Camp Paradise - Interativa escrita por Aninha


Capítulo 15
Capítulo X: PARTE I - Assassinatos em Família, debates internos e reencontros


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas!
Voltei. Aqui vai um RESUMO do capítulo ANTERIOR:
Effy estava na Inglaterra com seu primo Will e estava louca asuhaush Ouvindo vozes, mega confusa, sem saber oq estava fazendo e tal. Basicamente isto.

Enfim, antes de qualquer coisa, tenho alguns avisos:

1. Este capítulo vai ser dividido em algumas partes porque ficou demasiado grande e como as coisas q a Effy vai fazer/ver são importantes para essa primeira parte da fic, farei com que os próximos caps sejam narrados por ela;
2. Isso quer dizer que o próximo capítulo no Acampamento será o último cap da primeira parte! Sim! Demorou, mas este momento chegou ahsuahus
3. ATENÇÃO: Os personagens Missa, Mikaella, Kairo e Alexandre Deallor assim como o país Infrante são da autora @Maria_Misty da fic A Lei da Espada - Interativa e foram EMPRESTADOS para q eu os coloque nesta fic. Portanto, eles n são da minha autoria;
ALIÁS, leiam a fic dela q é maravilhosa.
4. As frases em alemão neste cap e no anterior foram feitas com base no google tradutor, então desculpa qualquer erro ahsuah e se alguém falar alemão e quiser ajudar, agradeço.

Acho q por enquanto é isto. A música do capítulo é Fairly Local - Twenty One Pilots.

Aproveitem ♥



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Elizabeth Manson Schneider, Effy

(Sexta-feira, começo da tarde).

Eu cometi um erro.

Na verdade, ao longo da minha existência, eu cometi muito mais que um erro, mas neste momento estou falando sobre um erro específico. Quando eu ainda estava na Califórnia, disse que o quadro de Imp que está no meu quarto fora feito por ela, minha bisavó, ao mesmo tempo em que disse que era um quadro da casa abandonada de Lake Tahoe, morada da minha família há 150 anos. Portanto, o cálculo não esta batendo.

Peço perdão pelo meu erro e pela minha estupidez que me fez acreditar durante quatro anos numa história, em parte, falsa. A pessoa que ‘’me’’ contou disse que cometeu o erro propositalmente para que ‘’eu’’ abrisse meus olhos e enxergasse o que minha Família me fez passar. As aspas em pronomes pessoais estão ali porque na verdade a pessoa que me contou não me contou nada, mas contou a Enamor. Ou ao Corvo. Seres que muitos anos depois – depois de ver, ouvir e participar de muitas coisas – decidiram que era a hora de sair das sombras da minha mente e conversar comigo.

Agora eu, Elizabeth Naomi Manson Schneider sou na verdade quatro… Coisas. Effy, Enamor, o Corvo e minha consciência que na verdade é a mesma de Enamor o que é bem difícil de acreditar levando em conta que a consciência dela permite matar e roubar enquanto a minha me pune por coisas que ela fez. Acho que na verdade é a minha consciência que está causando toda essa confusão na minha mente.

 Sou completamente daqui, eu estive ao redor

Eu estive vendo as ruas em que você andava

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh

O Corvo ainda não apareceu para mim e não sei se minha consciência interfere no que quer que ele faça. Enamor disse que não é para eu me preocupar e que ainda não estou pronta para ter contato com o Corvo, então estou tentando seguir um segundo após o outro da minha vida tendo a consciência de que na verdade não sou uma única pessoa.

Na verdade, John Green disse em seu livro Tartarugas até lá embaixo que ‘’em termos de número de células, os seres humanos são aproximadamente cinquenta por cento microbiais, ou seja, no mínimo metade das células que compõem nosso organismo não é realmente nossa. A quantidade de micróbios que moram em meu bioma particular é mil vezes maior do que toda a população humana’’(GREEN, 2017, p. 11). Ler isso me fez pensar sobre o assunto e sentir agonia. Se você está se coçando inteiro, com nojo e sentindo pequenas coisas andando por você e isso te deixa com vontade de coçar, tomar banho ou se sacudir quero dizer que a) isso é completamente normal e b) você pode fazer o que quiser, mas isso não vai sair de você. Na verdade, você vai morrer e seus micróbios continuaram vivos. Comendo-o.

Então, tecnicamente eu não sou eu porque tem coisas vivendo em mim, mas como todo ser humano normal (se é que eu posso me considerar um), eu ignoro essa parte da biologia e vivo ignorando este fato, afinal de contas, a ignorância é uma benção. Por isso, com o pensamento de que eu, Elizabeth Naomi Manson Schneider, habito este corpo sozinha, isto é, sem micróbios e derivados, neste momento tenho consciência de que não estou só, mas sim com Enamor, o Corvo e minha consciência (que acho que sempre esteve aqui, então acho que nunca estive sozinha). Enfim.

Voltando ao quadro. Imp de fato foi para a floresta e de fato pintou uma obra, mas não aquela que habita meus aposentos. Aquele quadro foi pintado há 150 anos por uma moça, de nome não revelado pela pessoa que ‘’me’’ conta as informações, que se baseou nos diários dos antepassados para retratar a primeira mulher da minha Família a passar pela tradição e ser largada numa floresta. A diferença entre aquela mulher e todas que a sucederam é que, ao contrário das outras, ela não recebeu treinamento. Não ensinaram ela a usar armas, a fazer uma fogueira, a construir ou procurar um local para se abrigar. Simplesmente largaram uma menina de 15 anos na floresta. E a mataram.

150 anos de tradição. 15 anos a primeira garota tinha ao ir à floresta. 5 anos de idade as próximas gerações passaram a ter quando são largadas na mata. 1500 e o meu número de nascimento. A cada segundo que passa acredito que minha Família tem alguma coisa com os números um e cinco.

Hoje é dia 15. E hoje meu tio tentou me matar.

Para ser honesta não era eu quem habitava meu corpo, ou melhor, minha mente quando o fato aconteceu. Eu estava desligada, dormindo profundamente dentro da minha cabeça porque Mickey havia me ‘’reiniciado’’, de acordo com Enamor, seja lá o que isso quer dizer. Depois de ver meu primo Will entrar num táxi e ir para o aeroporto com destino à Alemanha, ‘’eu’’ roubei um carro e acelerei pelas ruas londrinas, ultrapassando sinais vermelhos e limites de velocidade, para encontrar meu guarda-costas no aeroporto e entrar num avião particular antes mesmo de William sair do carro em que entrara. Eu disse que minha consciência está confusa porque foi Enamor quem quebrou a lei com a permissão da minha consciência, mas neste exato momento ela está punindo a mim.

Sou mau para o núcleo

O que eu não deveria fazer, vou fazer

Dizem que sou emotivo

O que eu quero salvar, vou matar

De qualquer forma, Enamor entrou no avião e ficou sentada imóvel numa poltrona de couro caramelo enquanto a aeromoça cuidava dos machucados que ela fez no trajeto até ali. Quando ela pousou os olhos, meus olhos, em Mickey, este temeu tanto por sua vida que mandou a aeromoça me apagar com uma dose de sedativo. Enamor me acordou um tempo indeterminado depois e pediu que eu mantivesse os olhos fechados, não me movesse e não fizesse barulho. Disse que estávamos na Alemanha, na casa do meu tio Stephan que no momento está discutindo com alguém no andar inferior.           

            - O que está acontecendo? - penso.

            - Ele está pensando em nos matar. Acha que não estamos estáveis porque você foi reiniciada muitas vezes em pouco tempo — Enamor explica como uma voz na minha cabeça.

            - O quer dizer com reiniciada?

            Antes que ela possa responder, eu ouço um barulho vindo de algum lugar, como se algo tivesse se espatifado no chão e o culpado pelo dano estivesse fugindo, seguido de passos apressados e pesados que param relativamente perto de mim.

            - Você esta no terceiro andar, num quarto da ala leste. Está sozinha e deitada numa cama. Cuidaram dos ferimentos e te deram remédios, sedativos, que fizeram você dormir.

— Há quanto tempo estou apagada?

— Tempo o suficiente para estar na Alemanha. Preste atenção no que vou falar Effy. Você tem duas escolhas: ou você segue minhas ordens e faz tudo o que eu mandar ou eu vou assumir o controle para nos tirar daqui. Porque eu não sei você, mas eu não quero morrer hoje. Não vim tão longe para isso.

— O que quer dizer com ‘’não vim tão longe para isso’’? – pergunto confusa levando em conta que eu a ‘’conheci’’ tem nem um dia. – Há quanto tempo está na minha cabeça?

— Isso não é importante agora. Posso falar algumas coisas sobre isso no caminho, mas a prioridade agora é sairmos desta casa. Então como vai ser? Vai usar tudo que aprendeu no treinamento para nos tirar daqui vivas ou vai querer que eu assuma o controle?

— Pra que? Para você matar mais algumas pessoas, quebrar várias regras e infringir inúmeras leis e eu ser punida? Não, obrigada, pode deixar que eu fico no controle.

O quão louca eu sou por estar falando normalmente com uma voz na minha cabeça? Bom, acho que o fato de eu ter uma voz na minha cabeça já responde a minha pergunta.

— Muito bem – Enamor fala. — A sua esquerda tem um criado mudo, uma poltrona e uma porta que leva ao banheiro. Suas roupas estão na poltrona e seu sapato está no chão. Não há armas neste cômodo, as cortinas e as janelas estão fechadas e nós estamos numa altura muito grande para pularmos. Pelo som das respirações posso dizer que-

— Tem dois seguranças na porta, provavelmente armados e não acho que estão aqui para me proteger, por isso preciso acabar com eles antes que acabem comigo – penso.

— Exato. Na pia do banheiro tem duas seringas com sedativos dentro de um recipiente prateado. Você sabe o que fazer. Quando estiver pronta para sair, apague os dois e pegue o caminho da esquerda.

— Certo. Tempo?

— Cinco minutos até Stephan e Norma começarem a brigar novamente.

Abro meus olhos e me sento na cama, jogando o pesado edredom que cobria meu corpo para o lado e minhas pernas para fora da cama de casal. Apesar das cortinas estarem fechadas, elas não são grossas de modo que a luz do sol invade de forma fraca o quarto, iluminando o suficiente para que eu veja minhas roupas na poltrona, exatamente como Enamor havia falado.

— A madeira é nova, então não se preocupe com rangidos – ela fala quando coloco o peso do meu corpo sobre meus pés.

Na ponta dos pés e dando passos largos, caminho sobre o piso de madeira caramelo até o pufe. Tiro a camisola de algodão branca pela cabeça e a jogo no chão mesmo, vestindo em seguida o mesmo cropped, a mesma calça de cintura alta, tecido leve meio larguinha, o mesmo tênis de caminhada e a mochila que usei em Londres. Como não tenho tempo para colocar a gargantilha e o colar só os jogo dentro da mochila antes de colocar a mesma nas minhas costas e apertar as alças.

Três minutos – Enamor fala.

Abro a porta do banheiro sem fazer barulho e a primeira coisa que avisto é a caixa prateada, geralmente usadas em hospitais, em cima da pia. Abro e confirmo que de fato há duas seringas pontudas ali dentro, assim como frascos com tiopentato de sódio, brometo de pancurônio e cloreto de potássio.

Ok, isso é um coquetel da morte – penso. – Creio que dessa vez eles não iam apenas me sedar.

— A injeção letal geralmente não é para sedar, de fato – Enamor murmura e sinto seu sarcasmo ácido. – Dois minutos.

Coloco uma seringa por vez no frasco de tiopentato, em doses suficientes para deixa-los apagados por algum tempo, mesmo com Enamor dizendo que eu deveria ministrar os três produtos, apenas para garantir.

Não é porque você é uma assassina que eu me tornarei uma – murmuro.

Você sabe que somos a mesma pessoa, certo? — ela pergunta como se eu fosse estranha. – Por mais que não se lembre ou que eu esteja no controle, estamos no mesmo corpo então o que eu faço você também faz. Cinquenta segundos.

Com uma mão segurando as duas seringas, retorno ao quarto e caminho para o criado mudo, pegando o comunicador que está sobre o mesmo e colocando-o na minha orelha antes de caminhar para porta de madeira, abrindo-a silenciosamente e devagar, de modo a poder observar os homens rapidamente antes que eles me notem.

Ambos estão usando ternos pretos e sapatos bem engraxados, com pistolas calibre 45 presas no cinto. Ambos estão com comunicadores no ouvido ligados por um fio ao walkie talkie dentro do paletó. Suspiro fundo e solto a respiração numa baforada abrindo uma fresta maior da porta por onde passo meu braço com uma seringa em mãos e injeto o conteúdo no pescoço do homem a minha direita. Saio do quarto rapidamente quando ele perde os sentidos e o pouso no chão de forma delicada de modo que não faça barulho. Nisto o outro cara já notou minha presença e leva uma mão para a pistola, mas com uma rasteira faço com que ele perca o equilíbrio, me levantando rápido, como um gato após um susto, e segurando-o a centímetros antes de atingir o chão, sentando em sua cintura e enfiando a seringa no seu pescoço com uma mão enquanto a outra dá um soco em seu nariz para que ele não grite, fazendo sangue jorrar por todo lado.

No meio da luta, como previsto ao final dos cinquenta segundos, Norma e Stephan voltam a discutir e não tenho certeza, mas acho que minha tia está dizendo que não é certo me matar porque sou da Família.

Vá pela esquerda e abra a porta dupla de madeira no final do corredor – Enamor fala.

Levanto-me e viro meu corpo para a esquerda, percebendo que este caminho não tem saída, por isso acaba diretamente na porta dupla no final do corredor. Ergo uma sobrancelha e viro minha cabeça para olhar sobre o meu ombro o caminho da direita e verificar que este sim possui uma saída.

Preciso que confie em mim Effy. Isso é importante para você entender o que realmente está acontecendo.

Algo na urgência na voz dela me faz obedecer sem questionar. Seguindo suas instruções, pego a pistola do homem com o nariz sangrando e alguns cartuchos com bala, antes de correr o mais silenciosamente o possível. Hesito por um segundo antes de abrir a pesada porta de madeira e me deparar com um escritório. De fronte a entrada uma estante de madeira escura cheia de livros de capa dura, duas janelas cada uma na lateral da sala, cercadas por cortinas claras. A mesa de carvalho no meio do cômodo com a cadeira de couro preto está debaixo do lustre caro. Na minha direita, uma poltrona marrom com um abajur de chão e uma mesa com bebida. Na esquerda, um armário de arquivos mais bonito do que o dos filmes. Essa sala me lembra levemente o Gabinete do meu pai. Esse pensamento faz com que eu fique levemente tensa e sinta um gosto amargo na boca.

Armário de arquivos, terceira gaveta – Enamor fala e eu obedeço rapidamente porque a casa ficou estranhamente silenciosa de repente. – No fundo da gaveta, o arquivo intitulado Água-marinha.

A palavra me parece estranhamente familiar, mas decido pensar no assunto depois porque definitivamente consigo ouvir passos e vozes no andar de baixo e de algum lugar perigosamente perto. Pego o arquivo e fecho a gaveta devagar para que não faça barulho. Guardo a pasta na minha mochila rapidamente antes de caminhar em direção à porta e reparar na quantidade de homens no oposto do corredor que não me viram. Ainda.

Ignorando todas as obras de arte, esculturas e jarros famosos e caros que decoram a casa dos meus tios, em Hanôver onde Hannah Arendt nasceu, corro em direção aos ternos ambulantes. Caso você não saiba, Arendt é uma filósofa que nasceu em 1906 e por causa de sua ascendência judia sofreu perseguição do regime nazista o que a levou escrever vários livros, sendo os mais famosos Origem do totalitarismo e Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Só li o segundo e recomendo se você gosta da história do nazismo. Caso esteja se perguntando por que estou dando uma mini aula sobre Hannah Arendt, a resposta é porque ao chegar ao final do corredor tenho que lutar com uma quantidade considerável de seguranças para só então poder pegar o caminho da direita o qual, de acordo com Enamor, acabará me levando para a escada dos empregados, cozinha e depois garagem. Por isso, enquanto meus movimentos se tornam cada vez mais precisos e letais, eu permito que minha mente viaje como um mecanismo de defesa para todas as concussões que minhas mãos estão causando.

Ok, se antes Stephan não sabia o que estamos fazendo, agora ele com certeza sabe – Enamor fala depois de termos finalizado com os dez seguranças e alguns disparos terem sido feitos.

Meu instinto de sobrevivência começa a disparar, por isso deixo de ser cautelosa e começo a correr em direção à escada, ouvindo passos se aproximando. Jogo-me contra a parede certa e pressiono uma flor do quadro pendurado na mesma, o que faz com que a parede se abra para trás, dando acesso a uma passagem secreta. Empurro o suficiente para passar e a chuto como num coice de cavalo antes de correr pela escada de madeira que range, ouvindo a conversa em alemão que vem da cozinha.

Assim que surjo correndo pela entrada da passagem, paro por um segundo para poder ver o caminho a ser percorrido ao mesmo tempo em que alguns olhos arregalados me olham e eu ouço a passagem ser aberta. A porta de fronte a minha pessoa estava aberta permitindo acesso ao jardim, por isso corro em direção a ela passando por entre as duas mesas de madeira grandes e pelas pessoas assustadas.

— Aus dem Weg gehen! – exclamo em alemão fazendo sinal para que abram caminho enquanto corro, ouvindo os passos se aproximarem. Depois de tanto tempo sem uso, minha voz está rouca, mas isso não impede que algumas pessoas me entendam. – Ich bin Schneider, aus dem Weg gehen. Ao som do sobrenome da minha Familia, a quantidade de pessoa que se mexem aumenta, o que possibilita minha fulga, mas infelizmente eu estou a alguns metros longe da porta de modo que quando o primeiro tiro é disparado e os gritos começam, com muitas pessoas se jogando no chão, eu tenho que parar e lutar antes de seguir caminho. Praguejo enquanto pulo por cima de uma das mesas, deslizando sobre ela meio sentada meio deitada como nos filmes de ação, caindo agachada quando chego ao outro lado, não sem antes ter pego algumas facas.

Saia Enamor – um homem de terno fala. – Eu sei que você não quer ferir inocentes.

Por entre as pessoas agachadas eu consigo ver pelo menos cinco homens andando de forma cautelosa enquanto se aproximam do local onde estou. Olho para o lado e vejo duas mulheres me olhando com os olhos arregalados, suas expressões de medo refletidas numa bandeja de chumbo e prata que eu pego antes de inspirar e expirar em dois sopros rápidos antes de inspirar fundo e me levantar atirando facas.

Ao som dos gritos dos pobres empregados que não deviam estar presenciando a cena, acerto um homem no peito e outro na cabeça antes das balas começarem a serem disparadas na minha direção. Uso a bandeja como escudo, mas prefiro não abusar da sorte de modo que enquanto atiro a terceira faca estou dando passos para trás. A faca teria acertado o pescoço do homem alto e musculoso se ele não tivesse erguido o braço numa tentativa patética de se proteger. Enquanto ele grita de dor e se curva sobre o ferimento, cravo a ultima faca no topo da sua cabeça.

Recebo um tiro de raspão na cintura e um certeiro na coxa. As balas fazem as áreas atingidas queimarem de dor.

Ignore isso e exploda os miolos deles rápido, antes que cerquem a casa – Enamor fala e de algum modo consigo jogar a dor para o fundo da minha mente enquanto atiro com a pistola na perna do homem que está mais perto e atiro mais duas vezes em seu tórax, fazendo-o cair ao som dos gritos ainda mais estridentes. Atiro em sua cabeça, apenas para garantir.

O ultimo homem corre em direção à escada, provavelmente para chamar reforço, mas atiro em suas costas, errando por centímetros. Tendo atirar novamente, mas minha arma faz o barulho seco que informa que estou sem munição. O homem se vira vitorioso para mim enquanto retiro o cartucho vazio, a arma ainda apontada para sua cabeça. Sei que não conseguirei colocar o cartucho e mata-lo antes que ele atire, por isso meu cérebro começa a trabalhar rápido, buscando uma alternativa.  

Quando o homem levanta o braço e aponta para a minha cabeça, Enamor pragueja e sinto que estou sendo forçada a ir para o fundo da minha mente, como se tivessem me dado uma anestesia. A imagem vai perdendo o foco e sinto que outra pessoa está tentando ocupar a minha mente, pois sabe que eu provavelmente não poderei sair viva. Porém, antes que eu entre num turbilhão de escuridão, ouço o som de um tiro, mas não sinto nada, o que pode significar que morri.

Isso é quem sou de verdade?

Eu realmente não tenho uma chance

Amanhã vou manter o ritmo

E repetir a dança de ontem

Abro os olhos e encontro o ultimo homem morto do outro lado da mesa. Alexander está com uma arma em mãos e me encara, estranhamente sério. Ele respira fundo antes de colocar a arma no cós da calça. Pelo fato de seus pais serem os donos da casa, os empregados saem da frente dele muito mais rápido do que saíram da minha frente.

Minha arma fez barulho, avisando-o que se eu apertasse o gatilho uma bala seria cravada em seu crânio. Alex franze a testa e me olha, erguendo as mãos com as palmas viradas para mim.

— Effy – ele fala, sua voz calma me transporta para o começo da minha infância, mas o timbre de homem me lembra de que minhas lembranças foram há muito tempo. – Sou eu, Alexander. Sei que ficamos muito tempo sem nos vermos e que eu mudei um pouco, mas ainda sou eu. Amiable – ele fala, mas vendo que eu não me mexo, franze ainda mais a testa como se estivesse pensando em algo. – Enamor, eu sei o que está acontecendo dentro da casa. Você precisa confiar em mim.

Ele fala a verdade, Effy – Enamor fala em minha mente. – Você precisa de um aliado e os passos se aproximam.

Suspirando, digo:

— Preciso de um carro. Estão tentando me matar. Arranje-me uma chave.

Nessa altura, eu abaixo a arma e volto a trava-la conforme Alexander se aproxima ainda mais. Franzo o ceio e mordo o lábio inferior, pensando se realmente posso confiar no meu primo.

Alexander Miguel Apolo Baden Corleone Schneider é meu primo mais novo por parte alemã da Família, tendo 25 anos e quatro irmãos mais velhos, todos filhos de Stephan e Norma. Por termos idades ‘’relativamente’’ próximas eu sempre me dei bem com Alex. Passamos os primeiros cinco anos da minha vida praticamente juntos, pois naquela época minha Família se encontrava na Alemanha quase que todos os finais de semana, isso quando não passávamos meses na casa dos nossos avós. Apesar de George, o irmão um ano mais velho de Alexander, ser o mais próximo de Tommy, Alex sempre foi gentil com ambos, mesmo quando Matthew e Charlie zoavam eles por serem deficientes, como meninos idiotas de 12 anos.

Alex me fazia rir e tinha uma paciência infinita com crianças de modo que ao contrário dos irmãos ele não corria ou reclamava quando Tommy e eu chorávamos. Ele vinha até nós e nos fazia rir, brincava conosco e nos dava atenção, mesmo quando os irmãos iam brincar no jardim. Lembro-me da foto em South Lake Tahoe em que meu irmão e eu estamos vestidos de ursinhos, na sala de nossa vó, rindo graças a Alex.

Quando eu voltei, depois de cinco anos, Alex foi o único que agiu normalmente comigo. Matthew e Charlie já eram adultos fazendo faculdade, assim como Clarice e mesmo quando estava no mesmo local que eu, minha prima não tinha paciência para brincar de bonecas, principalmente quando estava na fase de ter experiências interessantes com o sexo oposto. George era muito tímido e com seus 20 anos estava muito ocupado tentando ganhar espaço na Família, algo ainda mais difícil para ele. Já Alex, mesmo tendo 19 anos, não se importou com o fato de eu ser nove anos mais nova. Na verdade, o fato dos irmãos não serem muito presentes por causa da diferença de idade e porque de certa forma não me conheciam mais foi o que motivou Alexander a tentar me conhecer novamente e assim, permitir que eu fizesse parte da Família outra vez.

 Após a morte de Tommy, ele foi o único que me tratou da mesma forma, sem agir como se de repente eu tivesse me tornado algo quebradiço. Foi naquela época que Alex e eu nos aproximando realmente e descobrimos amigos verdadeiros um no outro. Mas eu poderia confiar em Alexander quando seu pai quer me matar?

Encarei aqueles olhos de um azul profundo e decidi que sim, eu posso confiar em Alexander Miguel Apolo Baden Corleone Schneider, afinal de contas, Enamor me informou que depois de mim, ele é a pessoa mais ferrada na Família. Se isso não nos juntar definitivamente, nada juntará.

— Tudo bem – falo por fim. Apesar de ter ficado quieta pensando no assunto, meus pensamentos não demoraram mais do que um minuto, mas todo segundo conta. Viro-me para os empregados e digo – Ich entschuldige mich dafür.

 Afinal de contas, eu realmente sinto muito por pessoas inocentes terem presenciado uma chacina. Faço sinal para Alex e saio pela porta com passos rápidos, mesmo sentindo que minha perna pode cair a qualquer momento.

— Preciso de um carro – repito e Alex simplesmente assente, pegando o que Enamor confirma ser o caminho que leva a garagem.

A cada passo minha coxa queima e implora para que eu pare e minha cintura tenta acompanhar o ritmo bem de perto, mas a adrenalina em meu sangue e o instinto de sobrevivência fazem com que eu jogue tudo isso para segundo plano enquanto sigo os passos de Alexander. No trajeto, penso ironicamente que há apenas alguns minutos atrás, quando Enamor se ofereceu para assumir o controle, eu disse ‘’Pra que? Para você matar mais algumas pessoas, quebrar várias regras e infringir inúmeras leis? Não, obrigada, pode deixar que eu fico no controle’’. O destino faz dessas.

O portão da garagem está aberto, por isso diminuo o passo assim como meu primo que faz sinal com a mão para que eu pare enquanto ele se encosta a parede e espia o local. Olho ao redor e percebo que o jardim está relativamente vazio, mas posso ouvir os gritos com ordens e os passos dentro da casa.

— Está limpo – meu primo fala entrando na garagem com passos determinados.

Sigo com minha arma destravada e pronta para atirar, ainda incapaz de confiar cem por cento nele. Alexander vai até um quadro pendurado na parede e pega a primeira chave que vê. Olho ao redor e vejo uma moto cara parada no meio do cômodo, entre um jipe e um Mercedes Guardian.

— A moto é sua? – pergunto estupidamente enquanto meu primo destrava as portas do Mercedes.

Alex segue meu olhar e o pousa na moto, assentindo com a cabeça antes de olhar para mim novamente. Penso que provavelmente ele e William iriam se dar bem. Ao pensar em Will questiono se foi uma boa ideia manda-lo para a Alemanha uma vez que meu tio está querendo me matar, mas chego à conclusão de que meu avô Heinz não vai permitir que façam mal ao Will e que minha vó Fiorella teria um treco antes de permitir que algo aconteça. Ou assim eu espero.

— Você está sangrando? – Alex pergunta se aproximando com passos lentos, tirando-me do meu devaneio.

Olho para a minha cintura e consigo ver o feio ferimento de raspão claramente já que o cropped deixa a minha cintura a mostra. Sinto o sangue escorrer pela minha coxa e empapar minha calça. Confirmo com um aceno de cabeça e faço uma careta quando paro de apoiar meu peso na perna esquerda para avançar em direção ao carro. Alex abre a porta do passageiro e a segura para que eu entre no carro, mas eu tento pegar a chave de sua mão.

—Obrigada pela ajuda, mas melhor nos separarmos aqui – falo, mas Alexander ergue a chave a cima da cabeça de modo que não posso alcança-la.

Franzo a testa e volto a apontar a arma para ele.

— Relaxe – ele diz. – Você está ferida, então eu dirijo. Não pararei de ajuda-la até estar segura, deveria saber disso Effy. Sabe que te amo e, para ser sincero, a vida é mais legal quando você está por perto.

Ainda desconfiada, permito que Alex fique com as chaves e me ajude a subir no carro. Meu primo fecha a porta rapidamente e enquanto eu tiro a mochila das minhas costas e coloco o cinto, ele corre ao redor do carro e entra no mesmo pelo lado do motorista, ligando o motor depois de colocar o cinto.

Se ele te trair, mate e continue o caminho para o aeroporto — Enamor fala. – Sua prioridade é sair da Alemanha.

— Cale a boca. Não matarei Alexander.

Os três primeiros caras aparecem na entrada quando Alex começa a acelerar, mas antes que eu diga o que fazer, meu primo sai da garagem atropelando o homem que atirou em nossa direção, não fazendo nenhum esforço para desviar dos outros. O disparo nem faz cocegas no carro uma vez que o Mercedes Guardian foi feito para superar qualquer coisa. Percebo que ao contrário das ultimas vezes que vi Alex ele não está me chamando de Enamor como sempre chamou, mas não comento enquanto tiro meu cropped e pressiono contra minha coxa.

— Ele tem motivos para te chamar de Effy agora. Muita coisa aconteceu desde a ultima vez que vocês se viram – Enamor fala e apesar da minha curiosidade decido retornar ao assunto mais tarde.

— Me leve para o aeroporto de Hanôver – falo.

— Tentarei chegar em menos de 21 minutos – Alex fala enquanto acelera ainda mais, atropelando qualquer um que se aproxime do carro. Quando olho para trás, avisto dois carros sendo ligados com quatro homens armados em cada. – Você tem um celular? Posso ligar para lá e pedir para colocarem o jato na pista.

— Isso seria ótimo – falo dando meu celular para ele. – Outra coisa ótima seria esse carro ter armamento.

— Você sabe que o carro é blindado, certo? – ele pergunta enquanto conecta meu aparelho com o carro pelo bluetooth.

— Melhor prevenir do que remediar. 

Alex revira os olhos, mas aponta para o banco traseiro. Stephan e Norma moram no que outrora fora a prefeitura de Hanôver. Assim como os Manson, os Schneider ganharam a propriedade após ajudarem o país em tempos difíceis, com dinheiro e armamento para a guerra, para ser mais precisa. Numa época em que a maior parte das empresas estava falindo, os Schneider expandiram seu império comprando pequenas empresas e estendo seus ramos não apenas para automóveis e armas, mas também alimentos e utensílios essenciais para a existência humana. Parte da casa dos meus tios ainda é aberta para visitação de turistas, em especial o enorme lago dos fundos que Alex contorna neste momento com o objetivo de sairmos pelos portões.

 Amarro meu cropped na minha perna depois de rasga-lo de modo a conseguir usar um pedaço do tecido para pressionar minha cintura. Com alguns gemidos de dor e um ‘’Elizabeth, não precisamos de armas o carro é blindado’’ vindo de Alex, passo para a parte de trás do carro quando avistamos o portão da propriedade e os tiros começam a jorrar em nossa direção.

— Tudo certo – meu primo fala jogando o celular no banco do passageiro e acelerando o carro, raspando a lataria quando passa pelos portões de ferro que estão fechando. – O jato está sendo colocado na pista e a 120 quilômetros por hora chegaremos em quinze minutos.

— Maravilhoso – falo apesar de o momento não estar nem tudo certo nem maravilhoso. – Posso perguntar como sabe que seu pai está querendo me matar? – pergunto enquanto puxo o banco de couro do meio de modo a obter acesso ao porta malas.  

— Eu não estava em casa quando eles chegaram com você, mas percebi que meus pais estavam discutindo na sala quando cheguei – ele fala acelerando ainda mais quando entramos na rua principal, desviando dos carros e colocando a mão na buzina. – Eu tinha acabado de chegar vindo de Hamburgo, Matthew queria me mostrar à casa que ele e Pamela compraram. Enfim, eu já tinha achado estranho a quantidade de seguranças, achei que as outras famílias ou a polícia estavam na nossa cola, mas quando ouvi seu nome e minha mãe dizendo que era errado te matar... Eu sabia que tinha algo errado há muito tempo, mas não achei que... Não achei que fosse chegar nesse ponto.

— O quer dizer com ‘’sabia que tinha algo errado há muito tempo’’? – pergunto satisfeita por ter encontrado um fuzil semiautomático e um automático assim como várias balas.

Alex suspira e quando o olho por cima do ombro, percebo que ele aperta o volante com força. Algo me diz que ele está receoso, mas não sei se é com a minha provável reação futura com a resposta ou por estarmos sendo perseguido.

— Bem... Você sumiu por cinco anos e as histórias de que estava ocupada demais estudando, na casa de parentes ou sei lá o que nunca me desceram – ele fala e percebo que ganha confiança aos poucos. – Quer dizer, você tinha cinco anos! Que ser humano está ocupado demais com os estudos aos cinco anos! E na casa de parentes, que parentes?! Os Manson odeiam os Schneider, consequentemente não gostam de você porque você é metade Schneider. Se você não estava na casa dos nossos avós e nem com a gente, muito menos com seus pais, não estava na casa de parentes! Sem contar que Tommy sempre me perguntava de você. Se ele visse você com a frequência que seus pais falavam que via, ele com certeza não me perguntaria nada.

Suspiro fundo.

— Fico feliz que não tenha comentado sobre isso com os adultos – falo. – Com certeza colocaria Tommy em maus lençóis.

— Pois é – ele fala simplesmente.

— Não vai me perguntar onde eu estava? – falo passando para o banco da frente com ainda mais dificuldade já que tenho dois fuzis nas mãos. – Na verdade, estou surpresa que não tenha me perguntado há seis anos já que parece pensar nisso há onze.

Alex hesita.

— Não o pressione – Enamor fala.  – Alexander descobriu algo que não queria.

Enquanto meu primo toma coragem, quebro o chip do meu celular e o atiro para fora do carro. Coloco munição nos fuzis e respiro fundo, tentando ignorar todos os inocentes do caminho que buzinam furiosos.

— Eu sei onde você esteve – ele diz por fim. – Sempre tive essa suspeita.

— Que suspeita? – pergunto confusa, ficando de joelhos no banco depois de colocar uma das armas no chão.

— Aquela maldita história – ele fala. – Eu me lembro de ouvir aquela maldita história desde sempre, é uma das minhas primeiras lembranças. Eu achava que a maior parte eram lendas, criações para embelezar a trajetória da Família. Eu tinha 14 anos, eu estava lá, naquela sala com vô Heinz, Tommy, Clarice, Charlie e George, ouvindo a história pela enésima vez enquanto você estava no andar de cima. Disseram que você não estava bem e por isso não ia ficar com a gente. Eu tinha 14 anos Effy e acreditei. 14 anos nessa Família e eu acreditei. Nem desconfiei quando não trouxeram você para jantar, mesmo tendo trazido todas as outras vezes em que você estava doente de verdade.

— Você não tinha como saber – sussurro.

— Não, mas podia ter ido ao seu quarto ver se estava bem, tentado ter feito você rir – ele retruca. – Podia ter feito alguma coisa, qualquer coisa, mas em vez disso acreditei neles. Não fiz nada pelos cinco anos seguintes. Você podia ter morrido.

— Mas não morri.

— Mas podia! – ele exclama e percebo que aperta ainda mais o volante. Alex suspira tentando se acalmar. – Eu achei uma pasta na mesa do meu pai há alguns meses. Uma pasta intitulada Água-

— Água-marinha – completo. – Estou com ela.

Alex me olha surpreso.

— Como você...? – mas antes que eu responda algo, antes que eu me decida entre a mentira e a verdade, ele levanta a mão para me impedir. – Essa pasta me mostrou algumas coisas, mas eu não tinha bagagem para entendê-las. Por isso fui até a biblioteca proibida e-

— Leu os diários – falo fechando meus olhos com força.

A biblioteca proibida é uma ala da biblioteca, obviamente, localizada na principal casa para os Schneider, ou seja, na casa dos meus avós em Berlim. É uma ala em que apenas alguns membros da Família têm acesso, um grupo geralmente resumido em o Líder da Família, seu Conselheiro e o herdeiro. Meu pai e meu tio são filhos do Líder da Família, meu avô Heinz, mas não coube a eles o papel de herdeiro. Eles tiveram como destino assumirem o cargo de Primeiro Ministro de um país de interesse da Família e o outro de General do Exército de outro país. Por isso, meu primo Matthew ou irmão mais velho de Alex, assumiu o papel de herdeiro no segundo em que nasceu. Charlie, como segundo mais velho, está sendo treinado para ser conselheiro. Ele deveria estar sendo treinado pela mãe de Sophie, mas após os fatos meu avô assumiu essa função.

De qualquer forma, a biblioteca proibida possui livros antigos, mapas e muitas outras coisas do mundo todo, mas o principal e o real motivo pelo acesso restrito são os diários dos Schneider mortos. A maioria deles foi escrito pelos Líderes da Família e seus conselheiros ao longo dos séculos, mas outros foram escritos pelo Corvo. Pelas meninas largadas na floresta. Por aquelas que sobreviveram para contar a história.

— Eu encontrei os diários e percebi que o Corvo não é só uma lenda para embelezar nossa historia familiar – Alex retoma. – Na verdade, acho que isso mais mancha do que glorifica nossa Família. Eu vi o que todas elas passaram, o que tiveram que fazer, quando retornaram, como retornaram... Eu percebi o porque de sua mãe ter ficado com tanta raiva do Tommy. Não era porque ele estava doente, mas porque-

— Porque estragou meu treinamento como Corvo – falo confirmando a teoria de Alexander. – A depressão de Tommy começou a incomodar os adultos, mas eles acharam que era mais importante eu ficar na floresta do que retornar. Eles só mudaram de ideia depois que as outras famílias começaram a comentar, depois que Tommy tentou se matar e era difícil esconder os hematomas... Ele tinha só nove anos e nenhuma vontade de viver. Foi por causa dos hematomas que minha mãe parou de sair com ele, de mostra-lo as outras pessoas, mas isso só criou rumores de que ele tinha conseguido e aumentou a depressão. As coisas chegaram a tal ponto que tiveram que abortar a missão e me trazer.

Essa conversa desenterrou fantasmas do meu passado, lembranças, conversas e cenas que eu preferia que continuassem quietas. Sabendo que coloquei muitas informações sobre os ombros de Alex e com Enamor me dizendo que estou ficando instável, abro o vidro do meu lado e me sento na porta do passageiro, apontando o fuzil para os carros que nos perseguem.

— O que está fazendo?! – Alex exclama. – O nosso carro é blindado!

— Eu sei, mas em algum momento vamos ter que parar e descer. É melhor acabar com eles agora, quando temos chão à frente, do que esperar chegarmos ao aeroporto e ainda arriscar que eles obstruam a pista e chamem a atenção das autoridades.

Alexander resmunga, mas não fala mais nada. Um homem do carro que está mais perto atira em nossa direção, acertando a porta do meu lado que nem parece ‘’sentir’’. Atiro no para brisa enchendo-o de balas, fazendo com que o vidro quebre e que eles tenham que se abaixar.

 - Por que está me ajudando? – pergunto gritando sobre o vento e o barulho dos carros, sentindo minha perna queimar e minha cintura repuxar. Retorno para dentro do carro quando quatro meninos de uns 18 anos passam buzinando num carro pelo fato de eu estar de sutiã. Suspiro quando largo meu corpo sobre o banco de couro, sentindo minha calça molhada com sangue.

— Você é minha irmãzinha e mesmo que meu pai queira mata-la, você é minha Família e sabe que isso não é só um rotulo para mim. É meu dever protegê-la, pelo menos dessa vez já que falhei miseravelmente na minha primeira oportunidade – Alex fala. – Sem contar que, caso não tenha reparado, eles não atiraram muito na nossa direção porque eu estou no carro. É claro que o veiculo é blindado, mas já quando estávamos na garagem papeando eles não entraram fazendo chover bala. A missão até pode ser matar você, mas se me ferirem sabem que estão em maus lençóis.

— Ótimo!- falo falsamente alegre. – Vou te usar como escudo humano.

Alex ri e me dá um soco leve no braço antes de aumentar o volume do rádio e percebo que estamos ouvindo a frequência dos carros de trás, ouvindo as ordens que vem da mansão. Meu primo fica sério ao mesmo tempo em que segura o volante com mais força.

— Atire nos pneus deles porque não vou servir de escudo por muito tempo.

— Sim senhor – falo sarcástica, apesar de destravar o gatilho do fuzil semiautomático.

Infelizmente o Mercedes Guardian em que estamos não possui teto solar de modo que eu tenho que sentar no parapeito da janela novamente. Assim que fico a vista, tiros começam a ser disparados na minha direção, portanto me apresso e atiro nos pneus dianteiros do carro que está mais perto, fazendo-o perder o controle e capotar duas vezes. O segundo carro acelera e está prestes a ultrapassar o primeiro quando acerto o tanque do carro tombado, fazendo o mesmo arder em chamas. Para a minha tristeza, o segundo carro não é atingido.

— Vai explodir! – exclamo para que Alex ouça ao mesmo tempo em que ele passa para a pista da direita, quase me fazendo cair.

Alex agarra minha canela quando retorna para a pista do centro.

— Foi mal, tinha um cervo na estrada.

— Você quase me matou! – grito no mesmo momento que meu braço esquerdo é atingido por uma bala. – Droga!

Apesar de saber que o vidro do segundo carro é blindado, faço chover bala no para brisa para que pelo menos a qualidade da imagem fique ruim para o motorista.

— Dois minutos – Alex fala no mesmo segundo em que seu celular toca. – Sim. Ótimo, obrigado. – Então ele volta a falar comigo. – O jato está pronto. 

Volto para dentro do carro e sento no banco, olhando meu novo ferimento e vendo o meu primo franzir a testa.

— Talvez não seja uma boa ideia você ir sozinha – Alex fala receoso quando pega o acesso para o aeroporto.

— Fale que ficará bem. Alex pode estar informado sobre a floresta, mas não sabe do seu treinamento militar. Convença-o de que sabe se cuidar – Enamor fala. – Fale a verdade, se necessário.

— Ficarei bem, Alex. Recebi treinamento de primeiros socorros no Acampamento.

— Garanto que não ensinaram a cuidar de ferimento a bala. E de qualquer forma, você precisará de um piloto.

— Eu sei pilotar um jato – falo fingindo estar ofendida.

Para a minha surpresa, meu primo fala:

— Vindo de você eu não me surpreendo com mais nada.

— Temos que dar um jeito no segundo carro – falo. – Não posso os deixar chegarem perto do jato.

— Isso é problema seu – Alex fala sorrindo irônico. – Você mata, eu dirijo.

Reviro os olhos quando o carro se aproxima da nossa traseira e bate na lateral do carro, nos fazendo invadir a outra pista e quase bater em outro veículo. Agradeço mentalmente por Alexander ter sido piloto de corrida na faculdade e, portanto, é o mais capaz para lidar com a situação.

Você tem uma granada na mochila – Enamor fala. — Dentro da caixa de chumbo. Se ele ficarem do lado do carro-

— Abrirão a janela para atirar – complemento o pensamento dela.

— O que? – Alex pergunta, confuso.

— Diminua a velocidade, faça com que eles fiquem do meu lado do carro – falo enquanto abro minha mochila, que estava no banco de trás, e procuro a caixa. – Eles vão ter que abrir a janela para atirar.

— Você está louca?! – ele exclama. – Vai ser ainda mais fácil de acertarem a gente. Você é boa, mas não tanto. Ou pretende jogar seu charme em cima deles?

— Não – falo simplesmente. – Pretendo jogar isto.

Alexander arregala os olhos diante da granada em minhas mãos. Suspirando fundo e murmurando um ‘’antes eles do que eu’’, Alex faz o que eu pedi, de modo que ele fecha o carro pela esquerda, mas dá passagem pela direita e então eu os vejo abaixarem os vidros, se preparando para atirar. Chacoalho a granada para diminuir o tempo de espera e tiro o pino, arremessando quando eles atiram e pela primeira vez fazem com que o carro seja marcado pela bala.

— Acelera! – grito.

Alex não espera que eu repita antes de voltar a colocar o ponteiro no 200 quilômetros por hora e passar pelos portões do aeroporto, invadindo a pista dos aviões em direção aos jatos particulares.

— Sie sind auf dem Weg- ouvimos os homens do carro começarem a falar pelo rádio antes de explodirem.

— Uau. Isso com certeza foi a experiência mais insana da minha vida – Alex fala quando para o carro. – Mas não sei se quero repetir a dose.

— Se eu não tivesse levado tantos tiros, quem sabe – comento enquanto abro a porta e desço do carro.

Alexander imita meu gesto e corre em minha direção, passando meu braço direito sobre seus ombros e carregando quase que a totalidade do meu peso em direção ao jato. Ele carrega minha mochila na outra mão enquanto eu tenho um fuzil transpassado nas minhas costas e o outro em mãos.

— Só tem algo que eu não entendi nisso tudo – Alex fala.

— Só uma coisa? – pergunto sarcástica.

Meu primo ignora.

— Se eles tiveram tanto empenho para te treinar e... Moldar, por que estão tentando te matar agora?

Penso por alguns segundos e acabo me decidindo pela mentira. Apesar de Alexander ter mostrado ser digno de confiança, não sei se posso falar que foi uma voz na minha cabeça dizendo ‘’você está instável, vão te matar, corra!’’ que me fez levantar da cama.

— Hum, acho que é porque seu pai me deu como missão retornar para o Acampamento amanhã e como eu provavelmente não irei conseguir, ele quis adiantar o trabalho – falo dando de ombros.

É uma meia verdade. Stephan me deu como missão retornar para o Acampamento no sábado. Hoje é sexta-feira e eu nunca estive tão longe do local da minha missão. O pior de tudo é que nem sei como e por que vim para a Europa, mas sei exatamente para onde vou a partir daqui.

Alex ergue uma sobrancelha.

— Te matar por que não vai conseguir estar no Acampamento amanhã? Effy, isso é uma missão de nível baixo – ele fala.

Dou de ombros.

— Talvez em outros tempos, mas agora está no nível intermediário.

Antes que ele consiga falar algo, avisto dois homens se aproximando, um que parece ser o piloto e outro que não sei identificar.

— Diga que não precisarei de piloto – murmuro. –Viajarei sozinha.

— Você tem certeza? – Alex pergunta quando me coloca sobre o primeiro andar da escada que leva ao interior do jato.

Confirmo com a cabeça quando ele me estende a mochila.

— Ficarei bem Alex. Entrarei em contato assim que estiver segura.

Percebo ele hesitar, mas ambos sabemos que eu tenho que subir a escada antes dos homens estarem muito perto, caso contrário, na melhor das hipóteses, terei que matar mais dois.

— Para onde você vai? – meu primo pergunta enquanto dá um passo para trás.

— Não posso falar. Espero que entenda – Alex confirma com a cabeça. – Hey, antes que me esqueça. Mandei William vir para cá, ele deverá chegar perto das dez da noite, está vindo de trem.

Dessa vez não me pergunto como eu sei disso. Eu sei porque Enamor sabe.

— Wiliam Manson? – Alex pergunta, levemente surpreso.

Confirmo com a cabeça.

— Mandei ele vir para que Header possa treina-lo para se tornar o Líder dos Manson. Preciso que o busque e o leve diretamente para nossos avós, as coisas de repente não estão mais seguras. Mandarei um fax dizendo que Will está vindo e que os Manson estão entrando em conflito com os Black, Cavalier vai saber do que estou falando. Ou talvez você possa falar já que eu-

— Tudo bem Effy – Alex fala me interrompendo e olhando sobre o ombro os homens que estão há poucos metros. – Você está comprometida. Irei até o Manson assim que você partir e o levarei diretamente para o Header. Alertarei sobre seu quase assassinato também.

Faço sinal positivo com a cabeça.

— Acho que vocês dois vão se dar bem. Obrigada Alexander. Você salvou minha vida. Espero um dia poder retribuir.

— Somos uma Família Effy. Devíamos proteger uns aos outros – ele fala e um murmuro de Enamor faz com que eu me sinta levemente tensa por um instante.

Apoiando meu peso na perna esquerda e no braço direito, me arrasto escada acima enquanto Alexander vai distrair os homens. Definindo que minha prioridade é deixar o solo alemão, jogo minha mochila num banco de passageiro e aperto o botão para fechar as escadas e a porta, caminhando logo em seguida para a cabine do piloto onde eu coloco um fuzil no lugar do copiloto e deixo o outro no meu colo quando me sento. Coloco os fones e ligo as turbinas, fazendo o avião percorrer o caminho até a pista logo em seguida. Pelo canto do olho, vejo Alexander falar num tom autoritário com os dois homens que devem ter o dobro da sua idade, mas colocam os rabinhos entre as pernas como se fossem duas crianças levando bronca do pai.

Suspiro e desejo que está não seja a ultima vez que eu vejo Alexander. Permito-me ter a esperança de que Stephan não matará seu próprio filho. Que ele não irá sofrer por me ajudar.

— Que o Corvo o proteja – digo levando minha mão esquerda aberta até o espaço entre meu pescoço e meus seios onde a tatuagem d’o Corvo está.

Ei, essa música nunca vai estar no rádio

Mesmo se meu grupo tivesse de escolher, as pessoas de votar

Isso é o pouco, o orgulhoso, o emotivo

Ei, você, de preto à prova de balas como em um funeral

O mundo ao nosso redor está queimando, mas somos tão frios

Isso é o pouco, o orgulhoso, o emotivo

— Zentral hier ist India Golf 99, ich beantrage Erlaubnis zum abheben – falo com o comando do aeroporto, pedindo permissão para deixar o país como uma assassina. E dessa vez não posso nem culpar minha consciência por ter sido Enamor a cometer os crimes.

Eu perguntei se você queria que eu assumisse o controle – ela fala.

Não enche.

— India Golf 99, sie sind erlaubt – obtenho como resposta.

Acelero até ter velocidade necessária para colocar o jato no ar. Avisto Alexander uma ultima vez, sozinho no carro blindado dirigindo em direção ao sul, para a estação central. Vejo meu primo acelerar enquanto me afasto do solo em direção às nuvens. Quando estou na altura necessária, coloco o destino e deixo o piloto automático cuidar da direção enquanto coloco o fuzil no chão ao lado da cadeira, me levanto e caminho para o armário, localizando a caixa de primeiros socorros.

Depois de pegar uma água do frigobar, sento-me no chão ao lado da poltrona onde coloquei minha mochila e tomo uma aspirina. Respirando fundo, tiro meu cropped do ferimento da minha coxa e depois passo para a minha calça, desgrudando o tecido da minha pele graças ao sangue, sentindo vontade de chorar toda vez que o movimento puxa meu ferimento. Solto a calça de modo que está embole nos meus pés e sento-me no chão mesmo assim. Pego uma injenção com anestesia local e a aplico na área. Enquanto espero o liquido fazer efeito no meu organismo, cuido do ferimento de raspão da minha cintura mesmo sentindo meu braço esquerdo repuxar e protestar toda vez que eu o mexo. Depois de higienizar o local, passo uma pomada cicatrizante e antibacteriana antes de colocar uma gaze com fita médica sobre o machucado.

Coloco álcool numa nova gaze e mordo o cropped ensanguentado antes de passar o liquido na pele da minha coxa com o intuito de tirar o sangue seco e limpar o suficiente para que eu possa olhar melhor o ferimento. Impeço o instinto de fechar os olhos de se concretizar e pego um pote de aço, assim como duas pinças cirúrgicas. Com a pinça maior, abro ainda mais o ferimento para que possa tirar a bala com a menor. Apesar da anestesia, ainda sinto um pouco de dor, mas a voz de Enamor na minha cabeça me impede de desviar os olhos ou fazer qualquer coisa que me impossibilite de cuidar da minha coxa.

Deposito a bala com sangue na vasilha e tiro a pinça maior de modo que meu ferimento volte ao tamanho ‘’normal’’. Passo outra gaze com álcool na região e depois um pouco de pomada antes de pegar uma agulha e um fio grosso preto.

Essa é a pior parte – falo.

Você só não gosta de ver sua pele com um fio – Enamor retruca.

Reviro os olhos e respiro fundo antes de começar a costurar, juntando as bordas da minha pele e fechando o ferimento. Meu braço esquerdo parece pesar uma tonelada, mas faço força para não desmaiar. Termino de passar o fio e corto o mesmo antes de espirrar um spray que irá acelerar a cicatrização, colocando uma gaze por cima.

Seco o suor da minha testa e tomo alguns goles d’água antes de colocar meu braço esquerdo no assento da poltrona, pressionando o ferimento da entrada da bala com meu cropped, repetindo todo o procedimento realizado com a coxa em seguida, só que com mais dificuldade uma vez que não estou usando uma das mãos. 

Quando termino e vejo que meu braço esquerdo está pior do que a minha coxa, deito no chão antes mesmo de guardar tudo o que usei e jogar o que for necessário no lixo. Meu corpo dói e minhas pálpebras pesam, sinto vontade de dormir ou talvez morrer para que tudo isso pare. Porém, a voz e as pontadas causadas por Enamor me impedem de fazer qualquer uma dessas coisas.

Você tem que tomar outro remédio, guardar as coisas antes que infectem o jato inteiro, se certificar de quanto tempo demoraremos para chegar e só depois sentar numa poltrona para dormir.

— Eu te odeio às vezes.

— Eu sei. Faça o que eu mando.

Bufando, sento-me e guardo tudo, levantando devagar para guardar a caixa de primeiros socorros no lugar e depois jogando o lixo. Tomo outra aspirina, dessa vez mais forte, e me hidrato enquanto caminho para a cabine do piloto, me certificando de que chegarei ao meu destino dentro de cinco horas. Coloco meu relógio de pulso para despertar dali três horas depois de pegar uma manta e me sentar numa poltrona, inclinando-a totalmente para trás.

Ajeito-me tentando não deixar meus machucados numa posição que me causem dor, o que é inútil, e fecho os olhos sentindo a inconsciência se aproximar aos poucos. Durmo logo depois de pensar no que Enamor disse sobre Alex quando ele falou ‘’Somos uma Família Effy. Devíamos proteger uns aos outros’’.

‘’Deveria ter pensado nisso quando a viu gritar da cadeira elétrica no seu porão’’.  

 (Sexta-feira, tarde).

Acordo assustada, com o coração acelerado. Está escuro e eu não sei onde estou. Meu corpo dói e a frase que Enamor disse é a única coisa presente na minha mente.

Aos poucos, depois de muito piscar, minha vista se acostuma a luz do meio da tarde que entra pelas persianas abertas e o som das turbinas me lembra que estou num jato. Ouço o despertador do meu celular tocar novamente e percebo que foi isso que me acordou. Desligo-o e verifico que tenho cerca de duas horas antes de chegar ao meu destino.

— Enamor? – sussurro enquanto me levanto devagar, apoiando meu corpo na perna boa enquanto coloco a manta sobre meus ombros, sentindo meu braço esquerdo pesar de forma dolorosa.

Sim?

— Você por acaso assumiu o controle?

Está perguntando desde que entramos no jato ou de antes? Preciso que seja mais precisa.

Suspiro e me arrasto até o armário com o intuito de pegar mais algumas aspirinas. Minha cabeça e meu corpo doem tanto que nem vou arriscar a pensar há quanto tempo Enamor assume meu corpo.

— Desde que cheguei a Europa.

Quinta-feira pela manhã, quando eu liguei para Sigrid e pedi que ela fosse para o Acampamento e em outros momentos que talvez você lembre em flash, já que tentou vir à tona várias vezes. No mesmo dia à noite, quando entramos na casa dos Black. Esta manhã quando falei com você, mas assumi apenas quando Mickey nos reiniciou...

— Você podia ter pelo menos avisado, eu nem sabia que Sigrid retornou. Espera. Você ligou para Sigrid antes ou depois de eu falar com Billie e Jason?

A linha do tempo está meio confusa, mas acho que foi antes.

— Droga – resmungo finalmente pegando os remédios e indo em direção ao frigobar para pegar uma garrafa de água.

Algo errado?

— É visível quando é você quem está no controle? Quer dizer, eu mudo muito quando não sou eu?

Enamor demora longos minutos pensando no assunto, minutos em que eu tomo os remédios, tomo uma garrafa d’água e pego outra assim como um pacote de bolachas antes de caminhar para a cabine do piloto. Aos poucos a demora de Enamor faz com que eu me pergunte se ela está pensando no assunto ou hesitando.

Com o que exatamente você está preocupada?

— Eu não sei... Alexander sabe de algo que eu não sei, algo que está relacionada com a ‘’cadeira elétrica’’ que você falou. Aliás, quero saber mais sobre isso. Enfim, quero dizer, quem mais sabe mais sobre minha vida do que eu? Quem mais está informado, o que sabe, por que...? Eu tenho essa sensação constante de que não posso confiar em ninguém. Quero dizer, eu nunca pude confiar nos humanos, mas essa sensação está mais latente agora.

Novamente, Enamor demora a responder e dessa vez tenho certeza de que ela hesita.

Muito bem. Nós temos duas horas, mas não tenho certeza se está pronta. Por isso, antes de falar o que sei, preciso que você me responda algumas coisas.

— Você vai me contar tudo o que sabe. Isto não está em discussão.

Sim senhora.

— Muito bem. O que é?

Quero que liste cinco pessoas em que você consegue confiar. Cinco pessoas vivas — ela completa quando coloco no topo da lista meu irmão.

Bufo e reviro os olhos enquanto me jogo na cadeira do piloto, verificando que está tudo certo com o jato. Os primeiros nomes que me vem à cabeça são Dylan, Billie, Sigrid, Mavis e Lucian, não necessariamente nesta ordem. Mas logo em seguida Alexander e sua prova de lealdade de hoje invade minha memória assim como William, apesar de que neste caso foi mais ele depositando confiança em mim do que o contrário. Minha prima Sophie. Meu avô Heinz também me vem à mente e a vó Fiorella, apesar de ser um tipo de confiança diferente. George com suas invasões de sistema. Penso em Matthew, Newt e Carl, mas logo percebo que estou me desviando pelo caminho afetivo e não necessariamente pela confiança. Eu colocaria minha vida para quais pessoas salvarem?

Automaticamente Jason vem na minha memória. Ele me salvou há muitos anos e talvez num momento em que eu não queria ser salva, mas mesmo assim devo cinco anos da minha vida ao fato de ele ter entrado na água e me tirado dela. Provavelmente, apesar do seu ar conquistador babaca, Jason não hesitaria em me salvar novamente. Pelo menos não por enquanto. Mas não sei se posso classifica-lo entre os cinco.

Depois penso em meu avô Heinz. Como Líder da Família, ele sabia desde o momento em que eu e minha mãe saímos da sala do parto que eu iria para a floresta. Nos cinco anos seguintes em que ele esteve ao meu lado, passando ensinamentos e me cobrando muito mais do que cobrava os outros, ele sabia o que estava por vir. Tudo o que me ensinou foi valioso, é claro, e permitiu que eu sobrevivesse entre as árvores, mas ao mesmo tempo afetou minha vida para sempre.

Sem contar que como Líder, Heinz pode estralar os dedos que homens armados até os dentes surgiriam para me salvar. Assim como podem surgir para me matar. Heinz é meu avô e eu o amo, mas neste momento tenho que ser sincera comigo mesma. Que tipo de pessoa sabe que uma criança vai ser largada na floresta sozinha, sem aviso prévio (não que isso faça muita diferença) e permite isto, mesmo podendo parar tudo num piscar de olhos? Que tipo de pessoa ensina uma criança a caçar, limpar um animal, costurar roupas, usar armas e ervas porque vai larga-la na natureza e não porque está passando um momento bacana com a criança em questão?

Talvez eu seja a preferida de Heinz não porque sou a única que não mora na Europa e, portanto, quase nunca o vê. Não porque fui importante para estreitar laços com outras famílias. Não porque é uma questão de afinidade, porque passávamos muito tempo juntos.

Talvez eu seja a preferida de Heinz porque ele sabe que suas ações interromperam a minha infância e mataram a criança que vivia em mim. Porque graças as suas ordens eu tive que lidar com a morte e violência muito cedo. Porque graças a Heinz Baden Corleone Schneider eu sou tão ferrada que tive meses ao lado do meu irmão antes dele morrer. Porque graças a Heinz, Tommy entrou em depressão aos seis anos. Porque graças a ele, eu entrei em depressão aos onze. Graças a ele, eu fui estuprada aos 15 anos. Graças a ele, eu ainda vejo meu estuprador. Graças a ele, eu sou uma assassina.

Graças a ele, eu estou tão ferrada que meu cérebro se fragmentou em diversos pedaços. Porque graças a Heinz Baden Corleone Schneider eu ouço vozes na minha cabeça e elas me mandam fazer coisas que eu não quero. Elas fazem coisas que eu não quero. Eu sou algo que não quero, mas não posso mudar isso porque sou essa pessoa há tanto tempo que não sei como ser outra. Não me ensinaram a ser outra. Eu nem sei se existe essa outra. Minha Família prova que não.

Sou completamente daqui, eu estive ao redor

Eu estive vendo as ruas em que você andava

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh

Como posso acreditar que existe outra opção quando todas as pessoas que me cercam sofreram de alguma forma, isto quando não são elas mesmas que causam o sofrimento? Mesmo Mavis, alguém que não pertence ao meu meio, sofreu quando perdeu seu pai, tenente-coronel da Guarda Nacional de Lincoln, aos oito anos. Eu não sou ingênua a ponto de acreditar que exista alguém que não tenha sofrido de alguma forma, sei que o sofrimento faz parte da vida, mas o fato de ele estar presente na minha vida desde muito cedo e de forma muito constante provavelmente afetou meu ser de maneira profunda e muito provavelmente, irrecuperável.

Portanto, não posso confiar nos adultos da minha Família. Nem em Heinz ou Fiorella porque mesmo não sendo a Líder e podendo fazer muito menos que meu avô por ser mulher, minha vó podia ter feito alguma coisa. Qualquer coisa. Confiar em Stephan está completamente fora de questão e apesar de Norma aparentemente ter tentado mudar a mente do meu tio sobre me matar, ela não fez nada quando seus seguranças de fato colocaram o plano em andamento.

Matthew é o herdeiro e por isso sei que não posso confiar nele, sem contar que nunca fomos realmente próximos. Charlie está ao lado do seu pai colocando a ‘’grande missão’’ em andamento e isso me faz chegar à conclusão de que Matt provavelmente está envolvido e que, consequentemente, Stephan e seus dois filhos mais velhos são farinha do mesmo saco. Clarice está sempre viajando graças a sua carreira de modelo e sei que não gosta de mim porque ela queria ser o Corvo. Se ela soubesse o que isso realmente significa, agradeceria todos os dias por não ter que segurara este fardo. George sempre foi bom para Tommy e isso fez com que eu automaticamente me afeiçoasse a ele, mas sua insistência para fazer parte efetivamente da Família e agora a noticia do seu êxito me faz questionar o que ele não fez para ocupar uma cadeira na mesa principal.

Por fim, Alexander. Suspiro fundo e o coloco sem pensar duas vezes entre os cinco, desejando fervorosamente não me arrepender disso no futuro. Sem definir em que posição exatamente meu primo alemão se encontra, parto para o filho mais novo de Heinz. Em outras palavras, meu pai. Albert Corleone Vicent Schneider. Tão rápido quanto penso no nome daquele que fecundou minha mãe descarto ele da possibilidade de estar entre os cem primeiros colocados, sem dar nem a possibilidade da duvida. O mesmo faço com Leona Manson Schneider vulgo minha mãe.

Terminado o lado alemão e com minha mãe tendo surgido, passo para o lado inglês da Família. Os Manson. Minha vó Celeste nem entra na possibilidade de fazer parte da lista, nem em ultimo lugar, assim como minha tia Meryl. O filho mais velho de Celeste e Thomas é um desertor e ferrou com a vida de Harry ou Will, por isso Calvin está fora, sem contar que eu não o conheço. Edmundo e eu não somos próximos, assim como Matthew e eu, por isso é descartado facilmente. Com isso eu deveria chegar em William, mas pulo sua vez para descartar Helena uma vez que a filha mais nova de Meryl tem apenas dez anos e nada poderá fazer.

Eu adoro meu tio Harry. Sem sombra de duvida ele é meu tio preferido e um padrinho muito melhor que Stephan. Apesar da existência concreta da possibilidade dele assumir o posto de Chefe dos Manson desejo tanto que ele vá ser feliz com sua noiva longe desta merda toda que não ouso o colocar entre aqueles que devem salvar minha vida.

Por fim, sem conseguir escapar, volto a pensar em Will.

Como Leona e Celeste não se dão bem desde que minha mãe começou a namorar com meu pai, eu nunca fui muito próxima dos Manson. Passei os cinco primeiros anos da minha vida entre a Alemanha, Califórnia e o Canadá com raras paradas na Inglaterra.

Minha vó voltou a falar com minha mãe quando soube que os Schneider a tratavam muito bem. Celeste jamais suportaria ficar com fama de rancorosa e não hospitaleira. Mas o fato de voltarem a se falar não significa que minha vó não é rancorosa ou que minha mãe perdoou tudo o que a mãe dela fez. Por isso, as visitas a Clarence House geralmente começavam bem, mas não muito depois do jantar as alfinetadas se iniciavam e geralmente antes do almoço do dia seguinte nós, os Schneider, tínhamos ido embora.

Naquela época, Edmundo e William brincavam muito mais entre si do que comigo e Thomas, uma vez que nós havíamos acabado de nascer. Mas assim que meu irmão gêmeo e eu começamos a andar, as coisas foram lentamente evoluindo. Edmundo gostava mais de brincadeiras ao ar livre, desde jogar bola a explorar as plantas dos jardins. Como eu passava muito tempo fazendo caminhadas e conhecendo plantas com Heinz e minha vó na Alemanha, em Londres eu preferia ficar dentro de casa de modo que enquanto Edmundo e Thomas saiam ao sol, William e eu ficávamos dentro de casa lendo e jogando jogos de tabuleiro.

Will tinha seis anos quando começou a se interessar por quebra-cabeças e jogos do gênero. Eu tinha três e jogava partidas de xadrez com Harry, meu tio 14 anos mais velho que às vezes perdia para mim. William no começo me detestava por isso, mas com o passar do tempo começou a ficar impressionado e passou a querer aprender comigo.

Como os Manson, com exceção apenas de Harry naquela época, não gostavam muito dos meus pais e consequentemente nem de mim ou do meu irmão, eles não ficavam nem um pouco impressionados com minhas habilidades e por isso não me parabenizavam por conseguir vencer Harry ou por me interessar por jogos de estratégia. Isso foi um ponto decisivo na relação entre Will e eu. Como os adultos não davam bola para mim, meu primo não sentia ciúmes e às vezes até se sentia mal quando sua mãe ou avó o parabenizavam por algo que ele fez bem pior que eu.

Como eu nunca me importei, não ficava com inveja de Will e na verdade tentava ajuda-lo a melhorar para que não sentisse mais vergonha de ser parabenizado. A última vez que vi William antes de ir à floresta, foi aos quatro anos. Faltava um mês para o meu aniversário, mas como Will tinha feito oito anos em abril, ou seja, antes de mim, e eu não tinha ido ao aniversário dele, naquela visita em particular eu lhe dei algo que acho que aumentou ainda mais a raiva de Celeste e CIA com relação a mim.

Nos últimos meses antes do final do meu treinamento, Alex havia me ensinado a tirar fotos com uma máquina fotográfica profissional e eu às vezes era a modelo dele. Clarice havia começado sua carreira de modelo aos 16 anos e em um de seus ensaios, Alexander de 13 anos havia ido junto esperando ficar entediado por algumas horas, mas acabou se interessando quando viu todas as câmeras.

Por isso, nas horas vagas do meu treinamento, Alexander e eu passávamos um tempo tirando várias fotos andando pela propriedade e às vezes íamos para a cidade acompanhados de Matthew. Aqueles momentos me marcaram tanto e tinham sido tão divertidos que me fizeram ver o tempo ao ar livre não apenas como um tempo em que eu tinha que dizer qual planta podia comer, o quão rápido eu conseguia escalar uma árvore ou se conseguia pescar um peixe com um arco e flecha, mas também como um tempo que pode ser divertido.

Por isso, decidida a fazer Will gostar do sol tanto quanto eu, naquele aniversário eu lhe dei uma câmera semiprofissional e um pacote de aulas numa das melhores escolas de arte de Londres que forneciam cursos para iniciantes. Não sei exatamente o porquê, mas minha mãe havia apoiado a minha ideia de presente. De qualquer forma, eu não sabia que em menos de um mês não veria meu primo por cinco anos. Eu dei o presente com a intenção de que na próxima vez que fosse para Londres, pudéssemos tirar fotos ou fazer algo fora de casa. Mas meu presente representou muito mais do que isso.

Para Will, aquela tinha sido a ultima vez que nos vimos, então ele guardou a câmera como uma lembrança minha e tirou inúmeras fotos que ele esperava que eu aprovasse porque mesmo sendo o mais velho, William me via como seu exemplo e não o contrário. Por isso, meu primo inglês não ficou apenas no curso de seis meses que eu lhe dei, mas estudou em diversos cursos em toda a Europa e se preparou para ingressar na Universidade das Artes em Londres, ignorando completamente os planos que nossa Família havia preparado para ele.

Nos encontramos antes de ele entrar na universidade, no enterro de Thommy, mas nosso reencontro de fato só aconteceu meses mais tarde, quando minha família foi passar uns dias em Londres antes de irmos para a Alemanha comemorar o natal. Foi nesse encontro que meu primo, assim como Alex, me tratou normalmente e me mostrou todas as fotos, viagens e coisas incríveis que tinha feito ao longo dos anos.

Acredito que assim como Sophie, Will devesse me colocar na lista dele e não o contrário. Eu apresentei a fotografia para ele e era seu exemplo quando pequena, assim como ajudei Sophie a se manter a salvo com a mãe enquanto não podia falar sobre elas com meu pai. Eu as escondi por anos. Mas é exatamente por esses motivos que eu vou colocar ambos na minha lista. Tanto William quanto Sophie me devem uma, tanto um quanto o outro me admiram por algum motivo e são leais.

E eu fiz com que eles se sentissem assim com relação a mim. Eu, Elizabeth Naomi Manson Schneider. Não eu representando minha Família, não eu Enamor. E se eu consegui que pessoas tão incríveis quanto Will, Sophie e agora Alex sejam leais a mim, talvez e só talvez, eu não seja alguém tão horrível.

Não sou mau para o núcleo

O que eu não deveria fazer, vou lutar

Eu sei, sou emotivo

O que eu quero salvar, vou tentar

Lembrando que três dos cinco lugares estão ocupados. Pense bem agora — Enamor alerta.

Reviro os olhos.

— Como se eu não tivesse pensado bem até agora – retruco.

Suspiro ao constatar que a lista de parentes acabou. Quer dizer, ainda têm Suzane e Sebastian Hagen, meus primos distantes que encontrei durante minha festa em Lake Tahoe. Festa que parece ter acontecido há uma eternidade e não no começo dessa semana. De qualquer forma, acho que primos e distantes na mesma frase já diz muita coisa.

Pensar nos Hagen faz com que eu pense em muitas coisas. Ignorando o arrepio ruim que percorre meu corpo quando penso em Kingston, volto meus pensamentos para Patrick Schmidt. Meu amigo californiano de 20 anos. Pensar nele faz com que eu pense em Brad, um ex-namorado de Mavis que jogava no time e se formou há alguns anos. Brad se mudou para a Califórnia por causa do trabalho do pai, mas acabou ficando por lá quando seu primogênito retornou.

Lembro que fui eu quem o apresentou para Patrick. Sabendo que eu passaria alguns dias em Lake Tahoe, Brad que estava ali há uns cinco meses veio até a mim para que pudéssemos conversar. Naquela mesma tarde, Pat apareceu e eles se tornaram amigos imediatamente. Quando eu os deixei, dois dias depois, não podia imaginar que frequentando os mesmos restaurantes, praias e parques de diversão, que os apresentei durante aquela semana, Patrick e Brad iriam se aproximar cada vez mais.

Agora, dois anos depois, ambos moram na Califórnia e namoram na Califórnia. Brad sabia que era gay desde os quinze anos, mas a pressão dos amigos e da família em Ottawa fizeram com que ele se reprimisse. Quando namorou Mavis, em seu ultimo ano, aquela foi a ultima chance que Brad deu para que o sexo oposto o conquistasse, afinal de contas, se nem Mavis uma das garotas mais lindas do colégio o fizesse gostar de mulheres, quem mais conseguiria? Para Brad essa lógica fazia sentido e ele deixou claro para minha amiga desde o começo que achava que era gay, por isso quando terminaram e meses depois ele começou a namorar com Patrick, May não ficou brava. Na verdade, acho que ela nunca gostou realmente de Brad.

Balanço a cabeça, percebendo que me desviei do assunto. Levanto-me e viro a cadeira do copiloto para trás depois de colocar o fuzil que estava sobre a mesma no chão de modo que quando me deito no chão, com os braços largador ao meu lado, consigo levantar minha perna ferida para que o sangue circule melhor, na esperança que isso faça minha coxa parar de latejar.

Pensar em meus amigos da Califórnia faz com que eu pense no pessoal do colégio, em Ottawa. Apesar de gostar bastante de todos, desejar que Zippy e Olivia fiquem juntos, que Alessia consiga passar na Universidade Nova York para ficar perto da arte de lá, que Robert se torne um jogador profissional como sonha. Ou que eles sejam felizes fazendo qualquer coisa, contanto que seja algo que eles gostem. Apesar disso, sei que não posso confiar minha vida a eles e neste momento estou extremamente feliz por isso porque sei que se pudesse ao menos cogitar essa possibilidade significaria que eles estão perto demais da merda que é a minha vida.

Não sou mau para o núcleo

O que eu não deveria fazer, vou lutar

Eu sei, sou emotivo

O que eu quero salvar, vou tentar

Infelizmente, meus amigos do Acampamento estão perto demais da merda que é minha vida.

Levo meu braço direito em direção ao rosto de modo que ele cubra meus olhos enquanto eu lamento ter que cogitar duas pessoas entre os campistas. Suspiro de forma triste e levo meu braço sobre a minha cabeça de forma que eu possa encarar o céu da tarde. De acordo com a posição do sol, calculo que são três da tarde de modo que no Acampamento são nove da manhã. Os campistas devem estar acabando de tomar o café da manhã, preocupados com as atividades do dia... Pensando nisso, lembro do Oliver e seu ataque com os lobos. De acordo com Billie, graças ao acidente as coisas começaram de fato e as Larvas foram iniciadas.

Suspirando, penso em como a família dele está, se é que foi informada. Penso em como ele está. Apesar de ter tentado puxar briga comigo algumas vezes, eu sei que não é culpa de Oliver ser tão... Arrogante. Sua vida é diferente da minha, mas isso não significa que seja um mar de rosas. E se tem uma coisa que eu entendo é a sensação de ser o alvo do desprezo da família. Apesar de isso não me afetar, algo me diz que afeta Oliver de maneira tão profunda que a arrogância foi a forma que ele encontrou para se defender.

Penso nas atitudes que estava planejando em relação a ele, as aulas de luta que iria dar porque primeiramente se Oliver quer ser briguento tem que saber brigar, mas as aulas teriam como objetivo mostrar que sair na porrada não é o caminho. Às vezes.

Penso no inferno que Oliver Bier viveu na sua cidade de caipiras e no mecanismo que criou para se defender. Logo em seguida me lembro da novata do Urso, Dawn. A garota com quem eu falei depois da primeira reunião e penso em tudo o que ela passou e em seu mecanismo de defesa, que não faz com que ela queira socar tudo como Oliver, mas faz com que ela crie barreiras contras as pessoas.

Penso nas Larvas, penso nas Raposas e até em alguns membros de outras Irmandades. Penso em tudo que sei sobre eles, tudo o que eu poderia fazer para mudar suas vidas, transformá-los. Tudo o que eu poderia fazer para ser lembrada por eles. Lembrada de forma positiva e não como um monstro, como provavelmente serei lembrada. 

 - Você está se desviando novamente — Enamor fala. – Já se passou quase uma hora.

— Eu sei. Só estou evitando pensar no restante da minha lista.

Eu sei que pensar no Acampamento faz com que você se lembre da sua missão, mas não há nada que possa fazer Effy. Você é o Corvo.

— Eu sei que sou o Corvo! – exclamo como se estivesse discutindo com alguém de carne e osso. Suspiro e fecho os olhos tentando ignorar a verdade que me assola. – Eu sei quem sou. E é exatamente por isso que sei que posso fazer alguma coisa. Eu condeno tanto Fiorella, Heinz e os outros por não terem feito nada. Alex está se torturando tanto por causa da culpa que o consome por não ter feito nada com relação a mim. Eu não quero isso para mim.

‘’Eu sei quem sou Enamor. Apesar de toda essa merda, de tudo o que fiz, eu sei quem sou. E sei que posso fazer algo’’.

Eu sei quem sou de verdade

Eu realmente tenho uma chance

Amanhã vou mudar o ritmo

para evitar a dança de amanhã

Sinto como se Enamor suspirasse fundo, na tentativa de se acalmar e não jogar na minha cara que estou agindo como uma criança mimada e que sou apenas uma engrenagem no sistema. Sorrio de forma sinistra, como o coringa.

— Eu sei que sou uma engrenagem. Posso não ser a maior, mas sou uma das grandes. Sei que se fizer algo Billie e Sigrid vão fazer também. E sei que se sou uma engrenagem, se eu parar de trabalhar, o sistema entra em colapso.

Termine sua lista agora para que eu possa falar o que sei. Depois disso nós falamos de engrenagens.

— Billie e Sigrid – falo.

Enamor parece surpresa.

Certeza? E quanto a Dylan, Mavis, Lucian e os outros? Não vai nem sequer pensar na possibilidade de coloca-los?

Suspiro enquanto abaixo minha perna do assento do copiloto e me sento. Percebo que tenho menos de uma hora até chegar, por isso decido explicar meus pensamentos a Enamor sem enrolação, mesmo achando isso estranho uma vez que ela está na minha cabeça então deveria saber o que eu penso... Talvez essa parte fique com a consciência e Enamor só veja minhas ideias concretas, o resultado final dos meus pensamentos.

Balanço a cabeça, voltando ao principal.

— Primeiro que estou em negação, então colocar qualquer um dos meus amigos que não fazem parte disso na lista faz com que eu admita para mim mesma que eles estão muito perto e não há mais tempo para salva-los. Segundo que como eu disse, sei que se eu parar Billie e Sigrid param, por isso sei que posso contar com elas. Dylan é meu namorado e eu...

Está com vergonha de dizer para mim que o ama? — Enamor fala e sinto que é como se ela erguesse uma sobrancelha. – Sério isso?

— Enfim – retomo, ignorando-a. – Eu confio nele, mas não posso esquecer que acima de tudo Dylan é um Black. Sem contar que não sei qual vai ser sua reação quando souber o que fiz... O que você fez com Joey. Não posso colocar na lista alguém que posso perder amanhã. É como dar um remédio milagroso a um velho e deixar uma criança morrer.

O velho não merece viver? — Enamor pergunta irônica.

Reviro os olhos. Levanto-me e apesar da minha vontade de andar pela cabine enquanto penso, minha perna jamais iria permitir isso. Então eu pego um pacote de salgadinho no corredor e volto para a cabine, sentando na cadeira do piloto e ficando perto do microfone para quando o momento chegar.

— Sim, mas porque salvar alguém que pode viver só mais uma hora quando posso salvar alguém que pode viver mais cem anos? E o foco não é esse!

Pois bem, retorne então.

— Mavis é minha melhor amiga assim como Lucian. Eu confio em ambos e os amo, mas não para salvar a minha vida. Primeiro porque eles não têm treinamento necessário. Segundo que, assim como Matthew, Elijah, Jason, Carl, Newt... Enfim, assim como todos os outros, eles vivem na ignorância. Eles não sabem quem realmente sou, o que fiz. E, portanto, assim como Dylan não sei qual vai ser a reação deles quando souberem. É claro que eu lhes dou o beneficio da duvida. Mas apenas isso.

Então acha que pode confiar em Billie e Sigrid porque elas sabem suas raízes?

— Em parte, por isso. Billie sabe o que fiz ao Joey. Ela é uma Pirate.

E a Solbakk?

— Sigrid... Sigrid sabe do bebê.

Apoio o cotovelo direito no braço da cadeira e coloco minha mão sobre a boca quando toco nesse assunto. Falar no bebê me traz tantas emoções contraditórias, tantas memórias que evito isso ao máximo. Tocar no assunto ao mesmo tempo em que estou sob tanta pressão e após ter sofrido um ataque faz com que eu queira chorar até desidratar, mas sei que se fizer isso Enamor irá dizer que não estou pronta para receber as informações que ela detém.

Volto a pensar nas cinco pessoas que coloquei na minha lista. Três parentes, duas herdeiras. Apesar de saber que está lista nunca sairá da minha cabeça, sinto um leve medo ao pensar no que Mavis diria e em sua reação ao saber que não está entre os cinco primeiros. Ciumenta do jeito que é, May não ficaria nem um pouco feliz com a minha pessoa.

Ei, essa música nunca vai estar no rádio

Mesmo se meu grupo tivesse de escolher, as pessoas de votar

Isso é o pouco, o orgulhoso, o emotivo

Ei, você, de preto à prova de balas como em um funeral

O mundo ao nosso redor está queimando, mas somos tão frios

Isso é o pouco, o orgulhoso, o emotivo

Faltando vinte minutos para meu destino, informo a base quem sou e peço que informem a família real da minha chegada. Enquanto espero um retorno, ouço meu celular vibrar da poltrona em que o deixei e franzo a testa porque me lembro claramente de ter quebrado meu chip.

Desconfiada, levanto e me arrasto até o aparelho, percebendo que ele permanece imóvel e sem nenhuma notificação.

Você quebrou o chip do celular da Família — Enamor me lembra. – Veja o outro.

Quase choro ao ter que me abaixar para pegar meu outro celular, mas o faço e verifico que de fato tenho uma mensagem de voz. Prendo a respiração quando vejo que é Mavis e tenho que me lembrar que não tem como ela saber da lista.

Percebo que faz alguns dias que meus amigos não davam noticias e franzo a testa. Sei que não aconteceu nada demais porque meu comunicador permanece silencioso, mas não consigo parar de pensar que é algo. Enquanto encaro a tela, percebo que estou cansada de ignorar Mavis e os outros. Cansada de deixa-los no escuro. Isso não significa que vou falar tudo para eles, é claro. Mas posso ouvir suas mensagens de voz pelo menos e me certificar de que estão bem.

Sou completamente daqui, eu estive ao redor

Eu estive vendo as ruas em que você andava

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh

Oh oh oh oh oh oh oh

Arrasto-me para a cabine com o celular em mãos e fico feliz por Enamor não contestar minha atitude. Sento-me no momento em que a base me responde, dizendo que tenho permissão para pousar nos fundos do palácio e que a família real está ciente da minha chegada. Agradeço e desligo o microfone antes de tentar ficar confortável na cadeira e apertar a tecla que me permite ouvir a mensagem.

‘’Oi Effy. Sou eu de novo. Mavis. Não estou com esperanças de que vá me responder já que me ignorou todas as outras vezes, mas decidi tentar mais uma vez. Antes de mais nada quero dizer que tinha decidido ficar eternamente brava com você, mas conversar com Dylan e Elijah mudou isso. Um pouquinho porque é claro que eu estou brava ainda. Você me fez falar com o Dylan, Elizabeth! Com o Dylan!

‘’ Bom era de se esperar que depois que começamos a fazer aquele jogo dos pontos nós começássemos da nos dar bem, mas isso não aconteceu principalmente porque ele roubou seu lugar de Líder e parece que só eu vejo isso! Mas não vim aqui pra falar disso. Vim porque o embuste do seu namorado e Elijah me fizeram pensar em algumas coisas. Assim como a Billie e caso esteja se perguntando, eu estou ciente que você está falando diariamente com ela enquanto nos ignora!’’

Nesse momento a ligação é cortada, mas percebo que há outras. Antes de ouvir, decido digerir as informações que obtive. Bom a) Mavis não sabe da lista, mas sabe do comunicador o que é quase tão ruim quanto e visto que b) eu ‘’fiz’’ ela falar com o Dylan e ao que tudo indica ele aconselhou ela, May não deve estar feliz por admitir que meu namorado tem razão, mas c) o começo da mensagem fez com que eu me sentisse uma pessoa ainda mais horrível do que antes.

‘’Continuando, eu não liguei pra falar que estou brava ou com quem falei ultimamente. Acho que me desviei do assunto um pouco... Enfim, liguei porque estou ‘’seguindo’’ o conselho do seu namorado e de Elijah, então decidi falar de algo que não tenha haver com sua partida, sumiço, Billie e comunicador, Sigrid... Enfim! Vou falar de outra coisa, mas que vem me incomodando tanto quanto.

‘’Jason Blood está dando em cima de uma ruiva das Larvas e eu não consigo não odiá-la! Eu sei que a culpa não é dela e blá, blá, blá, mas mesmo assim! Faz... Espera...’’

Nesse momento ouço Mavis falar baixinho e contar, como se tentasse colocar os pensamentos em ordem.

‘’Quase quatro anos! Quatro anos que eu gosto dele! E eu sei que você e Elijah não aprovam muito e até o mesmo o Lucian falou que não é uma ideia genial e se o melhor amigo fala é porque provavelmente a pessoa não presta, mas eu não consigo não gostar dele! É mais forte do que eu. Eu fico com raiva e vontade de bater naquela cara, nunca mais olhar pra ele depois de mata-lo e jogar seu corpo pros lobos, mas é só ele sorrir ou vir falar comigo que eu derreto que nem manteiga! Isso me deixa com raiva de mim mesma, mas...’’.

Nesse momento o segundo áudio é cortado. Decido parar de pensar sobre a mensagem e apenas ouvir todas de uma vez.

‘’ Merda que o áudio cortou. Voltando. Droga, não lembro onde tinha parado. Enfim amiga, eu gosto dele! E não consigo mudar isso porque ao mesmo tempo em que quero matar ele, assim que eu o vejo só tenho vontade de bater nele e depois cuidar dos machucados. Sem contar que ele faz um ótimo sexo de reconciliação. Opa, acho que é informação demais, mas também não é como se você fosse virgem né.

‘’Então é isto. Mais uma vez Jason está dando em cima de outra garota na minha frente, eu to tratando ela mal porque não dá pra evitar e sinto que estou mais estressada que o normal. Na verdade, Francis da Coruja, sabe o garoto que vive na Biblioteca? Enfim, ele é todo calmo e na dele né, então imagino que se ele veio até a mim perguntando se eu não quero um suco de maracujá é porque a coisa está feia.

‘’’Bom, eu quero sua opinião porque você é racional e por mais que Elijah tenha falado a dele, não é a mesma coisa do que ouvir a sua. Ainda estou com raiva de você e não pense que não vou arrastar sua cara no asfalto quando chegar. Mas preciso de você. E por favor, tente ligar para o Lucian ou fazer uma chamada conjunta, sei lá.

‘’ Tchau, chata’’.

Quando a ultima mensagem acaba percebo que estou chorando. Meu coração aperta por causa da saudade que sinto de May e os outros. Ouvir a voz da minha amiga fez com que eu me sentisse horrível por tê-la ignorado todos esses dias, por mais que no momento parecesse ao certo a se fazer. Imagino que ela esteja preocupada comigo, se sentindo traída e talvez se eu responde-la agora, ela volte a me soterrar com mensagens, mas mesmo assim decido que não irei mais manter o Acampamento no escuro.

Mesmo que isso signifique minha queda e morte.

Sou completamente daqui, eu estive ao redor

Eu estive vendo as ruas em que você andava

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh

Yeaah

— Oi May – falo mandando uma mensagem de áudio com medo de que ela me atenda caso eu ligue. Não estou pronta para tanto. – Recebi suas trocentas mensagens e peço desculpas por não ter te respondido antes, mas eu precisava de espaço. Enfim, vamos falar do Blood.

Neste momento eu tenho que parar de falar porque uma luz começa a piscar e percebo que estou a cinco minutos do local de pouso, ou seja, o piloto automático vai parar de funcionar.

— Droga – resmungo. – Olha May, eu realmente vou responder você sobre isso, mas preciso de um momento para pensar sobre, ok? Por favor, não encha meu celular de novo depois que ouvir essa mensagem, tente não ficar brava com a ruiva porque isso só vai fazer com que as Larvas gostem cada vez menos de você e... Bom, tente não surtar. Beijos da sua chata preferida.

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh

Mando a mensagem e bloqueio o meu celular, colocando-o entre minhas pernas enquanto coloco os fones de ouvido e desligo o piloto automático, me preparando para pousar. Entro em contato com a base e informo minha posição, ganhando permissão para aterrissar logo em seguida.

Pouso o jato e estaciono no local adequado. Quando desligo as turbinas avisto os filhos da família real vindo em minha direção. Sorrio enquanto coloco os fones no lugar e me levanto, me arrastando em direção à minha mochila não sem antes apertar o botão que faz a porta abrir.

Ok, lembre-se de que eles são confiáveis e ao que tudo indica não sabem sobre o atentado de Stephan, mas-

— Eu vou me manter atenta Enamor, relaxe. E não pense que esqueci que você me deve informações.

— Effy? – ouço uma voz masculina me chamar e assim como aconteceu no começo da tarde com Alex, a voz de Kairo me lembra que não sou mais criança.

— Boa tarde alteza – falo aparecendo no topo da escada com minha mochila abraçada contra meu corpo. Tento sorrir, mas a expressão de Kairo me informa que só estou conseguindo produzir uma careta de dor.

— Pelo amor do Falcão Peregrino, o que aconteceu com você?! – ele exclama enquanto arregala os olhos e se aproxima do jato.

Kairo Deallor é um homem de 22 anos, com cabelos castanhos cacheados que estão sempre arrumados e olhos da mesma cor por trás dos óculos de aro redondo que ele usa graças à miopia. Com um metro e oitenta e três centímetros de altura, Kairo faz com que eu me sinta uma criança ao seu lado pelo fato de ser quase vinte centímetros mais baixa, porém o príncipe herdeiro é educado demais para tirar sarro da minha cara. Sua pele morena fica bonita com a camisa social branca que ele está usando no momento e não fico nem um pouco surpresa por perceber que Kairo está usando sapato e calça social. Seu relógio favorito de ponteiros está em seu pulso esquerdo, como sempre.

Como está sempre preocupado com o trabalho, Kairo geralmente se esquece do lado social da vida, por isso fico alguns segundos surpresa quando percebo que de fato ele deixou seu escritório para me receber. O príncipe sobe os degraus que levam até a mim, apesar dos seguranças o mandarem esperar. Sinto que estão tensos porque graças ao meu estado eles não sabem se os inimigos estão dentro do jato ou se eu sou a inimiga.

— Estive na Alemanha – falo quando ele para na minha frente, tirando a mochila dos meus braços. – Stephan tentou me matar.

Kairo assume uma expressão ainda mais séria do que de costume e franze as sobrancelhas, entre o confuso e o preocupado.

— Por quê? Isso não faz o menor sentido – Kairo começa a falar, mas logo é interrompido por seu irmão mais novo.

— Pare de monopolizar a então dela e deixa que Effy pelo menos saia do jato, Kairo.

Inclino-me levemente para a esquerda, desviando do corpo do Kairo para que possa enxergar Alexandre Deallor saindo de dentro do palácio, caminhando tranquilamente em nossa direção. Kairo pede desculpas por sua reação e eu tento sorrir tranquila.

— É completamente normal, alteza – falo enquanto caminho em direção à cabine para pegar os fuzis.

— Por favor, me chame de Kairo. Você sabe que pode me chamar assim, toda vez que nos encontramos eu falo isso.

Sorrio para ele, meu primeiro sorriso verdadeiro do dia, desde que me lembro.

— Eu sei, mas é sempre bom confirmar.

Kairo arregala os olhos diante das armas, mas se vira e desce as escadas quando digo que sou completamente capaz de fazer isso sozinha.

— Não se preocupem, ela está armada, mas não vai atirar – ouço ele falar conforme me arrasto em direção a porta novamente.

— Por que ela está aramada? – ouço Alec perguntar ao irmão.

— Ela sempre está armada – Kairo retruca, mas completa. – Aparentemente Effy sofreu um atentado.

— Um o que?! – Alexandre exclama, desviando seus olhos castanhos escuros do irmão para me encarar.

Dessa vez, não tento sorrir e tenho absoluta convicção de que estou fazendo careta uma vez que estou tendo que me apoiar em meus braços e pernas para descer os degraus. Alexandre caminha em minha direção e tira as armas das minhas mãos, entregando-as a um segurança que se aproxima antes que eu possa falar algo.

— Oi pra você também – comento sarcástica, parada no penúltimo degrau.

Alec tem cabelos castanhos ondulados que geralmente estão com os fios naturalmente arrepiados. Sua pele é um pouco mais escura do que a de Kairo, assim como os olhos. Com 16 anos, Alec tem um metro e setenta e dois centímetros de altura e ao contrário do irmão, mesmo sendo um garoto calmo Alec gosta de tentar me irritar por causa da nossa diferença de altura. Alexandre tem uma cicatriz na testa causada em uma luta, mas o ferimento está quase sempre escondido atrás da franja que cai um pouco sobre os olhos já que o príncipe mais novo quase nunca se lembra de cortar os cabelos, o que apenas contribui para a rebeldia do mesmo.

Ao contrário de Kairo que se veste formalmente porque gosta, Alec prefere uma calça jeans, uma camiseta polo azul e um tênis. Meu amigo sorri para mim antes de segurar minhas mãos para que eu desça mais um degrau e fique da sua altura.

— Olá – ele diz sorrindo, antes de passar uma mão pelas minhas costas e a outra por trás dos meus joelhos.

— Deallor, não! – exclamo, mas é tarde demais, Alec já me tem em seus braços. – Vou te sujar de sangue.

— Provável – ele diz conforme passa a caminhar em direção ao castelo com Kairo ao lado. – Você devia tê-la carregado de dentro do jato, Kairo.

— Por que se eu podia deixar essa parte com você e apenas carregar a mochila que não se debate tentando se soltar dos meus braços? – Kairo retruca dando um de seus raros sorrisos de deboche.

— Droga – resmungo baixinho, mas o olhar questionador de Alec mostra que ele me ouviu. – Você está pressionando meu braço esquerdo contra seu corpo e eu levei um tiro nele.

— Ah, perdão – Alec fala enquanto tenta me segurar sem me apertar tanto, mas sem me deixar cair. – Eu sempre soube que você gosta de entradas triunfais, mas creio que dessa vez você se superou.

Ri baixo.

— Creio que sim uma vez que até mesmo Kairo deixou sua escrivaninha para me receber.

— Para sua informação, eu estava jogando uma partida de xadrez com Mika – Kairo fala me olhando sério como quem está bravo, mas logo sorri levemente.

— E estava perdendo lindamente – Alec fala baixinho como se não quisesse que o irmão ouvisse, mas todos sabemos que essa era a sua intenção.

— Estava empatado Alexandre – Kairo retruca. – Foi você quem perdeu para ela.

— Onde está Mika? – pergunto.

— Você me chama de alteza, mas os outros dois é pelo nome? – Kairo pergunta confuso. – Nós três somos irmãos e temos direito ao trono.

Tento dar de ombros, mas logo percebo que o movimento é impossível.

— É engraçado ver você se irritar por eu estar chamando você de alteza, mas tentar manter a calma – falo. – Mika me bateria se eu pensasse em chama-la de princesa e Alec, egocêntrico do jeito que é, amaria.

— Ei! – Alec exclama.

— Estou mentindo?

— Não sei, me chame de alteza e vamos descobrir.

Rio baixo enquanto reviro os olhos.

— Respondendo sua pergunta, Mikaella estava indo conferir seus aposentos – Kairo fala retomando o assunto anterior. – Alec, leve Effy para a enfermaria enquanto eu vou chamar nossa irmã.

— Certo – Alexandre fala e neste momento percebo que acabamos de atravessar o jardim e estamos entrando no palácio.

Enquanto Kairo pega o caminho da direita com alguns seguranças, Alec e eu vamos para a esquerda sendo seguidos por alguns homens. Passamos por vários corredores, mas infelizmente o príncipe anda rápido demais para que eu possa observar a decoração como se nunca tivesse estado no palácio. Só neste momento percebo que estou de roupas intimas nos braços de um homem, somente com uma manta me cobrindo. Arregalo os olhos e coro enquanto encaro o rosto de Alec.

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh

— Sim? – ele pergunta sem me olhar.

— Hã... – começo, mas não sei exatamente o que e como falar.

Alexandre ri de forma nasalada enquanto sobe uma escadaria.

— Estava me perguntando quanto tempo você ia demorar para perceber – ele fala. – Para sua informação, eu não vi nada. A manta é grossa e você está bem enrolada nela.

— Mesmo assim eu não acredito que simplesmente esqueci que estou sem roupas.

Alec sorri compreensível.

— Você está ferida, provavelmente tomou alguns remédios. É completamente normal deixar coisas como roupas em segundo plano.

— Falando em ferida, acho que o ferimento no meu braço está abrindo – falo e meu amigo acelera o passo. Somente neste momento desvio os olhos do seu rosto para encarar o colar que ele está usando. – Hey! Onde conseguiu isso?

O fato de eu estar segurando o pingente de lobo prata nos dedos faz com que Alec saiba exatamente do que estou falando.

— Kairo me deu quando saiu do Acampamento já que eu nunca fui para lá – ele explica. – Acho que foi a forma que meu irmão encontrou para tentar me fazer sentir menos excluído sempre que ele e Mika falam sobre o verão.

— Você teria sido um bom Líder – falo soltando o pingente da Irmandade Lobo quando passamos pelas portas da enfermaria.

— Provavelmente melhor do que você já que não largaria minha Irmandade no meio da temporada para quase morrer do outro lado do mundo – Alec fala com um sorriso de deboche nos lábios.

Reviro os olhos enquanto ele me coloca sobre uma das camas, uma enfermeira preocupada logo se aproximando. Enquanto falo que levei um tiro na coxa direita, outro no braço esquerdo que está abrindo e, por fim, um de raspão na cintura, a mulher de cabelos grisalhos está pegando o material necessário no criado mudo que está ao lado da minha cama. Antes que eu possa falar que já dei uma olhada nos ferimentos, ela me dá as costas e corre para um armário nos fundos da enfermaria cheios de líquidos em garrafas, chamando uma tal de Missa para ajuda-la.

— Esse é um bom momento para falar ‘’seja bem-vinda a Infrante’’? – Alec pergunta sorrindo para mim, parado de pé ao meu lado.

— Tente de novo mais tarde – falo antes de ele ser colocado para fora pelas enfermeiras que fecham uma cortina ao meu redor e me desenrolam da manta.

Uma delas molha um pano com algo que não identifico, mas que tem cheiro forte. Ela fala que precisa me sedar para rever os curativos e cuidar dos meus hematomas internos e só percebo que estou com um sangramento interno na barriga quando Missa pressiona a região. Mesmo sentindo meu instinto de sobrevivência berrar para que eu corra e o trauma de ter sido sedada e acordar com um enorme X no peito, permito que a enfermeira de cabelos grisalhos, chamada Genevive, coloque o pano contra o meu rosto, permitindo assim que o inconsciente e a escuridão me dominem.

Espero que você não tenha que me acordar porque vamos morrer — penso.

Eu não seria tão positiva se fosse você — Enamor retruca.

Sou completamente daqui, pessoas boas agora

Oh oh oh oh oh oh oh


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Notas finais do capítulo

A imagem do capítulo é a morada do Stephan e da Norma, na Alemanha.

Só para terminar com os avisos:
5. Effy diz q sua vó Fiorella pode fazer menos q seu avô pelo fato de ser mulher. Quero deixar claro q este é um pensamento da Família patriarcal da personagem e q n é um pensamento meu, pois acredito q as mulheres podem fazer oq quiserem #paz
6. Gente, eu AMO os comentários de vcs e por mais q eu demore mais pra responder eles do q pra postar (pois é) eles me motivam muito e saibam q cada ser humaninho maravilhoso q comenta tem um lugar no céu e no meu coração ♥

Por isso, comentem! Me digam como está sendo a vida de vcs de ter q escolher entre os Incríveis 2 e Homem formiga e a vespa nos cinemas ahsuhaus A minha está sendo bem difícil.

Até.
XOXO,
Tia Mad.