Sacrifício escrita por Mrs Moon


Capítulo 14
Um Natal Branco




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A neve caía em Nova York, pensativa Kimberly contemplava a rua branca pela janela do apartamento de sua mãe em Manhattan. 

— Finalmente, um Natal branco – brincou Trini entregando um chocolate quente para a amiga. 

— Obrigada – Kimberly sorriu. Desde que sua mãe mudorá para Nova York as duas passavam o Natal juntas. – Só demorou quatro anos. 

— É – riu e continuou. – Valeu cada minuto de espera é tão lindo. 

Carol entrou na sala carregando um prato de biscoito e oferecendo para as moças comentou:

— Lindo até o Ano Novo, depois é só frio – fingindo que estava chateada ela comentou. – Vocês me deixam com Pierre e vão para o calor da Flórida e da Alameda dos Anjos. 

— Quando terminar a faculdade posso ficar mais um pouco mamãe – disse Kimberly rindo. 

— Seu quarto vai estar sempre pronto querida – beijou-a Carol. 

Nos últimos anos, Pierre ficou muito famoso na América e morava em um grande apartamento em Nova York. Carol o decorara com cuidado, mantendo sempre um quarto para a filha, queria que Kimberly sempre tivesse um porto seguro onde retornar.  

— Eu venho sempre que posso mamãe... 

— E com novas medalhas – riu Trini. 

— Prata e Ouro no Pan Global e logo, logo têm uma nova Olimpíada – disse Carol orgulhosa. 

 - Minha última olimpíada – respondeu Kimberly. – Depois disso, não vou ter chance nenhuma perto das novas garotas. 

— Fala como se estivesse velha Kimberly – Trini a repreendeu – Susan disse que vocês ainda são as melhores. 

— Susan é um ano mais nova que eu.

— Um ano não é quase nada – comentou Carol.

— Quase uma vida – murmurou Kimberly. Carol notou a expressão da filha e mudou de assunto:

— Vão dormir meninas. Vocês sabem que amanhã Jason e Pierre acordam cedo para abrir os presentes. 

— Aqueles dois parecem crianças – riu Trini dando um beijo de boa noite em Carol e indo para o quarto de hóspedes. 

— Feliz Natal mamãe – murmurou Kimberly.

Carol ficou um momento sozinha na sala, observando a árvore de Natal. A cada ano colocava mais enfeites e seu apartamento ficava mais aconchegante. Conseguia se lembrar do primeiro ano, logo após a mudança, mal tinham móveis mas Kimberly e os amigos animaram o primeiro Natal em Nova York. Trini e Jason se reconciliaram naquela mesma sala anos atrás e desde então passavam o Natal com ela.  Agora, eram como filhos enchendo a casa vazia. 

Muitas coisas aconteceram nos últimos anos, Kimberly participou das Olimpíadas de Atlanta e ganhou duas medalhas: Ouro na Barra e Prata no Solo, Susan ganhara o ouro no Solo e a equipe americana conquistou a prata no ano. A Universidade da Flórida oferecerá bolsas de estudos e algumas campanhas publicitárias para as garotas. Elas continuaram a treinar e no último semestre a filha ganhou o Ouro e bronze no Pan Global.

Carol suspirou olhando as medalhas expostas sobre a lareira, sentia muito orgulho da filha, lembrava dela pequenininha falando das Olimpíadas. Ficava feliz pelo seu sucesso e ansiava do fundo do coração que isso fosse o bastante. Porém, não conseguia fechar os olhos a mulher que Kimberly se tornara. A alegria exuberante da adolescência se fora, o sorriso raramente chegava aos seus olhos, um cuidado excessivo com cada detalhe de sua vida como se seguisse uma receita. Nunca mais retornará a Alameda dos Anjos e nem virá com outro namorado e não chegava perto de crianças, evitando as compras de Natal nas lojas de presentes. A moça recusava-se até a dar aulas para crianças no ginásio, coisa que fizera com muita frequência ainda adolescente.

Essa era a única coisa que conseguia entender, também ela sentia uma dor profunda ao ver as crianças brincando no gelo e a fila para o Papai Noel. Toda menina que olhava poderia ser a sua neta, a menina poderia estar na Flórida ou até aqui mesmo em Nova York pelo que elas sabiam. 

Seus Natais eram lindos e sua casa também, mas a casa ainda estava vazia. Faltava o sorriso, os brinquedos espalhados e a presença da neta. Sua alegria era incompleta e sabia que Kimberly sentia o mesmo, embora jamais admitisse, por isso seus sorrisos estavam vazios. Sabia que Kimberly trocaria as medalhas, a faculdade e tudo pela filha ao seu lado. 

 

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— Eu não quero mais pais adotivos, Sra. Mason! 

Miranda Mason suspirou olhando a menina. Sabia que ela falava sério, ao contrário das outras crianças, Melissa não fazia birra ou chorava, raramente reclamava e raramente pedia alguma coisa. 

— Criança, os Stuart são uma família ótima e estão ansiosos para tê-la em sua casa no Ano Novo – olhou para a assistente social ao lado da menina continuou. – Jenny e eu checamos todo o histórico deles e não existe nenhum motivo para não dar certo.

— Nada podia dar errado da última vez também – reclamou cruzando os braços. 

— Mel! – exclamou a moça repreendendo a menina. 

— Desculpe – murmurou a menina. – Eu só prefiro ficar aqui. Não preciso de pais, estou bem na Casa Verde. 

— Melissa querida, toda criança precisa de pais – abaixando-se no nível da menina, acariciou seus cabelos. – Você não se lembra, mas era muito feliz com seus pais adotivos quando era bebê. Você será muito mais feliz com os Stuarts, você só tem que dar uma chance para eles. 

Ela suspirou derrotada e concordou com a cabeça. 

— Boa menina, agora vá para o pátio brincar com as outras crianças. Jenny e eu vamos conversar um pouco.

Melissa concordou e saiu com a cabeça baixa da sala da diretora. Quando a porta se fechou, Miranda olhou para a moça e irritada perguntou:

— Sabia disso? 

— Desconfiava, Melissa está mais calada que o normal nos últimos dias. Acho que o presente de Natal foi decisivo. 

— O que os Stuart mandaram?

— Uma coruja de pelúcia, acharam que o pássaro dela estava velho. 

Miranda balançou a cabeça, esse era um dos problemas de todos os pais adotivos. Querer substituir lembranças, a maioria das crianças não percebia, mas Melissa era especial. 

— Qual a sua opinião profissional Jenny? 

— Eles são os pais adotivos perfeitos. Jovens, boa condição financeira e reputação impecável. Ele é professor de literatura e ela de pré-escola e seriam os perfeitos para uma menina inteligente e sensível como a Melissa. Se ela estiver disposta a dar uma chance para eles. 

— Chance que ela obviamente não está disposta a dar.

— Infelizmente, mas concordo com a senhora, ela é muito nova e merece uma família. Se eles forem muito pacientes, existe uma boa chance dela se ajustar na casa deles. 

— Obrigada Jenny, pode ir. 

Assim que a moça saiu, Miranda murmurou:

— Estou ficando velha para isso – folheou a ficha da menina pensativa. 

Melissa era a única adoção que ainda acompanhava de perto e provavelmente o caso mais complicado do orfanato. Ainda se lembrava da mãe chegando ao seu escritório, com os mesmos olhos castanhos e sérios da menina, pedindo que arrumasse um lar seguro para a filha. Ela prometera e fora tão fácil no começo. A bebê viverá feliz com Carmem e o marido por dois anos, porém um acidente automobilístico destruiu essa felicidade.

O casal faleceu na hora e a menina escapou por um milagre, com apenas alguns arranhões e perna quebrada. Voltou à custódia do Estado e foi transferida do hospital para a Casa Verde. Sua recuperação foi lenta e dolorosa, longos meses sobre uma cama tornaram o bebê sorridente em uma menina tímida e calada. Extremamente inteligente, ela aprendeu a ler durante a recuperação. 

Pouco depois de completar três anos estava pronta para ser adotada novamente. Pequena para idade, com a pele branca, longos cabelos castanhos e olhos expressivos conquistaram vários candidatos a pais adotivos. Miranda fora cuidadosa ao escolher um casal jovem  carinhoso que estava ansioso em  para serem pais. Porém o resultado foi um desastre, uma semana depois eles a devolveram alegando que ela não falava, não brincava e vivia em seu próprio mundo. Indiferente aos pais. 

Consternada com seu fracasso, Miranda convocou Jenny para assumir o caso e acompanhar de perto. Jenny Black era sua mais talentosa assistente social, com um diploma de Harvard e especialização em psicologia, fora um achado para a Casa Verde. A moça entendia a personalidade introspectiva da criança e juntas escolheram um segundo casal para adotá-la, ambas tão confiantes que daria certo. Erraram novamente, depois de dois meses com sua pelúcia nos braços Melissa foi devolvida à Casa Verde. Os pais alegaram que a menina era autista e não tinham condições de criar uma criança especial. 

Apesar dos protestos de Jenny pelo absurdo da situação, Miranda fez seu trabalho e levou Mel para consultar-se com médicos e psicólogos especializados. O resultado foi alentador, ela não apresentava nenhum grau de autismo e nenhum trauma do acidente. Seu grande “defeito” era ter um QI superior ao das crianças da sua idade e uma caráter sério e tímido. Interessava-se por livros, jogos e quebra cabeças, muito observadora e pouco paciente. Entediava-se rapidamente com as bonecas e brinquedos da sua idade, não ria com tanta frequência ou procurava abraços como muitas outras crianças órfãs. Conversava pouco com os adultos e menos ainda se eles a tratavam como um bebê. Tudo isso num pequeno corpo de quase quatro anos era assustador para pais adotivos sedentos por uma criança carinhosa. 

Sendo solitária e bastante observadora, a menina demorava a confiar nos adultos. Não gostava de brincar com as crianças da sua idade e não era aceita pelas crianças mais velhas, acabava sozinha ou rodeava as menores do orfanato, ensinando-lhes a brincar. Uma adoção normal estava fora de questão, só um casal muito especial ficaria com uma menina autossuficiente. 

Por esse mesmo motivo ficou um ano na Casa Verde, enquanto as duas selecionavam um casal para adotá-la.  Miranda escolheu uma família com uma filha pequena e que adorava Melissa e pedia uma irmã, os pais ficaram contentes em levar uma filha inteligente para casa. Então, aos quatro anos Melissa foi para seu terceiro lar adotivo bem ciente de que era uma órfã. O jogo foi invertido e ao invés do casal cuidar dela, ela acabou virando a babá da filha mais nova e ignorada pelos pais. Jenny notou a situação em menos de um mês e a trouxe de volta para a Casa Verde.  

Agora, após mais um Natal no orfanato, ela estava de malas prontas para uma nova família adotiva. Todas com a esperança de que dessa vez desse certo, folheando o extenso arquivo cheio de fotos e de exames médicos Miranda suspirava. Da mesma maneira que a mãe suplicava para não deixar a filha viver em um orfanato, agora, Melissa pedia para não ser adotada. Os mesmos olhos castanhos profundos implorando por sua ajuda. Um peso muito grande para a sua velhice, sofrendo por sua derrota de cumprir a promessa feita pela mãe sem magoar ainda mais a filha. 


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Notas finais do capítulo

Desculpem pelo atraso



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