— Eu não gosto de laranja.

— Mas... Por favor?

— Não.

— Blaaaaanche, por favor.

— Não.

— Por favor, por favor, por favor!

— Você sabe que ele não vai te deixar em paz enquanto você não fizer, Blanche.

 

Candela passou pelos dois, bagunçando o cabelo de Spark no processo. Blanche permaneceu com os braços cruzados, fitando o loiro com tanta raiva quanto era possível manifestar, franzindo o cenho de forma quase imperceptível. O garoto levantou do sofá em que estava antes, diante dela, e foi para onde ela estava. Sentou ao seu lado e colocou o braço por trás dela no sofá, aproximando-se demais como de costume.

 

— Eu só quero uma foto. Por favor... - Ele continuou se inclinando sobre ela, fazendo com que Blanche fosse cada vez mais para o lado, até o ponto de deitar no braço do sofá com Spark sobre ela. - Por favor...

— Se eu fizer isso você sai de cima de mim e me deixa em paz pelo resto do dia?

— Bom o resto do dia...

 

Ela o segurou pelo colarinho para ameaçá-lo, embora sua expressão permanecesse a mesma. Sua voz soou ameaçadora e mais fria que o normal.

 

— Pelo resto do dia, Spark. Você não pode falar comigo pelo resto do dia se eu fizer o que você quer.

— ... Tá. Mas você tem que ir agora!

 

Blanche o pegou pelos ombros e o afastou de si, levantando do sofá e apanhando as roupas que ele trouxera. Entrou no próprio quarto e se despiu, vestindo peça por peça. Felizmente os dois tinha físicos parecidos, então não encontrou problemas ou desconfortos ao vestir aquelas roupas.

 

Tinha um desgosto especial por laranja, provavelmente por culpa do colega. Colocou o colete laranja e saiu do quarto, encontrando Spark na sala.

 

— Faltou a blusa. - Murmurou indiferente.

— É que eu só tenho uma blusa, espera.

 

Ele levantou animado do sofá e se aproximou dela, fazendo com que Blanche imediatamente desse um passo para trás. Spark tirou a blusa preta, e deu a volta em Blanche para ajudá-la a vestir. Após colocar os braços nas mangas ele a puxou para cima, girando a treinadora de frente para si e ajeitando as roupas nela.

 

— Seu cabelo preso ainda fica muito você. Espera.

 

Então levou as mãos para trás dela em uma espécie de abraço e soltou os longos fios prateados da colega. Puxou então duas longas mechas para frente, ajeitando para que a franja de Blanche cobrisse parcialmente seu rosto. Ele se afastou um pouco para vê-la, sorrindo satisfeito com o resultado.

 

— Tira sua foto logo pra eu tirar isso. - Ela reclamou sem sequer olhar para baixo ou imaginar como estava.

— Tirar? Não, não, você tem que ficar com isso, quando você tirar eu volto a falar com você.

— O que? Esse não era o acordo.

— Agora é!

 

Spark sorriu e pegou o celular no bolso virando para ela.

 

— Sorria!

 

Como ele esperava, ela não sorriu, mas ele sorria por ela de qualquer forma. Após tirar uma foto satisfatória ele sorriu para Blanche e passou os dedos fechados pela boca como se fechasse um zíper. Blanche acenou positivamente com um suspirou cansado e voltou para sua mesa, juntando seus papeis e voltando a estudar.

 

Era estranho. O silêncio confortável permanecia no ar. Candela havia saído para acompanhar o progresso de seus ginásios, portanto apenas ela e Spark permaneciam ali. O garoto estava no sofá mexendo no celular em silêncio enquanto seu Jolteon dormia em sua barriga. Blanche olhava para trás com frequência para se certificar de que ele estava vivo, mas aparentemente tudo estava normal.

 

De todos os anos convivendo com Spark essa era a primeira vez que ele passava tanto tempo em silêncio, contando com quando ele dormia. Ele falava dormindo. Spark nunca ficava quieto. Ela voltou para os estudos e abaixou a cabeça, estranhando por um momento o cheiro. Era um cheiro bom, realmente bom, mas não era familiar, não era seu próprio cheiro. Começou a procurar a origem, respirando fundo como quem fareja, até que encontrou.

 

Puxou a gola da blusa de Spark e inspirou com ela contra o nariz. Era o cheiro dele, aparentemente. Era bom. Estava cansada, talvez por isso houvesse fechado os olhos segurando a blusa contra o rosto. O cheiro era bom, ela demorou para abrir os olhos novamente, mas quando o fez Spark estava parado do lado da mesa indo para cozinha. Os dois se entreolharam em silêncio. Blanche sequer havia se movido ao abrir os olhos, portanto ainda segurava a blusa contra o rosto.

 

Spark manteve sua parte do acordo, limitando-se a dar um sorriso idiota antes de entrar na cozinha. Ela não entendeu o motivo e voltou aos papéis que examinava, dando atenção periódica ao perfume impregnado no tecido. Estava nos últimos relatórios quando sentiu algo pesar em seu colo. O Jolteon de Spark havia subido ali, e agora estava sentado apenas nas patas traseiras e tocando o rosto da treinadora com suas patinhas douradas.

 

Ele provavelmente estava confuso pelo cheiro de Spark estar nela, ele não costumava se aproximar de Blanche. Ela soltou um pouco os papéis e foi para trás na cadeira, colocando as mãos no pokémon e afagando seus pelos arrepiados. Era mais macio do que imaginava que fosse, e amavelmente o Jolteon fechou os olhos satisfeito com o afago. Decidiu tornar aquilo sua pausa, brincar com o pokémon de Spark. Era fofo e amigável. Não, que seu Vaporeon não fosse, mas o Jolteon era mais sociável. Eles são similares aos seus donos, provavelmente.

 

Blanche levantou da cadeira com o pokémon no colo e foi para o sofá que estava livre, colocando-o à sua frente e brincando com suas patinhas. Estava se divertindo silenciosamente com ele, não dando muita atenção para quando Spark voltou para sala. O garoto sentou e ficou assistindo os dois brincando, recebendo um guincho baixo de saudação de seu pokémon. Ele sabia que não era Spark afinal de contas.

 

Ela olhou para o lado e encarou Spark em silêncio. Ele ficava melhor quieto, podia até mesmo reparar em como tinha uma boa aparência. Ele retribuía seu olhar com a cabeça inclinada para o lado, quieto e ansioso como se quisesse muito que algo acontecesse. Blanche considerou a possibilidade de nunca mais tirar as roupas dele para que ele nunca mais falasse. Era tentador.

 

Levantou do sofá e foi para o mesmo que ele. Estava numa pausa afinal de contas, tinha um pouco de tempo para descansar.

 

— Você podia ficar quieto assim pra sempre, sabia?

 

Ele inflou as bochechas e olhou feio para ela, o que resultou em um dos momentos mais raros de todos. Blanche riu. Ela riu divertida, cobrindo a boca com as pontas dos dedos. Ele ficara realmente emburrado, mas logo sorriu tão alegre quanto poderia.

 

— O que foi?

 

Spark respondeu fazendo bico por não poder falar, mas apontou para própria boca e fingiu que ria sem som, apontando para Blanche em seguida. Ela sorriu curtamente de volta. Ele era menos irritante por sinais.

 

— Foi engraçado, por isso eu ri.

 

Mais uma vez ele ficou emburrado, cruzando os braços e olhando para outro lado. Ela não entendia nunca se ele estava emburrado sério ou se apenas brincava, então se apoiou se joelhos no sofá e, imitando o que ele fizera mais cedo, começou a se inclinar sobre ele.

 

— Ei, você não ficou bravo de verdade, ficou? Era brincadeira. Bom, você realmente fica melhor quieto, mas ainda era brincadeira.

 

Ele foi cada vez mais para trás, eventualmente caindo com ela sobre si. Por estarem soltos, os fios prateados e longos fizeram uma espécie de cortina do lado deles, e naquela situação Spark não conseguia mais fingir estar emburrado. Ele ergueu as duas mãos para mostrar que estava tudo bem, que estava brincando. Mas decidiu mostrar como estava descontente por não poder falar. Ele apontou para a própria boca fazendo bico e bravo e cruzou os braços.

 

Blanche não era boa nisso e ele a confundiu. Não conseguia entender o que ele quis dizer, mas estava novamente emburrado. Não queria que ele ficasse bravo, então interpretou o sinal dado por ele da maneira mais óbvia, aproximando-se e dando um breve beijo sobre os lábios de Spark.

 

O garoto precisou de um esforço descomunal para continuar sem falar nada, surpreso com a ação, mas ciente de que ela, novamente, entendera tudo errado. Mas não foi ruim, definitivamente não foi ruim. Ela o olhava apreensiva, não tinha certeza se era isso o que ele queria, só queria que ele não ficasse mais emburrado. E então ele a puxou pela cintura e a derrubou sobre si, segurando seu pescoço com cuidado usando a mão livre.

 

Novamente seus lábios se encontraram, mas agora por iniciativa dele. Os moveu com cuidado, com calma, quase sem ar de ansiedade e tensão. Mas ela respondeu. Não tentou sair ou ficou brava, ela apenas se ajeitou sobre ela para que continuassem, cada vez mais próximos em um contato cada vez mais intento.

 

Blanche não entendia bem o propósito daquilo, mas era bom de certa forma, era agradável, ele era alguém querido, então estava tudo bem. Ele a abraçava com firmeza, e teriam continuado se não fosse o barulho da porta. Ambos viraram e encontraram Candela. A treinadora apenas parava estática diante da cena de dois Sparks juntos, sendo um deles Blanche, no sofá. Realmente juntos.

 

— Candela, você voltou.

 

Blanche não parecia tensa ou constrangida, embora seu rosto estivesse sutilmente avermelhado. Candela olhou para Spark, que em circunstâncias normais estaria falando sem parar de desespero, mas agora apenas olhava para o chão vermelho. Não consegui entender aqueles dois. Blanche então levantou do sofá.

 

— Vou trocar de roupa, quando eu voltar você está livre.

 

E saiu da sala, deixando os líderes Instinct e Valor sozinhos. Candela andou até o garoto e murmurou.

 

— Então deu certo, né?

 

E tudo o que o loiro fez foi sorrir e piscar para colega.