O Álbum do Ceifador escrita por Julius Brenig


Capítulo 1
Capítulo Único




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Eu sempre fui aficionado por colecionáveis. Action figures, cards, miniatura de carros, tampinhas de refrigerante, qualquer edição limitada de qualquer coisa e afins. Colecionar é minha paixão. Meu item favorito de começar uma coleção, são os álbuns de figurinhas. Eles são meu xodó. É muito difícil conseguir completar esse tipo de álbum e não há nada mais excitante que abrir um pacote de figurinhas e não vir nenhuma que você já tenha e não há frustração maior é justamente o contrário. Já tenho vários deles completos e estão todos guardados nas minhas caixas e caixas de objetos de coleção, que tenho no meu quarto.

Certo dia, o pessoal dos correios bateu em meu portão, procurando por mim. Uma encomenda.  Assinei e recebi o produto, que era nada mais que um grande envelope marrom que estranhamente não tinha remetente, só meu endereço e nome como destinatário. Não estranhei a encomenda inesperada, afinal eu vivia mandando e-mails para editoras, para que elas me enviassem cópias de álbuns antigos e que não eram mais comercializados e imaginei que aquele seria um deles.

Fui para meu quarto e joguei o envelope na cama, enquanto eu pegava uma tesoura que sempre guardava na minha meia de gavetas. Já coma tesoura em mãos e fui até a cama para abrir o envelope. Cortei a parte superior cautelosamente, pois não queria de maneira alguma danificar o álbum, ainda mais se fosse algum álbum antigo e ainda por cima não comercializado.  Coloquei a tesoura em cima da cama, enquanto virava o envelope de cabeça para baixo, para que o objeto em seu interior caísse.

Apenas o álbum caiu, mas eu esperava que viesse alguns pacotes de figurinhas junto, como era típico. Bando de inúteis, pensei, nem para fazerem seu trabalho corretamente servem. Logo após a decepção de não haver figurinhas para preencher o álbum, outra coisa frustrante se juntou a essa decepção. A capa do álbum. Ela era feita de uma espécie de plástico, era branca, lisa e sem nenhuma figura que indicasse qual o tema do álbum. Nem mesmo o nome da editora tinha. A única coisa que possuía era o nome: Álbum do Ceifador, em sua capa.

Abri o álbum. Por dentro, ele tinha páginas em preto e branco, com os típicos quadradinhos para colar as figuras. No total, sessenta espaços divididos entre as poucas páginas, cada espaço enumerado com números de 1 a 60 em tinta preta bem no centro deles. Não sabia o que fazer com aquela coisa inútil. Não tinha ideia de como completá-lo e nem estava com muita paciência para pensar, por isso joguei-o em cima do meu criado mudo e fui cuidar da minha vida.

Um pouco mais a tarde, naquele dia, eu fui comprar pão, numa padaria próxima a minha casa. Ao chegar lá, compro os meus típicos dois reais de pães de queijo. Enquanto o atendente, que era um rapaz por volta de seus vinte e cinco anos pegava meu pedido, meus olhos começaram a ficar irritados e lacrimejavam. Parecia que haviam grãozinhos de areia arranhando meu globo ocular. Após lacrimejar um pouco, aquilo passou, mas eu sentia minha visão um pouco diferente. Minha cabeça doía um pouco, como se o esforço que a minha visão fazia naquele momento, fosse demais para ele. E foi em meio a essa dor de cabeça, que vi a coisa mais estranha que já tinha presenciado.

Assim que o rapaz foi me entregar o meu lanche que eu havia acabado de pedir, pude ver, pairando sobre sua cabeça, o número 39 na cor preta. Ele ficava lá, a poucos centímetros da cabeça do sujeito que parecia não notar. Eu quase pensei em avisar para ele sobre esse número, mas um comentário como esse nem para piada servia, de tão desconexo que seria. Por isso, peguei meus pães de queijo e sai de lá, tentando ignorar aquela estranha visão.

Cheguei em meu quarto já degustando o alimento que havia comprado. Joguei o saco de papel marrom que havia sido o recipiente dos pães de queijo na lixeira ao lado do criado mudo e bati os olhos em cima do álbum do ceifador, outra vez. Já até havia me esquecido dele. Peguei e foleei como se aquilo fosse me trazer algum esclarecimento sobre aquele estranho objeto. E na verdade trouxe, uma pena é que não um esclarecimento, mas uma dúvida a mais.

Enquanto foleava, abri na página onde de um lado havia os espaços de 30 a 39 em um lado e 40 a 49 no outro. O estranho é que no número 39, que devia estar vazio como os outros e como ele mesmo estava antes, agora apresentava uma figura. Era o rosto do jovem da padaria, com os olhos fechados, só que em preto e branco. Com a vasta experiência que já tive com alguns outros álbuns, notei que era semelhante a alguns que possuíam a imagem sem cores que estaria, de forma colorida, na figurinha que ocuparia o local.

A confusão foi prioridade em minha mente. Não fazia sentido o rosto do sujeito da padaria estar num álbum que eu havia recebido por encomenda. Não fazia sentido ter um número pairando na cabeça dele.  Não fazia sentido.... Não fazia sentido...O álbum ficar incompleto.  Que tipo de colecionador eu seria, se não completasse o álbum? O que pensariam de mim? Era preciso ter a todas as figurinhas. Era preciso completar o álbum do ceifador. Com a decisão de completar o álbum, ficou tudo melhor. Recolher todas as figuras beneficiaria a nós dois:  eu e o álbum. Com esse esclarecimento em minha mente, eu soube exatamente o que fazer para completá-lo com êxito. E era muito fácil. Fácil demais.

Iria bater meu recorde pessoal. Completaria o álbum todo num dia.

Fiz um kit sobrevivência numa mochila velha que eu tinha, para me dar suporte naquela jornada. Peguei também a tesoura que estava em cima da minha cama e coloquei no bolso da minha calça. Tranquei a casa e saí. A rua estava tranquila. Pouco movimento. Só alguns cachorros deitados nas sombras das árvores, pássaros em fios elétrico e alguns mosquitos zunindo. Cheguei em frente a padaria em que antes e estava. Vi o sujeito atrás do balcão ainda com o número 39 ainda pairando em sua cabeça. Uma visão muito boa. Era hora de começar a coleção.

— Amigo — Gritei lá da entrada, para chamar a atenção do 39. — Pode me dar uma forcinha, aqui? — Pedi.

O 39 pediu o momento enquanto fazia não sei o quê, antes de me ajudar. Será possível que vivo num mundo de incompetentes? Mesmo com a demora, o 39 veio até mim. Quando ele chegou perto o suficiente, antes que o mesmo pudesse dizer qualquer coisa, coloquei a mão no seu ombro, puxei-o bruscamente até mim, no mesmo momento que retirava a tesoura do meu bolso e cravava e sua barriga.

Ele arregalou os olhos, surpreso. Torci a tesoura dentro dele, até ele parar de tremer. Deixei a tesoura dentro do seu corpo caído naquela calçada. Peguei na minha mochila, o álbum, não sem antes, claro, limpar o sangue dele quem estava em minhas, nas suas próprias vestes, afinal, não poderia manchar meu álbum novo. Ao abri na página onde estava o número 39, que agora possuía a imagem do sujeito de olhos fechados, só que agora com toda a paleta de cores. Mas aquilo era só o começo, tinham mais 59 figurinhas para conquista. Para um cara experiente como eu, seria moleza. Deixei aquele pacote de figurinhas vazio sangrando na calçada e fui continuar a busca.

O próximo pacote que achei, foi o da figurinha número 12. Era uma moça que estava prestes a atravessar a rua. Conferi no álbum vi a imagem preto e branco do rosto dela no álbum. Era hora de abri o pacote. O sinal de trânsito havia acabado de fechar para pedestres quando parei ao lado da moça. Era uma avenida movimentada, carros buzinavam, motos aceleravam, fumaças negras pairavam. A moça olhou para mim, enquanto esperava a abertura do sinal e sorriu simpaticamente. Sorri simpático de volta, pouco antes de jogá-la, na frente de um caminhão que carregava papelão, aparentemente para a reciclagem. Foi um impacto forte que jogou o pacote número 12, longe dali. Mas a distância não fazia diferença, pois a imagem dela já estava colorida no álbum e eu não precisava mais do pacote, que agora estava vazio.

Incrivelmente, cada vez foi ficando mais fácil. O pacote número 5, era só uma idosa, que só precisou que eu ameaçasse-a assaltá-la, que ela teve uma parada cardíaca e o pacote se abriu. Fácil, fácil, o espaço 5 estava colorido. Os pacotes 20 e 27, estavam juntos. Eram pacotes em forma de casal que saíam do teatro da cidade com seu filho. Eles facilitaram muito indo por um uma viela, tentando dar a volta no caminho.

Eu só precisei pegar um dos meus itens do kit suporte em minha mochila, a arma calibre trinta e oito, que recebi de herança do meu pai, para simular um latrocínio naquele beco. Foi bem tranquilo. O pacote 27 usava um belo colar de pérolas, uma pena ele ter arrebentado o cordão quando atirei. A única coisa chata é que o moleque que estava com os pacotes, ficou chorando por que eu abri eles. Claro que tinha sangue no moleque também, mas eu também estava sujo e não estava reclamando.

As crianças de hoje em dia são muito mimadas.

Depois que resolvi usar a minha arma, a busca pelo meu recorde de terminar um álbum em menos um dia, parecia bem possível. Eu estava empolgado. Vocês não acreditam na sorte que tive quando localizei os pacotes de 30 a 38 dentro de um ônibus! Foi uma tacada só, um tiro no tanque de gasolina do veículo, gerou uma explosão suficiente para eu completar a minha primeira página do álbum!

Agora sim eu estava empolgado.

O número 17 foi um pacote um pouco difícil de conseguir, mas acabei resolvendo ele de forma simples. Era na forma de um garotinho que andava de bicicleta sem capacete num parque arborizado. Ele ficava indo de um lado para o outro gritando “Olha mamãe! Olha mamãe! ”. E a tal mãe ficava encarado o celular. Bom, a solução foi colocar uma pedra no meio do caminho, enquanto o pacote tentava chamar a atenção da mãe. O pacote distraído, não viu que no meio do caminho, tinha uma pedra.  Além de abrir esse pacote, o crânio dele também acabou aberto.

A buscas pelas outras figurinhas não foram tão divertidas quanto no início. Claro que eu ainda queria completar o álbum e claro que eu iria fazê-lo, mas caiu na mesmice. Eu achava um pacote ou dois, em alguns casos, atirava neles e pegava as figurinhas.  Chegou num ponto que só faltavam agora, as figuras 13, 56,57,58,59,60, para completar o álbum. Eu já havia girado a cidade já passava pela minha rua outra vez, onde havia muitos policiais e transeuntes em frente a padaria. Estavam em volta do 39 e alguém retirava a minha tesoura e colocava num saquinho plástico. Quase que eu peço a tesoura de volta, mas não ia querer ela suja de sangue mesmo. Vi também uma ou duas pessoas chorando e apontando desesperadamente para o 39. Nunca vi tanto desespero só por causa de um pacote vazio.

Me lembraram até o moleque chato lá do beco.

Como ia passar em frente de casa, resolvi tomar um suco ou algo para refrescar, o dia estava quente. Cheguei em casa, destranquei tudo, fui ao banheiro e depois bebi o suco. Eu estava sendo muito produtivo, não faria mal perder alguns minutos. Enquanto estava no sofá, saboreando minha bebida refrescante, fiquei vendo os espaços que faltavam no meu álbum. Dava até orgulho ver ele quase todo completo, uma sensação dever cumprido.  Notei algo diferente na última página, que não havia me dado o trabalho de perceber anteriormente.

Havia um quadrado maior que todos os outros. Ele também estava um pouco mais afastado dos demais e estava dividido em cinco partes, os números de 56 a 60 formariam a mesma imagem, como um quebra cabeça. Pouco depois de notar isso, a porta da minha casa abre e minha mãe chega em casa um pouco pálida. Ela me disse que alguém tinha assassinado o moço da padaria e tinha até polícia no local.  Fiquei mal com isso, o cara da padaria era um sujeito muito legal, tinha até me ajudado a pegar a figurinha número 39, a primeira que havia conseguido.

Enquanto minha mãe falava, eu observei uns detalhes que geralmente não via nela. Como por exemplo o número 56 pairando sobre sua cabeça, o 57 no seu braço esquerdo e o 58 no direito. Nas pernas esquerda e direita, os números 59 e 60 estavam presentes. Minha mãe era realmente um amor, havia trago para mim o pacote supremo!

Nem podia acreditar em tanta sorte!

Minha mãe tinha ido tomar água na cozinha. Segui-a e abri a gaveta de facas e peguei um cutelo, que havia ganho do meu chefe, quando eu trabalhava de açougueiro num supermercado local. Peguei também um frigideira. Aproximei-me cautelosamente do pacote dourado. Acertei com a maior força que pude a frigideira em sua cabeça. O pacote caiu desmaiado. Arrastei-o para o banheiro e joguei dentro do box. Voltei a cozinha para pegar o cutelo, já que havia deixado ele lá, para conseguir arrastar o pacote.

Voltei com o cutelo em mãos, pronto começar a abrir o pacote. O trabalho foi bastante sujo, mas deu certa nostalgia. Me lembrou meus tempos de açougueiro.  Só os ossos é que encherem o pouco o saco na hora de cortar, mas isso foi o de menos. Mas no final valeu muito a pena. Estavam separados certinho, cabeça e tronco para o 56, braço esquerdo e direito para os 57 e 58 e perna esquerda e direita para 59 e 60. Dessa vez nem me preocupei em manchar o álbum, peguei-o ainda sujo e conferi, os últimos cinco espacinhos que formavam um espação, ficarem coloridos. Finalmente faltava apenas uma figurinha. Nunca estive tão satisfeito comigo mesmo. Deixei até uma nota mental, para quando minha mãe acordasse, eu iria agradecer ela pela grande ajuda.

Agora só faltava o numero 13.

Por mais que eu estivesse eufórico para sair de casa e continuar a minha busca pela última peça que me faltava, precisei fazer minha higiene, afinal, eu não poderia sair na rua feito um louco. Fui até a pia do banheiro, passei sabonete em minhas mãos, para remover o sangue e enxaguei-a. Fiz a mão em concha e levai meu rosto. Peguei a toalha de rosto, que estava pendurada ali próximo e sequei minha face. Assim que terminei isso, me olhei no espelho, para arrumar o meu cabelo e então, eu vi algo que não fazia sentido.  Não fazia sentido ter o número 13 pairando na minha cabeça.  Não fazia sentido.... Não fazia sentido...O álbum ficar incompleto.

Então, abri o pequeno armário do banheiro e peguei a lâmina de barbear. Levei-a, até o meu pescoço e com um leve deslizar de lâmina, bati o meu recorde e consegui todas as figurinhas de um álbum, em menos de um dia.


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