Durante o Fim escrita por Van Vet


Capítulo 55
Décimo Quarto Dia - Rony




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Cuidadosamente, se firmando na ponta dos pés, Rony ergueu a cabeça e olhou pela janelinha do porão, na direção da extinta floresta. De início ele não entendeu o que estava vendo, os Tripods, que haviam retornado no dia anterior, pareciam ter gostado daquele vale e estabelecido lugar. Ele apurou a visão, acompanhando uma das máquinas caminhar desengonçadamente para longe, quase trombando numa outra, que voltava pelo mesmo percurso. Estavam há, mais ou menos, cem metros da casa, mas suas engrenagens rangentes chegavam até os ouvidos dos habitantes escondidos do porão.

 

    Ele focou a atenção novamente, empenhado em tentar descobrir porque eles formavam um ecossistema novo. Raízes vermelhas atapetavam o chão e uma gosma misteriosa cobria a terra. A pergunta mais relevante do que “Por quê?” era “Como?” ou “Com o que?” aquelas coisas estavam tingindo o mundo lá fora.

ーO que é isso que eles estão soltando no mato? ー uma voz de garota murmurou para ele.

 

    Rony se sobressaltou, quase se desequilibrando e caindo sobre os colchões. Rose fitou o pai, despretensiosa, como se não fosse nada demais ela ter entrado no quarto de fininho, empilhado dois sacos de mantimentos em cima de uma cadeira e ter ficado na altura dele para poder enxergar através da janela.

 

ー Rose… não é seguro ficar olhando aí ー ele a alertou em outro sussurro. Era somente assim que falavam dentro daqueles cômodos, após o retorno dos aliens. Se eles possuíam super poder bélico e capacidade de viagem interespacial, na certa também tinham bons ouvidos.  

 

ー Eu não consigo entender… Isso é muito estranho ー Rose ignorou o chamado do pai, sondando a vegetação vermelho-sangue com uma voz assombrada… e intrigada.

 

     O ruivo suspirou fundo e tirou-a de lá, pegando-a pela cintura.

 

ー Ah, pai, para de ser chato…

 

ー Também estou tão intrigado quanto você, mas tenho medo que uma dessas coisas nos encontrem…

 

   Ela o olhou contrariada, mas concordou, cansada de querer argumentar. O tédio e o pavor, duas coisas que esgotavam a mente humana quando em pares. Cabisbaixa, começou a se retirar do quarto, porém foi puxada pelo pai outra vez. Ele a abraçou forte. Queria dizer que estava muito assustado que aquilo não terminasse bem, mas, ao invés disso, pediu que ela fosse tentar se distrair com Hugo na sala e chamasse Hermione para conversarem rapidamente. Rose acatou numa docilidade que nem de longe seria a sua normal, se desfez do abraço dele e saiu do cômodo. Segundos depois, quem entrava pela mesma porta, era Hermione:

 

ー Oi…

 

ー Oi ー Rony sorriu para esposa, sentando no chão, as costas apoiadas contra a parede.

 

ー O que houve? ー ela aproximou-se dele, a expressão ansiosa.

 

ーQueria te ver.

 

ー Ah…  ー ela sorriu fracamente, indo sentar ao lado do ruivo ー Tudo bem?

 

ー Não… ー ele respondeu com sinceridade.

 

   Hermione passou o braço por trás dele e acariciou sua nuca. As unhas, roídas e quebradiças, coçaram a pele dele depositando carinho no toque.

 

ー Cadê o Smith?

 

ー Aquele maluco tá no quarto de armas ー ela resmungou, parecendo aborrecida.

 

  Smith vinha piorando a cada dia. As pregações religiosas não tinham mais hora para acabar; O homem cochilava alguns minutos e já acordava dizendo que todos eles não eram resgatados por Deus, de uma vez por todas, porque haviam se tornado pecadores. Somente o fogo eterno os aguardava. Vivendo sob constante vigília dos inimigos não tinha nada de sábio fazer barulhos desnecessários pelos cômodos, justamente o contrário do que o ex- Major provocava. Quando ele se trancava no quarto, Rony e Hermione sentiam receio que ele estivesse armando alguma forma de explodir à todos… Era um medo à mais. Um medo que não podiam se dar ao luxo de sentir.

 

ー Por que ninguém está conseguindo destruir essas coisas? ー Rony quebrou o silêncio pensativo que havia se instalado ao redor do casal.

 

ー Me pergunto isso todo o momento…

 

ー Nós temos caças-supersônicos, mísseis teleguiados, satélites com poder de destruição direcionada… Somos o melhor exército do mundo…! Por que? Por que?

 

ー Talvez nós os tenhamos subestimado logo que chegaram e, agora, não tem mais retorno ー Hermione comentou, sem esperanças.

 

  Rony sentiu uma vontade imensa de fundir-se nos braços da morena, passando o braço ao redor da cintura dela e trazendo para o mais próximo possível do corpo dele. Hermione concordou com a aproximação repentina, o abraçando pelo pescoço enquanto beijava sua bochecha.

 

ー Eu só não queria morrer ー ele disse, amargurado ー Queria ter mais uns quarenta anos ao seu lado. Sentir seu cheiro toda a manhã. Brigar por coisas idiotas, mas fazer as pazes minutos depois… Continuar trabalhando naquele porto monótono, contando piadas sem graça e aproveitando o intervalo para tomar café na máquina de expresso que fica na sala da chefia... Comprar uns cinquenta gatos para Rose me perdoar de uma vez por todas…

 

ー Ela já te perdoou…

 

ー ...Ver Hugo se casar e nos dar uma dúzia de netos tão ruivos quanto eu e meus irmãos…

 

ー E Rose? ー Hermione perguntou, confusa.

 

ー Rose não parece ser o tipo que dará uma penca de netos para nós… É mais provável que dê um casal de Golden Retrievers para cuidarmos enquanto viaja pelo mundo ー disse sonhadoramente, fazendo a esposa rir de leve no meio da emoção.

 

ー Você tá certo… ー ela concordou.

 

  Mal terminaram de se abraçar e Smith abriu a porta do quarto, olhos ensandecidos, encaminhando-se para perto deles, Rony chegando a puxar Hermione para longe do homem, pensando que ele atentaria algo contra os dois. Ao invés disso, Smith pisou pelos colchões com suas botinas sujas e espiou pela janela a agitação lá fora. Após alguns instantes de entendimento, levou a mão a boca, semblante perplexo, e caminhou tropegamente para fora, gritando que o inferno não perdoaria.

 

   Assustados pela comoção exagerada do sujeito, Rony e Hermione se postaram em pé e esticaram-se para observar o que ele havia visto. O coração de Rony congelou ao ver um ser humano vivo sendo jogado no chão gosmento e vermelho, após ser expelido por um compartimento no ventre da nave, posicionado de barriga para cima, contra sua vontade - gritando e se debatendo - ao mesmo tempo que uma sonda de perfuração era introduzida em seu abdômen, sugando seu corpo todo e transformando-o numa seiva viscosa, para a seguir pulverizar o ar e adensar a camada vermelho-sangue do solo.       


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