Eyes On Fire escrita por Brê Milk


Capítulo 13
Chapter 12: Lendas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/709638/chapter/13

Brooke Evern

 


  Estava presa na escuridão. Tudo estava preto Tudo estava silencioso. Um cheiro de cevada invadiu suas narinas, e ela tateou com as mãos em busca de uma tomada, mas o que encontrou foi punhados de algo seco, e que tinha a textura de mato. Brooke soltou no mesmo instante, o que quer que tivesse apanhado, e ergueu o tronco do chão, ficando sentada no breu escuro. Ela esperou, desorientada, por alguma coisa que não sabia, e então, bem distantemente, um minúsculo pontinho de luz branca apareceu, e foi crescendo cada vez mais, se aproximando, até atingir suas retinas, e ela caiu para trás, cega.

 

— Mas que diabos... - Murmurou Brooke, esfregando os olhos, e depois voltando a abri-los, cuidadosamente.

 

Ela fitou um céu não azul, mas cinza, límpido com um sol de rachar, também cinza. Pássaros voando. A escuridão havia sumido, e Brooke voltou a erguer o tronco, ficando sentada e olhando em volta. Ela viu um imenso campo à céu aberto, coberto por feno. Muito feno. Ela estava sentada no feno. E com um vislumbre rápido, tinha feno em seu cabelo armado. Brooke chacoalhou a cabeça, e voltou a olhar ao redor, procurando algum sinal de vida. 
Nada além dela, que uniu as sobrancelhas em pura confusão. Onde estava? Como havia parado ali? Por que estava enxergando tudo cinza? 
Ela esfregou os olhos mais uma vez, mas nada havia mudado. Tudo ainda era cinza desbotado. 
Suas mãos esmagaram um punhado de feno, no exato momento em que uma risada infantil ecoou pelo campo. Brooke ergueu os olhos, assustada, e mirou algo que vinha correndo em sua direção, atravessando os rolos de feno espalhados pelo campo. Ela cerrou as pálpebras, procurando distinguir a forma da criaturinha pequena que vinha em sua direção, rindo alegremente. Era uma menina. Vestia um vestido longo, e tinha os cabelos soltos espalhados pelo rosto enquanto corria. Não dava para saber ao certo se a menina era loira, morena ou ruiva, porque ela também não tinha cor na visão de Brooke, apenas o cinza desbotado.

 

— Brooke, Brooke! - A menina cantarolou naquela voz infantil, cortando a distância imposta e se tornando familiar no campo de visão da morena no chão.

 

Brooke sentiu o coração parar dentro do peito quando o reconhecimento caiu sobre si. Era Penny. A menina que vinha correndo em sua direção. Era Penny, sua irmãzinha mais nova morta. Era ela, que agora parava em sua frente, o alegre e familiar sorriso nos lábios, o rosto com traços inocentes, tão perto de si que poderia a tocar.

 

— Oh meu deus... Penny? - Brooke arfou, o bolo arranhando a garganta e só se dando conta naquele momento que estava com os olhos cheios d'água.

 

A menina colocou as mãos na cintura, os lábios se esticando em um sorriso maior.

 

— Ora, claro que sou eu! Quem você esperava que fosse? - Retorquiu Penny, impaciente. - Você demorou.

 

Brooke piscou, tentando controlar a onda de emoções que a tomavam, e tentando sair do estado de torpor que o corpo ficou.

 

— Demorei para quê?

 

— Para me visitar! Eu estou lhe esperando, sabe, já faz um tempo.

 

Foi inevitável impedir a primeira lágrima de rolar. E assim se seguiram às outras. Brooke deixou um soluço escapar, com a imagem da irmãzinha materializada ali diante de si, e mal pôde acreditar quando Penny irrompeu em uma risadinha e se atirou em seus braços, a abraçando do mesmo jeito que costumava abraçar, escondendo o rosto no vão do pescoço da morena, que retribuiu da mesma forma, apertando a menina fortemente contra si. Ela deixou uma das mãos trêmulas acariciarem o cabelo que costumava ser loiro da irmã, e se permitiu a chorar mais. Um choro de saudade, de felicidade, de histeria.

 

— Por que você está chorando? - Penny perguntou, a voz curiosa abafada por conta dos soluços da mais velha.

 

Brooke emitiu uma risada, sem saber por que de fato ria.

 

— Eu não sei, acho que estou chorando de saudades... - Confessou ela, e uma dúvida a atingiu. Brooke desfez o abraço, afastando a irmã o suficiente para olha-la. - Isso é real, Penny? Tudo isso? Digo... O campo, o feno, você. Você não está... - Ela parou de falar abruptamente, a língua enrolando na próxima palavra.
Morta. A saliva desceu espessa. - É real ou só estou sonhando?

 


— É claro que você está sonhando - Penny sorriu tranquilamente. - Uma projeção do seu desejo mais profundo. Do contrário, por que estaríamos no meio do nada sentadas em cima de feno? Você sempre teve um gosto estranho para tudo, Broo.

 

O dedo de Penny subiu até a altura de sua cabeça, cutucando sua testa, e Brooke sentiu a decepção e a tristeza a preencherem. Era tudo um sonho, nada daquilo era real. Sua irmãzinha continuava morta. E aquilo explicava porque continuava vendo as coisas em cinza desbotado.
Sua expressão deve ter revelado o que sentia, porque os grandes olhos de Penny se espremeram, e ela secou as lágrimas que escorriam por seu rosto.

 

— Ah, mas não fique triste. Eu estou bem aonde estou, ou acho isso. Na verdade eu não sei, já que isso tudo é apenas um sonho seu.

 

Brooke fungou, assentindo enquanto repetia a si mesma para parar de chorar. As lágrimas cessaram depois de alguns segundos, e o silêncio caiu enquanto as duas se fitavam fixamente. Apenas o canto dos pássaros ecoava, um canto que trazia paz e serenidade e invadia o coração. 
Brooke sentiu o calor dos raios do sol aquecerem sua pele, e enquanto permanecia naquela plenitude de sonho, bem ali no meio do feno com a Penny desbotada, um questionamento veio em sua cabeça.

 

— Por que eu nunca sonhei com você antes, como estou fazendo agora?

 

Ela viu a menina tamborilar com os dedos no lábio inferior, uma carinha pensativa.

 

— Bem, ao que tudo indica, creio que seja porque você não estava pronta.

 

— Pronta? Pronta para o quê?

 

— E falando em estar pronta... - Penny ignorou sua pergunta, levantando a barra do vestido com as mãos e dando um passo para trás. - Você já deveria estar, para acordar.

 

— Acordar? - Brooke ergueu as sobrancelhas, sentindo-se um pouco burra quando a irmã bateu a mão na testa.

 

— É. Se você está sonhando, quer dizer que você está dormindo - Disse ela, obviamente.

 

— Ah, claro - Brooke sorriu envergonhada.

 

Penny balançou a cabeça, e começou a andar para trás, começando a se distanciar. A Evern mais velha franziu o cenho, estranhando a atitude.

 

— Ei, para onde você está indo?

 

— Eu tenho que voltar. E você, acordar para a realidade - Respondeu ela, continuando a se afastar, sorrindo.

 

Brooke sentiu uma pontada no peito, o pavor de perder a irmã outra vez a preenchendo. Ela tentou se levantar quando viu que Penny estava ficando cada vez mais longe do seu alcance, mas não conseguiu. O feno parecia cola em suas pernas, a prendendo no lugar.

 

— Penny, não vá! Volte! Não vá, Penny! Espere! - Mais nenhum de seus gritos detiveram a menina, enquanto Brooke lutava para se levantar e correr para alcança-la.

 

— Não se preocupe, nos veremos novamente. Eu sempre estarei aqui, Brooke, você apenas tem que me encontrar - Gritou Penny, já ao longe. E então deu uma piscadela risonha. - E lembre-se... Não tenha medo!

 

Não tenha medo... 
          Não tenha medo...
          Não tenha medo...

 


 As palavras ecoaram pelo campo, se dissipando junto com Penny, que desapareceu em um piscar de olhos. Brooke ficou sem entender, desesperada atrás da irmã, e enquanto ela tentava se desgrudar e as palavras a assombravam, uma nuvem tapou o sol, fazendo a escuridão voltar a cair pelo campo...

 

 

Acorde.

Acorde.

Acorde, Brooke.

 

O sussurro parecia ecoar dentro de sua cabeça, que por sinal, parecia ter sido martelada com um martelo, quando ela emergiu do mundo dos sonhos. Uma luz branca batia contra suas pálpebras fechadas, e seu corpo parecia estar afundado em algo confortável. Muito confortável. Não parecia em nada com o conforto de sua cama. Nem com a iluminação de seu quarto. Ela esquecera de fechar as cortinas? Que horas eram? Estava atrasada para a escola? Para onde a Penny de seus sonhos fora?
E então, como uma pancada, as lembranças vieram em sua mente. A festa de boas vindas da escola. A garota bêbada vomitando em seus pés. O ginásio. O corredor. Seu sonho. A dispensa. Olhos vermelhos. O medo que sentiu.

Não tenha medo...

Ela não tinha. Não naquele momento. E por isso, abriu os olhos lentamente. Brooke fitou um teto branco abobadado, com um lustre de cristal acesso. Ela não tinha um lustre. Desceu o olhar para as paredes cor de creme, revestidas em um papel de parede florido. Ela não tinha papel de parede florido. Fitou o piso de madeira perolada. Ela também não tinha um piso de madeira perolada. 
E então Brooke se deu conta que aquele não era seu quarto, e uma onda de pavor a inundou. 
Onde estava? Por que estava deitada em uma cama de casal, enrolada em um lençol com... Ela desceu os olhos pelo corpo, e constatou que não estava vestindo as próprias roupas, não estava com o vestido que pegara emprestado da mãe, e sim com um pijama de flanela de ursinhos, possivelmente dois números menores do que o seu.
Brooke abriu a boca, aterrorizada com o fato de não saber a própria localização, nem por que estava ou o motivo de estar vestida em um pijama infantil. Ela espalmou as mãos no colchão confortável, e colocou forças nos cotovelos, se preparando para levantar.

Alguém deu um pigarro, e uma voz feminina reverberou pelo quarto silencioso:

 

— Se eu fosse você, eu não...

 

Brooke gritou assustada, no exato momento em que se erguia nos cotovelos, mas voltou a cair contra o colchão e os travesseiros quando uma forte pontada doeu em sua cabeça.

 

— ... Faria isso - A voz completou, tardiamente, e Brooke gemeu.

 

Lutando contra as fisgadas dolorosas em sua cabeça e a vontade de vociferar um palavrão, Brooke reabriu os olhos, os apertando nos cantos, e fitou os fundos do quarto, onde uma figura sentada em uma poltrona de veludo se levantava e caminhava em sua direção, estendendo um copo d'água e um comprimido. Uma figura pequena, ruiva. Uma figura que lhe falava docemente e que lhe mostrava um sorriso tranquilizador, dentro de um vestido lilás de pregas e com um arco no cabelo. Uma figura chamada Renesmee Cullen.

 

— Finalmente você acordou. Já estava pensando que tinha entrado em coma - Disse a ruiva, sentando na beirada da cama. - São analgésicos - Indagou, apontando para o comprimido em sua mão estendida. Brooke intercalou o olhar entre o remédio e Renesmee, em um misto de ceticismo e confusão. - Pode confiar.

 

Mas ela não confiava. Não quando não sabia o que tinha acontecido no tempo e que estivera inconsciente. Não quando não sabia o que fazia ali. Não quando tudo o que lembrava era resumido a flashes bizarros ocorridos na dispensa do zelador. Não quando a própria Renesmee pedia por confiança, logo ela, que sempre quando estava perto, coisas estranhas aconteciam.
Brooke balançou a cabeça, levando as mãos até ela assim que as pontadas voltaram.

 

— O que aconteceu, Renesmee? - Perguntou, ignorando o comprimido estendido em sua direção, arranhando a garganta com a voz rouca. - Onde estou? Por que estou aqui? Por que você está aqui?

 

A garota soltou um longo suspiro dramático, estalando a língua e a olhou com os olhos esbugalhados, parecendo nervosa. Brooke temeu a resposta.

 

— Eu posso responder todas essas perguntas, mas primeiro, você tem que tomar o remédio - Renesmee balançou o copo com a água. - Aposto que sua cabeça deve estar explodindo agora, por isso o comprimido... Carlisle disse para eu lhe dar assim que você acordasse, e considerando que ele é medico... Bom, só beba.

 

Brooke ergueu as sobrancelhas, se perguntando por que a ruiva se referia ao pai adotivo pelo primeiro nome. Carlisle Cullen, ela já ouvira falar dele, médico prestigiado da cidade. Mas haviam outros assuntos mais importantes do que os vocativos que Renesmee usava para se referir a família, e por isso Brooke se focou no rosto dela, tentando extrair alguma informação. Ela estava mentindo? Aquilo poderia ser uma cápsula para dormir? Poderia ser veneno? Ninguém oferecia remédios para o bem de alguém sem querer algo em troca, sua experiência lhe lembrava disso.

 

— Oh, por deus! Isso não é veneno ou coisa alguma. É Tylenol, ok? - A Cullen bufou, surpreendendo a Evern. Como ela sabia o que se passava em sua cabeça? Mais uma vez, a garota estalou a língua, rolando os olhos impacientemente. - Vamos fazer assim, você bebe logo o remédio e eu te dou suas respostas. É pegar ou largar.

 

— Você está me chantageando? Sério? - Brooke deixou a boca aberta, incrédula, se esquecendo de ficar com medo por não ter ideia de sua atual situação.

 

A ruiva encolheu os ombros.

 

— Entenda como quiser, agora, por favor, tome logo a porcaria desse comprimido.

 

Brooke achou que não conseguia erguer as sobrancelhas mais do que aquilo, para enfatizar silenciosamente o tamanho de sua incredulidade. Então era assim que ia funcionar? Um remédio (aparentemente Tylenol) por informações? 
Ela encarou Renesmee com os olhos cerrados, e decidiu que não podia confiar nela. Mas que também podia fazer aquilo. Se a garota a quisesse morta, teria feito isso quando teve a chance. E tinha que admitir, sua cabeça estava prestes a explodir.

 

— Certo - Concordou, suspirando.

 

Renesmee abriu um sorriso vitorioso e esperou Brooke se ajeitar melhor nos travesseiros, de forma a ficar com o tronco meio levantado e para facilitar a ingestão do remédio, e então lhe entregou o comprimido e o copo d'água. O analgésico passou rasgando pela garganta da morena, que devolveu o copo assim que bebeu tudo. Brooke dirigiu um olhar ansioso para Renesmee.

 

— Pronto. Agora você vai responder minhas perguntas?


— Você quer que eu as responda?

 

 

— Pensei que tínhamos feito um acordo.

 


— Tudo bem - A ruiva exalou, e se moveu desconfortavelmente na beira da cama. - Pergunte o que quiser, eu vou responder de qualquer maneira.

 

Brooke assentiu, percebendo o pesar nas últimas palavras. Ela engoliu em seco, um monte de perguntas jorrando de dentro de sua cabeça, todas querendo serem respondidas. Tinha tantas delas, precisava saber de tantas coisas. Algumas, nem tinham ligação com a festa. Outras, iam muito além disso, e eram essas que a assustavam. Ela piscou quando pela segunda vez, Renesmee pigarreou para chamar sua atenção.

 

— O que aconteceu comigo na festa? Por quanto tempo eu fiquei inconsciente? - Perguntou, olhando diretamente para a Cullen.

 

— Eu não sei ao certo. Te encontrei caída no banheiro, seu cadarço estava desamarrado e você fedia a álcool - Brooke teve vontade de explicar essa parte, mas se conteve. - Você deve ter tropeçando e batido a cabeça, e respondendo a sua outra pergunta, você ficou inconsciente por oito horas. Já é manhã - Explicou ela, e apontou o dedo para uma janela na parede paralela, com as cortinas de renda preta fechadas, mas que dava para perceber a luz da manhã se infiltrando pelas brechas.

 

Fez silêncio por alguns segundos, só o necessário para a morena processar a informação. O que Renesmee acabara de contar explicar muita coisa: A dor na cabeça, o cheiro de álcool que não era seu, os sapatos. Mas Brooke não a aceitou completamente. Porque sabia que faltava algo. Ela poderia não se lembrar de tudo, mas se recordava de algumas coisas. Algumas delas, por exemplo, é que não tinha o cadarço desamarrado. Nem que estivera em momento algum nos banheiros femininos, ela lembrava que optara pelo vestiário, fora do ginásio. Então, por alguma razão, Renesmee Cullen estava mentindo.
Seus olhos se apertaram nos cantos, bem no instante em que a ruiva ofegou, desviando o olhar.

 

— Ok - Assentiu Brooke, prosseguindo com as perguntas, adiando o confronto. - Onde estou agora?

 

— Na minha casa. Avisei meus irmãos sobre você e decidimos que seria melhor trazê-la para cá para Carlisle lhe examinar.

 

— Certo. E por que fez isso?

 

Renesmee pediu um instante e se inclinou para frente, pousando o copo em sua mão no chão, e depois voltou a posição anterior. Ela voltou a encarar Brooke, que permanecia firme na busca de suas respostas.

 

— Você acha mesmo que eu ia te deixar desmaiada em um banheiro, com uma centena de adolescentes curtindo uma festa de escola, com o ponche batizado por álcool? - Renesmee cruzou os braços, a boca se curvando para baixo em uma expressão ofendida.

 

A Evern encolheu os ombros.

 

— Só par constar.

 

— Ah, ok - A ruiva produziu um ruído estranho. - Vamos lá, continue. Eu sei que a interrogação ainda não acabou.

 

Ela estava certa. A interrogação ainda não estava nem perto de acabar.

 

— Hum... Seus pais ou você avisaram a minha mãe, ou? - A pergunta tinha aparecido de repente, e o pensamento de Marcy poder estar surtando por falta de notícias, fez Brooke fazer uma careta.

 

— Sim, avisamos. Relaxa. Dissemos que você dormiria na casa de uma amiga, no caso, eu - Um sorriso envergonhado apareceu no rosto de Renesmee e ela descruzou os braços, mantendo as mãos no colo. - Espero que não tenha problemas com estranhos mexendo no seu celular e se passando por você em mensagens de texto com a sua mãe.

 

Brooke preferiu ignorar essa parte. Pelo menos, não teria que lidar com um sermão histérico por não dar sinais de vida. Isso compensava a invasão de privacidade em seu celular. Mas não pôde deixar de sentir a tensão irradiando de dentro de si, desde a cabeça até os tendões dos pés. Ela ainda tinha uma pergunta, a mais importante de todas, e não sabia se receberia uma resposta verdadeira. Por que se ela fosse honesta com ela mesma, ninguém receberia. Não com o tipo de pergunta que estava na ponta de sua língua. Não com aquela sensação de enjoo tomando conta de seu estômago enquanto os flashes da dispensa do zelador voltavam a sua mente. Ela tinha certeza que vira alguma coisa ontem, alguma coisa macabra como olhos vermelhos vividos. Da cor de sangue. Mas também tinha certeza que seria muita loucura questionar Renesmee sobre isso. Porém, algo estava errado, algo estava faltando. E por mais que Brooke repetisse para si mesma que poderia ser só um delírio, ela sabia o que tinha visto naquela dispensa.

 

— Há algo mais que você queira saber?

 

— Sim, há - O coração dela estremeceu em hesitação. - Por que está mentindo para mim?

 

Uma sombra repentina se fixou no semblante de Renesmee, que endureceu a expressão ao ouvir a pergunta. No entanto ela não parecia surpresa.

 

— Por que acha que eu estou mentindo? - A ruiva devolveu a pergunta, de modo inocente. Brooke deixou os travesseiros, se sentando retamente, as pernas cruzadas e uma ponta de irritação crescendo. A dor de cabeça não importava mais.

 

— Pare de responder minhas perguntas com outras - Crocitou. - Eu agradeço muito por ter me ajudado quando precisei, mas sei que tem algo de errado nessa história, e quero saber o que é. Agora!

 

Dois segundos se arrastaram em silêncio. Então, por fim:

 

— Você quer a verdade? Eu irei lhe mostrar - Falou Renesmee, sombriamente. - Apenas não se assuste.

 

Em um movimento rápido que pareceu ser executado em um piscar de olhos, Renesmee já estava com uma das mãos na lateral de seu rosto, toda a palma fechada em sua pele, um toque morno que aos poucos, foi ganhando algo como uma corrente elétrica que fez cócegas em sua bochecha. Brooke abriu a boca para perguntar o que ela estava fazendo, mas então a resposta veio. Veja. A imagem da ruiva falando a palavra apareceu dentro de sua mente, como se ela tivesse imaginado, mas de uma forma real. E então se expandiu, a imagem de Renesmee sentada ali em sua frente sumiu, e a corrente elétrica pareceu serpentear por todo seu corpo, a puxando para outros lugares que ela nunca havia estado.
Dentro de sua mente, Brooke presenciou aparecer uma série de imagens, cenas e pessoas ao mesmo tempo. Se misturavam, girando em espirais como rolos de fitas, e rostos começaram a surgir, falas começaram a ecoar e uma apresentação de slide começou a ser feita em sua cabeça.
 A primeira imagem era uma cena. Havia uma mulher deitada em uma maca, a barriga redonda e avantajada se destacando no cenário, uma outra mulher loira ao lado dela, dois homens de diferentes tons de pele e aflitos a circulavam, trocando instruções. Parecia ser um parto, e teria sido normal se os gritos grotescos da mulher na maca não começassem a ecoar, e em seguida a maior bizarrice que Brooke tinha visto não tivesse acontecido: Um dos homens, o de pele mais clara e que parecia ser quase translúcida, tirou um bisturi de algum lugar e passou pela barriga da mulher, perfurando a pele esticada. Sangue começou a fluir enquanto a mulher na maca se debatia, e de repente, a mulher loira ao seu lado avançou, a boca se escancarando em pontuados dentes caninos. O outro homem a conteve, a expulsando da sala, e o parto seguiu em frente sendo atormentador. Houve mais gritos, mais instruções e o ponto alto da cena foi quando o homem de pele translúcida se abaixou e tirou o bebê com os dentes, revelando uma menina cujo o nome ecoou alto... Renesmee...

 A cena mudou, se dissipando como névoa pela mente de Brooke. Uma floresta despontou no cenário, e ao longe dela, uma massa de cabelos avermelhados corria, o corpo pequeno se movendo em uma velocidade impossível. A garotinha parecia ter por volta de sete anos, o sorriso no rosto perfeito muito familiar. Ela ria alto, contornando galhos e pedras, e o vislumbre de algo se movimentando entre as copas de um Salgueiro chamou a atenção dela. A menina parecia muito familiar para Brooke, e parou de correr repentinamente, fixando o olhar no Salgueiro. Foi muito rápido, uma raposa pulou de trás dele, e a pequena garotinha balançou os pés, se atirando para frente como uma predadora, capturando a pobre raposa em seguida. E então, sem mais delongas, a ruivinha cravou os dentes no pelo do animal, o ruído de sucção ecoando pela floresta silenciosa.

 

— Renesmee! - Uma voz masculina e também familiar ecoou se aproximando, e a versão mais nova da ruiva levantou a cabeça, revelando um par de presas expostas, a boca manchada pelo sangue da raposa...

 


 

Tudo voltou ao normal. As imagens desapareceram de sua cabeça, e o quarto branco voltou a entrar em foco. Logo, o entendimento atingiu Brooke. Aquilo foi uma história que estava sendo contada dentro de sua cabeça. Uma história de vida, mas precisamente, de Renesmee Cullen.
Ela ainda tinha a boca aberta quando piscou os olhos, atônita. Uma leve histeria vinha crescendo em seu interior, mas ela estava muito chocada para notar.

 

— Como você fez isso? — Perguntou Brooke, a voz não passando de um sussurro aterrorizado, os olhos vidrados na figura da garota em sua frente.

 


— Por favor, não surta! — Pediu Renesmee, puxando para longe a mão, mas já era tarde demais.

 


— Como é que eu não vou surtar? Você acabou de praticamente falar dentro da minha cabeça! Todas aquelas imagens, você... — Cacarejou, sucumbindo a histeria.

 

— Bem, é assim que eu me comunico na maior parte do tempo.

 

— Se comunica? Você por acaso é médium ou o quê?

 

 

A ruiva abriu a boca, bufando depois.

 

 

— Você anda vendo muita televisão, ou o quê? — Retrucou Renesmee, rolando os olhos. — Você queria a verdade, eu lhe mostrei. Apenas usei um jeito diferente, mas isso não a torna menos verdadeira... Enfim. Lhe mostrei duas das minhas memórias, e acho que agora você já sabe a verdade.

 

A expressão de Brooke permaneceu vazia, livre de qualquer entendimento. Ela não entendia (ou não queria), nada do que estava ouvindo ou do que tinha visto em sua cabeça. Ela apenas conseguia se concentrar no fato de Renesmee ter poderes paranormais, sendo médium ou não. E aquilo a aterrorizava de uma maneira tão intensa que ela se viu com o cérebro paralisado.

 

— Ah, qual é, Brooke! — Exclamou a ruiva, coçando a cabeça impaciente. — Eu estou tentando te ajudar aqui a entender, e você tem que entender, mas você não está cooperando muito — Uma respiração profunda. — Certo... Eu vou ser direta, como na aula de álgebra, ok?

 

A morena apenas balançou a cabeça, lentamente.

 


— Some o que eu acabei de te mostrar aqui, mais a última coisa que você se lembra da noite de ontem e adicione uma pequena lenda de terror a equação. Então resolva o problema e descubra logo o que tem para descobrir.

 

As palavras pareceram complicadas quando Brooke as ouviu, e ela achou Renesmee louca. Mas, o olhar penetrante e ansioso da ruiva, a fizeram achar que ela falava sério.

Bom, que seja então.
Começando a avaliar toda a situação, o cérebro de Brooke voltou a trabalhar normalmente. Ela desviou os olhos para a janela fechada, e se deixou raciocinar livre da tensão e do terror que sentia naqueles minutos arrastados. O que Renesmee Cullen havia lhe mostrado, por meio apenas de um simples toque, era surreal. Ela havia mostrado o próprio parto de Nascimento, e depois uma memória de quando era pequena... Caçando uma raposa. Sugando seu sangue, com presas e tudo. Isso era mais do que surreal. E então havia o que ela tinha visto ontem, segundos antes de desmaiar na dispensa do zelador... Olhos vermelhos. Esfomeados e sombrios olhos vermelhos. Não eram lentes de contato, Brooke sabia reconhecer uma quando via, o que tornava tudo ainda mais inumano. E o medo que sentiu... Só faltava a lenda de terror para encaixar em seu raciocínio. Haviam tantas lendas, de tantas formas contadas, como relacionaria apenas uma naquela irrealidade toda? Ela repetiu a pergunta para si mesma. Até que encontrou a resposta, quando se lembrou de uma que seu avô paterno costumava lhe contar ainda vivo.

Presas afiadas. Olhos vermelhos. Sangue drenado. Lenda de terror. Criaturas sombrias e demoníacas que andavam pela terra, amaldiçoadas a viverem eternamente.

 

— Vampiros — A palavra saiu em um sussuro trêmulo, como uma afirmação, e Brooke mirou os olhos de Renesmee.

 

— Até que enfim — Suspirou ela. — Já estava achando que iria ter que berrar na sua cara.

 

Os olhares das duas se cruzaram, e por meio segundo, pareceu uma piada. Uma daquelas piadas sem graça, mas que você acaba rindo sem querer. E Brooke riu, nervosamente, querendo acreditar que era uma piada, uma piada boba da Cullen mais nova. Entretanto, quando os minutos foram se arrastando, e Renesmee continuou a encarar séria, com uma ponta de frieza no rosto aparecendo, o riso foi cessando até desaparecer. Ela engoliu em seco quando viu a sinceridade no rosto da ruiva, e repassou rapidamente tudo que sabia sobre os Cullen. 
Naturalmente graciosos, inumanamente perfeitos, olhos peculiares, comportamento estranho, nunca vistos comendo nada, nunca vistos na luz do sol. 
Ela sentiu o estômago revirar, em um anúncio de medo.

 

— Oh meu deus! — Berrou, agarrando um dos travesseiros atrás de si e erguendo entre ela e Renesmee.— Vo-você é mesmo-o uma vamp-pira!

 

— Meia vampira, na verdade. Mas você não deixa de estar certa.

 

Brooke arregalou os olhos, se afastando apressadamente de costas, o travesseiro ainda erguido em uma espécie de "escudo".

 

— Oh, deus... Meia vampira! — Oscilou. — E o resto da sua família?

 

Renesmee levantou os ombros, se inclinando para mais perto enquanto a outra tentava estabelecer distância.

 

— Eles sim são vampiros completos. Todos eles. Mas não é com a gente que você tem que se preocupar, porque nós somos os bonzinhos... — A híbrida se interrompeu, quando tentou chegar mais perto da morena e esta lhe golpeou com o travesseiro na orelha. — ... Ai! O que você está fazendo, Brooke...? Pare de me bater com este travesseiro... Para... Me dá isso aqui...

 

Renesmee avançou para tirar o travesseiro com que estava sendo agredida das mãos de Brooke que continuava investindo travesseiradas pelo ar, mas a morena resistiu e em uma tentativa de se esquivar, jogou as costas para trás, caindo da cama em um baque sonoro. O travesseiro foi junto, mas não amorteceu a queda.
Ela gemeu, sentindo a dor na cabeça piorar umas dez vezes, e jogou todo o cabelo do rosto para longe, fitando os olhos esbugalhados da ruiva de pé, uma risada impressa no rosto.

 

— O que você pretendia conseguir dando travesseiradas em uma meia vampira? — Renesmee gargalhou, estendendo a mão em sinal de paz.

 

Brooke expirou, com a sensação de que a queda havia esmagado todo o medo e terror que sentia.

 

— Não sei, mas acho que mais do que o chão — Gemeu, e aceitou a mão estendida.

 

Renesmee a puxou para cima em um único movimento, sem um pingo de esforço, e Brooke cambaleou aturdida, procurando o equilíbrio. O encontrou momentos depois, e dirigiu um olhar a garota que agora sabia que era uma meia vampira. As duas ficaram se encarando por um longo tempo, até ambas suspirarem e voltarem a sentarem na cama, uma distância segura estabelecida. Sem travesseiros.
Brooke foi a primeira a se pronunciar:

 

— Então...

 

— Não, eu não vou te atacar nem chupar seu sangue ou nada do tipo — A Culpe a cortou.

 

— Como você...

 

— Eu leio mentes, dom herdado do meu pai.

 

— Carlisle.

 

— Não, Edward.

 

Brooke arregalou os olhos ainda mais, se possível.

 

— Mas eu pensei...

 

— É, todo mundo pensa. Longa história, garota, longa história — Murmurou Renesmee, e então esfregou as mãos no rosto, se tornando nervosa. — Agora preste atenção, Brooke. Eu sei que você tem muitas perguntas, está confusa e assustada, mas tudo isso vai ter que esperar. Há um motivo para eu ter te contado sobre os vampiros, uma razão muito séria. Mas agora você vai ter que me ouvir e fazer tudo que eu pedir — O tom de voz dela diminuiu para um sussurro abafado. — Outros vampiros além da minha família estão lá embaixo, vampiros como...

 

— O que estava ontem na dispensa do zelador, junto de Edward? O de olhos vermelhos? — Brooke se viu interrompendo, um arrepio subindo pela espinha. — Quem é ele, Renesmee?

 

— Ele é meu irmão, humana patética — Uma voz suave foi quem respondeu, adentrando o quarto. — E você mexeu com a cabeça dele.

 


 Brooke guiou os olhos até a entrada do quarto, onde muitos rostos a encaravam. Entre eles, ela reconheceu Edward, parado na soleira da porta, os braços cruzados no peito. Ao lado dele, estava um homem alto, pálido, bonito, com cabelos loiros penteados para trás e musculoso. Ele a olhava com uma expressão de compaixão, e parecia familiar, até que ela imaginou que aquele deveria ser o Dr. Carlisle Cullen, pela lembrança que teve dele em uma das reportagens na televisão sobre os assassinatos. 
Brooke deslocou o olhar para a esquerda de Carlisle, e encontrou um outro homem, magro, de palidez calcária, charmoso e de cabelos pretos até o pescoço, que a olhava muito formal com as mãos cruzadas na frente do corpo. O que chamou atenção mesmo foi a cor dos olhos, que diferente dos Cullen, variava entre um vermelho vívido e um tom mais escuro, o que significava que ele era um vampiro.

Os batimentos cardíacos dela começaram a aumentar de acordo que o entendimento lhe caia, e muito hesitante, Brooke seguiu com o olhar para o lado, e parada mais a frente, ela encontrou uma garota. Pequena, envolta em um manto negro com um brasão em formato de V, de cabelos loiros presos em um coque no alto da cabeça, bastante magra e andrógina, e um lindo rosto angelical com grandes olhos vermelhos escarlates. Também era uma vampira, e ainda que sorrisse discretamente, dava para notar a hostilidade e a frieza presente.

A onda de medo inundou o sistema de Brooke, gelando até seus ossos. Ela agarrou o forro da cama, e por um momento, pensou conhecer os dois vampiros de olhos vermelhos... Sim, ela os conhecia... Eles eram os primos distantes da Itália que Renesmee havia dito, no dia em que ela batera na porta de sua casa.

 

— Eles não são nossos primos. São do clã Volturi, muito desagradáveis por sinal — Murmurou Renesmee ao seu lado, depois de um tempo em que o quarto ficou silencioso. Brooke piscou confusa, mas depois lembrou que a ruiva podia ler sua mente. — Estes são Demetri e Jane Volturi, Brooke. Você vai conhecer o Felix depois. Nossos inimigos declarados.

 

Jane grunhiu, não tirando os olhos nem por um segundo dela, e Demetri ao seu lado não expressou nada. 
Brooke queria perguntar o por que estava sendo apresentada aqueles vampiros tão assustadores, com cara de maus, mas quando os olhares não se moveram dela, ela se acovardou e continuou calada, o corpo rígido imóvel. Houve um movimento, e Carlisle se aproximou, um sorriso educado no rosto:

 

— É bom conhecer você, Brooke, Renesmee falou muito a seu respeito — Ele estendeu uma das mãos. — Sou Carlisle, muito prazer.

 

A Evern tentou falar alguma coisa, mas não encontrou a voz. Tentou erguer uma das mãos e apertar a que Carlisle estendia para ela, mas o medo a incapacitou. Depois de alguns minutos, o Dr. Cullen abaixou a própria mão, mudando o sorriso para compreensivo.

 

— Não estamos aqui para apresentações nem cumprimentos — Rosnou Jane, demonstrando impaciência e estragando o ar angelical que tinha. — Estamos aqui para obter respostas dessa humana tola, e obteremos agora!

 

— Eu disse que precisava de tempo para explicar a situação à ela, Jane. Ele ainda não acabou — Renesmee retrucou, se levantando e ficando de frente para a vampira loira.

 

— Agora acabou.

 

Edward se intrometeu na frente das duas, tão rápido que Brooke piscou atordoada.

 

— Resolveremos isso civilizadamente — Disse ele e se virou para a ruiva. — Saia e fique junto da sua mãe, Renesmee.

 

— Não, eu vou ficar!

 

— Eu estou mandando, me obedeça.

 

A garota sustentou o olhar de Edward/pai por uma fração de segundos, e então, desviou, batendo os dentes e se virando para Brooke na cama, que observava tudo.

 

— Me desculpe.

 

Renesmee a lançou um olhar angustiado e então virou as costas, caminhando para fora do quarto à passos duros. A porta bateu, e a consciência de estar sozinha e rodeada por vampiros de verdade, chegou a Brooke. Apavorante e insana. Ela sentiu todos os olhares voltarem para si, e continuou congelada no lugar, os olhos ainda parados no lugar que Renesmee estivera segundos atrás.

 

— Agora creio que podemos prosseguir — Jane se pronunciou, a voz cantarolada em uma nota de crueldade enquanto passava por Edward e se aproximava da cama lentamente. — Me diga o que sabe sobre as mortes na cidade, humana.

 

Brooke franziu o cenho.

 

— Jane — Carlisle a advertiu, mas ela não pareceu ligar. Apenas se inclinou para perto da morena.

 

— Anda, responda-me!

 

— E-eu não... Não se-sei do que você está falando — Gaguejou Brooke, aterrorizada com a proximidade da vampira.

 

Um sorriso medonho se abriu nos lábios de Jane.

 

— Oh, não sabe? Não sabe mesmo que vampiros estão matando as pessoas dessa cidade? — Como resposta, a morena arregalou os olhos, balançando a cabeça que não. — Bom, eu acho que você está mentindo. E sabe por que? Porque eu tenho a certeza que isso é seu.

 

A Volturi apontou para Edward, que tirou do bolso da calça um colar de pedra verde.

 

— É o colar que eu perdi — Brooke arfou.

 

— Sim, é o seu colar — Concordou Jane, batendo com os dedos no espaço da cama ao lado. O sorriso maldoso brincando nos lábios. — E sabe aonde nós o encontramos, tolinha? Com um dos vampiros que andou atacando a cidade!

 

Um arrepio frio percorreu todo o corpo da morena. A imagem de uma recordação lhe veio a mente, e ela lembrou de Renesmee no estacionamento, usando o mesmo colar que estava agora na mão de Jane. Seu estômago revirou, nauseado.

 

— Eu não entendo — Disse, por fim.

 

Os olhos vermelhos se apertaram em sua direção.

 

— Última chance, Brooke Evern. Me diga o que sabe sobre as mortes — Mas ela não disse, e por isso, Jane expandiu o sorriso. — Dor.

 

Foi imediato. As fagulhas de dor irromperam em sua cabeça, mastigando seu cérebro esfomeadamente. Brooke mal ouviu os próprios gritos, apenas se jogou da cama, as mãos segurando a cabeça contra o peito, o inferno acontecendo dentro dela. Era como ter agulhas espetando seu sistema nervoso, labaredas lambendo sua mente e o oxigênio sendo sugado de seus pulmões. Ela permaneceu se debatendo e gritando por algum tempo, até que tudo parou de repente.
Em algum momento, Brooke tinha fechado os olhos, e continuou com eles assim quando os sentidos voltaram e a dor alucinante em sua cabeça se fora. Ela conseguia ouvir a própria respiração pesada e rápida, a risada suave e macabra de Jane, e podia sentir as mãos frias de alguém a levantando. 
Brooke se encolheu, fraca, e a pessoa a colocou de volta na cama, onde ela reabriu os olhos e observou Carlisle se afastar cautelosamente. Suas órbitas giraram, e ela encontrou Demetri ainda ao fundo, impassível. Depois encontraram Edward, parecendo consternado. E por último, miraram a figura de pura maldade da loira, que sorria abertamente.

 

— É isso que te espera se você não colaborar conosco, humana estúpida. Isso e coisa pior. Mas até você resolver falar, e meu irmão voltar, você ficará presa aqui — Disse Jane, já virando as costas, mas parando por um momento. — E acho melhor você saber. Nós Volturi não damos uma segunda chance.

 

E lançando um último olhar cheio de repugnância, a vampira saiu do quarto em uma velocidade sobre humana. Demetri a seguiu, silencioso, deixando apenas os dois Cullen para trás. Brooke observou Edward abrir a boca e dar um passo a frente, a fazendo se encolher institivamente. Ele recuou então, e soltou um pesado suspiro, virou as costas e passou pela porta, as mãos na cabeça.

 

— Saiba que minha família e eu não queremos o seu mal. Mas infelizmente isso é preciso — Carlisle falou pausadamente, sendo o último a deixar o quarto segundos depois, trancando a porta, fazendo daquele momento em diante, Brooke Evern uma prisioneira.

 

 

 

***

 


          Cento e noventa e nove...

Cento e noventa e nove...

 

Depois de quatro dias trancafiada em um dos quartos da mansão Cullen, Brooke já estava perdendo a sanidade. Depois de chorar um rio de lágrimas, com medo, confusa e sozinha, ela fez uma busca pelo quarto a fim de encontrar algo que pudesse tira-la de lá, sem sucesso. Pegaram sua bolsa, assim como seu celular. Então, quando parou para reavaliar toda a situação, tudo que ouviu e viu, as coisas começaram a se embaralhar em sua cabeça até que se fundiram e a bagunçaram. Agora ela ouvia vozes, ruídos, tinha alucinações com sombras a perseguindo, e estava paranoica. Em poucas palavras, estava louca. Novamente. Psicótica. Novamente. Os sintomas que um dia tivera, voltavam cada vez mais claros, e sinalizavam o retorno do passado perturbado que a garota tinha, a deixando mais deprimida. 
Naqueles quatro dias que esteve ali, sentiu na pele o verdadeiro medo, a cada som de passos se arrastando pelo corredor, a cada vez que a porta era aberta e um dos Cullen aparecia, lhe trazendo comida que ela dispensava. Não confiava em nenhum deles, não confiava nem mesmo em si mesma mais. O que estava vivendo era surreal demais. Vampiros existiam de verdade, e alguns deles estavam a mantendo em cárcere. O quão louco aquilo poderia ser? 
Com certeza era demais, até para Brooke.

Não voltara a sonhar com Penny. Na verdade, não voltara nem a dormir. Tinha medo de que quando fechasse os olhos, pelo menos por um segundo, alguém daquela casa surgisse de trás dos móveis e a atacasse. Mas como resultado das noites insones, o comportamento de Brooke passou de assustado para agressivo. Ela parecia um animal selvagem enjaulado a cada vez que a porta rangia e Renesmee aparecia, querendo conversar. A garota simplesmente não entendia que ela só estava naquela situação por causa dela, por tê-la conhecido, e que tinha medo dela e de sua bizarra família. No entanto, isso não impediu Renesmee de forçar um diálogo, e lhe explicar algumas coisas sobre aquele mundo surreal onde criaturas lendárias existiam e circulavam entre os meros mortais. A ruiva explicou o necessário que Brooke tinha que saber, como por exemplo sua família vegetariana, que não tinha como prato principal sangue humano. Também falou sobre quem era os Volturi, e o papel do clã no mundo vampiresco, como agiam e como eram indiferentes com a raça humana. Alguns nomes foram citados, entre eles, o de Alec Volturi, irmão gêmeo de Jane (esta que a torturava sempre que não tinha respostas, mas que era impedida por Bella, que tinha um escudo mental ou algo do tipo) e vampiro sedento por seu sangue, agora que Brooke sabia o que queria dizer "La tua cantante". Ela lembrava dele da noite da festa, na dispensa, e achava que para seu próprio bem, era melhor Alec se manter distante, ausente como estivera em todos aqueles dias. Se voltar a vê- lo a faria sentir o terror que sentiu, preferia que nunca mais o encontrasse.


Mas, foi só quando Renesmee falou sobre os assassinatos da cidade que envolvia outros vampiros e a por alguma razão, a própria Brooke, que ela deixou se perder no meio do caos. Não podia acreditar que de alguma maneira, era culpada por todas as vidas roubadas em Forks. Que assim como Anne Aldetre, todas as outras pessoas que foram mortas tinham relação com ela. Mas elas não tinham, certo? Brooke dizia a si mesma que não, mas depois de repetir isso uma centena de vezes, a fé em suas palavras começou a ser abalada.

Ela sempre surtava nessa parte. Pensamentos eram despejados em sua mente, e ela se via sem saída a não ser confronta-los. E se tivesse culpa? E se nunca saísse dali? E se a matassem, ou pior, a transformassem em um monstro como eles? Ninguém nunca saberia. Porque ninguém se importava, além, é claro, de sua mãe... Sua mãe, que não fora atrás dela quando os quatro dias se passaram e Brooke não voltou para casa. Algumas vezes ela se sentia magoada, outras, aliviada por saber que Marcy não correria perigo se aproximando daquela casa. Mas contudo... Ela queria ser salva. Queria sair daquele lugar que estava a deixando a quilômetros e quilômetros da realidade.


          Cento e noventa e nove...

Cento e noventa e nove...

Cento e noventa e nove...

 


 Brooke puxou os cabelos, suspirando alto. Estava empacada em sua contagem, estava empacada no cento e noventa e nove. Sempre que tentava pular para o próximo número, uma das sombras que ela achava ver se movia pelo quarto, e ela fazia silêncio, ficando imóvel.

O quarto estava imerso nas sombras, já deveria ser noite, e a única fonte de luz provinha da abertura por baixo da porta, onde a luz do corredor invadia. O dia todo ninguém aparecera, nem Cullen, nem Volturi, e a ausência de vozes ou passos no resto da casa estava a deixando intrigada. Brooke vasculhou todo o quarto com os olhos frenéticos, e depois de uma rápida hesitação, jogou as pernas para fora da cama, tocando com os pés descalços no piso frio. O arrepio subiu até sua espinha, através do pijama de coelhinhos que usava desde do dia que chegou, e ela caminhou nas pontas dos pés, sem fazer barulho, até a porta. Cento e noventa e nove...
Sua mão se ergueu, e tocou a maçaneta, a girando devagar. Para a surpresa de Brooke, a porta se abriu sem dificuldade. Alguém se esquecera de trancar.


É sua chance bobinha, uma voz ecoou dentro de sua cabeça.


Se você quiser ser morta... Uma outra opinou, e ela sentiu o coração começar a acelerar, as sombras do quarto se movendo novamente.

Se acalme, Brooke ordenou a si mesma. Sabia que se tivesse alguém lá embaixo, poderia escutar as batidas altas de seu coração e então sua chance de fuga seria desperdiçada. Ela abanou a cabeça, e muito lentamente, abriu mais a porta, o suficiente para se esgueirar pelo corredor iluminado. Sua respiração ficou presa quando ela conseguiu chegar do lado de fora, longe das sombras, mais perto de sua liberdade.
Brooke mordeu os lábios, e olhando para todos os lados, se encaminhou para a frente do corredor, que terminava em uma escada. Em momento nenhum daquelas noventa e seis horas que estivera ali, ela conheceu outro cômodo da casa além do quarto, e por isso, teve a prudência de tomar muita cautela enquanto avançava até o começo da escada de vidro. Brooke parou no topo, inclinando o rosto para baixo pelo corrimão, observando a sala de estar vazia logo abaixo.  Uma brisa fria tocou sua nuca, e ela se virou, vendo as sombras deformadas do quarto dançando a frente, se arrastando em sua direção. Ela apertou o corrimão, e atordoada com a maneira que as sombras se locomoviam, esqueceu-se por um momento da cautela e ergueu o pé o apoiando no primeiro degrau, correndo escada abaixo em seguida. O vidro abaixo de seus pés pareceu estremecer, rachar.
As sombras a seguiram, se misturando pelo ar, e a morena pulou o último degrau, cambaleando um pouco pela sala de estar enquanto o cabelo longo ricocheteava em seu rosto.

Zumbidos começaram a soar em seus ouvidos, e Brooke experimentou um pouco do pânico crescer na boca do estômago, ao mesmo tempo que desviava dos sofás e corria na direção de uma abertura na parede. As sombras não pararam de a perseguir, e ela pulou pela mesinha de centro, mergulhando pela abertura na parede, adentrando em outro cômodo da casa, a cozinha. Brooke girou o pescoço para trás, visualizando as sombras negras a uma curta distância, e bateu de frente em algo sólido, frio, e menor do que ela.

 


— O que você está fazendo aqui embaixo? — Ela moveu a cabeça, e encontrou com Alice Cullen a encarando com a testa franzida.

 

Brooke sentiu o coração falhar uma batida. Já era. Fora pega. Agora seria castigada. Ela olhou Alice aturdida, e se preparou para dizer que estava fugindo das sombras que a perseguiam, mas no momento em que abriu a boca para dizer, a vampira com estatura pequena parecendo uma fadinha deslizou a mão sob seu braço, e uma coisa estranha aconteceu. No momento em que Alice tocou Brooke, uma vibração ocorreu entre as duas e o mundo pareceu rodar, engolfando as duas para dentro de uma imagem borrada em outro lugar.

Parecia ser uma caverna escura, o som de ondas não muito distante batendo contra as pedras. O cheiro de água salgada e entulho ardia nas narinas de Brooke, que estava materializada na visão, sem Alice ao seu lado. Ela uniu as sobrancelhas, sem saber o que estava acontecendo, e o eco de um assobio dentro da caverna chamou sua atenção. A Evern levantou os olhos, e entre toda a escuridão, ela distinguiu a figura de um homem a alguns metros de distância, com um casaco de pele volumoso arrastando pelo chão rochoso. Ele estava de costas, não dava para ver o rosto do sujeito, mas algo em sua postura inspirava medo e imponência, tão intimidador que Brooke se encontrou travada no mesmo lugar. 
Uma luz amarela surgiu de algum lugar, e iluminou diretamente o chão da caverna, onde uma pilha de corpos espalhados jazia, os pescoços expostos revelando a causa da morte...

 


  Alice se afastou, espantada, e Brooke ofegou. As duas se encararam em choque, e a vampira se distraiu por um instante, o suficiente para a Evern agir. Assustada com o que viu, e ainda sem estar no juízo perfeito, Brooke traçou um olhar até o balcão ao lado, onde uma faca de cozinha estava largada. Sem pensar muito, ela se jogou na direção da faca, a pegando com as pontas do dedo, e girou com ela nas mãos, no exato momento em que Renesmee entrava no cômodo:

 

— O que está acontecen...

 

Brooke enfiou a faca na barriga dela. O murmúrio de surpresa saiu dos lábios da híbrida antes do sangue começar a manchar o vestido rosa bebê que ela usava, e seu corpo cair no chão. Alice gritou, correndo até a sobrinha. Brooke piscou, atordoada, descendo os olhos para as mãos sujas do líquido escarlate, e a razão a estapeou como uma bofetada.

Ela acabara de esfaquear Renesmee Cullen.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Olá, amores! Como vocês estão?
Eu queria ter postado esse capítulo ontem, porque já estava pronto, mas minha internet não cooperou muito. Mas enfim, aqui estou eu e ele, que ficou muito maior do que eu pretendia *_*
Antes de começar a falar sobre o que aconteceu nele, vocês devem ter reparado que não teve notas iniciais, nem que teve música para este capítulo. Bem, eu não consegui encontrar uma que combinasse com ele, e como o escrevi ouvindo várias músicas, resolvi não pôr nenhuma.

Mas agora sim, vamos falar sobre os acontecimentos de hoje: SOCORRO! O povo dessa fanfic acabou enlouquecendo a Brooke, o meu bolinho, gente! Mas calma lá, ela vai melhorar.
E agora que ela descobriu a verdade sobre os Cullen e conheceu os Volturi (o que é um milagre, porque nem a Renesmee mostrando, ela conseguiu entender) as coisas vão pegar fogo!
E eu sei, sei mesmo, mereço uma pedrada por ainda não ter feito o Alec e a Brooke terem o primeiro contato MESMO.

EU SEI!

Mas juro para vocês que no próximo capítulo isso acontece, sem falta! O importante aqui é eles terem um primeiro contato marcante, porque vocês ja sabemsabem né? Quem tem pressa come cru.
Além do mais, nos próximos capítulos a vida de todo mundo vai mudar. A ação vai começar, e seja o que deus quiser.

Só tenho isso para falar. Mas antes de me despedir, queria agradecer como sempre, todos os comentários incentivadores e o carinho que vocês têm por essa fantiction. Obrigada!

Até o próximo capítulo...

Bjs ♥