novamente. Não apenas ele, mas também seus colegas. Parece que ela não via a hora de deixar os outros em segurança no castelo e depois expulsá-lo com seus amigos daquela propriedade. Mas ele não pretende sair dali de mãos abanando. Victoria volta a falar de Endora.

—Poucos conhecem a história dessa adorável pessoa que nos deixou de maneira tão inesperada. Seu feito jamais será esquecido...

—Peraí! Aqui é um mausoléu? Essa mulher tá enterrada aqui? - diz Nicolas - Agora eu entendo... Flores, estátua... Isso aqui é um cemitério particular.

—Você não sabe de nada, Pivete! - retruca Ricardo - A diretora Endora foi uma pessoa muito importante na nossa sociedade. E mesmo que aqui seja o seu lugar de descanso, você deve pelo menos tratá-la com mais respeito. Ela deu sua vida na luta contra Samantha...

—Chega Ricardo! - interrompe a diretora, antes que o garoto fale mais do que devia - Não gaste sua saliva à toa. Já deu para perceber que ele não demonstra respeito nem com as pessoas de pedra.

—E pelo visto nem os passarinhos. Olha! Tem cocô na cabeça da estátua.

          Imediatamente todos olham curiosos para onde Nicolas apontava.

—Esse garoto tá querendo ser expulso antes de entrar na escola. - Renan.

—Se é que vai para a escola. - Paula.

—Aí! Parece que ele tá certo. Tem uma mancha branca lá em cima. - diz Alisson, forçando a vista para poder enxergar melhor.

—Você também quer ser expulso, Alisson. Silêncio! - alerta Sidney.

—Mas o que é que você está dizendo, menino? - interroga a professora, virando-se para ele com uma cara enfezada. - Você não percebe que as manchas brancas espalhadas pela estátua são do minério usado para confeccioná-la?  Você acha que ela era conhecida como Bruxa Branca por causa do... E que conversa é essa de... Cocô? Olha! Olha! É o reflexo do Sol sobre a cabeça da estátua.

—Pra mim tá parecendo outra coisa - insiste Nicolas - Ninguém percebeu porque as flores encobrem o cheiro. E quer saber? Por quanto tempo mais vamos ficar aqui ouvindo estória de gente morta?

—CHEGA! - grita a professora, logo percebendo que se excedeu, vendo os olhares assustados. Então ela fecha os olhos, respira fundo e volta a falar com tranquilidade. - Digamos que você esteja certo, que aqui é um mausoléu. Só isso já deixa claro que devemos respeito a essa pessoa. O ato de Endora é comparado ao de alguém que morreria para defender aquilo que ama. É como um pai ou uma mãe que defende seu filho de uma injustiça. Ela foi como uma mãe não apenas para mim, mas para muitos. Ela morreu para que muitos vivessem. Se você não tem respeito a isso, não sei que tipo de criatura você é. Dentre tantas criaturas místicas, não conheci nenhuma que não tivesse coração.

          Nicolas fica calado e recua. Ele percebe que exagerou nas provocações, mas a fome o deixava irritado, além das atitudes de Victoria e Ricardo. O fato de ela ter mencionado as palavras pai e mãe o faz lembrar de Arthur e Rose e do que eles seriam capazes de fazer para defendê-lo, o que os levariam ao Auto de fé assim que as autoridades descobrissem quem e o que realmente ele é. A professora volta a caminhar e os alunos a acompanham. Eles deixam a praça da bruxa e passando por uma trilha de pedras saem do Jardim das Delícias entrando numa pequena área descampada de onde se podia ver toda a frente do castelo. A muralha do castelo não era de formato quadrado. É composta por três linhas. A central, reta, de onde se podem ver cinco lances de escada que levavam a um portão, cuja parte superior formava um semicírculo. As partes laterais da muralha que se alinhavam a central eram voltadas para dentro, levando a crer que a muralha do castelo é de forma octogonal. No último degrau da escada, um pouco a frente, nas laterais, havia duas estátuas que inicialmente Nicolas achou que se tratava de serpentes marinhas, mas ao se aproximar notou que eram dragões cujos corpos estavam enrolados em pequenos pilares e com a parte superior apoiada no topo, com a cabeça sobre as patas dianteiras, olhando com uma boca cheia de dentes para frente.

—Puxa! Como essa mulher gosta de estátuas, hein! - diz Nicolas.

—Deve ser uma colecionadora. - complementa Lucius, logo se calando ao perceber um olhar da professora para eles.

           Os portões se abrem e dele saem duas mulheres, as mesmas que observavam da muralha a chegada do grupo. Sorridentes e ansiosas, elas se apressam em ir ao encontro deles.

—Sejam bem-vindos ao Castelo de Merlin! - dizem ao mesmo tempo.

—Eu já disse isso, senhoras. - responde Victoria - Bem, crianças! Essas são as...

—Não, não, não, Vick! Pode deixar que nós nos apresentamos. Afinal, esperamos tanto por esse momento, ih, ih...

—Então deixe que eu me apresente primeiro! - exclamou uma senhora alta e magra, usando um vestido azul que ia até os joelhos, revelando as poucas curvas do seu corpo; de mangas compridas com as extremidades largas, que destacavam suas mãos brancas e finas e mostrando que ela usava outra roupa branca por baixo; calçava botas pretas com cadarços brancos que iam até onde terminava o vestido.  - Eu me chamo Hilda Trevor! Encarregada de ministrar aulas sobre Anatomia, Ciências, Medicina... Além de cuidar da saúde física e mental de todos. Sou uma pessoa muito dedicada e curiosa. Adoro fazer pesquisas e experimentos, portanto, vamos nos divertir muito...

—Minha vez, minha vez! - pede a palavra a outra senhora. Mais baixa que sua amiga e com mais massa corporal, seu jeito lembrava aquelas avós felizes ao receber a visita dos netos. Está com um vestido longo, de cor verde claro com uma sobreveste de tom escuro, mais volumoso e comprido do que o de sua colega. Não se podia ver o que calçava. - Sou Flora Horst! Há anos professora dessa adorável entidade de ensino, onde ministro aulas de Estudos Naturais, Cosmologia, Comunicação Social... Enfim, é tanta coisa que não quero deixá-los preocupados, não é mesmo?

          Enquanto Victoria e suas amigas começam uma conversa particular, Nicolas expõem seu plano aos seus amigos.

—É o seguinte, pessoal! Lucius e eu vamos dar uma vasculhada no castelo pra ver onde eles guardam a comida. Enquanto isso, vocês seguem a professora para ela não desconfiar de nada. Quando encontrarmos o lugar, a gente volta a se reunir e quando todos estiverem dormindo a gente pega o que precisa e vamos embora daqui.

—Precisamos de roupas também! - alerta Gabrielle.

—Mas e quanto à vigilância do castelo, hein, Nick? - pergunta Lucius.

—Bom... Se pegarem a gente, dissemos que somos alunos, primeiro dia, não conhecemos o castelo direito... Não se preocupe, a gente dá um jeito!

—Não sei não, Nick! - adverte Serena - A professora já está olhando meio torto para gente. E se fizermos algo que não a agrade, podemos até ser expulso ou mesmo punidos.

—É você que não entende, Cabelo de Fogo, porque não ouviu a conversa dela com aquele Pó de arroz. Ela não vai nos aceitar na escola! Só não colocou a gente pra fora ainda pra não fazer feio na frente dos engomadinhos, filhos de gente da corte. Assim que ela nos chamar para uma conversa particular, vamos tomar um belo chute no traseiro. Então, tá combinado assim?

          Eles entram em acordo e decidem seguir o plano de Nicolas. Antes de deixar o grupo, Lucius é segurado pelo braço por Serena.

—Lucius! Fique de olho nele, não o deixe entrar em encrenca.

—Não deixar o Nick entrar em encrenca é meio difícil, mas eu vou tentar.

          Nicolas vai para frente do castelo, seguido por Lucius. Os alunos conversam enquanto esperam a professora Victoria.

—E então, está tudo pronto?

—Sim, Vick! - responde Flora - Pode ficar tranquila! Estamos seguindo o cronograma. Mas eu achava que viriam mais alunos.

—Eu também tinha essa esperança, Flora! Bem, onde está Mark?

—Ele ainda não voltou do seu treino matinal. - diz Hilda - Mas não se preocupe! Ele já já estará aqui. Nós também iremos ajudar a olhar as crianças.

          Ela olha meio sem graça para as professoras, mas ao virar-se para as crianças, muda a fisionomia.

—Bem, crianças! Como dito antes, estas são as professoras Hilda e Flora, que também irão acompanhar o desenvolvimento de vocês durante o período letivo. A professora Flora é a professora mais antiga da escola e a mais experiente de nossa classe.

—Mais antiga? Quer dizer mais velha que você? - pergunta Nicolas, olhando para as professoras pelo menos duas vezes, parando o olhar na diretora - Nossa! Como você tá acabada!

—Mas que modos são esses, seu... - reclama Victoria, percebendo que Nicolas se referia a ela ao mencionar ‘acabada’.

—Releve Victoria, releve! Ele é apenas uma criança. - diz Flora, de maneira meiga e gentil.

          Hilda permanece inerte enquanto Flora retribui o elogio com um sorriso e Victoria respira fundo (novamente) e volta a se acalmar. Em seguida ela convida todos a entrarem na propriedade.


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