Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 18
Capítulo XI: Propostas, flechas e competições


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Estamos passando por um momento complicado, por isso espero q tds vcs estejam bem, seguros e em casa. Na tentativa de melhorar um pouco o clima decidi postar um capítulo e trago novidades! Já comecei a pensar no próximo e sei q posso confirmar q FINALMENTE a primeira parte da fic está acabando! É isso aí, mas um cap. e então as coisas vão esquentar rsrs
Espero q gostem da leitura!



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Carl Gonzalez, Carl

­ (Domingo, madrugada)

Era madrugada quando os lobos uivaram pela primeira vez.

Todos os campistas já estavam em suas camas, mas nem todos estavam dormindo, por isso os burburinhos de conversas ainda eram ouvidos. Mas durante os segundos que sucederam o som vindo da floresta, tudo ficou silencioso como se todos estivessem à espera de algo. Porém, tão súbito quanto veio, o silêncio se foi e logo os campistas ainda acordados no Chalé da Coruja voltaram a sussurrar e eu voltei meus olhos para minha leitura.

Então, veio a segunda leva de uivos. Mais longa e, aparentemente, mais dolorosa se é possível dizer algo assim. Então dessa vez o silêncio cresceu e com ela, a tensão. Os roncos do meu colega de quarto pararam como se até mesmo em seus sonhos Dipper estive esperando algo acontecer. 

Quando o som de dezenas de corujas levantando voo chegou ao Chalé, assim como o som das pesadas patas dos ursos e mais uivos, todos sabiam que algo definitivamente estava acontecendo.

Coloco o marca páginas dentro do meu exemplar de Ladrões de Sonhos, pausando minha leitura muito antes do estipulado. Jogo as cobertas para o lado e me levanto depois de colocar o livro sobre o meu criado mudo. Calçando meu chinelo, caminho o mais silenciosamente possível até a porta e abro uma fresta pela qual consigo ver os campistas dos outros quartos fazendo o mesmo. 

Quando a luz do último andar do Chalé das Corujas se acende informando que Elijah está fora dos seus aposentos, todos aguardam alguns segundos até a luz da escada ser acesa e os passos  do Líder se aproximarem. Abro mais a porta e estreito os olhos quando Derek, um dos campistas mais velhos, acende a luz do corredor fazendo com que os novatos fechem as portas com medo da bronca. 

− O que está havendo? − Linda May pergunta quando Elijah finalmente aparece nos pés da escada trajando a roupa que usava antes do toque de recolher. 

O Líder para parecendo ligeiramente surpreso ao ver a quantidade de portas entreabertas, como se não esperasse que tantas Corujas estivessem acordados. Passando os olhos rapidamente por todos, ele fala para a garota ruiva:

− Não sei, é isto que estou indo descobrir – ele abre um sorriso de lado, passando a mão pelo colar que sempre está ao redor do seu pescoço. – Vocês não deviam estar dormindo? Temos o início das competições hoje à tarde e quero ver as Corujas detonando. 

Alguns campistas riram e comemoraram antes de retornarem para seus quartos e fecharam suas portas com a intenção de descansaram para as horas seguintes. As competições são provas criadas com o objetivo de, principalmente, selecionar as Larvas para as Irmandades mesmo que os novatos não saibam disso. Para eles e para a maior parte do Acampamento, as atividades são para as Irmandades interagirem ao mesmo tempo que competem enquanto os campistas mais velhos ganham destaque e pontos uma vez que cada prova ganha aproxima um Chalé da conquista da Taça das Irmandades. 

Em síntese, um dia inteiro de atividade física dos mais diferentes estilos com pessoas torcendo loucamente e gritando a plenos pulmões enquanto os Líderes apenas colocam lenha na fogueira e aguardam o circo pegar fogo.

E sem Elizabeth ali, algo dizia a Carl que aquele ano seria ainda pior do que as outras temporadas.

Não que as competições não sejam legais, elas são consideradas um dos melhores acontecimentos no Acampamento porque representam o início da temporada para os campistas que estão a pelo menos duas temporadas numa Irmandade. Mas para mim, uma pessoa que não gosta nem de esportes que envolvam contato físico ou bola – com exceção de tênis e golfe – nem de ter que trabalhar em equipe com pessoas que não tenho intimidade, as provas são verdadeiros tormentos. 

Permaneço no corredor assim como Linda May, Elijah e alguns campistas mais velhos. O Líder deixa a ruiva no comando, uma vez que ela é sua imediata, antes de descer outro lance de escadas e sair do Chalé para descobrir o que está acontecendo. 

— Bem, vocês ouviram o Campbell – Linda May fala colocando as mãos na cintura e observando os colegas que ainda estão fora dos quartos. – Todos para as camas! Quero ver todo mundo ganhando pontos para a Coruja amanhã!

— Vamos tirar aquele sorrisinho idiota da cara do Jason esta temporada! – Rick fala animado. 

Controlo a vontade de suspirar e me viro fazendo menção de voltar ao quarto quando alguém coloca a mão sobre meu ombro. Olho para trás e vejo Rick sorrindo de forma debochada para mim.

— Vê se melhora essa cara de bunda até amanhã de manhã, Gonzalez – ele fala. 

Rick Declan é um menino de 14 anos de pele clara com mais ou menos minha altura, olhos azuis claro que combinam com o cabelo tingido de azul e manchas no rosto devido o sol do verão. Ele está no Acampamento desde os 11 anos de idade, ou seja, ambos ingressamos juntos. No começo, não fui muito com a cara de Rick pelo fato do garoto da Carolina do Sul ser muito extrovertido para meus padrões. Mas conforme as semanas passavam e Lucian se aproximava da Effy e os campistas eram selecionados para as Irmandades, me vi forçado a interagir com Rick para evitar ficar sozinho.

 Lucian ficou orgulhoso e me incentivou, é claro. Mesmo que eu tenha ficado com raiva na época, foi a amizade de Lucian com Elizabeth que fez com que Rick se aproximasse de mim na esperança de se aproximar da garota uma vez que tinha vontade de entrar na Raposa. Obviamente, não foi o que aconteceu. Mesmo com os cabelos de Rick pintados da cor de sua Irmandade, Effy não demonstrou interesse no garoto quando Elijah o escolheu no mesmo dia que me escolheu. 

Não ficamos no mesmo quarto e foi graças a isso que me vi obrigado a interagir com outra pessoa. Dipper Fray havia sido selecionado pelo teste naquela temporada, por isso ele e as outras Larvas haviam interagido muito pouco. O menino de também 11 anos na época ficou extremamente feliz por ter um colega de quarto que também gosta de ler mangás e por isso nossa amizade foi quase que instantânea. Em poucas horas nós três havíamos nos intitulado os três mosqueteiros, até que Saah ingressou no grupo. 

— Não entendi – falei fazendo uma cara levemente confusa. – Quem tem cara de bunda aqui é você. 

Rick riu.

— Vejo que os feriados com a nossa adorável Líder têm lhe feito bem. De qualquer forma, não é isso que as garotas dizem. 

Reviro os olhos. 

— E eu vejo que o tempo com Jason tem lhe feito muito mal. Seus neurônios estão morrendo mais rápido do que eu supus ser possível. 

Rick me dá um soco de brincadeira no braço, mas antes que possa retrucar uma Linda May brava nos manda ir para o quarto de uma vez. Aceno com a cabeça para meu amigo, antes de entrar no quarto e fechar a porta não sem antes falar. 

— Noite, Smurf. 

Dipper dorme profundamente como se nada tivesse acontecido. Caminho em direção a cama e tiro meus chinelos, mas antes que possa voltar para a minha leitura vou até a janela do quarto e olho para fora. As corujas sobrevoam as árvores que escondem o Chalé das Raposas e a floresta além do muro que nos separa do resto do Acampamento. Uma vez perguntei a Effy porque o local de refeição das aves fica longe do corujal já que para mim faria mais sentido ter uma floresta cercando o nosso chalé e não o das Raposas. A garota explicou que as aves precisam se exercitar, por isso o alimento fica longe de modo que elas são obrigadas a bater as asas se quiserem comer. 

— De outro modo – ela disse – as corujas pouco se exercitariam e teriam suas asas atrofiadas, sendo todas condenadas à morte pelos responsáveis pelo Acampamento. 

Eu nunca soube quem são os ‘’responsáveis pelo Acampamento’’ uma vez que até aquele momento eu acreditava que eram os Líderes e o pessoal do edifício da recepção, mas olhando pela minha janela as corujas que saíam ou entravam nas torres do Chalé eu soube que quem quer que mandasse matar aquelas lindas aves não teria piedade de nada nem ninguém.

Um ronco de Dipper me arranca dos meus devaneios, mas permaneço à janela olhando para além dos muros a floresta com seus morros e as montanhas ao longe, iluminados pela lua cheia e as estrelas, me perguntando o que poderia ter acontecido para que os animais agissem de forma estranha há apenas alguns minutos. 

Observo dois lobos percorrendo o jardim de rosas localizado no fundo do Chalé, ambos fazendo sua ronda como cães treinados, os rabos balançando nervosamente e me pergunto quem teria treinado a alcateia, quem teria tido coragem e paciência o bastante para isso. Se não fosse pelos rabos nervosos eu poderia ter dito que não havia nada de errado, mas já passara muitas horas sentado no parapeito acolchoado da janela para saber que algo estava acontecendo, porém sem poder fazer nada e levemente frustrado respiro fundo e me espreguiço antes de deixar a cortina aberta e sentar na minha cama.

 Meu livro parece levemente desinteressante diante do mistério com os lobos e depois de dar uma olhada na hora decido que o melhor a fazer é dormir de modo que apago o abajur do meu criado mudo e me deito contra o travesseiro sentindo minhas pálpebras pesadas. 

***

(Domingo, manhã).

Às sete e meia da manhã o despertador tocou e eu resmunguei, virando para ficar de frente pra parede de modo que a luz da manhã não atingisse minhas pálpebras fechadas. 

— Quem foi o corno que deixou a cortina aberta? – Dipper falou com raiva.

— Quem pergunta – falei ainda de olhos fechados. 

— Merda – meu colega de quarto resmungou e o barulho dos pés no chão me informou que ele estava sentado. – Odeio não poder culpar você pelos meus erros. 

— Pobre Dipper – falo com deboche finalmente abrindo meus olhos e me espreguiçando. 

— Como eu deveria saber que meus atos teriam consequências? – ele fala num tom de lamentação. 

Solto uma risada alta antes de me sentar e ficar cara a cara com meu amigo. 

— Forças guerreiro.

— Você está muito animado pro meu gosto, nem parece que hoje é dia das atividades. 

— Nem me fale – solto num suspiro me levantando e espreguiçando. – Espero que acabe rápido. 

— Levando em consideração que ao contrário das outras temporadas foi o dia inteiro e aparentemente hoje é só metade, acho que será rápido. 

No jantar da noite anterior Dylan Black anunciou que nos domingos pela manhã nós teríamos obrigações para a tristeza de alguns campistas uma vez que o domingo era o único dia que não tínhamos algo planejado. Mesmo com as reclamações, Dylan se manteve irredutível e disse que aquilo não estava aberto para debate o que fez com que Mavis soltasse um ‘’autoritário’’ por meio de uma tosse falsa.

Devido ao descontentamento, Elijah havia nos liberado da reunião que acontece aos domingos antes do café da manhã avisando para não nos acostumarmos. 

Arrumo minha cama enquanto Dipper se troca e me conta que sonhou com lobos correndo atrás de um homem na floresta e o destroçando-o. Depois que digo que ele sonhou com isso provavelmente porque ouviu um uivo enquanto dormia sou obrigado a contar os acontecimentos da madrugada. A cada frase dita a Dipper penso o quanto estamos todos paranoicos uma vez que os lobos podem ter simplesmente uivado porque estão em período de acasalamento ou algo assim.

Depois que me troco espero Dipper sair do banheiro antes de fazer minha higiene pessoal, ouvindo meu colega reclamar da minha mania de arrumação que o obriga a arrumar a cama. 

— Não faz o menor sentido! – ele exclama. – Eu vou me deitar de novo e desarrumar à noite. 

Não respondo sabendo que ele está reclamando pelo simples prazer de reclamar. Ouço uma batida na porta e logo vejo Saah entrando no quarto assim que saio do banheiro. 

— Não pode esperar a gente abrir não? – Dipper fala. – Podíamos estar pelados. 

Saah ergue uma sobrancelha e cruza os braços. 

— Os dois? – ela passa os olhos castanhos dourados por mim e Dipper antes de continuar. – Tem algo que queiram me contar?

Reviro os olhos. 

— O que quer Saah? 

Saah Chopra é uma menina de 13 anos do Oregon descendente de indianos com cabelos pretos lisos na altura dos ombros, olhos castanhos dourados como a pele, lábios carnudos e altura mediana. Ela entrou no Acampamento uma temporada depois de mim e meus amigos, mas fez amizade fácil com Rick e entrou no grupo assim que chegou na Irmandade. Saah é amiga de sua colega de quarto, Lani, mas passa a maior parte do tempo conosco uma vez que a amiga tem cada minuto do dia cheio de afazeres. 

— Bom dia pra você também. Estamos esperando as bonitas tem uns dez minutos. 

— A culpa não é nossa se vocês acordam vinte minutos antes de nós – falo enquanto Dipper passa pela porta do quarto fazendo com que Saah se mova. 

— Vocês podem andar mais rápido? – Lani fala num tom levemente desesperado surgindo no topo da escada. – Não me deixem sozinha com Rick!

— Não fale assim do amor da sua vida – Saah fala quando fecho a porta e caminhamos para a escada. 

— Você é má, Chopra – Lani fala fingindo tristeza. 

O Chalé das Corujas é relativamente silencioso levando em conta que todos os campistas estão acordados se arrumando para o café da manhã. Avisto Dominique Lee Underwood saindo para o corredor com sua colega de quarto, Margot Pike que está segurando a mão do namorado Ronald Billius enquanto fala algo. Domi sorri e acena para mim. Retribuo o gesto com um aceno de cabeça antes de descer as escadas com meu grupo e caminhar pela sala de TV até a porta principal. 

— Tudo parece normal – Rick fala quando descemos as escadas da varanda. 

— O que você esperava? – Saah pergunta. – Campistas correndo e gritando por todos os lados? 

De fato, o Acampamento está normal. Os campistas caminham ou usam os carrinhos para se dirigem aos portões da Coruja, o mais perto do Refeitório. O barulho de conversas chega até nós como todas as manhãs e os campistas parecem descontraídos como se nada fora do normal tivesse acontecido. De fato, se eu mesmo não tivesse ouvido os lobos, as corujas e os ursos poderia dizer que tudo não passara de um sonho. 

— Não sei – Rick diz com sinceridade. – Mas não esperava que todos estivessem tão normais. 

— Entendo o que quer dizer – Lani fala enquanto deixamos a parte que cabe ao Chalé das Corujas para trás e alcançamos a área comum por onde os outros campistas andam. – Mas não é como se pudéssemos fazer algo, né? Ou como se os Líderes fossem nos contar se algo de fato aconteceu. 

— Acha que Elijah não ia nos informar se algo tiver acontecido? – Dipper pergunta. – Ou os outros não vão falar como falaram quando a Manson foi embora? 

— Não sei – Lani fala cautelosa. – O que acha Carl? 

Arregalo os olhos surpreso por Lani querer a minha opinião, mas logo volto a minha expressão neutra enquanto penso no assunto. 

— Talvez nada tenha acontecido – falo expressando minha teoria daquela manhã. – Não sei, não pode ser período de acasalamento ou algo assim?

— Não aconteceu isso nas outras temporadas – Saah pontua sabiamente. 

— Lucian não falou uma vez que o acasalamento dos lobos é em janeiro? – Rick pergunta e diante dos nossos olhares curiosos completa. – O que? Não é minha culpa se vocês não lembram.

 Tentando justificar a estranha reação dos lobos percorremos o caminho até o Refeitório e entramos no mesmo às oito em ponto, caminhando em direção à mesa. Sento-me e fico em silêncio enquanto meus amigos conversam. Olho ao redor e avisto Dominique não muito longe de onde estou sentado com o casal modelo, Jena Lee, Francis Kooks, John e Elle Strokes. Aceno com a cabeça para Francis quando o mesmo acena para mim devido a nossa proximidade dos últimos dias graças aos planejamentos da Caça as Bandeiras e sorrio sem mostrar os dentes para Jena já que fazemos juntos o turno na cozinha e as aulas de gastronomia. De modo geral, parece que a novata se socializou bem. 

Passo meus olhos pela mesa dos Lobos e encontro Lucian conversando com Kenai Nimble e reprimo a vontade de bufar ao me lembrar da pequena discussão que tive com ele, me perguntando como meu irmão consegue se relacionar com alguém que não gosta da sua melhor amiga. 

— Vai ser divertido a reação de Lucian quando ficar entre Kenai e Elizabeth, quando ela voltar – Saah havia dito no jantar de quinta-feira. – Kenai não vai com a cara dela, Manson provavelmente não está muito feliz por causa todo com o campista atacado pelos lobos... 

Lucian e Kenai riem de algo que Nathan Parker, da Raposa, fala e como Newt Brooke é o único a ficar sério antes de rir, suponho que ele seja a piada. Olhar para Newt me lembra de sua irmã mais nova, Evelyn, que por algum motivo insiste em ser simpática comigo e acaba arrastando todas as amigas da Larva junto. Pensando nisso, olho em direção a mesa temporária de toalha verde e facilmente encontro os cabelos tingidos de vermelho de Evelyn e me pergunto se ela não se daria melhor com Rick do que comigo. A menina conversa animada com Telma e Maxine enquanto a ruiva, Calíope, assunto nas Irmandades graças a Jason conversa com uma cara mau humorada com a morena baixinha sentada ao seu lado e uma outra que está usando jeans e amarelo. 

Elijah passa pela mesa das Larvas antes de ir ao encontro do grupo do meu irmão e ele não parece preocupado o que aumenta as teorias dos meus amigos que passam a observar os Líderes. 

Dylan está de pé perto da mesa dos Líderes conversando com Matthew e Sam. O loiro está agindo normalmente e sorri de vez em quando, mas o sorriso não chega da altura de seus olhos marcados pelas olheiras que apenas contribuem para sua cara de cansaço, mas como ele está com essa aparência faz uma semana, piorando consideravelmente na sexta, nem eu nem meus amigos achamos suspeito. 

Matthew está como de costume estralando os dedos e parece concentrado no quer que seja o assunto da conversa, mais ouvindo do que falando. Ele parece ter tido uma boa noite de sono mesmo com olheiras leves se comparadas com as de Dylan. O sorriso que ele abre quando Sigrid se junta ao grupo e o sorriso que ela dá em respostas faz Lani suspirar sonhadora na minha frente e falar:

— Eu só queria que alguém sorrisse assim pra mim.

— Eu sorrio, mas você não corresponde – Rick fala sorrindo do meu lado para a menina que apenas revira os olhos, o que faz com que meus amigos e eu ríamos.

Mesmo não sendo Líder, observamos Sam principalmente pelo fato de que nos últimos dias ele andou sumido. Cooper havia brigado com Dylan na última vez que soube dele, por isso não era nenhuma surpresa vê-lo dando mais sorrisos amarelos do que verdadeiros. Ele não parece diferente do normal e talvez meio nervoso, mas como sempre está meio nervoso não levamos isso em consideração. 

— Talvez ele estivesse ocupado organizando as provas – falo. – Effy geralmente faz isso, mas como ela está fora talvez tenha virado responsabilidade de Sam.

Meus amigos assentem e olhamos, assim como outros campistas, para a porta de entrada quando um grito fino chama nossa atenção. Como o esperado, Mavis está parada na soleira da porta encarando Jason, que sorri calmamente, de forma furiosa. O sorriso do Líder dos Lobos parece deixar a ruiva ainda mais furiosa a ponto de socar o braço musculoso do amigo que ri em deboche. 

— Mavis parece muito irritada para mim – Dipper fala se servindo de um pedaço de torta de frango assim que um funcionário coloca a travessa na mesa. 

— Desde que a melhor amiga foi embora ela sempre parece mais irritada do que o normal – Saah comenta enchendo seu copo com suco. 

Desvio meus olhos castanhos claros da dupla que discute meio que sussurrando parados no meio da porta de entrada para meu irmão que observa tudo com a testa franzida. Kenai cruza o olhar com o meu e ao perceber que estou olhando para o grupo dá com o ombro no de Lucian e aponta com a cabeça em minha direção. Meu irmão mais velho me olha e sorri antes de caminhar em minha direção. Levanto-me e vou ao seu encontro antes que ele alcance minha mesa, sentindo os olhos dos meus amigos sobre nós. 

— Tudo bem com a Mavis? – pergunto. 

Lucian suspira lançando um olhar para a dupla antes de falar. 

— As coisas estão complicadas. Matthew deixou escapar que Sigrid falou que caso ela não melhore, Effy ameaçou tirá-la do cargo assim como todos os Líderes que não estão cumprindo com suas funções. 

Ergo as sobrancelhas, surpreso.

— Uau, as coisas estão feias mesmo... Mas quem iria assumir se Mavis for tirada?

Lucian dá de ombros. 

— Não sei dizer, mas espero que não cheguemos a esse ponto. As coisas já estão ruins no relacionamento das duas sem isso. 

— Talvez, mas não julgo Effy.

Sinto os olhos de meu irmão sobre mim enquanto ainda observo o casal.

 – Como assim?

Dou de ombros.

— Mavis descontou a raiva nos campistas, suas ações deixam os demais nervosos, principalmente as Larvas e esse ataque agora depois do uivo dos lobos durante a madrugada não ajuda a criar uma atmosfera de tranquilidade. Quero dizer, olhe os outros Líderes e depois olhe pra ela!

Lucian olhou. Viu a calma no rosto neutro de Dylan que mesmo estampando cansaço parecia um Líder forte e confiável. Matthew com um dos braços ao redor dos ombros de Sigrid sorria feliz, provavelmente devido a presença da namorada, mas a razão por trás do ato não importa uma vez que por si só ele tranquiliza seus campistas. Elijah rindo e fazendo brincadeiras com os amigos fazia com que as Corujas seguissem seu exemplo e tentassem relaxar. Até mesmo Jason, que parecia estar tentando escapar de Mavis, com o típico sorriso cafajeste contrastando com a linguagem corporal onde os braços fortes cruzados demonstravam não querer conversa fazia com que os Lobos tomassem seu café e implicassem entre si como de costume. 

E então tinha Mavis. O contraste da garota sorridente e brincalhona do primeiro dia com a irritadiça e mau humorada de agora era gritante. Mesmo que não estivesse gritando, o sussurro raivoso e a linguagem do corpo tenso são o suficiente para fazer com que os campistas que observam a cena fiquem constrangidos, principalmente os Búfalos. A Líder admirada pelo seu bom humor e carisma agora era motivo de constrangimento. 

— Ela sente falta da Effy... – Lucian tentou argumentar. 

— Todos sentimos. Ela não é a única amiga da Effy, não é a única a sentir falta dela. As Raposas respeitam o Dylan, mas não acha que não sentem falta da pessoa responsável por levá-los em direção a glória e fazer com que eles permaneçam na posição por cinco anos? Não acha que Dylan não sente falta da namorada ou Billie e Sigrid não sentem falta de uma mulher que é mais que uma Líder para elas, mas também amiga? – percebo o revirar de olhos que Lucian dá quando cito o nome de Dylan, mas ignoro e prossigo. – Não acha que Matthew sente falta da sua companheira de arco e flecha ou que Elijah não sente falta de alguém para compor músicas durante horas com ele ou até mesmo Jason não sente falta de alguém para colocá-lo em seu lugar?! Eu sinto falta dela! Todos sentimos, mas a única a surtar é a Mavis. 

Meu irmão me encara com um olhar entre o pesar e a curiosidade, mas antes que ele possa falar algo ou eu consiga normalizar minha respiração ofegante, Billie Pirate surge atrás de Mavis e Jason e vendo-os parados diante da porta, coloca as mãos na cintura quando percebe que não conseguirá entrar. 

— Com licença? – ela fala com a voz controlada, a raiva faiscando em seus olhos. 

— Billie está de saco cheio da Mavis – ouço Sigrid comentar com Khalid, um campista do Urso que se aproximou do grupo em que ela está. 

Mesmo que eu tenha ouvido a voz de Billie com clareza estando vários passos de distância, Mavis está ocupada demais tentando falar sobre a voz de Jason para dar ouvidos para a Raposa que está a alguns segundos de perder a paciência. 

— Dá pra vocês dois pararem de discutir essa hora da manhã num lugar público ainda por cima e irem sentar suas bundas nas cadeiras?! – Billie exclama por cima das vozes, fazendo com que não apenas Mavis e Jason parem de falar, mas também boa parte do Refeitório. – Que droga Mavis, vai arranjar alguém com quem discutir todos os dias agora? Se o seu objetivo é ficar sozinha até o final do dia, meus parabéns, você está conseguindo porque daqui a pouco não vai ter um ser vivo que vai suportar você respirando. 

— Pra você é fácil falar, né Pirate? – Mavis retruca com raiva. – Está em contato direto com a Effy, sabe perfeitamente onde ela está e o que está fazendo, não se sente traída ou deixada de lado. Não aja como se não soubesse que os uivos significam muito mais do que estão fala-

— Primeiro, guarde sua vitimização para alguém que tenha pena, e no caso não sou eu – Billie fala fazendo um sinal com a mão para que Jason se mova de modo que quando o Líder dos Lobos suspira e caminha em direção a mesa dos Líderes, a Raposa possa finalmente entrar no Refeitório e encara Mavis. – Segundo, suas teorias da conspiração ou sei lá o que só vão fazer com que perca seu posto e se é isso que você quer não precisa ficar armando um circo em todo lugar que vai para que os campistas possam sentir vergonha e pena de você, basta simplesmente falar para Dylan que você não quer mais ser Líder. 

Pelo canto do olho vejo Dylan suspirar fundo e pressionar a ponte do nariz com os olhos fechados, como se pedisse paciência para não matar as duas amigas da namorada. Então, ele dá um passo à frente e fala, interrompendo a discussão:

— Basta.

A voz rouca e forte, a voz do Líder do Acampamento soa tão poderosa que faz as conversas restantes cessarem e o Refeitório cair num silêncio mortal. O sorriso costumeiro de Dylan não está em seus lábios, sua expressão fechada é o bastante para que ninguém ouse fazer um ruído e por um momento me lembro de Effy com sua atmosfera intimidante e me pergunto se foi por isso que Dylan se apaixonou por ela. O rapaz encara as duas mulheres do lado oposto do Refeitório durante longos segundos antes de falar:

— Quero todos sentados. 

Lucian e eu trocamos um olhar que demonstra nosso desconforto diante do clima tenso antes de cada um seguir em direção à sua mesa. Sento ao lado de Rick e lembrando que meu irmão havia falado há alguns dias, aceno com a cabeça o cumprimento que Evelyn direcionou a minha pessoa. 

Quando todos estavam sentados com exceção de Dylan e Mavis, o Líder das Raposas falou:

— Pirate, conversamos depois. Bittencourt, por favor, sente-se.

— Você não manda em mim – Mavis fala de pé diante da porta como uma criança birrenta. 

— Sou o Líder do Acampamento enquanto Elizabeth não voltar ao cargo, portanto eu mando sim em você. Pode sair, se quiser, mas é bem-vinda para se juntar a mesa dos Líderes. 

‘’Aproveitando o momento de silêncio, peço que todos tomem um café da manhã reforçado e cumpram com suas obrigações antes do horário do almoço, o qual vocês devem ser pontuais. Espero todos aqui ao meio dia para que as atividades planejadas para o período da tarde não atrasem. Lembrem dos conselhos que já receberam dos Líderes e campistas mais antigos quando se apresentarem a uma da tarde nas mesas sob o pomar’’.

Dizendo isso, Dylan dá as costas a Mavis e se senta no seu lugar a mesa dos Líderes, começando uma conversa sussurrada com Matthew. Sendo aquilo uma clara deixa, os campistas voltam a comer e a conversar como se nada tivesse acontecido, tentando ignorar a figura raivosa de Mavis que deixou o Refeitório. 

Rick solta um assobio baixo. 

— Isso foi tenso. 

— Sim, mas sinceramente eu esperava algo pior como Dylan chamando a atenção dela na frente de todos – para minha surpresa, Margot Pike responde sentada do lado direito de meu amigo. – Mavis já está dando nos nervos de todo mundo com seus ataques e eu espero que ela mude sua atitude logo.  

— A gente entende que ela está com saudades da Effy, mas isso não é motivo pra surtar – Jena fala.

— Acho que é mais a sucessão de acontecimentos do que a saída da Elizabeth do Acampamento – Dominique fala com sua voz calma enquanto passa manteiga numa torrada, atraindo todos os olhares da mesa.

— Como assim? – Francis pergunta.

A novata ergue os olhos azuis acinzentados para olhar o amigo e cora levemente quando percebe que o grupo inteiro a observa. Dominique batuca os dedos de uma mão na toalha roxa escura com bordados de corujas, pequenos roedores, árvores e astros como se colocasse as ideias em ordem.

— Bem, eu não estava lá aquele dia – ela começa. – Quando a pessoa misteriosa entrou na Biblioteca e Elizabeth cavalgou atrás dela. Mas minhas amigas estavam e elas me contaram o que aconteceu. Como elas estavam num andar aparentemente proibido e quando foram sair com Matthew encontraram Carl segurando a Manson caída no chão...

Nessa hora todos os olhares se desviaram da garota para focar em mim. Resmungo antes de colocar um pedaço de torta de frango em meu prato e encher meu copo de suco. Eu não gosto daquele dia, muito menos de falar sobre ele. Não gosto do sentimento de inutilidade que me atinge toda vez que lembro de Effy caída no chão com os lábios sangrando quando eu não fiz nada para impedir aquilo. Muito pelo contrário, ela havia se colocado na minha frente para impedir que eu fosse ferido.

Nunca contei isso a Matthew ou a Dylan quando me perguntaram de novo e de novo o que havia acontecido na Biblioteca. Nunca contei a ninguém que na verdade o homem tentou me socar enquanto segurava o braço de Effy como se fosse levá-la para algum lugar. Na hora não pareceu importante e depois eu não queria ficar parecendo um covarde, mas conforme as horas passavam e nenhuma notícia dela aparecia, eu não conseguia parar de me perguntar se ele havia conseguido. Se ele havia batido nela e conseguido arrastá-la sabe-se lá para onde.

Para ser sincero, às vezes me pergunto isso. Mesmo com a informação de que ela voltou e estava apenas com alguns machucados, mesmo com a notícia de que ela saiu do Acampamento para ir ao aniversário do avô, às vezes me pergunto se não é mentira. Se o homem não estaria com ela na sala quando Matthew acabou aparecendo e ela teve que inventar uma desculpa temendo pelo amigo. Ou se de fato ela lutara e vencera, mas saiu por outro motivo.

Um pigarrear do meu lado faz com que meus pensamentos voltem para aquele dia nas escadas da Biblioteca, com Effy pálida e com gotas de sangue em seu rosto, caída aos meus pés de olhos fechados, respirando lentamente. O medo aterrorizador que me tomou aquele dia aos poucos me domina, me lembrando do pensamento de que ela poderia estar morta. De que ela pode estar morta porque pelo o que se sabe, não se tem notícias dela há dias. Antes que eu perceba, minha respiração está acelerada e a torta de frango na minha frente sumiu dando lugar a imagem de Lucian chorando e falando que eu não poderia ter feito nada enquanto Dylan me olha raivoso por entre as lágrimas, segurando o corpo mole de Elizabeth em seus braços.

— Carl? – alguém chama colocando a mão sobre a minha, a qual, por reflexo, tiro automaticamente do alcance.

Pisco enquanto levanto meu olhar do que agora é novamente minha torta de frango para encarar Saah que me olha preocupada, a mão ainda sobre a mesa mesmo com tantas travessas entre nós. Desvio meus olhos dos seus apenas para perceber que Dominique me encara de forma curiosa enquanto os demais desviam os olhares rapidamente.

Começo a pensar numa desculpa, mas antes que alguém consiga quebrar o silêncio, sinto uma mão apertar meu ombro esquerdo e o dono da mesma falar:

— Terminou de comer, Carl?

Olho para trás para encarar Dylan de pé ao meu lado, a mão ainda em meu ombro. Sinto os olhares de todos sobre nós, mas não me mexo nem faço menção de responder. Os olhos azuis como o oceano de Dylan encaram os meus antes de passarem sobre meu rosto, provavelmente vendo as lágrimas que me recuso a deixar caírem, e para minha surpresa ele abre seu primeiro sorriso sincero do dia antes de falar:

— Ótimo, estou precisando falar com você – então ele solta meu ombro e dá um passo para trás, como se esperando algo da minha parte.

Mesmo não tendo comido nada, as lembranças daquele dia embrulharam meu estômago e a imagem criada em minha mente de Effy morta criou um nó na minha garganta tornando impossível ingerir qualquer coisa de modo que não falo nada antes de fazer menção de me levantar do banco compartilhado.

— Na verdade – Saah fala – ele ainda nem começou a comer.

— Estou bem – falo simplesmente sem olhar para ninguém quando fico de pé diante de Dylan e, para minha felicidade, minha voz sai firme.

Dylan sorri sem mostrar os dentes antes de fazer sinal com a cabeça em direção as portas que levam a cozinha. Sigo-o silenciosamente a alguns passos de distância e não olho para trás, mesmo sabendo que meus amigos e o grupo que se juntou a conversa cochicham a mesa. Passamos pelo arco de pedras, depois pela porta dupla que você nos filmes sobre culinária e então pelos vários cozinheiros e ajudantes que andam de um lado para o outro no cômodo assando coisas, cortando coisas, lavando coisas.

Passamos por todos e então saímos pela porta dos fundos, descendo os três degraus que levam a grama e não muito depois, a horta. Dylan caminha para a direita, em direção ao pomar e ao lago além, mas para assim que alcançamos a sombra das árvores. Fiquei tão focado em não atrapalhar o pessoal da cozinha que não percebi o fato de que Dylan havia pego um prato com bombas de chocolate, um misto quente e um copo com suco.

Ele os deposita numa das mesas e faz sinal para que eu me sente diante do prato antes de contornar o móvel e se sentar defronte ao lugar indicado. Intrigado, sento, mas não toco em nada. Tento não encarar Dylan, mas é difícil uma vez que aos poucos a curiosidade me domina. O loiro tem uma expressão calma, mas seus olhos parecem agitados. Ele observa nada em específico por alguns instantes até suspirar profundamente e colocar as mãos entrelaçados sobre o tampo da mesa e me encarar.

— Sabe, eu não envenenei a comida – ele fala dando um sorriso de lado.

— Esse pensamento não havia passado pela minha mente até você colocá-lo lá – falo sarcástico. – Mas agora que você comentou, perdi o apetite.

O sorriso de Dylan se amplia.

— Nós dois sabemos que não é por isso que você perdeu seu apetite.

Ergo as sobrancelhas levemente surpreso, não tanto pela frase de Dylan, mas sim pelo conteúdo da mesma. Por alguns segundos ele me lembra Elizabeth e seu incrível dom para saber de tudo, mas ao lembrar da garota a cena de seu corpo sem vida e o desejo de vingança nos olhos de Dylan me vem à cabeça e não consigo afastar o pensamento.

— Sempre me perguntei o que Effy via em você – ele fala me observando com curiosidade genuína. – Porque insistiu tanto para que Elijah o colocasse no grupo de estratégia mesmo que isso fosse, tecnicamente, ajudar o inimigo. Porque insistia em se aproximar de você, mesmo que no começo fosse mal-educado com ela. Porque ela se importava. Então eu percebi no dia que ela foi atacada na Biblioteca. Ou melhor, o dia que você deveria ter sido atacado.

Não consigo evitar a tensão que domina meu corpo e deixa meus músculos duros, o prender da respiração, o arregalar dos olhos mesmo que isso apenas comprove que Dylan está certo. Não consigo conter a surpresa e o medo que me dominam aos poucos. Se percebeu minha reação, Dylan foi cavaleiro o bastante para fingir que não o fez. Em vez disso, ele abre um sorriso mínimo e desvia o olhar do meu, passando a encarar os campistas que aos poucos deixam o Refeitório.

— Matthew me contou sua versão da história, assim como você – ele prossegue. – Pensei em questionar as Larvas, mas depois decidi que elas estavam assustadas demais para me darem respostas satisfatórias. A sua versão e a de Matt batiam perfeitamente, mas todas às vezes que eu perguntava sobre o homem e por que ele bateu em Effy, você ficava tenso e desviava o olhar exatamente como está fazendo agora.

Dylan me encara com o intuito de comprovar seu ponto e eu automaticamente desvio meu olhar para o prato pensando que devo comer porque a boca cheia me impossibilitaria de falar algo comprometedor. Com isso em mente, tomo um gole do suco antes de morder o pão.

— Não foi difícil ter acesso as câmeras – ele fala e não consigo evitar olhá-lo surpreso. – Poucos sabem, é claro, que cada metro quadrado do Acampamento está cheio de câmeras porque isso faria com que a maioria se comportasse melhor e tiraria boa parte da diversão de ser um Líder. Mas voltando, não foi difícil ter acesso a filmagem e ver que sua história até poderia bater perfeitamente com a imagem se o observador não estivesse desconfiado como eu estava. Você provavelmente sabe que depois que Eliza virou Líder me derrotando na Arena, começamos a treinar juntos então eu conheço seu corpo, sua forma de lutar como ninguém. Não foi difícil colocar a filmagem em câmera lenta e reparar em seus movimentos. Como Joey na verdade ia socar você e tentar levá-la, em como ela se colocou no caminho em parte para protege-lo, em parte para levar o golpe.

— Está me dizendo que ela quis levar um soco no meio do rosto? – pergunto irônico sem conseguir me conter.

— Primeiramente o soco não foi no meio do rosto, mas sim. Alguém com o porte físico e preparo da Effy podia facilmente ter parado o golpe de Joey, mas ela permitiu que ele lhe acertasse porque ela sabia que ele iria sair dali assim que ela caísse. Que iria esperá-la em outro lugar, que deixar Joey ir era a melhor coisa a se fazer.

— Como deixar um louco à solta no Acampamento é a melhor coisa a se fazer? – pergunto ainda mais irônico.

Dylan olha para as mãos ainda entrelaçadas sobre a mesa e sorri tristemente para as mesmas antes de me responder.

— Era o melhor a se fazer porque levaria a luta para um lugar mais afastado dos campistas, longe de olhares curiosos. Um lugar mais tranquilo para que ela e Joey pudessem conversar ou só tentarem acabar com a vida um do outro.

Franzo a testa finalmente reparando em algo.

— Você fica falando Joey o que me faz supor que esse é o nome do cara – Dylan acena afirmativamente com a cabeça. – Como sabe disso? Ele está preso?

Dylan passa uma das mãos pelo cabelo, bagunçando-os, e respira fundo antes de sorrir tristemente de novo e então me encarar. Pela primeira vez percebo como as olheiras em seus olhos estão muito mais escuras do que eu achei quando o vi pela primeira vez naquela manhã. Como a barba para fazer apenas piora o seu ar cansado, como a camisa que está usando estava amassada e os olhos inchados.

— Joey Black era meu irmão mais velho.

— Era?

— Sim. Ele está morto.

Minha garganta seca e eu paro o pão a um centímetro da boca, encarando Dylan que retribui o olhar. Sua voz não demonstra tristeza, raiva, alegria... Na verdade, não demonstra nada. Seus olhos estão vazios o que me lembram os olhos de Elizabeth e sinto algo pesar em meu coração quando me pergunto se minha amiga é um enigma porque assim como Dylan alguém próximo morreu. Me pergunto se ela não deixa os sentimentos a mostra porque se deixar uma gota deles vazar para fora da barreira que os contém, um dilúvio começaria e ela não conseguiria se controlar.

Me pergunto se ela consegue ser ela mesma com Dylan uma vez que eles parecem ser tão parecidos. Me pergunto se eu não gosto do homem sentado à minha frente não por opinião minha, mas pelo o que Lucian e os outros falam dele. Se permiti que terceiros formassem minha opinião sobre Black e nunca procurei saber o quanto daquilo era verdade.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Instantes nos quais Dylan pisca e desvia os olhos dos meus novamente, observando os campistas, mas sem de fato enxergá-los. Penso em dizer que sinto muito, mas a frase seria algo falso uma vez que não sei se sinto. Na única vez que vi o irmão de Dylan ele tentou me ferir e acabou por machucar Effy. Repasso a conversa na cabeça e no fim a única coisa que consigo falar é:

— Effy o matou?

— Não faça perguntas se não quer realmente ouvir as respostas – ele fala simplesmente sem se mexer.

— Você não parece preocupado com essa possibilidade.

— E não estou. Mas não chamei você aqui para que ouvisse minha história. Chamei porque no dia que vi aquela filmagem descobri o que Effy viu em você. Você é invisível, Gonzalez.

Não falo nada nos segundos que levo para mastigar o pedaço de pão em minha boca, mas ao ver que Dylan não irá dizer mais nada enquanto acena para alguns campistas da Raposa que o cumprimentam ao longe.  

— E eu devo levar isso como um elogio? – falo por fim.

Dylan dá de ombros.

— O que eu quero dizer é que você vê as coisas. Você guarda silêncio sobre elas. E você as compreende. Elizabeth viu isso provavelmente no minuto que colocou os olhos sobre você.

— Está dizendo que Effy veio falar comigo porque sou invisível? – pergunto sarcástico.

Dylan finalmente volta a olhar para mim, pela primeira vez realmente sério. Seus olhos parecem ser capazes de lerem minha alma ao ponto de eu me sentir incomodado e precisar encarar meu prato onde agora estão apenas duas bombas de chocolate. Tentando fingir normalidade, mordo um dos doces.

— Estou dizendo – ele fala muito calmamente como se explicasse algo a uma criança – que as pessoas não reparam em você e quando reparam não se importam. Sempre está num canto sozinho lendo, sempre quieto em seu canto. Até mesmo quando está com seus amigos, se o grupo é muito grande você se fecha dentro da sua cabeça ao ponto dos outros esquecerem que você está ali. E esse é o ponto. Foi isso que Eliza viu em você.

— Que sou facilmente ignorado?

Dylan respira fundo e pressiona a ponte do nariz como se eu estivesse sendo mais lerdo do que o esperado.

— Que você é um espião nato, Carl. Eu estava suspeitando disso, mas quando vi aquela fita tive minha confirmação. O fato de você não falar a verdade para Matthew ou para mim me mostrou isso. Tudo bem que no início foi porque você estava com medo de que o julgássemos como um covarde, mas depois que Effy foi embora você não falou sobre as verdadeiras intenções de Joey porque não sabia em quem podia confiar, certo?

Não falo nada, mas algo que me diz que meu rosto demonstra o bastante para o loiro saber que está certo. Que não tem um dia que eu não me pergunte se o homem, Joey, a encontrou. Mesmo agora sabendo que ele está morto a sensação de algo errado não me abandona. Inicialmente não falei nada porque não queria ser chamado de covarde ou parecer paranoico, mas depois de horas refletindo sobre aqueles instantes cheguei à conclusão que alguém de dentro do Acampamento deveria ter facilitado a entrada de Joey.

— Você é irmão dele – falo encarando meu prato. – O que me garante que não foi você quem deixou Joey entrar?

Dylan tamborila com os dedos na mesa por alguns segundos, provavelmente seguindo a linha do meu raciocínio antes de falar algo. Quando finalmente ergo o olhar encontro, para minha surpresa, uma expressão de dor, tristeza, perda, conflito e muitos outros sentimentos para que eu consiga identificar antes que Dylan feche a expressão e não deixe nada além da indiferença transparecer.

— Nada – ele fala, para minha surpresa. – Nada garante. Você terá que confiar em mim assim como Elizabeth confiou. Terá que confiar na minha palavra quando digo que não ajudei Joey a entrar. Mavis, você, todos os amigos da Eliza podem achar que eu sou o vilão da história, que estou tentando tirá-la de vocês, mas preciso que acredite em mim quando digo que sou peixe pequeno nesse oceano. Há coisas muito piores do que eu além desses muros. Mas independente disso, eu jamais faria ou farei mal a ela.

Deixo que as palavras de Dylan se assentem sobre mim, mas antes que eu possa compreender totalmente ele fala:

— Chamei você aqui para dizer que sei que está escondendo a verdade sobre aquele dia na Biblioteca. Sei disso há uma semana, mas não falei nada porque decidi que você viria até mim quando estivesse pronto. Bom, você não veio e eu não posso mais esperar por você. Como eu disse, você é invisível-

Diante da minha careta, Dylan se interrompe e suspira fundo novamente como se minha negação torne tudo ainda mais difícil.

— Ok, você não acredita em mim. Mas pense quantas vezes os Líderes esqueceram a sua presença por alguns instantes e falaram na sua frente sobre assuntos dos quais você não deveria saber. Ou quantas vezes os amigos de Lucian ou até mesmo seu irmão não esquecem de você e começam a falar de piadas internas, contar histórias das quais você não faz parte. E pense quantas vezes Effy esqueceu sua presença.

Cada frase verdadeira de Dylan é como um tapa em minha cara. Perdi a conta de quantas vezes Mavis e Jason principalmente, mas Elijah e Matt também traziam discussões levantadas durante uma reunião para a mesa no Chalé Cais e depois me imploravam para não comentar nada com ninguém porque era para ser uma surpresa para os outros campistas ou algo assim. Quantas vezes Newt e Nathan esqueciam que eu estava presente e começavam a falar de momentos dos quais eu não estava presente, mas Lucian sim e como meu irmão se deixava levar até reparar que eu havia ficado de lado. Novamente.

Então percebi que a resposta para a última frase de Dylan era: nenhuma. Nenhuma vez Effy esqueceu minha presença. Ela sempre tentava me incluir nas conversas e quando percebia que os outros estavam sem querer me excluindo, ela mesma se retirava e vinha sentar ao meu lado para que pudéssemos ter nossas conversas particulares cercados de pessoas. Às vezes ela até se retirava e ia dar uma volta comigo pelo Acampamento, me fazendo companhia até encontrarmos um dos meus amigos, mesmo tendo inúmeros afazeres de Líder para fazer.

A imagem de seu corpo desacordado, pálido e com sangue invade minha mente, mas conforme Dylan volta a falar a imagem se transforma em Effy se colocando entre mim e Joey para me proteger. Se colocando entre mim e Lucian quando meu irmão está sendo muito protetor, entre mim e Jason quando o último está sendo muito babaca... A imagem se transforma em Effy agindo como se fosse minha irmã mais velha mesmo que essa nunca tivesse sido sua função.

— Ela realmente gosta de você Carl. Por isso, quando digo que você é invisível não o falo como um insulto, mas como algo positivo assim como Effy viu que é algo positivo. Pense em quantas informações você conseguiu sem querer e pense em quantas você pode conseguir se quiser. Eu te chamei aqui para dizer que finalmente entendi o que Effy disse para mim na última vez que nos vimos.

— O que ela disse? – pergunto, sem conseguir conter minha curiosidade levantando meus olhos marejados do meu prato agora vazio para olhar Dylan que finge não perceber quando pisco repetidas vezes.

— Ela disse ‘’se eu não voltar a tempo, ajude Carl a entender que ser excluído é uma dádiva se você souber usar isso a seu favor’’.

— Como um espião?

— Como um espião.

— Espião de que? Para quem? Isso não faz o menor sentido.

Dylan sorri antes de olhar a hora em seu relógio de pulso e se levantar.

— Pense no assunto, Gonzalez. Venha na minha sala quando estiver disposto a descobrir as respostas para suas últimas perguntas, mas me permita dizer que se você realmente é grato pela amizade de Effy deveria ouvir minha proposta. Como eu disse, há coisas muito piores do que eu além desses muros e é essencial que você se prepare para encará-las.

Confuso, permito que Dylan caminhe em direção a Vila das Irmandades sem falar mais nada. Porém, antes que eu consiga repassar a conversa em minha mente, Jena aparece na porta dos fundos do Refeitório – porta pela qual Dylan e eu saímos não muito tempo antes – e fala:

— Carl, o turno vai começar!

Tomo os últimos goles de suco antes de me levantar e levar minha louça para dentro do imóvel onde terei uma aula de culinária depois de ajudar a limpar o Refeitório e organizar a cozinha. Ou seja, estarei muito ocupado nas próximas horas para que consiga refletir sobre a proposta do atual Líder das Raposas.

Ou assim espero.

Mackenzie Foster, Mack

(Tarde).

            Era uma da tarde e milagrosamente as meninas e eu não estávamos atrasadas.

Quando chegamos dez minutos adiantas para o café da manhã, achei que fosse sorte ou quem sabe nosso organismo se acostumando a acordar cedo. Depois da refeição, nos dirigimos para nossa segunda aula de escalada já que os domingos de manhã passaram a ser preenchidos com atividades obrigatórias.

Com muito bom humor e dizendo que não iriamos nos livrar dele tão cedo, Khalid Fort-Donnel, campista veterano do Urso com quase 18 anos, iniciou as atividades. Como o esperado, os campistas do Urso são os responsáveis pelas aulas de escalada de modo que além do homem alto e forte de pele negra, haviam mais três campistas da Irmandade para ajudar as Larvas com as atividades.

Nossa primeira aula de escalada havia sido na sexta-feira, quando nossas habilidades foram avaliadas. Hoje, Khalid nos informou que ficaríamos divididos em grupos desde dos iniciantes aos intermediários. Eu não fiquei nem um pouco surpresa quando fiquei na turma dos iniciantes junto com Calíope, Dominique e Ártemis, além de outras Larvas. Evelyn, Maxine, Dawn e Kenai foram colocados no primeiro nível do grupo de intermediários o que significa que ainda tem muito a aprender.

Não me importei em ficar no grupo dos iniciantes já que estava com os meus amigos e pude rir das vezes que Cal tentava escalar com muita pressa ou Dominique se distraia olhando para os desenhos da parede. Depois que fomos liberados, as meninas e eu caminhamos até uma das árvores na orla da floresta onde o grupo intermediário estava escalando. O tronco com quase seis metros era um grande desafio e pendurado num dos galhos mais altos estava um lenço verde ao lado de um sino de bronze.

— O campista que conseguir pegar o lenço e tocar o sino ganha pontos para a Irmandade que entrar e as chances de a Irmandade ser Urso aumentam – Mariela, veterana do Urso de 15 anos falou quando nos aproximamos.

As Larvas tentaram, mas no fim – faltando poucos minutos para a atividade acabar – quem pegou o lenço foi a Dawn com Kenai e Evelyn chegando muito perto. Sendo membro do Urso, Dawn conseguiu pontos para a Irmandade e os parabéns dos colegas de Chalé assim como dos demais.

Ela amarrou o lenço verde ao redor do pescoço como uma escoteira e ainda estava usando-o enquanto esperávamos todos chegarem para as competições terem início.

Observo a Urso sorrindo enquanto Khalid e Robbie Gambino – colega de quarto da Dawn – conversam com ela junto com Ártemis e Calíope. Se não tivesse presenciado o clima tendo entre a novata do Urso e Cal poderia alegar que elas se dão bem desde sempre já que ultimamente as garotas estão sempre implicando uma com a outra, fazendo piadas e conversando, geralmente acompanhadas da Lua.

— O que acha, Mack? – Telma perguntou fazendo com que eu desviasse meus olhos do grupo.

— O que?

— Acha que temos chance de nos darmos bem nas atividades tendo só uma semana no Acampamento?

Dou de ombros.

— Se não fossemos capazes acho que não iriamos participar – falo. – E, de qualquer forma, vou dar o meu melhor então não estou preocupada.

— Desculpa aí – Max fala me olhando como se estivesse me achando antes de rir. – Pretende chegar no final da semana fazendo parte de uma Irmandade?

— Algo assim. Vocês não?

É a vez da Telma dar de ombros.

— Apesar de todo mundo falar que as coisas ficam mais empolgantes depois que se entra numa Irmandade, não estou muito preocupada com isso.

— Acho que entendo o que quer dizer – Max fala. – Claro que quero entrar numa Irmandade, mas acho que se entrar numa agora eu não se vou ter aproveitado todas as oportunidades que a vida de Larva pode oferecer, sabe? Nós estamos tendo uma oportunidade que Dawn e Domi não tiveram.

— Sem falar que mesmo fazendo parte de uma Irmandade elas têm aulas com a gente, então será que compensa mesmo entrar agora? – Tel complementa.

— Exatamente.

— Entendo o ponto de vocês, mas não vejo a hora de ganhar o colar e uma camiseta de uma das Irmandades – falo no instante que Domi e Evelyn se aproximam, sendo que a segunda parece estar querendo desaparecer ou matar alguém.

— Não foi nada demais – Dominique fala num tom tranquilizador.

— Fale por você – Evelyn retruca e decido que ela quer matar alguém devido a raiva na voz.

— O que aconteceu? – Max pergunta.

Evelyn suspira e responde enquanto rói as unhas.

— O idiota do meu irmão aconteceu. Achei que tinha deixado claro que não queria ficar conhecida como ‘’a irmã caçula do incrível Newt Brooke’’ e que ele tinha entendido a mensagem já que nos ignoramos por todos esses dias, mas não! Na primeira oportunidade de me desestabilizar diante de algo importante ele tem que me chamar na frente de um monte de gente de modo que eu não posso ignorar e me apresentar pra todos os amigos dele!

Ela fala tão rápido que sua respiração fica ofegante. Arregalo os olhos surpresa com a explosão enquanto Telma se encolhe como se não quisesse participar da conversa.

— Talvez ele não tenha falado com você com a intenção de te desestabilizar – Domi fala num tom neutro. – Talvez ele tenha decidido te apresentar agora, diante de algo importante, pra no caso de você fazer algo bacana as pessoas saberem que vocês são irmãos.

— Aham, claro – Evelyn fala irônica. – E ele poder falar ‘’fui eu quem ensinou, não sou um ótimo irmão?’’.

— Por que você não gosta do seu irmão? – Maxine pergunta sem conter a curiosidade e eu me inclino para frente também querendo saber.

Porém, antes que Evelyn consiga responder alguém aperta uma buzina de gás estridente que faz as conversas se encerrarem, alguns campistas levarem as mãos aos ouvidos e reclamarem.

— Vocês estão prontas, crianças? – Jason pergunta gritando com sua voz potente.

— Estamos capitão! – os Lobos respondem, alguns campistas riem.

— Eu não ouvi direito!

— Estamos capitão! – os campistas gritam em uníssimo.

— É assim que eu gosto! Vamos começar logo com essa temporada!

Nesse momento percebo que todos os campistas que fazem parte de uma Irmandade estão usando a camiseta da mesma, assim como tem seus rostos pintados com as cores ou com o animal que representa cada Chalé, além de carregarem bandeiras, apitos e buzinas de gás.

— Parece que estamos na Copa do Mundo! – Telma exclama animada. – Vai Brasil!

— Go England, go! – Cal fala e quando lhe lançamos olhares confusos a ruiva dá de ombros antes de responder – Nasci em Londres.

— Muito bem – Jason fala retomando a atenção. – Movam esses traseiros para a Arena porque vamos ter a abertura! Larvas, sigam a Sigrid e quem chegar atrasado vai ser comido pelo leão!

— Eles estão falando sério? – Telma pergunta realmente preocupada.

Evelyn ri antes de passar um dos braços sobre os ombros da amiga e guia-la até a Raposa que nos olha com um sorriso no rosto. Dominique se despede antes de correr de encontro aos seus amigos da Coruja ao mesmo tempo que Lua se aproxima.

— Conseguiu arrancar alguma informação dos veteranos? – Max pergunta.

— Nada. É a mesma coisa que tentar leite de pedra – Calíope responde.

— Não é verdade, Amy – Lua fala. – Khalid disse que as competições representam o começo real da temporada e que cada ano é diferente. É o momento que os Líderes mais ficam presentes, então se queremos um momento pra nos mostrar esse momento é agora.

— Certo – falo. – Mas nenhuma dica do que esperar?

— Bulhufas – Cal repete.

— Bem, não é como se ficar no Chalé das Larvas até o final fosse o fim do mundo – Maxine comenta. – Quer dizer, não foi a Manson quem ficou por último ou algo assim?

— Acho que sim – Lua fala. – Mas ainda assim não quero ser a última. Ao mesmo tempo que não sei se essas competições deveriam acontecer.

— Como assim? – pergunto.

Ártemis dá de ombros no momento em que a Arena está a poucos metros de nós, alta como um enorme prédio e eu evito tentar olhar o topo com medo de cair para trás. A animação de entrar pela primeira vez na construção me atinge, mas tento manter o foco na conversa.

— Sei lá. Elizabeth não está aqui e ela é uma Líder. E tudo bem que o Dylan está ocupando o lugar dela, mas é temporário. E se ele não escolher ninguém porque não quer tomar uma decisão que ela pode não gostar? Ou se ele escolher e ela detestar a pessoa? Não sei se dá pra mudar de Irmandade.

— Primeiro, você está pensando demais – Kenai fala surgindo do meu lado e quase levando um chute por me assustar. – Opa, calma aí Foster. Segundo, que tal se a gente não falar da Manson?

— Com medo da bronca que ela vai te dar quando voltar? – pergunto.

— Só nos seus sonhos.

— Não sabia que estava vivendo num sonho da Mack – Cal fala debochada.

— Engraçadinha – Kenai fala fazendo uma careta para a ruiva.

Estamos tão perto da Arena agora que o som das vozes animadas dos demais campistas chega até nós como se estivessem gritando a plenos pulmões e talvez estejam mesmo. O estilo redondo somado as paredes de pedra bruta com arcos nos lugares das portas e janelas dá ao lugar um ar das antigas arenas usadas pelos gladiadores de modo que não ficaria surpresa se de fato tivesse um leão ali dentro.

Mas a semelhança com a Roma antiga acaba aí. Luz elétrica e água encanada traz modernidade assim como os vestiários. Em vez de pedra, cadeiras confortáveis servem de assento numa mistura de campo de futebol com Coliseu. A maior parte dos assentos da frente estão ocupados e assim como aconteceu no Anfiteatro, as Irmandades não se misturam apesar de não existirem lugares marcados.

Me sento junto com os demais antes de observar melhor ao meu redor. Mais da metade dos lugares estão desocupados e provavelmente vão ficar assim de modo que me pergunto o motivo da Arena ser tão grande. No centro do lugar não tem grama como num estádio de futebol, mas também não tem pedra bruta como no Coliseu. Na verdade, o chão do centro da Arena é formado por algo que parece mármore claro e fico impressionada com os detalhes que com certeza custaram caro.

— Tem o animal de cada Irmandade esculpido em pedra por todas as partes – Telma comenta impressionada.

Ela está certa. No topo da arena, ao redor do centro, como detalhe de cada arco, nas torneiras... Em cada centímetro possível tem um lobo, coruja, urso, búfalo ou raposa, além de árvores, folhas, pessoas e outros detalhes desenhados ou esculpidos na pedra.

— Uau – deixo escapar e os demais balançam a cabeça em concordância.

— Estão todos aqui? – Dylan pergunta no meio da Arena projetando sua voz graças ao megafone em mãos.

Como resposta os campistas gritam e é difícil não se contagiar com a animação. Tel está certa, realmente parece uma Copa do Mundo. Tambores começam a soar de algum lugar e quando procuro a origem do som percebo campistas no topo da Arena batendo em tambores chineses e criando um ritmo que rapidamente passa a ser acompanhado pelas palmas.

Campistas trajando roupas de dança passam pelos quatro arcos que dão acesso ao centro – que fica níveis abaixo do nível das cadeiras – e começam a dançar ao som dos tambores. Quando Dylan sai de cena, os tambores cessam e se faz silêncio antes de Hey Mama (David Guetta ft Nicki Minaj, Bebe Rexha & Afrojack) explodir nos autos falantes do lugar sendo que as batidas são acompanhadas pelos tambores.

Numa coreografia muito bem ensaiada, os dançarinos começam a executar os movimentos fazendo com que os campistas levantem e dancem, cantando junto e balançando as bandeiras da sua Irmandade. Estou sorrindo tanto que minhas bochechas doem, mas estou tão animada que não me importo. 

Evelyn – que pratica dança desde pequena – balança o corpo no ritmo da música rindo e mexendo uma Telma tímida que está sentada ao seu lado. Maxine e Cal, cada uma do meu lado, tentam imitar os passos dos dançarinos me fazendo dar muita risada das tentativas fracassadas enquanto Kenai e Ártemis permanecem sentados, rindo dos demais.

Quando a música acaba e os dançarinos param na exata posição em que estavam no começo, bato palmas com tanta força que minhas mãos ardem, mas eu não poderia me importar menos. Enquanto alguns campistas saem do palco, quatro ficam e começam a mexer seus corpos ao som de Scream e Shout (will.i.am ft. Britney Spears) ao mesmo tempo que jogadores de vários esportes invadem o centro da arena jogando de forma coreografada como se tudo não passasse de uma grande festa – e é exatamente isso.

Nas partes certas da música – os ei iou – a plateia grita como se fosse um só e isso arrepia meus pelos. A energia é tão contagiante que é impossível ficar parado, é impossível não sorrir, não se sentir completo e feliz. Confetes caem do céu dando um ar ainda mais mágico para o momento e esqueço das minhas incertezas com relação ao Acampamento e o desânimo que estava sentindo com relação ao mesmo depois de uma semana cheia de brigas, partidas e chegadas sem nada de empolgante que envolvesse todos acontecesse.

A música acaba e todos saem do palco ao som de aplausos e gritos. Fico levemente triste por ter acabado, mas o som de risadas chama minha atenção de volta ao centro onde estão cinco pessoas com fantasias muito boas dos animais do Acampamento. É impossível saber quem está embaixo da roupa o que atiça a curiosidade da plateia que ri quando as pessoas no palco fazem palhaçada, balançam as bundas, correm em direção ao local onde há maior concentração dos campistas das Irmandades a qual representam...

Quando eles retornam ao meio do palco ainda fazendo palhaçada o som de uma bomba explodindo é ouvido fazendo meu coração disparar. Olho ao redor e percebo outros campistas fazendo o mesmo, nos perguntando se é real. Antes que consigamos responder, a voz de Elizabeth soa nos alto falantes:

— Gênio. Pessoa com grande capacidade mental. No mundo competitivo em que vivemos, quem está apto para dizer quem são os melhores? Quem pode dizer se você é um gênio ou não? O Soberano? O Rebelde? O Defensor? O Sobrevivente? O Protetor? – a cada frase dita, Elizabeth faz uma pausa dramática que aumenta o clima de curiosidade entre os campistas. Percebo que ela fala cinco ‘’entidades’’ e que são cinco Irmandades de modo que tento pensar quem é quem. – Não, senhoras e senhores. O único apto para dizer se você é o suficiente ou não é você mesmo. E não é preciso ser um gênio para saber isso.

Antes que eu consiga perguntar em voz alta o por que dela ter dito isso, os tambores soam duas vezes e Genius (Labrinth, Sia, Diplo) começa a tocar. Nos primeiros trinta e cinco segundos da música, os dançarinos fantasiados andam pelo palco gesticulando como se falassem a letra até estarem espalhados no centro de modo que cada um está voltado para uma direção da Arena.

— Eles estão na mesma posição que os portões da Vila – Lua sussurra no exato momento em que os altos falantes exclamam ‘’What, what you say?’’ e então os dançarinos começam a executar uma das melhores coreografias que eu já vi.

Ao mesmo tempo que a coreografia é engraçada ela é difícil de ser executada de modo que todos ficam impressionados com os passos de dança. A letra da música e a frase de Elizabeth não se relacionam com perfeição, mas fico surpresa por ela ter usado a nome da música para, de certa forma, emponderar os campistas e indiretamente dizer que mesmo que os Líderes não nos escolham ao final da semana, ainda somos importantes.

— Uau! – Maxine exclama com a boca aberta ao meu lado ao final da dança.

— Tirou as palavras da minha boca – Kenai fala.

— As palavras da Manson claramente são as palavras da última Larva a ser escolhida – Cal comenta por cima dos aplausos enquanto os dançarinos voltam ao centro do palco e agradecem.

— Só eu senti uma vibe meio rejeitada? Como se ela tivesse se sentido assim? – Max pergunta.

Fazemos que não com a cabeça e quando abro a boca para falar, Cal segura no meu braço me impedindo e apontando para o centro da Arena.

— Socorro eles vão tirar as cabeças! – Telma grita.

De fato, os dançarinos estão levando as mãos em direção as cabeças das fantasias retirando-as mostrando que por baixo de cada animal está o Líder da respectiva Irmandade.

— Eu não acredito que o Jason dança melhor que eu! – Evelyn exclama.

Estou tão chocada diante da revelação que não consigo falar nada. Os aplausos assim como assobios recomeçam com meus amigos falando coisas como:

— É isso que os campistas querem dizer quando falam que os Líderes são muito ocupados? Que estão ensaiando para a abertura?

— Com a Mavis brigando toda hora queria saber em que momento eles ensaiaram.

— Será que é por isso que tem um toque de recolher? Pra gente não ver os Líderes indo ensaiar?

— Será que os lobos os pegaram indo ensaiar à noite e por isso uivaram?!

— Socorro, faz sentido!

— Será que toda a demora pra iniciar a temporada foi porque o Dylan precisava de uma semana pra pegar a coreografia já que antes quem ia dançar era a Elizabeth?

— Sejam bem-vindos a nova era – a voz de Elizabeth soa nos alto falantes novamente e por algum motivo, os pelos dos meus braços arrepiam.

Percebo que Dylan usa a fantasia de Raposa o que me faz questionar se Manson está numa cabine falando ao vivo, se não sabe dançar ou se é uma gravação, mas antes que consiga pensar muito no assunto, a voz soa novamente.

— Tempos difíceis se aproximam. Toda preparação é necessária. Mesmo sem saber, vocês nasceram para este momento e se chegaram até aqui significa que são fortes. São resistentes, são vencedores. Lembrem-se disso, principalmente nos momentos de fracasso. Nenhuma história é composta somente de vitórias, por isso aprendam com suas derrotas e se levantem mais fortes do que antes. Lembre-se que as noites foram feitas principalmente para dizer coisas que não se pode dizer no dia seguinte, estações mudam nos lembrando que tudo é temporário e que no fim, o sol vai brilhar sobre nós novamente.

— Ela falou tudo isso por causa das competições? – Lua pergunta confusa.

— Eu não sabia que a Manson era tão dramática.

— Que as competições comecem!

E com a frase final de Elizabeth a Arena volta a explodir em gritos de alegria, buzinas de gás, pessoas agitando bandeiras e pulando de um lado para o outro como uma torcida organizada ao mesmo tempo que mais confete e balões caem sobre nós.

— Muito bem! – Dylan fala com o megafone em mãos. – Fico feliz que estão todos muito animados com as competições! Nesse momento iniciamos oficialmente o primeiro dia e com ele os preparativos para o resto da semana.

— Ué, não era função dos Líderes organizarem tudo? – falo confusa.

— Eles estavam muito preocupados treinando a dança – Cal fala rindo.

— Caladas! – Lua exclama.

— Veteranos, vocês sabem como funciona o primeiro dia. Espero que ajudem os novatos em suas Irmandades e as Larvas visando o bem maior. Dito isso, os primeiros a saírem da Arena serão os Ursos seguido dos Lobos, Raposas, Coruja e Búfalo. Larvas, vocês serão os últimos devido a algumas explicações necessárias. Matt.

Matthew Morningstar, que estava mais confortável do que eu acharia possível usando uma fantasia de Urso, convocou os membros da sua Irmandade para se retirarem da Arena de forma ordenada e barulhenta, ao contrário dos Lobos que só foram barulhentos enquanto provocavam as Irmandades ainda presentes. Quando finalmente só restavam as Larvas, Sigrid apareceu nos pés da escadaria que leva ao centro da Arena e pediu que sentássemos nos bancos perto dela.

— Espero que tenham gostado da abertura – Sigrid falou com um sorriso animado. – Imagino que estão ansiosos para o início das provas para poderem mostrar o valor de vocês, mas tenho que trazê-los para a vida real e pedir que tenham calma. Antes das provas esportivas iniciarem, todos tem que realizar algumas tarefas.

Várias Larvas fizeram barulhos de descontentamento o que obrigou a Raposa erguer as mãos e pedir calma.

— Isso não significa que as tarefas que faremos primeiro não são importantes! O fato delas não darem pontos e não terem torcida não significa que não são valiosas. Lembrem-se: vocês estão sendo avaliados o tempo inteiro! Na verdade, a primeira coisa que vocês irão fazer quando sairmos da Arena será montar uma barraca onde passarão não só essa noite como todas as outras até o final da semana.

‘’Vocês devem se dividir em duplas sendo que cada dupla é responsável por montar sua barraca e não podem ser alteradas. Vocês podem se ajudar, assim como os outros campistas. As barracas devem proteger vocês da chuva, do vento, do frio... Por isso certifiquem-se de que ela está bem montada porque uma vez que vocês terminarem não podem mais mudá-la. Certifiquem-se de escolher o lugar certo e a dupla certa”.

‘’Na hora de formar as duplas o único pré-requisito é ambos serem da Larva. Pode ser menino e menina, menino e menino, enfim. Vocês vão poder usar o vestiário então não se preocupem com ficar pelado na frente do seu colega de barraca ou algo assim. E antes que eu me esqueça, é melhor se vocês ficarem com seus cangas. Alguma pergunta? Não? Vocês têm cinco minutos’’.

Calíope e Lua se entreolharam e sorriram, como esperado. Eu me juntei com a Telma que sorriu contente para mim enquanto Kenai e Evelyn faziam uma dupla. Ao fim do prazo dado por Sigrid as duplas estavam formadas e nós pudemos sair da Arena, onde o caos acontecia.

As barracas ficariam situadas no espaço entre a Arena, as salas de aula 1, 2 e 3 e o Refeitório. A Enfermaria e o Lago estão relativamente perto o que Sigrid informou ser algo bom para o caso de alguém se machucar. Os campistas estavam separados por Irmandades e era possível ver as linhas de divisão invisível entre as barracas.

— Como podem ver, as barracas possuem a cor de cada Irmandade e elas estão organizadas em círculo. Isto é, cada Líder escolhe o local que acha melhor e finca a bandeira do seu Chalé no chão de modo que os campistas saibam onde montarem seu leito.

— Como num acampamento militar – Kenai comenta.

— Exatamente! – Sigrid exclama contente. – É ao redor da bandeira que a fogueira é montada e onde vocês irão passar a maior parte do tempo quando não estiverem ocupados.

Dito isso, ela parou no meio da zona de barracas e campistas, onde uma bandeira com o brasão do Acampamento estava fincada. Dali era possível observar melhor o grito de campistas animados e se divertindo enquanto outros entravam em desespero ao fracassar na montagem da barraca.

— É legal ver como eles se ajudam, mas sem ultrapassar a linha invisível que separa as Irmandades – Lua comenta.

— Vocês já devem ter reparado que há uma competição saudável entre os Chalés – Sigrid fala olhando ao redor. – Bem, isso fica mais acirrado durante o período da Competição, então certifiquem-se de não ficarem em maus lençóis com nenhuma Irmandade ou entre um conflito que possa ocorrer.

— Conflito? – Telma pergunta.

— É, os campistas costumam pregar peças uns nos outros – a Raposa responde dando de ombros. – Só fiquem na de vocês que vai ser sucesso.

— Você disse que o Líder escolhe o lugar para montar as barracas – falo parando de observar dois Lobos brigando e encarando Sigrid. – Mas as Larvas não tem um Líder.

— Exato! – Sigrid fala abrindo um enorme sorriso. – E é agora que nós começamos com a primeira competição!

Como se a frase “primeira competição” fosse mágica, alguém bate num tambor e logo os campistas vão se silenciando e olhando para as Larvas. Sigrid dá um passo a frente e se vira em nossa direção, sorrindo enquanto fala:

— Ser um Líder é uma grande responsabilidade. Um Líder deixa de pensar só no seu bem-estar e começa a pensar no coletivo. É uma figura que deve transmitir segurança e inspirar respeito. Manter seus liderados unidos, fazer alianças e garantir a vitória. Porém, o Chalé das Larvas não possuí um Líder. Dito isso, a primeira competição é para descobrir quem irá ocupar este posto!

Ao redor os campistas começam a gritar animados e eu sinto um misto de animação com medo. Sigrid tira do bolso de trás da sua calça uma bandeira verde folha e a balança para que todos possam vê-la.

— Os que têm interesse em ocupar o cargo, um passo a frente! – ela exclama.

Olho ao redor, ainda indecisa, e observo para ver quem irá se mexer. Maxine dá um passo a diante sem hesitar enquanto Kenai se move para trás, o que me surpreende. Lyn rói a unha do dedão enquanto olha ao redor, mas por fim dá um passo em direção a Sigrid no mesmo momento que Calíope, eu e outros seis membros das Larvas.

— Muito bem – Sigrid fala. – Antes de avançarmos, quero esclarecer algumas coisas. Primeiro é importante vocês saberem que o cargo de Líder é temporário uma vez que o Chalé das Larvas acaba quando todos seus membros são selecionados para uma Irmandade. Porém, aquele que ocupar o cargo de liderança hoje o fará até ser selecionado por um dos outros Líderes. Isto é, o posto não vale só para o período das competições, mas continua quando todos voltarmos aos Chalés.

“Não se preocupem, pois o posto de Líder não irá dificultar sua entrada numa Irmandade. Hoje vocês farão uma prova na qual o vencedor será o Líder e o segundo lugar o seu vice. Caso o primeiro entre numa Irmandade, o segundo assumirá o seu lugar e assim por diante. Na verdade, o cargo apenas aumenta as suas chances de ser escolhido para uma Irmandade se você executar bem suas responsabilidades. Porém, do contrário pode dificultar a sua vida”.

“Entre muitas obrigações, o Líder é responsável por manter o acampamento limpo, garantir que todos montem suas barracas, cumpram com as obrigações e se alimentem, assim como evitar ferimentos, brigas, sujeira... Quando retornarem aos Chalés algumas obrigações mudam, outras permanecem enquanto novas surgem. Em síntese, não é uma brincadeira. Ser Líder é ocupar um posto de destaque e assumir diversas tarefas. Se algo der errado, se alguém se ferir, chegar atrasado ou algo do gênero o Líder terá que se reportar diante dos demais Líderes”.

“Os que ainda desejam concorrer ao cargo, deem mais um passo à frente”.

Sem pestanejar Evelyn, Maxine, Calíope e eu nos movemos para mais perto da Raposa, assim como três meninos e uma garota. Dois dos meninos parecer ter entre 16 e 18 anos, assim como a menina enquanto o último garoto tem uns 14. Os demais se aproximam do resto das Larvas que estão ao redor da bandeira do Acampamento.

— Os que decidiram se arriscar não podem mais voltar atrás – Sigrid fala. – Competidores, sigam-me.

Sigrid nos dá as costas e caminha em direção à floresta além da Arena. Nos movemos em silêncio atrás dela, a adrenalina corre o meu sangue e sinto a palma das minhas mãos suarem, mas mantenho o sorriso no rosto. Olho sobre o ombro e vejo os campistas nos seguindo fazendo barulho, mas conforme nos aproximamos das árvores o som diminui e me lembro o que Jason Blood disse quando entramos na floresta a primeira vez, sobre estarmos invadindo o território dos animais, por isso o silêncio é o mínimo que devemos fazer.

— Por que decidiu participar? – ouço Calíope perguntar para Evelyn.

— Sinceramente, foi uma decisão meio impulsiva – Lyn diz. – Eu gosto de mandar nas pessoas, mas estava pensando em como seria bom virar Líder das Larvas e poder provar ao meu irmão que aqui eu não estou na sombra dele.

— Me parece mais uma auto confirmação – Max, que está ao meu lado, comenta.

Evelyn dá de ombros.

— Mas por que você está aqui? – Lyn retruca.

— Também gosto de mandar – Cal responde batendo com o quadril em Evelyn. – E sei lá, talvez como Líder eles deixem você entrar na Vila das Irmandades.

— Estão preparados para tudo? – Sigrid exclama não muito a frente e chama nossa atenção para a sua figura pálida parada entre montes de feno e troncos.

Olho ao redor rapidamente e percebo que estamos em outro local de treinamento de tiro ao alvo. Ao longo dos dias descobri que há estações de treinamento dessa modalidade espalhadas por todo Acampamento na orla da floresta com diferentes níveis de dificuldade e com peculiaridades cada.

Esse para o qual Sigrid nos conduziu parece ter um nível de dificuldade intermediário, com alvos pendurados nos galhos das árvores ou no chão a no mínimo dez metros de distância do local do tiro. O feno delimita o espaço no qual é permitido atirar e agradeço mentalmente as aulas que tivemos ao longo dos dias no Acampamento.

— Está bem óbvio que a primeira etapa é uma prova de arco e flecha – a Raposa fala enquanto entrega o pano verde a um campista do Urso que se afasta. Os campistas circundam o espaço deixando os competidores e Sigrid no centro. Cal fecha as mãos em punhos enquanto Max balança uma das pernas impaciente. – É bem simples. Vocês pegarão o arco da sua escolha, se posicionarão em cima do X que delimita o local do tiro e depois tentarão acertar cinco alvos.

“Vocês reparam que há alvos fincados no chão e pendurados nos galhos. No primeiro momento, deverão acertar no mínimo dois alvos dos galhos. Se fracassarem, estão automaticamente eliminados. Faremos a prova neste estilo dificultando aos poucos até sobrarem três campistas. Alguma pergunta?”.

— Vamos atirar todos juntos? – a menina que eu acredito se chamar Jane pergunta.

— Dois de cada vez. Algo mais? Não? Então, por favor escolham seus arcos enquanto decidimos quem serão os primeiros.

Sem me importar com o que os outros vão pensar, corro até o local onde os arcos estão na tentativa de escolher o melhor. Max e Cal logo me alcançam, assim como os dois meninos mais velhos.

— E aí, Max – falo. – Por que decidiu participar?

— Ah, você sabe – ela fala enquanto testa a corda de um dos arcos. – Adoro um desafio e virar Líder pode ser um incentivo a mais para eu não me atrasar. Sem contar que isso talvez me aproxime dos outros Líderes e me garanta uma vaga numa Irmandade mais rapidamente. E você?

Dou de ombros.

— Minha mãe sempre me incentiva a ter novas experiências então pensei que isso seria algo que ela me obrigaria a participar – falo quando escolho o arco que considero melhor. – Mas estou começando a repensar isso.

— Por que? – Cal pergunta prendendo seu longo cabelo ruivo num rabo de cavalo.

— Tirando as aulas do Acampamento eu nunca usei um arco na vida. Sinto que passarei vergonha na frente de todos os campistas.

— Bem-vinda ao clube! – Evelyn exclama infeliz enquanto sorri falsamente e ergue o seu arco. – Estou começando a achar que meu tiro saiu pela culatra e em vez de mostrar ao meu irmão que eu não preciso dele vou apenas comprovar isso.

— Não sejamos pessimistas! – Cal diz sorrindo. – Nós não sabemos as habilidades dos outros.

— Pra você é fácil falar – Lyn diz. – Ártemis me disse que seu avô lutou na guerra e ensinou você a atirar.

A ruiva dá de ombros.

— Sim, mas uma arma é diferente de um arco.

— Nem tanto – Max retruca e logo lembro que ela contou que costuma caçar com o pai. – Vou fingir que os alvos são patos e vai dar tudo certo.

Antes que Evelyn e eu possamos pensar melhor na merda que fizemos, Sigrid sopra um apito para anunciar a primeira dupla: a menina Jane (que acerta todos os alvos) e um dos garotos mais velhos que errou um. Depois, Calíope acerta todos assim como o menino mais novo. Max quase erra um dos alvos pendurados nos galhos ao passo que Evelyn acerta todos facilmente, sorrindo largamente quando para ao meu lado e diz que a dança fortaleceu seus músculos então puxar a corda é fácil.

Logo em seguida, o outro menino mais velho erra três alvos fincados no chão ao passo que eu acerto todos. Me sentindo eufórica, retorno para perto das minhas amigas enquanto os dois eliminados colocam os arcos de volta no lugar e se juntam as Larvas. Então, de cinco alvos passamos para dez estilo livre quando Jane e Cal deixam a competição. Logo em seguida, são vinte alvos pendurados e eu – com meus braços tremendo igual varas verdes – sou eliminada deixando apenas Evelyn, Maxine e o menino mais novo que se chama Oswaldo.

Tento não pensar muito na derrota porque sei que se fizer isso irei chorar. Respirando fundo, coloco um sorriso no rosto e deixo para me martirizar no banho.

— O meu problema foi excesso de confiança – Cal diz quando me aproximo dela.

— O meu problema foi falta de musculação.

— Vocês foram muito bem! – Telma exclama. – Achei muito corajoso tentarem.

— Fiquei surpresa por você não tentar, Kenai – falo sorrindo zombeteira.

— Pense o que quiser, mas eu me conheço – o homem retruca. – O poder sobe a minha mente muito rápido e eu me torno um ditador.

— Isso me surpreende ao mesmo tempo que não – Tel fala, me fazendo rir.

— Muito bem – Sigrid fala no megafone. – Sobraram três campistas e é agora que a coisa vai ficar boa! Vou lembra-los que assim que chegamos aqui eu dei o lenço verde a um campista do Urso e agora vocês entenderão o porquê. Caso não tenham reparado, no final da pista de alvos há um enorme carvalho. O desafio será vocês atirarem vinte e cinco flechas, sendo cinco nos alvos fixos, cinco nos alvos pendurados e quinze em estilo livre sendo que não se pode repetir o alvo! Depois disso, o competidor deve colocar o arco no lugar e correr do lado de fora, isto é, pra lá do feno em direção ao carvalho para então escalá-lo, pegar o laço verde e tocar o sino. Quem fizer isso primeiro será o Líder!

Os campistas não se contêm e gritam animados, balançando bandeiras e soprando cornetas.

— Uau! – Kenai exclama animado.

— Fico até feliz de ter sido eliminada – falo enquanto bato palmas.

— Eles já estão com os braços cansados de atirar tantas flechas e agora terão que fazer isso mais vinte e cinco vezes, depois correr e escalar uma árvore! – Lua exclama. – As chances de alguém cair são altíssimas!

— Sim! – Cal exclama no que primeiro eu penso ser concordância, mas então ela completa. – Estou com tanta raiva por ter perdido!

— Competidores! – Sigrid exclama atraindo nossa atenção para as três figurar paradas no extremo oposto do carvalho. – Preparar, já!

Um apito soa e logo flechas começam a ser disparadas. A animação e adrenalina tomam meu corpo e logo estou gritando juntamente com meus amigos. Sem saber ao certo pra quem torcer, berro o nome de Evelyn e Maxine de forma intercalada enquanto Lua ressalta várias vezes como isso é perigoso, mas por fim se dá por vencida e sobe nas costas da Calíope para enxergar melhor.

Evelyn acertou as cinco flechas nos alvos fixos e as outras cinco nos alvos pendurados, mas seus braços parecem enfim estarem demonstrando cansaço já que ela faz uma pausa para mexê-los o que não a deixa exatamente em desvantagem já que Maxine pode não ter parado, mas demora mais para soltar as flechas e Oswaldo está tendo problemas, mas se recupera depressa ao acertar mais um alvo.

— Vai Evelyn! – Telma grita muito perto do meu ouvido, me fazendo olhá-la e levar a mão a orelha.

— Por Katy Perry, corre Max! – Lua grita e volto meus olhos para a competição ao tempo de ver uma Lyn eufórica colocar o arco no lugar e começar a correr em direção ao carvalho ao mesmo tempo que Maxine dispara a última flecha e Oswaldo acerta o último alvo.

— E os três competidores correm em direção ao carvalho! – Sigrid fala no megafone como uma locutora fazendo os campistas gritarem ainda mais alto.

Evelyn é a primeira a alcançar o tronco e suas pernas fortes compensam os braços cansados. Maxine que durante a infância praticou boxe, natação e ballet começa a sua escalada de forma rápida enquanto Oswaldo luta com seus braços magros.

— Vai ser acirrado, mas apenas um pode vencer! – Sigrid diz.

— Max está em melhor forma – Lua exclama se apoiando nos ombros da Cal pra ficar ainda mais alta.

— Pode ser, mas a Lyn escala melhor – Kenai fala calmamente como se não tivesse uma Telma descontrolada agarrada ao seu braço direito pulando para cima e para baixo.

— Aposto dez na Lyn! – Cal fala.

— Aposto dez na Max! – exclamo no segundo que alguém toca o sino.

— Foi por pouco, mas Evelyn Brooke é a campeã! – Sigrid anuncia ao mesmo tempo que os campistas correm em direção ao carvalho.

— Pisei num musgo e meu pé escorregou – Max explica quando eu a abraço e parabenizo.

— Nem acredito que a Lyn ainda tem coragem de dizer que não sabe atirar – Cal fala sorridente olhando para a amiga que está em cima dos ombros do Kenai e rodeada por campistas animados.

— Calma, calma – Dylan fala no megafone se aproximando aos poucos da vencedora. – Coloquem a Evelyn no chão, por favor.

Kenai faz o que lhe é pedido enquanto os campistas se afastam, cercando Dylan e Lyn que sorri de orelha a orelha. O Líder das Raposas para ao lado da Larva, com Sam em seu encalço, e fala:

— Neste dia, Evelyn Brooke realizou e venceu sua primeira prova! Como prêmio por sua conquista, de hoje até o dia que ingressar numa Irmandade ela será Líder das Larvas!

Os campistas gritam e batem palmas enquanto Sam estende uma caixa aberta para Dylan. A Raposa pega um colar de dentro e levanta para todos verem antes de colocar ao redor do pescoço de Evelyn, como uma medalha.

— Este colar é símbolo da sua vitória e liderança – Dylan fala sorrindo e olhando para a garota em sua frente. – Enquanto ele estiver ao redor do seu pescoço você será responsável pelos campistas do Chalé das Larvas. Em nome dos Líderes e de todo o Acampamento, eu lhe dou os meus parabéns. Maxine Vause, como ficou em segundo lugar, você é a vice. Uma salva de palmas para Evelyn e Maxine!

Novamente os campistas batem as mãos e quando Dylan se afasta as Larvas voltam a cercar Evelyn, agora uma Líder. Telma corre para abraçar a companheira de quarto enquanto eu pago Calíope pela aposta antes de correr em direção à minha amiga.

— Agora ninguém pode dizer que Evelyn Brooke não é maneira – falo quando a abraço, fazendo-a rir.

— Espero que isso também valha para a vice – Max diz depois de dar um toca aqui com Kenai.

— Desde que ela não chegue atrasada – Lua retruca, fazendo Max lhe mostrar a língua e nós rirmos.

— Todos de volta as barracas – Dylan exclama no megafone.

— Não se esqueça que como Líder é sua função escolher onde as Larvas devem montar o acampamento – Sigrid fala sorridente antes de entregar a Maxine o mastro com a bandeira.

Percebo que o colar de Evelyn não é uma Larva, mas sim uma borboleta assim como a bandeira possui o símbolo de uma larva com uma flecha apontando para uma flor e outra flecha para uma borboleta, então de volta para a larva como num ciclo infinito.

— Eu posso pedir ajuda? – Lyn pergunta roendo uma unha.

Sigrid sorri compreensiva.

— Apenas da sua vice, mas já adianto que em caso de chuva é sempre melhor ficar no topo – a Raposa diz dando uma piscadela marota.

Como as outras Irmandades estão terminando de montar suas barracas, não sobrou muito espaço para Lyn escolher, mas por fim as Larvas começam a trabalhar no ponto mais perto da Enfermaria, entre as Irmandades Raposa e Coruja.

— Estar perto da Enfermaria é bom, caso alguém se machuque – Lyn fala enquanto ajuda Telma e eu a montarmos nossa barraca verde folha. – E as Raposas são na deles, então não acho que vão dar problema. Já na Coruja nós temos a Domi e o Elijah parece ser um bom Líder.

— Sem contar que as Corujas não parecer serem problemáticas – completo.

— A menos que por pertencerem a Irmandade Coruja elas fiquem acordadas a noite inteira – Telma diz, me fazendo rir pelo nariz.

— Vocês têm cinco minutos para terminarem – Sigrid fala enquanto percorre o acampamento das Larvas. – A primeira competição vai começar.

De fato, é possível ver os Lobos, Búfalos e Raposas percorrendo o caminho até o Lago enquanto as Corujas recolhem galhos para a fogueira e os Ursos terminam de ajeitar suas coisas. Evelyn está no centro do acampamento das Larvas juntando os galhos que os mais novos recolheram enquanto o restante de nós se ajuda a montar as barracas.

Alguns minutos depois, após os Ursos e Corujas nos ajudarem, estamos caminhando em direção ao Lago conversando animadamente sobre o que possivelmente nos aguarda e comentando sobre a vitória de Lyn.

— Eu acho que vai ser uma prova de natação – Maxine comenta quando é possível ouvir as Irmandades que estão perto do Lago, mais precisamente no píer do Chalé Cais.

— Mas no Lago? – Dominique que se juntou a nós pergunta sem certeza. – O Acampamento tem piscina para isso.

— Pode ser, mas isso é uma competição – falo. – Talvez eles deixem as coisas mais difíceis.

— Até porque se fosse fácil em dois dias todas as Larvas teriam uma Irmandade – Kenai concorda comigo.

Aceno a cabeça positivamente fazendo com que Evelyn coce os olhos.

— Espera, acho que a prova do líder afetou a minha visão! Eu estou vendo o Kenai e a Mack concordarem?

Kenai bate seu ombro de leve na ruiva, mandando a não encher enquanto o resto de nós ri e eu dou de ombros. Avaliando a primeira conversa/discussão que tive com Kenai ao longo dos dias, ficou claro que nossa briga foi sem sentido e não havia motivos para ficarmos brigados, principalmente quando ele passou a fazer parte do meu grupo de amigos. Por isso, silenciosamente concordamos em dar uma trégua.

— Espero que vocês tenham treinado durante os dias que estão no Acampamento – Jason fala no megafone, parado ao lado dos demais Líderes no extremo oposto do Chalé Cais – porque as competições começam agora!

Os campistas gritam, batem palmas, levantam bandeiras de suas Irmandades ao mesmo tempo que gritam o nome das mesmas ao som de buzinas de gás, apitos e trombetas. Graças a Sigrid, que se despediu das Larvas e se juntou a sua Irmandade, agora os novatos também possuem esses apetrechos e podem torcer para o Chalé temporário.

— Como os mais velhos sabem, a ordem das atividades é decidida por sorteio e influenciada pelo clima – Jason prossegue. – Devido ao calor de hoje e o céu limpo, os Líderes decidiram trocar a prova de equitação pela de canoagem, por isso espero que todos estejam prontos para se molhar!

Nesse momento, é possível perceber alguns grupos de campistas dentro das Irmandades erguerem seus braços e darem giros de 360° enquanto o resto dos campistas batem em suas costas o que me faz chegar à conclusão de que existem, dentro de cada Chalé, um grupo especializado em cada modalidade.

— Estamos claramente em desvantagem – comento para ninguém em particular.

— Por que você diz isso? – Cal pergunta irônica. – Por que os campistas da Irmandades estão no mínimo aqui uma temporada a mais que a gente e por isso sabem como as competições funcionam?

Reviro os olhos.

— Isso e porque dentro das Irmandades tem grupos especializados em cada prova – falo apontando para os Búfalos que estão mais próximos. – Estão vendo como aqueles dez campistas estão sendo cumprimentados pelos demais como se fossem os jogadores?

— Isso deve acontecer em todas as competições – Max fala.

— E as Larvas não tem isso – Domi fala antes de sorrir animada. – Mas as Corujas têm, então tchau e boa sorte!

— Traidora – Tel grita de brincadeira enquanto Dominique corre em direção aos seus amigos rindo.

— Bem, não vamos nos desesperar – Lyn diz calmamente. – Podemos não ter um time de canoagem, mas fizemos aulas disso e estou confiante! Além do que, não acho que os Líderes fariam provas que não conseguiríamos fazer.

— Até porque Sigrid disse que é assim que somos escolhidos para uma Irmandade – Kenai fala. – Deveríamos nos organizar. Eu quero participar dessa prova!

— Mas você nem sabe o que é direito! – Lua retruca fazendo o homem dar de ombros.

— Calma, calma – Mavis diz rindo no megafone. – Antes das equipes se preparem vamos as explicações! Primeiramente, não é uma prova de canoagem maratona, mas sim de caiaque polo. Estamos somente no primeiro dia! – ela exclama ao som dos resmungos dos campistas. – Vamos deixar as maratonas para mais tarde. Enfim, para quem não sabe o caiaque polo é composto por duas equipes rivais com cinco jogadores cada e todos possuem seu próprio caiaque. Como vocês podem observar, a minha esquerda e direita há gols pendurados em árvores. Resumidamente, pode-se dizer que o caiaque polo é como o handebol. Matt vai explicar as regras pra vocês.

— Muito bem – o campista do Urso diz com um sorriso animado. – O uso de capacetes e colete salva-vidas é obrigatório. Como Mavis disse, cada jogador possuí seu caiaque e seu gol. As regras básicas são as seguintes: é permitido segurar a bola por apenas cinco segundos sendo permitido usar o remo para empurrá-la ou, no caso do goleiro, como defesa, mas não é permitido transformá-lo numa raquete de tênis. Os cinco segundos da posse da bola funcionam no sentido de que ao término do prazo o jogador deve passar a bola a um companheiro ou ficar jogando a bola pra cima e pegando, desde que esteja em movimento.

“Usem o remo para se locomoverem ou para defender o gol, jamais para atacar outro jogador. É falta tocar com o remo ou com a mão o caiaque ou o corpo do adversário, sendo permitido apenas encostar uma mão no ombro se esse estiver na posse da bola sem nenhum caiaque aliado por perto. A partir do gol, imaginem uma linha de seis metros. Qualquer jogador que levantar seu remo dentro dessa área é considerado o goleiro, ou seja, essa é uma posição que muda conforme quem está na área. O goleiro não pode ser empurrado ou tocado por nenhum outro jogador. Resumindo, é um handebol e um basquete dentro de caiaques”.

— Alguma dúvida? – Mavis pergunta pegando o megafone de volta e continua ao ver algumas mãos das Larvas se levantarem. – Não se preocupem, as Larvas não serão as primeiras a jogar. Com base no que sabem, definam o time e prestem atenção quando as Irmandades jogarem. Após isso, se ainda tiverem alguma dúvida perguntem ao Matt. Agora, vamos ver quais times irão começar!

Mais uma vez os grupos gritam animados enquanto Lyn se vira para as Larvas e pergunta quem tem interesse em participar. Após um jogo de dois ou um, as Irmandades Búfalo e Coruja irão se enfrentar ao passo de que o time das Larvas ficou definido como Kenai, Calíope, Maxine, um garoto de 17 anos chamado Angayuqaq que mora com sua família na tribo dos iupiaques, no Alasca. E é claro, eu.

Mesmo não sendo muito boa de canoagem, decidi participar da prova uma vez que é uma boa forma de ser notada pelos Líderes e me divertir. Outros cinco campistas variando entre as idades ficaram como reserva. Ao chamado de Evelyn os campistas das Larvas se aproximam do lago e sentam na grama seca para observar melhor a competição. Espalhados pelo Lago, os jovens se misturam entre as Irmandades e torcidas e logo Dawn acompanhada de suas amigas, Robbie Gambino e Stacy Yorn, se junta a nós.

— Estão torcendo pra quem? – Robbie pergunta quando se senta ao meu lado.

— Coruja, por causa da Domi – Telma fala e Lyn concorda.

— Sem contar que ultimamente a Mavis tá um pé no saco, então não ficaria chateada se a Irmandade dela perdesse – Cal completa.

— Todas as Irmandades se enfrentam pra definir um vencedor? – Lua pergunta a Stacy.

— Não no primeiro dia. As competições duram uma semana nas barracas, mas continuam ao longo da temporada – e olhando para o seu relógio ela completa. – Até porque são quase quatro da tarde e temos que jantar às seis.

— Os horários não mudam nas competições? – pergunto franzindo o cenho.

Robbie balança a cabeça negativamente fazendo seus cabelos encaracolados acompanharem o movimento.

— Nós jantamos no mesmo horário e ficamos até o toque de recolher na fogueira do acampamento – ela diz. – Às onze todos têm que estar dentro das barracas se não quiserem dar um oi aos lobos.

— Os lobos fazem a ronda mesmo durante as competições? – Kenai pergunta finalmente aparecendo e sentando ao lado da Telma. – Quer dizer, estamos cercados pelas Irmandades e pelos Líderes, eles saberiam se alguém estivesse fora da barraca.

Robbie e Stacy apenas dão de ombros enquanto a segunda fala:

— É assim que as coisas funcionam.

O som de gritos animados atrai a atenção do grupo para o jogo a tempo de ver os Búfalos comemorando um gol. Vinte minutos depois, após um intervalo no meio e três faltas sendo duas cometidas pelas Corujas, os Búfalos são declarados os vencedores fazendo Cal bufar atrás de mim e Tel gritar de alegria.

— Ela quer entrar no Chalé da Mavis – Dawn explica a uma Stacy de olhos arregalados.

— Com o tempo você se acostuma com os gritos – Lyn diz rindo.

— E os próximos competidores são Urso contra Larvas! – Mavis anuncia sorrindo e lembrando a garota que costumava ser.

— Boa sorte! – Robbie fala. – Os Ursos são a melhor Irmandade em caiaque polo.

— Aposto que você só está falando isso porque é uma Urso – Kenai fala sorrindo debochado com as mãos na cintura.

— Na verdade não, todos falam que eles são os melhores – Domi fala aparecendo com Jena. – Mas vocês vão se sair bem!

Ignorando o frio na minha barriga, caminho com o resto do time em direção a um lado do Lago onde caiaques verde-claros nos esperam. Sigrid está lá assim como Dylan e Elijah, todos sorrindo animados para nossas caras nervosas.

— Eu esperava mais animação visto que vocês estão diante da sua primeira competição! – Elijah exclama sorrindo.

— Bem, vocês já conhecem as regras – Dylan diz e automaticamente lembro do almoço, quando Maxine disse que ele é bonito. Lanço um olhar safado para a garota e percebo que Calíope faz o mesmo, por isso quando nossos olhares se cruzam tenho que fazer força para não rir. – Sei que há uma certa pressão, mas lembrem-se que todos nós já fomos Larvas e o importante é se divertirem. Tentem não confundir as canoas já que os Ursos estarão usando verde escuro.

— Não podia ser outra cor? – Kenai pergunta batendo com o piercing nos dentes.

— Não – Sigrid responde simplesmente dando um sorriso animado e me lembro que seu namorado é Líder do time rival.

Maxine ergue uma das sobrancelhas e Elijah diz.

— Se vocês não conseguem nem lembrar o rosto dos seus companheiros de equipe nem diferenciar dois tons de verde já adianto que serão facilmente derrotados.

— Não que o Líder da Coruja tenha moral para dizer isso no momento – Dylan retruca com um sorriso irônico que me faz rir assim como os demais.

Elijah revira os olhos sorrindo e diz:

— Chega de papo. Subam nos caiaques e preparem-se.

— Lembrem-se que são dez minutos de jogo, um intervalo e mais dez minutos – Sigrid fala.

— Não foquem no seu desempenho individual, mas sim no da equipe – Dylan diz ao empurrar o último caiaque para a água. – Bom jogo!

— Além de bonito ele é simpático, por que mesmo não gostamos dele? – Maxine pergunta para o nada enquanto levamos os caiaques para a frente do nosso gol.

— Nós não gostamos dele? – pergunto.

— Foco no jogo, Vause! – Calíope simplesmente exclama.

— E lembrem-se de que o Dylan tem namorada – Kenai fala. – E que ela é a Manson.

— Não é por que você tem medo da Manson que todo mundo tem – falo e recebo um dar de língua como resposta.

Os Ursos estão posicionados e nos encaram com sorrisos animados. Ao fundo, é possível ouvir os gritos dos campistas que torcem para um time específico ou só fazem barulho. A bola do jogo está com o Kenai já que no cara ou coroa contra Matthew, Evelyn levou a melhor. Maxine ocupa o lugar do goleiro e apesar de não ser uma posição fixa, decidimos mudar apenas quando for extremamente necessário.

Ao som do apito, o jogo começa. A adrenalina corre nas minhas veias e isso apenas aumenta quando Kenai joga a bola pra mim. É um desafio de coordenação jogar a bola pra cima e remar além de desviar dos adversários, por isso não fico surpresa quando um Urso rouba a bola de mim. Maxine defende o gol e joga a bola para Calíope que passa a mesma para Angayuqaq o qual faz o primeiro gol.

Sem deixar espaço para a comemoração, um garoto magricela do Urso pega a bola e a lança para uma menina da sua Irmandade. Bato meu caiaque no dela, mas mesmo assim a infeliz consegue fazer um lançamento em direção ao gol. 1x1.

Vinte minutos depois, estou molhada, eufórica, com os braços cansados de tanto remar e fazer manobras. Como era de se esperar, os Ursos venceram, mas a derrota não foi tão feia e como Max disse, para uma primeira vez foi ótimo.

— Lembrem-se que a amiga da Dawn disse que faremos isso de novo – Max fala enquanto saí de dentro do caiaque.

— Se treinarmos, vai ser sucesso – Cal diz enquanto corre para os campistas da Larva que gritam por nós animados.

— E para finalizar: Raposas versus Lobos! – Mavis exclama uma última vez no megafone.

De fato, os campistas da Raposa se aproximam de nós, já que estamos no local onde os caiaques se encontram. De verde claro, agora eles são azuis assim como os remos. Para a minha surpresa, as Raposas sorriem para nós e cumprimentam as Larvas, parabenizando Lyn pela vitória antes de virem falar com a equipe que jogou.

— Vocês foram ótimos – Billie diz sorridente e o garoto negro ao seu lado confirma com a cabeça.

— Se tivessem jogado contra as Corujas ou Búfalos, poderiam ter vencido – uma menina baixinha ruiva fala enquanto o resto da equipe nos dá tapinha nas costas.

— Não me decepcionem e não torçam para o Blood! – Billie diz antes de ajudar seu time a colocar os caiaques na água.

E de fato o Líder dos Lobos está dentro de um caiaque, assim como Lucian Gonzales e mais três meninas.

— Eles até que foram simpáticos – Telma diz parando entre Evelyn e Ártemis.

— Acho que de tanto ouvirmos falar que eles são fechados criamos essa imagem na nossa cabeça – Lua diz concordando.

— Até porque Billie e Sigrid são da Raposa e elas são bem simpáticas – digo.

— Sim, sim, eles são ótimos, mas agora vamos ver o jogo – Kenai fala.

Ignorando completamente o garoto, continuamos a conversar e a prestar uma atenção parcial na competição. Ambas as equipes são boas e é possível ver como as Raposas parecem um ser só enquanto os Lobos seguem sem hesitar os comandos gritados por Jason. Alguns campistas da Larva vêm me cumprimentar pelo jogo e concordo com Lua quando ela diz que as competições vão aproximar a gente. Porém, antes que eu possa tecer um comentário, gritos chamam minha atenção porque ao contrário dos anteriores, estes não são gritos de alegria, mas sim de pânico.

— Lucian! – Carl Gonzales, que está perto de nós graças ao fato de que sua Irmandade também está e mais uma vez Evelyn conversa com ele, grita dando um passo a frente.

Viro minha cabeça para o Lago a tempo de ver o caiaque de Lucian virado de cabeça para baixo enquanto um apito soa e os demais competidores tentam se aproximar, mas antes que possam fazer algo, Dylan pula na água com roupa e tudo.

— O que aconteceu?! – Maxine exclama enquanto Telma agarra meu braço.

— Ele estava com a bola e então uma Raposa fez o caiaque pular em cima dele, como se fosse atacar! – Kenai explica rapidamente.

— Ele está preso no caiaque, não vai conseguir se soltar! – Telma grita o que me faz dar uma cotovelada nela diante do olhar de pânico do Carl.

Quando finalmente os outros competidores se aproximam do caiaque de Lucian e começam a tentar se soltar, Dylan surge puxando um Lucian ofegante para fora da água. Com a ajuda de Jason que está no caiaque, ambos colocam o Gonzales sobre o bote virado enquanto o mesmo tosse.

— Ele está bem? – alguém grita.

Ignorando a pergunta, Dylan exclama:

— Joguem a corda!

Os campistas que estão parados na beira do píer jogam uma corda que está presa ao mesmo na direção de Dylan, que a prende num gancho do caiaque. Jason se afasta e enquanto os campistas em terra puxam a corda, Dylan ajuda Lucian a alcançar terra firme a nado.

— Eu estou bem – um Lucian ofegante e tossindo diz deitado no chão aos pés de Dylan quando Carl se aproxima correndo.

— Vire-se – Dylan diz puxando um dos ombros de Lucian de modo que este fique cara a cara com a grama. O loiro bate algumas vezes nas costas do Lobo até que ele cuspa um pouco de água e que a tosse pare.

— Obrigado – Lucian diz em agradecimento a garrafa de água que um Urso estende para ele.

— Você bateu a cabeça? Alguma coisa dói? – Dylan pergunta agachado na frente de Lucian que agora está sentado tomando água devagar, as costas apoiadas nas pernas de Carl que o olha preocupado.

Lucian lança um olhar mal humorado para Dylan antes de balançar a cabeça em negação.

— Acho que seria bom ele ir até a Enfermaria – Carl fala.

— Ele está bem? – Jason grita de dentro do Lago.

— Eu estou bem! – Lucian responde se levantando rapidamente e tossindo.

— Se está bem, não fará mal algum ir até a Enfermaria – Dylan diz.

— Não preciso ir à Enfermaria. E se precisasse você teria que ir junto, afinal de contas também entrou no Lago.

Dylan dá um sorriso de lado convencido enquanto cruza os braços sobre o peito.

— Pode ser, mas não fui eu quem ficou quase um minuto de cabeça para baixo sob o peso de um caiaque. Mas se estiver com medo de ir sozinho, posso ir com você.

— É claro que eles não podem ter uma conversa racional por mais de dois minutos – Elijah comenta com Matthew, mas eu consigo ouvir.

— Podemos voltar ao jogo? – Jason pergunta.

— Seu melhor amigo se afogou e você quer jogar? – Mavis grita de volta.

— Ele disse que está bem!

— Eu estou bem! – Lucian grita cruzando os braços como uma criança birrenta. – Voltem ao jogo.

— Ótimo! – Jason exclama apontando o dedo para um cara da Raposa. – McCabe, você está expulso! Kevin, substitua o Lucian!

— Lucian – Dylan fala quando aos poucos a atenção dos campistas se volta para a competição. – Vá para a Enfermaria.

— Ele vai – Carl responde quando o irmão mais velho faz uma carranca pronto para retrucar. – Mesmo que nada tenha acontecido, é bom ter certeza.

— Eu estou dizendo que nada aconteceu e que eu não preciso ir!

— Quanto antes você for, antes você volta – Matthew fala fazendo um gesto de dispensa com a mão.

— Suma daqui – Elijah diz sorrindo.

Mal humorado, Lucian é empurrado pelas costas pelo irmão e começa se dirigir para um carrinho. Os campistas abrem espaço para ele e Telma fala:

— Nunca achei que fosse ver o Lucian mal humorado.

Concordo com a cabeça quando Carl para e se vira para Dylan, que não se moveu.

— Obrigado – o mais novo diz.

O Líder das Raposas não esboça nenhuma emoção ao acenar afirmativamente com a cabeça uma vez e se virar para o píer, onde Sigrid conversa com o garoto que atacou Lucian.

— E os Lobos fazem mais um gol! – Mavis fala atraindo a atenção do resto dos campistas para o jogo.

— Isso! – grito batendo palmas enquanto Calíope vaia.

— Não acho certo continuar o jogo quando Lucian podia ter morrido – Telma fala.

— Mas não morreu – Maxine retruca – Vida que segue.

— E ele disse que o jogo podia continuar – Evelyn comenta observando seu irmão se aproximar.

— As Raposas marcam mais um gol ficando dois pontos a frente! – Mavis fala quando a Irmandade em questão começa a gritar palavras de incentivo.

— Aposto dez na Raposa – Lua diz.

— Dez nos Lobos – falo antes de apertarmos as mãos e voltar a atenção para o Lago.

Carl Gonzales, Carl

(Domingo, final da tarde).

Dirigi o trajeto até a Enfermaria calado enquanto Lucian se encarregava de preencher o silêncio com suas reclamações de como aquilo era exagero e que ele estava bem.

— Não é como se a solução não fosse apenas tomar um banho e colocar roupas secas! – ele exclamou quando saltou em frente a grande construção clara.

Reviro os olhos.

— Pare de agir como se o problema não fosse Dylan ter te salvado.

— Não sei do que você está falando.

— Então está me dizendo que o real motivo para toda essa reclamação não é o fato de Dylan, provavelmente a única pessoa que você não gosta, ter te salvado? Admita que você está com seu ego ferido e poupe meus ouvidos.

Como Lucian não diz algo, termino de subir os degraus e passo pelas portas duplas de madeira, entrando no hall da Enfermaria.

— Qual o problema? – Jack pergunta sentado atrás da mesa da recepção.

Jack é um dos muitos campistas que ajuda na Enfermaria nas suas horas de trabalho. Alto, com a pele negra, cabelo encaracolado curto e um sorriso amigável, ele é um dos membros legais do Lobo. Assim que avista Lucian surgir atrás de mim ensopado, Jack abre um sorriso de lado e diz:

— Deixa-me adivinhar. Campista ao lago?

— Se isso foi uma tentativa de trocadilho com homem ao mar, foi péssimo – Lucian, que ainda está emburrado, fala.

— Se até você achou ruim, deve ter sido mesmo – Jack retruca. – Sigam-me.

Saindo de trás da mesa com uma prancheta em mãos, Jack nos conduz pelo corredor da esquerda do térreo até uma das muitas salinhas vazias. Entrando numa, ele aponta para o banheiro e diz para Lucian trocar suas roupas molhadas pelas roupas verde claras que as pessoas usam em hospitais.

Lucian revira os olhos antes de falar pela milésima vez:

— Mas eu estou bem!

— Ótimo – Liz diz entrando na sala. – Mas se não trocar de roupa agora pegará no mínimo uma gripe.

Liz Benko é uma das poucas pessoas adultas que trabalha no Acampamento. Na verdade, a Enfermaria, Refeitório e Recepção são os únicos locais que os adultos estão, sendo a primeira o local mais cheio deles. Liz tem uns 25 anos e mora em Toronto. Como cursa enfermagem, ela faz horas complementares no Acampamento durante as temporadas e, de acordo com ela, o salário compensa passar dois meses cercada por adolescentes.

Ainda resmungando, Lucian entra no banheiro enquanto eu me sento na poltrona da sala e aguardo. Liz sorri para mim antes de se virar para Jack e ambos começarem a conversar.

— É o primeiro dia e este já é o segundo campista – Liz fala num suspiro, lendo os papéis que o Lobo lhe deu.

— E as coisas só tendem a melhorar – Jack fala animado. – Se bem que eu soube que ontem à noite foi animada?

Liz dá de ombros.

— Sinceramente, eu não sei como algumas pessoas conseguem arranjar tanto problema. Não dava pra ficar quieta no Acampamento.

Apurando meus ouvidos, fico imóvel na esperança de que eles falem algo a mais, a lembrança dos lobos uivando na madruga vindo até a minha mente. É claro que, após a conversa com Dylan, não posso deixar de perceber como Liz e Jack rapidamente ignoraram a minha existência, mas tento não levar para o lado pessoal.

— Como assim? – Jack pergunta. – É por isso que o terceiro andar está parcialmente bloqueado?

Antes que Liz possa responder, Lucian sai do banheiro e caminha para a cama, fazendo com que a enfermeira erga seus olhos castanhos dos papéis e lembre-se da minha presença ao passa-los por mim.

— Muito bem – ela fala caminhando até o meu irmão. – Me conte o que aconteceu.

 Conforme Lucian fala, Liz o avalia enquanto Jack – que sonha em fazer medicina – toma nota. Meu irmão aparentemente está bem, mas devido ao fato de que levou uma pancada na cabeça quando seu caiaque virou e ficou quase dois minutos sob a água, Liz decide mantê-lo na Enfermaria.

— Você vai passar a noite sendo monitorado e se tudo ocorrer bem, será liberado para o café da manhã – ela diz sorridente.

Lucian bufa e eu, que me levantei e estou em pé do lado de sua cama, belisco sua perna.

— Obrigado, Liz – falo antes dela se despedir.

— Vou pedir para a cozinha preparar um chá de camomila para você e levar suas roupas para a lavanderia – Jack diz antes de também sair.

— Sabe – falo –, você deveria aprender a dizer “obrigado”, principalmente depois que as pessoas salvam a sua vida ou estão apenas fazendo o trabalho delas. Mamãe te mataria se visse você agora.

Lucian se encosta nos travesseiros atrás das suas costas e suspira, encarando o teto.

— Eu sei – então quando eu acho que ele não irá dizer mais nada, continua. – É só que fica mais difícil não gostar do Dylan quando ele salvou sua vida na frente de todo o Acampamento.

— Primeiro que eu não chamaria de “não gostar”, mas odiar mesmo – falo fazendo Lucian rir levemente. – Segundo, achei que tivesse sido “nada demais” não um “salvou a minha vida” – completo fazendo aspas com os dedos enquanto Lucian bate nas minhas mãos.

— Você entendeu.

— É... Mas você não acha que está julgado o Dylan? Quero dizer, que motivos você tem para não gostar dele?

Lucian me encara como se eu fosse um idiota.

— Além do fato de ele estar tentando e conseguindo afastar a Effy da gente?

— Bem, você não acha que ele pode ter um motivo para isso?

— Sim, ser um namorado abusivo? – Lucian pergunta ironicamente.

Reviro os olhos.

— Mas você não gosta dele desde o primeiro minuto.

— Porque desde sempre ele tentou afastar a Effy, sem falar que ele é muito metido.

— Jason é metido e vocês são melhores amigos.

— Você está defendendo ele? – Lucian pergunta incrédulo.

— Trouxe o chá! – Jack anuncia alegremente enquanto entra no quarto e faz com que Lucian desvie o olhar raivoso de mim. – Carl, você ainda está aqui? Já é hora do jantar.

Olho para o relógio do quarto para confirmar que realmente passa das seis.

— Certo, obrigado Jack – falo me afastando da cama e seguindo para a porta. – Tchau, Lucian.

Meu irmão mais velho resmunga uma resposta. Sigo pelo corredor até a escadaria que leva ao carrinho, pensando no meu dia. A conversa e a proposta de Dylan, ele salvando Lucian, Frank dizendo algo sobre o terceiro andar estar interditado... Estou tão focado nos meus pensamentos que só tomo consciência de onde estou quando quase atropelo Billie Pirate.

— Toma cuidado, Coruja! – ela exclama, mas está sorridente mesmo sabendo que poderia ter se machucado. – Sei que a sua Irmandade perdeu, mas não é motivo para desistir da vida.

— Desculpe, Billie.

— Tranquilo – ela diz e percebo que está acompanhada pelas outras Raposas membros da equipe.

— Vocês ganharam? – pergunto olhando para suas expressões felizes.

— Sim – Valéria, uma ruiva baixinha, diz. – Sentimos muito pelo seu irmão.

Michael bate na cabeça do McCabe que solta um:

— É, foi mal.

— Tudo bem – digo e então pergunto sem pensar demais. – Vocês sabem onde está o Dylan?

— De acordo com o Sam, ele foi se trocar – Valéria responde. – E depois ia até a sala dele pra atualizar a pasta do McCabe.

— Certo, obrigado – respondo acelerando em direção à Vila das Irmandades.

Sabendo que não posso entrar no Chalé das Raposas e acreditando ser mais garantido ir direto até a sala do Líder do Acampamento, depois de passar pelos portões conduzo até o Chalé Principal e em seguida estaciono antes de subir os degraus de dois em dois até o último andar, pensando que se Dylan não estiver na sala, posso esperar por ele nela.

Ainda sem pensar muito bem e ofegante, abro a porta do Líder das Raposas de supetão, assustando o homem loiro sentado à mesa que ergue uma sobrancelha para mim.

— Você salvou meu irmão – digo ainda ofegante apoiado na porta.

— Sim – Dylan diz simplesmente.

— Mesmo sabendo que ele odeia você.

— Sim.

— Mesmo sabendo que ele preferia morrer a ser salvo por você.

— Sim.

— Mesmo sabendo que ele gosta da Effy.

Dylan hesita alguns segundos, mas por fim responde:

— Sim.

— Por que?

— Porque era o certo a se fazer.

Estou parado no meio da sala, encarando Dylan que continua sentado com as mãos cruzadas sobre a mesa e um olhar curioso. Pela primeira vez na minha vida eu paro de pensar. Paro de analisar meu dia sob diferentes ângulos, paro de pensar nas consequências. Eu apenas encaro os olhos azuis de Dylan que me encaram de volta até os olhos não pertencerem mais a ele, mas sim a Elizabeth e eu decido que não vou deixar a imagem dela morta se concretizar. Por isso, eu digo.

— Eu aceito a sua proposta.


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Notas finais do capítulo

Carl:

Mackenzie: https://static1.purepeople.com.br/articles/4/17/88/14/@/2099289-camila-queiroz-capa-da-revista-cosmopo-950x0-4.jpg

E então, oq acharam?? N sei se repararam, mas com esse cap tds os personagens interativos narraram!
Enfim, comentem nem q seja pra falar oq estão fazendo na quarentena hasuahs
XOXO,
Tia Mad.



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