Segundos do Coração escrita por Débora Ribeiro


Capítulo 2
Capítulo 2




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Capítulo 2 - Freyre

O jantar com Tobias e seus filhos foi tão ruim que em um momento, Apollo simplesmente fingiu falar com alguém em seu celular para sair da mesa. Eu não os culpava, longe disso.

Eu era a estranha que estava invadindo sua casa.

Brian, era o mais falador, e sempre fazia algum comentário ou uma pergunta a mim, coisas envolvendo parto de vacas e éguas, acho que ele esperava me constranger o que me levava a bufar constantemente.

Pela primeira vez na vida ignorei as mensagens de Ana, eu teria que lidar com ela depois. Não conseguir pregar os olhos a noite, tudo naquela casa era errado ou estranho, não era minha casa e com esses pensamentos eu chorei por um bom tempo. Quando finalmente me levantei, vi roupas dobradas sobre a penteadeira, definitivamente um uniforme escolar.

Bem, pelo visto eu iria para a escola naquele dia.

Minhas mãos tremiam quando puxei a saia cinza e a camiseta com um ridículo laço na frente, aquilo parecia uma fantasia e não um uniforme. Para completar, meias que provavelmente iriam até o meio das minhas canelas e um par de All Stars pretos.

Se Ana me visse naquilo riria de mim até o próximo ano.

Suspiro e passo a mão pelos olhos, seguindo para o banheiro para me arrumar, o inferno teria que congelar antes que Tobias me permitisse faltar a aula até a próxima semana, um dia foi o suficiente para ver que tipo de guardião ele seria.

Tomo um breve banho, escovo os dentes e passo alguma maquiagem antes de tentar domar meu cabelo. Meu pai sempre falava como achava lindo meu cabelo cacheado selvagem, que eu sem dúvidas puxei dele.

Na verdade eu era uma cópia sua, exceto pelo meu gosto por piercings e tatuagens, isso papai sempre ‘’odiou’, e por várias e várias vezes disse que isso sem dúvidas era da minha mãe, mas eu não podia dizer nada a não ser concordar pois eu não cheguei a conhece-la.

Revolvo apenas umedecer meu cabelo e passar o creme para pentear, amasso com a mão e deixo para que seque naturalmente.

Me encaro no espelho por um momento e um sorriso vem em meus lábios, se minhas tatuagens amostra fossem um problema isso seria ótimo. Para mim pelo menos.

Saio do quarto e pego minha bolsa que levei por muitos anos na escola aonde estudava, cheia de broches e chaveiros. Era velha, mas era algo importante para mim.

As quatro cabeças se viram para mim quando paro no portal da cozinha, eu não tinha dito muito no dia anterior mas acho que minha aparência foi um choque para Apollo que tossiu o café que tomava.

Brian me olhava e sorria descaradamente como se o assunto fosse diverti-lo, e Corbin, bem, ele segurava um livro contra o rosto e evitou me olhar enquanto eu me aproximava.

— O que foi? – Pergunto me irritando com aqueles olhares. – Não esperavam que eu fosse a escola hoje?

— Não Freyre, é apenas... – Tobias começa e observo ele coçar a cabeça. – suas tatuagens são legais.

— Em outras palavras, o diretor da escola possivelmente vai querer dá a palavra sobre elas. – Esclarece Apollo que não tirava os olhos do meu corpo.

Dou de ombros e me sento perto de Brian.

— Isso porque ninguém espera que uma caipira do interior seja coberta delas. – Falo pegando a xicara com café que Brian me estendia. – Ainda bem que vocês só podem ver as tatuagens.

Arqueio uma sobrancelha para Apollo que ainda tinha seus olhos sobre mim e ele engasga novamente.

— Calma, bro! – Dispara Brian rindo e socando suas costas.

— Não vai ser um problema querida, não vai demorar até que você se acostume com a cidade e a escola. – Diz Tobias com um aceno de mãos como se descartasse qualquer futuro problema.

— Com isso é fácil me acostumar, difícil são as pessoas. – Murmuro tomando o restante do café.

Fico em silencio enquanto escuto os quatro conversarem sobre algum time de futebol e seu próximo jogo. Era difícil conter o nó que se formava em minha garganta quando eu me dava conta que estava completamente sozinha na vida dali em diante.

Não me conformava que meu pai havia partido e me deixado sozinha no mundo, queria apenas vê-lo uma última vez para poder gritar em sua cara como aquilo foi egoísta.

— Freyre? – Escuto a voz de Corbin me chamar pela primeira vez.

— Sim?

— Perguntei se aonde você mora é realmente bom, sempre pedi ao papai para me levar até a fazenda de vocês mas ele nunca quis, sempre dizia que não tinha outras crianças para brincar. – Ele fala e o silencio retorna a cozinha.

— Eu amo aquele lugar, acho que isso acontece porque é meu lar, mas talvez um dia você possa ir até lá e conhecer, vai ver como é lindo. – Respondo sem ao menos repensar sua pergunta. – Já cavalgou alguma vez?

— Não, nunca. – Corbin diz com seus olhos brilhando.

— Estar em cima de um cavalo pode fazer até mesmo um cara esnobe da cidade se sentir mais humilde. – Digo olhando para Brian e desta vez é ele quem engasga com um pedaço de pão e seu pai dá uma risada.

— Você já montou muitos, ein? – Apollo pergunta com um sorriso debochado.

— Aposto que você pagaria caro para saber, boa tentativa. – Retruco com o mesmo sorriso.

— Ok, tudo bem, todos para a escola. – Fala Tobias rapidamente.

— Ele também? – Questiono apontando para Apollo.

— Apollo perdeu algum tempo de escola, por isso ainda estuda. – É Brian que responde. – Melhor se preparar querida, você estará na mesma sala que nós dois.

Os dois trocam largos sorrisos e acenam para mim antes de saírem pela porta da frente e entrarem em um Jipe Compass preto que quase me fez babar, assisti com uma careta enquanto os dois saiam para a rua principal e me preparei mentalmente para aquele dia.

                                Apollo.

Fomos avisados pelo meu pai.

Nada de infernizar a pobre garota, nada de dar em cima, nada de piadinhas, nada de insultos.

Nos preparamos para receber uma garota tímida, que possivelmente sentia medo até da própria sombra, mas nunca poderíamos nos preparar para aquilo.

Freyre entrou com os pés firmes no chão, o cabelo volumoso em um coque no alto de sua cabeça, seu rosto estava sem qualquer maquiagem, não que ela precisasse porque ela era malditamente linda com aqueles grandes olhos castanhos tão claros que tirou meu fôlego, seus lábios vermelhos pareciam tão beijáveis que foi difícil me concentrar em qualquer coisa.

Com uma calça jeans justa, uma camiseta xadrez de mangas e coturnos pretos, uma garota nunca pareceu tão sexy, mas então ela abriu a boca e pude sentir até mesmo o pequeno Corbin estremecer.

Sua voz era doce mas ao mesmo tempo tão firme e rouca, simplesmente linda.

Tudo bem, prometemos ao meu pai que cuidaríamos dela enquanto ela estivesse por aqui, mesmo que não entendêssemos o motivo dele ter se tornado seu guardião. Mas acho que não seria tão fácil, e quando ela desceu naquele uniforme da escola, exibindo todas suas tatuagens e curvas eu segurei uma maldição.

Não seria possível mantê-la longe de todos os abutres da escola, ou de qualquer lugar da nossa cidade.

Dentro do meu carro, Brian tentava jogar conversa fora mas eu sabia que ele estava com os mesmos pensamentos que eu.

— O que você achou? – Ele finalmente pergunta.

— De que? – Questiona tentando parecer indiferente.

— A garota, Apollo. Não finja que não está louco para falar sobre ela. – Ele fala com uma risada. – Não esperávamos por tudo aquilo, ein bro?

— Não, não esperávamos. – Murmuro para ele.

— O inferno teria que congelar antes daquela garota parecer alguma caipira, ela é quente e ainda tem uma boca esperta. – Brian assovia e eu aperto mais o volante.

— Você ouviu o pai, nada de dar em cima dela. – Falo tentando mais uma vez – e falhando -, parecer indiferente.

Brian me observa por algum tempo e então solta uma gargalhada.

— Merda, você a quer! – Ele diz rindo sem parar. – Droga Apollo, acho que estou com medo no momento, você nunca dá tão na cara!

— Não disse isso. – Retruco irritado. – Nosso pai apenas disse para cuidarmos dela, você sabe que ele estava falando sério.

— Tudo bem, mano, não vamos falar sobre como a doce Freyre é gostosa pra cacete. – Brian diz suspirando e eu aceno para ele.

Mas Brian me conhecia, apenas com um olhar ele poderia ler toda minha alma, e sem dúvidas ele sabia que Freyre tinha me afetado e que isso possivelmente era um problema.

Eu também sabia disso.

Nunca fui um cara que pegasse todas as meninas para se gabar, Brian e Trent meu amigo, sempre diziam que eu era o cara mais come quieto desse mundo.

Mas eles estavam certos.

Eu estaciono o carro e caminho ao lado de Brian enquanto vamos para a entrada da escola, deveríamos esperar meu pai e Freyre antes de entrar.

— Isso é estranho, certo? – Brian pergunta.

— Muito, mas não podemos fazer nada, sabe como era a relação do nosso pai com o pai de Freyre. – Respondo e aceno para os caras que nos cumprimentavam enquanto passavam por nós.

— Isso é mais estranho ainda, o pai nunca nos levou até lá, e nós nunca conhecemos ela e agora ela mora com a gente. – Ele insiste.

— Os pais dela morreram e ela não tem mais ninguém, é isso. – Falo passando a mão pelos cabelos. – Não vamos falar sobre isso agora.

Não ficamos parados ali nem cinco minutos e avistamos meu pai caminhar com Freyre ao seu lado, conversando animadamente. Pelo menos ele parecia animado.

Todos os olhares se voltavam para ela, e Freyre recebia todos de cabeça erguida, os caras encaravam como se ela fosse o jantar daquele dia e apesar disso fazer meu sangue ferver eu os entendia.

Ela era tão diferente de todas as meninas dali que não tinha como olhar para ela sem querer conhece-la.

— Vocês podem mostrar a escola para Freyre enquanto falo com o diretor? – Meu pai pergunta.

— Claro. – Respondo.

— Obrigado Tobias, por cuidar de tudo. – Freyre agradece com sinceridade.

— Tudo bem querida, nos vemos mais tarde. – Meu pai diz e dá um leve tapa nas minhas costas antes de ir para dentro.

Brian passa um braço pelos ombros dela e vejo ela semicerrar os olhos para ele como se fosse ataca-lo a qualquer momento.

— Calma Frey, só tocarei em você para manter os outros caras longe, você é uma presa fácil. – Ele explica e ela me olha.

— Brian é um descarado mas ele está certo, as pessoas daqui costumam a ser bastante curiosas. – Falo para ela.

Freyre bufa mas não diz mais nada, passamos alguns minutos andando pela escola sobre todos os olhares que queriam saber quem era a garota nova. Meu irmão narrava a tour e eu apenas os acompanhava, mantendo meus olhos em todos os caras como aviso para manter distância.

Esperamos ela pegar seus horários de aulas na secretaria e seguimos para os armários.

— E vocês representam o que? A tropa de elite da escola? – Ela pergunta abrindo a porta do seu armário.

— Como assim? – Questiono confuso.

— É obvio que ninguém chegou perto porque vocês dois estavam me cercando. – Diz guardando um pouco dos seus cadernos.

— Respeito querida. – Brian que responde. – Aqui não e diferente de ouras escola, sempre haverá os alfas, e nós fazemos parte desse grupo.

 - Claro que sim. – Ela murmura e se vira para nos encarar. – Tobias me colocou em alguma aula de música, acho que meu pai contou sobre isso a ele alguma vez, então nos vemos no segundo horário.

Sem mais nada ela se vira e segue o caminho sozinha, como se conhecesse a escola por todo esse tempo.

— Ela nos dispensou. – Brian fala parecendo impressionado.

— Pobre Brian, ninguém nunca o dispensa. – Digo com sarcasmo e bato em sua cabeça com a mão. – Vamos pra aula, otário.

Caminho até a sala com um único pensamento.

Eu teria que tirar aquela garota da minha cabeça e aprender a conviver ao lado dela de alguma forma que não me afetasse ou estava ferrado.

Malditamente ferrado.


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Notas finais do capítulo

Obrigado por lerem.



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