Humano outra vez escrita por Elvish Song


Capítulo 4
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Notas iniciais do capítulo

Oláááááá! Tudo bem? Sim, eu sei que demorei uma eternidade, mas fiquei completamente travada nessa história. Agradecimentos infinitos à Sra Fantasma, que foi a responsável por acabar com meu bloqueio! Assim, esse capítulo é para você, linda!!!



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                O rei enviara como seu representante um jovem visconde, Robert D’holande, um rapaz cuja idade devia ser próxima à de Bela ou Adam. Vestia-se com trajes finos, tingidos de púrpura, e usava a peruca empoada sobre os cabelos... Parecia pronto a entrar em um baile real, em vez de um homem que viajara desde Versalhes até Lamarche... Ao ver o casal, por um instante seu semblante foi de surpresa, mas ante a anunciação de Horloge, tratou de executar uma elegante mesura:

                - Monsieur e Madame de Lamarche, é um grande prazer conhecê-los! – o desdém em seu rosto, porém, desmentia claramente suas palavras. Fingindo não perceber a arrogância nada discreta do outro, o conde e a condessa se curvaram, e Bela falou primeiro:

                - Bem-vindo ao condado, Excelência. – mais uma vez, o visitante estava perplexo, agora por ter sido a condessa, e não o conde a lhe dirigir a palavra. Hesitante, tomou a mão da dama e beijou respeitosamente seus dedos, horrorizado ao perceber que tocava a pele nua das mãos bonitas, em vez de uma luva. Mas que tipo de criatura selvagem o jovem conde tomara por esposa?! Vestida daquele modo grosseiro, com roupas que mais pareciam as de uma camponesa, os cabelos atados numa simples fita de cetim... Era belíssima, isso era fato, mas vestia-se de modo absurdamente indecoroso, com saias que deixavam à mostra seus tornozelos, sapatilhas de pano, a pele despudoradamente corada de quem jamais fizera uma sangria e que certamente se expunha frequentemente ao Sol... Céus, ela parecia ser mais uma criada do que uma nobre!

                - Obrigado, madame. – O modo como torceu o lábio não passou despercebido a Adam, que foi mais incisivo:

                - A que devemos a visita de um enviado real, tão inesperadamente?

                - Ah, sim, bem... – Robert estava chocado: que tipo de modos eram aqueles! Jamais alguém ia tão diretamente ao ponto, numa conversa, especialmente ao receber um visitante! Mas o conde percebeu a própria gafe, e tratou de remediá-la:

                - Mas onde estão meus modos, afinal? Pedirei que o alojem adequadamente, Monsieur, de modo que possa descansar da viagem e se recompor, e então falaremos durante o almoço. – com um olhar para Horloge, o mordomo compreendeu o pedido do amo e tratou de chamar pajens para levar os pertences do recém-chegado e o guiarem até os aposentos de hóspedes.

                 Uma vez sozinhos, Bela mordeu os lábios, nervosa, e comentou com seu esposo:
                - Reparou o modo como ele nos olhou? Acho que não passamos uma boa impressão...

                - Ele tampouco o fez, chegando sem se fazer anunciar de antemão. – respondeu o conde – se esperava ser recebido com pompas e honrarias, que nos houvesse avisado de sua iminente viagem. Visconde ou não, não é desse modo que se chega à casa de alguém, seja nobre ou plebeu.

                - Não estou reconhecendo meu marido! – riu-se a garota – desde quando você se importa com o que é ou não socialmente adequado?

                - Desde que ele interrompeu nossa manhã juntos e ousou olhar para você de um modo que não me agradou nem um pouco. – ele acariciou o rosto de Bela – não deixarei que a tenham em baixo conceito por você ser como é. Agora é minha esposa, e vão trata-la com o respeito que você merece.

                - Adam, está falando como uma fera, de novo...

                - Torno-me uma, se for o preço para impedir que essas víboras a maltratem, meu amor – ele tocou a fronte de Bela com a sua – agora eu me lembro melhor de como eram as coisas, antes da maldição, e os ensinamentos de Horloge também me ajudam a saber muito bem o quão hostil é o meio no qual estamos. Não existe lealdade entre os nobres, e eles farão o possível para massacrar e espezinhar quem pensam ser uma ameaça, ou inferior a eles. – ele a abraçou protetoramente – não deixarei que o façam com você.

                - Ah, Adam – ela ergueu a cabeça – sei que quer me proteger, querido, mas eu sou capaz de me afirmar perante essas criaturas descerebradas. Se me julgam por ter nascido plebeia, por me vestir de modo simples ou por qualquer outro motivo, saberei fazê-los se calar. E não sou uma tola que se deixe envolver por trapaças e armadilhas.

                - Não. Não é. – o conde beijou a mão de sua amada – e sua força foi uma das coisas que me encantou. Mas não culpe um homem por querer proteger seu tesouro mais precioso.

                Ela sorriu e o beijou novamente, antes de dizer:

                - Bem, já que nossa manhã foi tão abruptamente encerrada, creio que eu tenha de falar com Madame Samovar e Chef Flambère, para que o almoço esteja “à altura” de nosso hóspede – os trejeitos que ela executou, numa imitação cômica do recém-chegado, fez com que o moço gargalhasse.

                - Imagino que seja minha função, então, entretê-lo e levá-lo a ver o condado...

                - Podemos fazer isso juntos. – afirmou Bela – melhor conferir se o livro-caixa está em dia... A menos que queira trocar as tarefas? – ela provocou novamente, sabendo que Adam detestava quando precisava falar sobre preparo de refeições ou coisas a fim, enquanto sua esposa era bastante habilidosa em contabilidade.

                - Quando eu ficar louco, talvez. – ele sorria – mas aceitarei com prazer a companhia no escritório, depois que falar com Madame Samovar.

                - Vai é querer que eu faça as contas em seu lugar! – ela provocou de novo, antes de sair correndo aos risos rumo às cozinhas, sem dar ao jovem tempo de retrucar.

                Adam a viu desaparecer nos corredores com um sorriso bobo: sentia-se cada dia mais apaixonado por aquela mulher incrível e maravilhosa! Haveria alguém com mais sorte, no mundo?

***

                Robert olhou para a mesa impecavelmente posta, e então para seus anfitriões, que haviam colocado trajes melhores do que os da manhã, mas ainda assim vestes indignas de alguém com algum título de nobreza! Pareciam membros da burguesia, não de uma corte!

                - Monsieur – Adam fez uma breve mesura – espero que tenha sido bem acomodado.

                - O serviço foi excelente, Milorde – declarou o visconde – agradeço por sua hospitalidade, especialmente ante minha indecorosa visita inesperada, mas o rei me enviou, e não se diz não a Sua Majestade.

                - é compreensível. – Bela se sentou quando seu amado puxou a cadeira para ela, sorrindo-lhe em gratidão. Assim que o conde se sentou, ela se dirigiu outra vez ao convidado – que bons ventos o trazem, então, Monsieur?

                O visconde estava atônito: não era nada esperado que a mulher se dirigisse aos convidados... Tinha medo de responder e afrontá-la, mas aquela camponesa a se passar por nobre certamente não saberia reconhecer uma indecência, mesmo que fosse a mais ultrajante! Assim, respondeu polidamente:

                - Nosso soberano, Luís XV, está saudoso de seu primo. O príncipe da França e Conde de Lamarche não se apresenta à corte há cinco anos, e Sua Majestade se preocupou que algo pudesse estar errado no condado, ainda que os impostos e documentos estejam em perfeita ordem.

                - Como pode ver – disse Adam – está tudo na mais perfeita ordem. Porém, ao contrário de meu primo, nosso caro soberano, não sou afeito à vida da corte, e prefiro a vida mais calma do campo. Ainda assim, se for o desejo de Sua Majestade, minha esposa e eu teremos o maior prazer em atender a seu chamado.

                - É bom que assim seja, pois o rei deseja vê-lo o quão breve possível! Dentro das próximas semanas, se possível, para participar da temporada de caça!

                - Pois bem, lamentavelmente eu terei de declinar. – Bela mordeu discretamente os lábios ao ouvir a resposta de Adam: ele realmente negara abertamente uma ordem velada do rei? – Creio que esteja de posse do conhecimento acerca da oficialização de meu casamento com Madame Bela de Lamarche, sim?

                - Correm rumores, de fato, Monsieur.

                - Pois bem, seria uma indelicadeza deixar minha esposa sozinha às vésperas de uma celebração de tal porte. Além disso, sabemos o quanto caçadas são longas... Devo estar presente para a cerimônia oficial, e não perdido numa floresta atrás de um cervo ou javali.

                O visconde estava praticamente em pânico: nunca havia retornado ao rei com uma resposta negativa, ainda que fosse de um príncipe!

                - Eu não creio que nosso rei gostará de tal resposta...

                - Não estou me recusando a atender ao pedido de meu parente. Jamais!  - era impressionante o modo como ele aprendera a se mostrar seguro naquele tipo de situação – apenas peço encarecidamente que ele reconsidere os prazos estipulados. Afinal, os preparativos se encaminham para o final, e a gente do condado aguarda ansiosamente por esta festa. Como eu poderia frustrar minha esposa e os moradores daqui com um adiamento de algo planejado há quase um ano?

                - O rei não irá gostar nada disso!

                - Luís irá entender. Ele me conhece, afinal: teimosia é traço de família. – os pratos começaram a ser servidos, e Bela interveio antes que a conversa se tornasse mais tensa:

                - Mas é claro, pode-se encontrar um meio-termo: Adam poderia apresentar-se à corte e falar pessoalmente com Sua Majestade. Atender ao convite, sem participar de toda a temporada de caça. – ela olhou para o esposo, que sorriu e lhe piscou um olho discretamente – mesmo porque não quero ficar viúva antes mesmo de oficializarmos nossa união!

                - É o que pensa de mim, minha esposa? – ele sorriu – que eu seria facilmente morto numa caçada?

                - O primeiro javali que encontrasse acabaria com você. – ela riu baixinho – já faz algum tempo que não caça, afinal. – Robert olhou, escandalizado, o Conde rir baixinho e anuir:

                - não posso dizer que isso está totalmente errado. Mesmo porque, caçadas a cavalo, com cães e companheiros armados não eram meu estilo. – ele olhou para a esposa, que baixou os olhos para conter o riso: decididamente, uma caçada real nada tinha a ver com as caçadas de Adam em seus tempos de Fera.

                - Não creio que o rei ficará satisfeito com este arranjo, Excelência. – declarou o visconde – Sua Majestade pode ser bastante intransigente, e eu não gostaria de ser o portador de notícias acerca de uma recusa.

                - Pois bem, não seja – disse Adam – diga apenas que aceito o convite para ir a Versalhes. Quanto a minha recusa em participar das caçadas, eu mesmo poderei falar com meu primo, e explicar-lhe a situação.

                - Como achar melhor, meu senhor. Embora eu deva alertá-lo tratar-se de um grande risco, recusar-se de tal modo a atender os desejos de nosso rei.

                - A nobreza está pouco acostumada a ouvir “não” – disse Adam – aprendi por conta própria que frustrações são algo importante na vida. Evita que se torne tediosa demais. – e ao ver a perplexidade do outro – parece incomodado com algo, Visconde.

                - Não, Monsieur Lamarche. Apenas... Surpreso. As coisas aqui são diferentes do restante da França. – ele lançou um olhar quase acusador para Bela, como se ela fosse a causadora de tamanhos absurdos. Não deixava de ser, era verdade, mas Adam se preparou para defender sua amada que, contudo, soube lidar muito bem com o infeliz “convidado”:

                - Seria tão tedioso e desinteressante se o mundo fosse homogêneo, não seria, Monsieur d’holande? Este é um lugar diferente, portanto as coisas ocorrem de modo diverso à Corte. O que não significa, necessariamente, algo negativo. Há pouco a se aprender com o já conhecido, mas o diverso abre-nos um mundo de possibilidades.

                O Visconde estava cada vez mais em dúvida quanto a se devia ficar fascinado ou horrorizado por aquela mulher:

                - Madame, parece ter uma visão peculiar do mundo.

                - Uma visão que não o agrada, claramente. – Adam se segurou para não rir: Bela podia ser tão direta quanto uma flecha disparada, mas sem jamais perder a elegância – talvez, Monsieur, se tentar enxergar pelos olhos de outra pessoa, possa descobrir que o mundo é um lugar mais fascinante do que supõe.

                - Madame, por favor: eu não sei a que... “Visão de mundo” está habituada, mas, no mundo da nobreza, uma dama não deveria causar desconforto aos hóspedes de seu marido... – suas palavras foram interrompidas pelo som do punho cerrado de Adam batendo com força na mesa; o visconde se virou para seu anfitrião, cuja raiva parecia quase transfigurá-lo enquanto dizia:

                - E neste “mundo da nobreza”, um convidado que insulta minha esposa não é bem-vindo em minha casa. – ele se levantou – termine a refeição, visconde, e haverá uma carruagem esperando para leva-lo de volta a Versalhes.

                - Conde de Lamarche, eu...

                - Considere-se com sorte, visconde. – disse Adam, ignorando o olhar de censura de Bela – houve um tempo em que não estaria mais vivo, por sua grosseria. Sua mensagem está transmitida, e minha resposta ao rei é: irei até ele, COM minha mulher, dentro de duas semanas. – ele se irou para Bela – Bela, pode vir comigo, por favor?

                - Adam!

                - Por. Favor. – pediu ele, entre dentes – o Visconde não parece muito interessado no que é apropriado ou não, já que destrata a esposa de seu anfitrião. – ele fazia um enorme esforço para não agir como teria agido anteriormente, pois sua ânsia era de degolar o inconveniente mensageiro. – E já que não nos veremos mais, monsieur, faça uma boa viagem.

*

                - Adam, você enlouqueceu? – perguntou Bela, quando saíram para o jardim que circundava o palácio – quebrou TODAS as leis da hospitalidade!

                - Reagi quando ele quebrou TODOS os códigos de conduta de um hóspede. – retrucou o príncipe, furioso – não percebeu o que ele fez, Bela? Ele desdenhou de suas origens. Desacatou-a em seu próprio lar! Não vou consentir isso!

                - De acordo com você, vamos juntos à corte. Ele não será o último a me subestimar ou destratar, e você não poderá agir assim com todos, ou acabaremos com as cabeças cortadas! – ela segurou o rosto do marido – precisa se controlar, e ficar acima disso. Não pode deixar as palavras de homens arrogantes e fúteis tirarem sua calma e autocontrole porque, nós dois sabemos, isso ainda pode acarretar a morte de alguém! – a garota suspirou – tornou-se um homem muito melhor, meu amor... Não regrida ao que era, antes de nos conhecermos, por favor.

                Ela viu a raiva aos poucos se esvair do rosto de seu marido, e deu um sorriso carinhoso; já calmo, ele beijou sua testa e falou:

                - Você está certa, querida. – ele se afastou, enterrando os dedos no cabelo, claramente tenso – nessas horas eu sinto saudade de ser uma fera. Quando me lembro desta podridão que é a vida da corte!

                - Não a nossa vida. – respondeu a dama – não somos como eles.

                - Isso não nos coloca exatamente em vantagem. – ele se sentou no chão, encostado à parede – essa viagem é uma péssima ideia.

                - Não. – ela se ajoelhou ao lado dele, acariciando seu rosto – é um teste. Já enfrentamos outros, e vamos enfrentar mais este. Juntos.

                O homem segurou a mão de sua esposa com firmeza e lhe sorriu sem muita alegria, mas com inegável cumplicidade ao dizer:

                - Juntos, então. Prepare-se, condessa: parece que teremos de ir a Versalhes. – no fundo de seu coração, contudo, Adam sabia que aquela era a pior ideia que já tivera.


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Notas finais do capítulo

E então? Mereço Reviews? Gostaram, odiaram? O que esperam para os próximos capítulos?

Beijos enormes, amores!



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