O Cientista escrita por ImperadorSagamante500


Capítulo 1
O Cientista




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O Cientista

   O despertador toca e eu acordo. Escovo meus dentes. Enquanto tomava uma xícara de café e assistia ao noticiário matinal na TV, as fórmulas já ocupavam o espaço vazio em minha mente. Entro no carro, vou até a Universidade e dou três lindas aulas para a turma de astronomia: As Leis de Kepler, a força enigmática dos buracos negros, a Teoria da Relatividade.

   É estranho como a ciência flui de dentro de mim para os alunos com tanta facilidade, mas não é algo que eu tenha dificuldade de entender. Sempre dei minha vida pela Ciência, o Cosmos é minha paixão, a Física o meu xodó e a Biologia a minha eterna amante.

   Quando já ia me dirigir ao laboratório fazer minha carga rotineira de pesquisas e experimentos, percebi que um jovem rapaz ainda continuava na sala. Ele encarava o quadro negro cheio de rabiscos e cálculos feitos a giz de forma hipnótica, o que me deixou particularmente intrigado, então me aproximei dele. Sempre me vi espelhado nos jovens amantes da Física. Perguntei-lhe:

    "O que faz aqui meu jovem? Não quer aproveitar seus intervalos para se descontrair com seus amigos?"

     Ele me olhou com um desdém engraçado, como se minha pergunta fosse a mais idiota de todas, e respondeu:

    "Tenho amigos até demais, professor. Tenho tempo mais que o suficiente para eles."

    "Bom... Se não vai sair, há algo que não entendeu na aula?"

    "Não, entendi tudo muito bem, obrigado."

    "Bem, então, se me der licença... "

    "Eu queria lhe fazer uma pergunta, Professor." Ele me interrompeu antes que eu pudesse terminar minha frase.

    "Faça, meu trabalho é esse, ora." Eu disse, lhe dando um sorriso.

    "Onde Deus se encaixa na Física, professor?"

    Ele não era o primeiro que me fazia essa pergunta, se Deus existe ou não, se eu acreditava nele ou não. Mas o modo como ele me perguntou dessa vez me deixou perplexo. Eu não tinha como argumentar minha descrença. O modo como ele pôs a palavra "encaixa" na pergunta demonstrava que ele já tinha consciência da limitação da ciência, de que apesar do avanço que já tivemos não encontramos resposta para todas as coisas da vida e da natureza, mas pelo contrário, só encontramos mais e mais perguntas.

    Mas havia algo de diferente naquele menino, poderia simplesmente dizer que estava atrasado e que o responderia depois, mas ele tinha uma inocência e uma sabedoria tão reconfortante no seu olhar que me fez permanecer na sala com ele. Eu sentei na cadeira ao lado dele, olhei para os mesmos rabiscos de giz que eu pus no quadro e o respondi.

    "Eu, particularmente, não acredito em Deus, se me permite ser franco com você."

     "Por quê?" Ele fez a pergunta máxima dos tempos sem nenhum espanto no rosto, completamente interessado.

     "Sei o que deve estar pensando. Chega um ponto que a Ciência não consegue explicar tudo, não é? E ao invés de pontos finais, surgem novas interrogações, não é mesmo?"

     "Sim, o senhor está certo. Há pontos que não se encaixam."

     "Contudo, você fez uma pergunta, então acho que lhe devo uma resposta. Se fosse te pedir para procurar Deus na Física, acho que ele estaria nos detalhes."

     "Nos detalhes?"

     "É. Esses pontos que você mesmo disse que não se encaixam, que a maturidade científica da humanidade ainda não conseguiu encontrar uma explicação plausível. Acho que é inerente a nós botar a culpa do que não conseguimos entender no Divino. Então, se Deus se encaixa na Física, ele está nos pontos onde ela não consegue alcançar."

     "Isso também serve para nossa própria vida, professor? Há coisas que nela acontecem que simplesmente não conseguimos entender."

     Era inevitável. Toda vez que alguém falava sobre coisas da vida de difícil compreensão, lembrava do câncer de minha esposa, e do quanto sentia sua falta, todo dia.

    "Talvez. Não tenho certeza... Mas acredito que para a maioria das pessoas, sim."

    O rapaz parecia entender tudo o que eu falava, me deu um sorriso e se levantou da cadeira para sair da sala.

    "Muito obrigado, professor. Você é uma ótima pessoa. Não são todos os cientistas de renome que eu me sinto à vontade para fazer esse tipo de questionamento." Eu levantei junto com ele também.

    "Eu que agradeço."

    Ele então fez um gesto um tanto incomum para um aluno de faculdade: ele me abraçou, sem relutância, com sinceridade, e enquanto me abraçava, me disse: "não esqueça de pôr mais Deus nos detalhes da sua vida, professor." e me soltou.

    Então notei algo estranho, seu cabelo havia escurecido, e seu rosto liso repentinamente havia sido tomado por uma barba escura e grossa, típica dos habitantes do Oriente Médio, como num passe de mágica. Ele saltitou os degraus do auditório até a porta, e quando chegou a pôr a mão na maçaneta, foi minha vez de interrompê-lo.

    "Ei, rapaz!" E ele se virou. "Quantos amigos você tem?"

    "Bilhões." Disse ele, com um sorriso. "Mas no início da minha jornada, éramos eu e mais doze."

    "Qual seu nome?" Perguntei, sentindo ao mesmo tempo um medo e uma paz que eu nunca havia sentido antes.

    "Jesus." Disse ele, e fechou a porta atrás de si.

    Olhei para o quadro, os cálculos ainda estavam lá, a sala ainda era a mesma. Olhei meu relógio, passaram-se apenas dez minutos, como eu calculara. Não houve magia, não houve trovões e raios de sol desviados. Mas eu sentia como se tivesse sido atingido por um raio.

    Naquela tarde não fui ao laboratório, peguei meu carro e voltei para casa. As palavras dele ainda ecoavam na minha mente. "Pôr mais Deus nos detalhes da minha vida." Como eu poderia fazer isso? Por onde começar? Estava diante do maior enigma científico da minha vida.

   O telefone de casa tocou, me tirando de meus devaneios, era minha filha do outro lado da linha.

   "Oi, pai."

   "Oi, filha."

   "Não esperava te encontrar em casa. Achei que estaria no laboratório."

   "Não, hoje vim para casa mais cedo."

   "Imagino, hoje é um dia muito triste para todos nós, né."

   "Por quê?"

   "Ora, pai, hoje é 18 de Junho, fazem três anos hoje." Eu havia me esquecido completamente.

   "Me desculpe, filha, é verdade."

   "E como você está?"

   "Eu sinto falta dela todos os dias."

   "Eu também." Por um momento ficamos em silêncio, talvez eu nunca tenha sido tão sincero quanto ao que eu sentia com minha filha desde aquele dia a três anos atrás. Eu havia me tornado um cara frio, sozinho, sem a companhia da pessoa que eu mais amava. Talvez tenha sido pela minha frieza que ela decidiu se mudar para uma república de estudantes quando passou para a faculdade a um ano atrás, e desde então nos falamos basicamente por telefone. Mesmo sabendo o quanto nos preocupamos muito um com o outro.

    Esse era um detalhe da minha vida que Deus não estava presente.

    "Filha, quer vir jantar comigo aqui hoje?" Eu disse, sem pensar.

    "Sim, eu quero." ela disse, parecendo animada.

    Eu a levei num de seus restaurantes favoritos, uma hamburgueria de decoração típica dos anos 50 que havia aberto há muitos anos no fim da nossa rua. Eu, ela e sua mãe costumávamos ir nela quase todos os fins de semana e devorávamos hambúrgueres gigantes, pouco ligando para as dietas malucas que a mãe dela tentava fazer para se manter magra.

    Depois que saímos do restaurante, ela me perguntou se podíamos visitar o túmulo da mãe dela. Eu disse que sim, compramos flores e fomos até o cemitério. Achamos a placa pequena no chão completamente cheio de grama e pusemos as flores, ela chorou um pouco, eu a abracei e fomos embora. No caminho de volta, ela perguntou:

  "Posso dormir com você hoje, pai?"

  "Sim" eu disse, "Claro que pode."

  Quando chegamos em casa, arrumei a cama no antigo quarto dela, mas ela insistiu que queria ficar comigo na minha cama, no lugar que antes era da mãe dela. Fomos dormir cedo naquela noite, não eram nem dez horas. Ela apagou rápido, dormia como um anjo. Eu fiquei acordado, as palavras do jovem universitário Jesus ainda estavam na minha mente.

   Então eu depois de um dia inteiro de dúvida acho que consegui entender o que ele havia dito, isso era por Deus nos detalhes da nossa vida. Era estar com quem se ama, com quem lhe faça se sentir bem. E deixar que ele cuidasse de todas as tragédias, de todas as angústias, uma hora elas passariam. Eu percebi o quanto era inteligente para entender o mundo ao meu redor, e o quanto era estúpido para entender meu coração.

   Minha esposa não queria que eu me afastasse de Deus, então não iria mais contrariá-la. No dia seguinte, me encontrei com um pastor que era padrinho de minha filha e meu cunhado, contei o que parecia loucura, mas ele entendeu e me aconselhou. Admito, ele era um homem muito sábio, e eu chorei um pouco enquanto conversava com ele.

    Quando retomei minha rotina na faculdade, não encontrei mais aquele rapaz, mas mesmo assim reencontrei raios de sol na minha rotina, como se tudo fosse novo outra vez. O lado vazio da minha cama ainda estava lá, mas eu havia descoberto uma nova lei da Física: Nada no Universo é vácuo ou vazio, onde você vê detalhes na sua vida que estejam vazios ao seus olhos, Deus o preenchia sempre.

Moral da história: Você não precisa acreditar em Deus para enxergá-lo, afinal, ele está nos mínimos detalhes da nossa vida.

FIM

 


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado e que tenha gerado alguma reflexão em seus corações, obrigado, e até a próxima :)



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