Como Ser um Príncipe - Interativa escrita por Mila


Capítulo 21
Ser aquela garota por um mês - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Oláaa!
Olha eu voltando e economizando títulos com as minhas partes 1 e 2! Hehe
Saudades de vocês, como vai a vida?

Preciso dizer que este capítulo e o próximo, que ocorrem antes da passagem de tempo, eles estão no meu "período de férias", embora as aulas já tenham voltado. O que eu louca quero dizer com isso? Que o próximo será postado logo, enquanto os professores dão uma segurada nos trabalhos.
Depois disso, os próximos capítulos requerem minha extrema atenção e PLANEJAMENTO, somando vários trabalhos da facul nisso... Voltemos a triste demorada das postagens.
Mas, como sempre, continuo aparecendo!! ;D

Preciso dizer outra coisa, temos dois links de música nesse capitulo.
O primeiro deve ser ouvido apenas até 28 segundos - quando o piano parar. O outro, sintam-se a vontade para ouvir o quanto quiserem. (Na verdade, a escolha é de vocês. Ouvir não é obrigação hehe)



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Dia 26 - noite 

 

—Você é péssima.  

A voz surpreendeu Sienna e a fez dar um pulo, errando as notas que tocava no piano. Fora para a sala de música logo após o chá da tarde com sua mãe, disse a ela que iria ao observar os progressos da organização dos eventos da Semana da Paz e outros assuntos relacionados em uma das salas de conferência em que uma série de funcionários, das mais variadas funções, discutiam os minuciosos detalhes. Mas ao invés de cumprir o que havia prometido à Princesa Eileen, ela seguira um caminho diferente, com um ímpeto ligeiramente proposital, e se vira mais uma vez insistindo no instrumento.  

Virou-se imediatamente para trás, como se tivesse sido pega em flagrante com uma arma nas mãos, e viu Álan Seamair parado à porta, encostado ao batente com os braços cruzados como se estivesse ali a observando em silêncio há vários minutos.  

Ela ficou vermelha, tanto de raiva quanto de vergonha. 

—O que você disse? - Sibilou enfurecida.  

Álan sorriu daquela sua maneira convencida.  

—Disse que você é péssima. - Se aproximou sem nenhum receio e sentou-se ao lado de Sienna no banquinho do piano, a empurrando para o lado conforme tomava espaço. Olhou para ela, enquanto tudo o que ela fazia era abrir a boca, escandalizada e ofendida, sem encontrar uma reação imediata. - Você está fazendo isso por alguém de novo? 

—Bem, é óbvio que não para você! — Reclamou, indo um pouco mais para o lado para não encostar nele. Ela o olhou com o canto de olho e se perguntou mais uma vez qual era o limite de discussões que ela poderia ter com a família de Liam antes que ele se enfurecesse. Ela ajeitou a postura, profundamente incomodada em saber que estava presa em meio a tal situação delicada. Ainda assim, desafiou-o: - Faça melhor, então.  

Ele cruzou e alongou os dedos frente ao corpo, pronto para aceitar o desafio. 

E então tomou posse do piano como se fosse seu dono e começou a tocar agressivamente, imitando exatamente as mesmas notas que Sienna tocara há poucos segundos. Ele fez aquela imitação com tanta precisão e intensidade que a lady, além de ficar ainda mais vermelha, começou a rir.  

—Péssimo, certo? - Ele frisou, tentando controlar a risada. 

Ela arrumou novamente a postura, cessando as risadas, e umedeceu a garganta. 

Poderia ser melhor. — Cedeu o tanto que seu orgulho lhe permitia. De qualquer forma, "tocar com perfeição" fora ideia da mãe, uma obrigação, e Sienna nunca fora a favor daquilo. Ela virou-se novamente para Álan, com uma nova empolgação no olhar, disposta a infringir as regras para rir um pouco mais. Propôs outro desafio: - E como seria tocar de uma maneira mais... divertida? 

Extremamente feliz com a nova proposta desafiadora, ele posicionou os dedos nas teclas e num piscar de olhos começou a tocar com extrema leveza e naturalidade, como se o piano fosse parte dele. E como se não bastasse, ele começou a cantar.  

Ain't got a soapbox I can stand upon, but God gave me a stage, a guitar and a song. My daddy told me, "Son, don't you get involved in politics, religions or other people's quarrels". - Não era a voz de um profissional, mas era com certeza a de uma pessoa que estava se divertindo imensamente em fazer isso. E, assim, conseguiu arrancar outra risada de Sienna, constrangida pelo talento dele. - We could change this whole world with a piano, grab a bass, some guitar, add a beat and away we go...  

Seus dedos tocavam as teclas em acordes simples que Sienna se atentou em acompanhar. Logo ela entendeu o ritmo, posicionou seus dedos em escalas diferentes e o acompanhou na música. 

Ele fez uma careta brincalhona como se ela fosse estragar tudo, mas ela já não estava mais preocupada em ser perfeita. A lady apenas não queria ter o piano roubado desse jeito... esse fosse "infringir regras", deveria fazer isso direito. 

While I'll be sitting here with a song that I wrote. Sing, love could change the world in a moment...! — Ele continuou cantando enquanto tocava.  

A menção da palavra "amor" na melodia fez Sienna sentir-se subitamente incomodada e ela errou algumas notas quando virou-se automaticamente para olhá-lo.  

Ele também a observou, achando graça de sua reação e logo finalizou a música: 

But what do I know? 

Ela riu, surpresa, e lhe deu uma cotovela, ainda mais corada. Álan sorriu e retribuiu com um pequeno empurrão de ombro. Depois disso, ele sabia que a palavra "desconhecidos" não poderia ser mais aplicada aos dois e assim, sem os dilemas de antes, sua inquietação diminui. 

Sienna também parecia mais calma depois dos desafio e provocações.   

—Minha mãe... - Ela disse devagar, ainda receosa em conversar com Álan sobre assuntos tão pessoais e delicados, pois nem sequer era uma questão de intimidade, e sim de hábito: Ela nunca conversava sobre seus sentimentos e problemas pessoais. - Acredita que o piano é a solução para os meus problemas, se eu souber tocá-lo com perfeição, claro. Ela acredita que isso contentará o Príncipe Caleb depois de eu ter descumprido a promessa de lhe conceder o trono de Nova-Irlanda...

Ele concluiu imediatamente: 

—Sua mãe não sabe.  

—Ninguém sabe. - Ela frisou, olhando com a intensidade necessária para deixar claro que ele, conhecendo do assunto deveria mantê-lo em segredo.  

Álan assentiu calmamente. Observou o piano e, após um tempo, comentou: 

—A ideia da sua mãe é bem ruim. Mas estou lembrando que o piano também foi a minha solução. - Respondeu com simplicidade.  

Ela virou o rosto novamente em sua direção e lhe lançou um olhar desdenhoso.  

—Bem conveniente não é mesmo?  

—Não estou mentindo! - Álan se defendeu, não conseguindo reprimir uma risada. Ele tocou algumas notas quase sem perceber o próprio gesto e depois falou: -Depois que a minha mãe faleceu, meu pai ficou muito mal. E eu e Finn éramos muito novos para saber o que faríamos. Costumávamos tocar e ouvir muita música antes do acidente. - Contou, calmo, e Sienna ouviu com extrema paciência. - Mas a tia Maire perdeu a audição e... a música parecia um tanto sem sentido.  

—Eu não sabia. - Ela sussurrou, incerta sobre como deveria se sentir diante dessa lembrança triste, que ela mesmo provocara.  

Álan a olhou e deu um pequeno sorriso de canto de boca.  

—Mas o meu tio, Douglas, ligou o rádio numa música alegre e volume muito alto. Agarrou Finn e começou a dançar com ele por toda a sala. - O sorriso de Álan aumentou ao recordar-se daquela memória. - Bem, foi a música, aos poucos, que foi nos ajudando a superar a morte da minha mãe.  

Sienna fitou as teclas brancas do piano, dando um novo valor ao instrumento após a confissão de Álan.  

Ele se inclinou em sua direção, com uma expressão novamente divertida e sussurrou: 

—Mas no seu caso, nem mil músicas resolveriam os seus problemas.  

Levantou-se num pulo, como se estivesse pronto para uma nova aventura e observou Sienna com um sorriso tranquilo no rosto. Propôs então:

—Para ser sincero, eu acho que tenho uma maneira eficaz para resolver o problema da sua popularidade. 

♕ ♕ ♕

Com cuidado, devolveu o livro à estante, onde ele se encaixou entre outros dois com perfeição. Depois passou os finos dedos sobre as brochuras e se afastou para admirar melhor a vitrine de muitos universos e aventuras.  

O livro que acabara de ler fantasiava uma lenda antiga, de leprechauns com fartos potes de ouro, escrito de maneira elaborada e quase melódica. 

Honor Caomhánach preferia histórias ainda mais fictícias, de universos totalmente distantes, com narrações mais complexas e detalhistas; entretanto, não era o tipo de romance que parecia haver na Grande Biblioteca Real e, se havia, ela ainda não encontrara.  

Ela suspirou e preguiçosamente se indagou se deveria puxar logo outra lenda cultural daquele nixo ou se teria ainda um pouco de força de vontade para rodar entre as estantes mais algumas vezes a procura de melhores leituras.  

Com um revirar e olhos irônicos para si mesma, Honor lembrou-se que antes da Seleção não costumava ser tão pacata. Então abandonou a falsa incapacidade de se esforçar e virou-se de cosas para a estante, pronta para investigar um dos ambientes mais mágicos de todo o Palácio Real. 

Foi ao virar-se que deu de cara com o príncipe.  

Liam Éire estava no centro do cômodo, onde dispunham-se a maioria dos sofás e poltronas para leitura. Ele já dobrava-se, pronto para se acomodar em um dos assentos, tentando parecer casual – mas estava óbvio que ele já havia notado a presença de Honor ali. Assim que o olhar dela encontrou o dele, o príncipe colocou-se de pé num pulo. 

—Senhorita Caomhánach. - Ele disse visivelmente envergonhado. Tntou coçar a própria nuca, mas o gesto ficou desajeito devido ao livro que carregava. - Eu pensei em lhe cumprimentar, mas você estava tão compenetrada que não quis atrapalhar. Eu... - Ele sacudiu o livro que tinha em mãos, esclarecendo o que viera fazer ali. Ainda sem jeito por ter sido flagrado no que parecia uma espionagem silenciosa, ele deixou os braços caírem ao redor do corpo e brincou: - Pelo jeito você gosta de ler. Esse é um tipo de informação que eu não consigo extrair das fichas da Seleção.  

Honor sorriu modestamente. Imaginava que em seu primeiro encontro com o príncipe, após a noite do Baile, ela estaria acometida de vergonha e timidez. De um jeito estranho ela sentiu-se mais confiante ao ver os papeis invertidos.  

—Fico surpresa que Caitlin não tenha nos mostrado esse lugar ainda. - El disse, de maneira mais casual que pode, frisando o nome da assessora em sua fala, de uma maneira quase irônica, como se a srta. Dublin carregasse algum atributo singular que ficara subentendido na fala. Honor chacoalhou os ombros, sem saber ao certo o que dizer. - Tive que encontrar o caminho sozinha.  

Liam sorriu, recuperando aos poucos sua autoconfiança. 

—Fez um ótimo trabalho. - Ele elogiou. - Muito melhor do que eu. Não imagina quanto demorei para chegar até aqui.  

Ela deu uma risada tímida, contente pelo príncipe ser uma pessoa divertida e simples de conversar, embora ainda estivesse incomodada com sua própria falta de jeito. De certa forma estava acostumada a ficar sozinha e, quando não estava, as pessoas não costumavam ser assim tão simpáticas. 

Antes que o silêncio se estendesse desconfortavelmente demais, ela apontou para o livro que ele segurava sob o braço.  

—O que está lendo? 

—Ah. - Ele ergueu o livro para que ela olhasse a capa. Algo sobre acordos e alianças entre países após a Grande Guerra. - Tenho que fazer minha lição de casa.  

Honor olhou para a capa do livro e depois para o príncipe, um tanto receosa.  

—Você se importa? - Pediu, estendo a mão para o documento.  

Liam não se importava de forma alguma. Entregou-lhe o livro e se ajeitou melhor na cadeira, como se ela estivesse prestes a ler para ele.  

—Você gosta de ler qualquer coisa, então? 

—Só história... de qualquer tipo. - Ela deu uma risada tímida ao compreender algo sobre si mesma. Folheou as páginas, lendo em silêncio os registros e documentações agrupados ali. Era uma leitura que ela não optaria como primeira opção, mas trazia informações que a deixaram, de certa forma intriga... a ponto de não perceber que já estava em silêncio há um longo tempo. Ela rapidamente ergueu o olhar para Liam e ele também tinha uma expressão intrigada, quanto a ela. — Desculpa, eu... 

—Não é muito boa em conversas, não é? Faz mais o tipo introspectivo... - Ele comentou com cautela, sua intenção nunca seria ferir os sentimentos das selecionadas, mas Honor sentiu uma pontada em seu âmago. Já ouvira esses comentários antes; nunca se preocupara com isso, mas ficava desconfortável frente a interações sociais e então... se sentia culpada. Liam prosseguiu: - Eu... Eu li na sua ficha que você mora sozinha, há um tempo... - Ele sacudiu os ombros e deu um sorriso simpático, tentando melhorar a situação. - Minha família é pequena, mas costumava ser uma casa bastante agitada. Não consigo me ver longe dessa bagunça. 

Ele deu uma risada fraca e Honor não conseguiu acompanhá-lo. Ela desceu os olhos para o livro por um momento e seus pensamentos correram sua mente. Quando se inscreveu na Seleção foi um raro momento de impulsividade; não visava riquezas ou popularidade... e também não visava um romance. Depois de selecionada para o concurso, imaginou-se como rainha e a ideia lhe agradou, sentia que possuía atributos necessários para assumir tal papel, afinal amava Nova Irlanda e lutaria por ela sempre.  

Mas as coisas eram diferentes dentro do Palácio, dentro da Seleção.  

O Príncipe Liam havia provado há poucos dias o quanto sua família lhe era importante, o quanto era uma pessoa que gostava de companhia, relacionamentos e sentimentos. E sendo um histórico herdeiro que não viera das linhagens diretas da hierarquia, algo como "relevância e influência social", racionalidade, responsabilidade e competência - os mínimos atribuídos necessários para ser uma rainha; não eram características que o príncipe buscaria em sua Seleção.  

Diante daquele momento, Honor teve certeza que Liam procuraria, dentre todas as garotas, apenas amor.  

E Honor? Honor havia fugido de casa há dois anos, quando tinha dezoito. Fora para o orfanato aos dez anos, seus pais brigavam muito, e fora adotada pelos Caomhánach pouco tempo depois, eles haviam perdido uma filha. Um ano depois seu irmão nasceu, aumentando a família, e a jovem começou a se sentir deslocada. Era negra, tinha cabelo enrolado... Não falava muito. Amava sua família, profundamente, e o sentimento era recíproco, ela sabia disso, porém tinha medo de ser rejeitada, de só estar atrapalhando, como atrapalhara antes. Teve uma namorada tempos atrás, Myrna, mas ela tinha interesses diferentes, ou melhor, buscava interesses e fora atrás de um rapaz rico.  

Sentira falta da família inúmeras vezes, se arrependera de suas ousadas decisões e tivera medo de voltar atrás. Recebera, entretanto, uma carta de sua família depois de ter entrado para a Seleção - obviamente sua visibilidade midiática e social denunciou sua localização. As palavras, a caligrafia, a encheram de uma nostalgia embriagante. Sentiam falta dela. Estariam ao seu lado sempre. 

Assim, diferente do príncipe, Honor tinha dificuldades com relacionamentos. Da Seleção até o cargo de rainha, ela não havia compreendido que o caminho seria de tamanha dificuldade.  

—Não havia me dado conta de o caminho até o topo seria cheio de obstáculos. - Ela sussurrou. 

Liam a observou, surpreso, e Honor sentiu seu peito encher-se de uma coragem revigoradora e ergueu o olhar para ele também.  

Ambos se olharam durante alguns longos segundos. Nenhum dos dois soube o que dizer.  

O desconforto preenchia toda a atmosfera da Grande Biblioteca Real. 

♕ ♕ ♕

—Liam! Digo, Príncipe Liam.  

Uma voz abordou o herdeiro poucos minutos depois dele deixar a biblioteca e seguir em direção aos seus aposentos.  Virou-se na direção da voz por instinto, seus pensamentos estavam bem mais distantes.  

—Oi. - Ali Mackiney sussurrou, parando em frente ao príncipe após ter corrido até ele. Ela percebeu que estava ofegante e ficou envergonhada. Sentiu as bochechas corarem e deu um sorriso tímido. - Desculpa se eu estiver atrapalhando. Eu só... queria conversar com você.  

—Hm. - Ele fez, reorganizando os pensamentos e se esforçando para dar atenção a jovem.  

—Então eu... - Ela deu uma risada sem graça e contou de uma vez: - Eu era sua vizinha. Eu também sou de Wicklow Hills e... achei mesmo que você lembrava alguém... 

—Vizinhos? - Liam arregalou os olhos, definitivamente tendo sua atenção capturada.  

É... Alguns quilômetros de distância. Sua fazenda é bem grande... - Ali respondeu de uma maneira divertida, mas visivelmente nervosa. Acenou com as mãos e sentiu que estava exagerando. Colocou-as sobre a saia do vestido e respirou fundo para se acalmar. Depois de se lembrar que ela conhecera o príncipe há muitos anos, a loira passou horas em seu quarto escrevendo e reescrevendo cartas para os seus pais, dizendo que ela se lembrara e perguntando porque eles não haviam lhe dito nada. Sua criada ficou ligeiramente perdida com a quantidade de papel amassado espalhado por todos os cantos do quarto. Em seguida, Ali decidiu que estava empolgada demais com essa antiga novidade que não conseguia esperar uma resposta e, literalmente, saiu correndo pelo Palácio atrás de Liam.  

Ela sorriu, envergonhada ao perceber que havia agido por impulsividade e que não tinha nada concreto para dizer ao herdeiro.  

—A estrada para a sua fazenda tem uma entrada à esquerda, em direção às minas e que leva para a minha casa. - Liam enfiou as mãos nos bolsos da calça e deu um sorriso comportado, mostrando que se lembrava do que Ali falava. Diante a essa reação ela prosseguiu com mais confiança: - Sim, eu morava lá! Acredito que nos vimos algumas vezes quando crianças... Bom, eu não moro mais lá já faz alguns anos. A fazenda foi tomada pelo governo e nós tivemos que nos realocar no centro da cidade... - Sem perceber sua voz assumiu uma sonoridade deprimente. 

Liam tocou no ombro dela para reconfortá-lo.  

—Viu? Eu sabia que te conhecia de algum lugar. Mas parece que faz bastante tempo... - Ele tentou soar simpático enquanto desviava o assunto do assunto delicado. Era apenas um novo instinto que desenvolvia nele: De defender as questões da monarquia e política, mesmo que isso significasse, na maioria das vezes, evitá-las.  

Ali lhe esboçou outro sorriso discreto, ela não gostava de tocar no assunto e desabafar sobre sua vida pessoal definitivamente não fora um dos motivos que correra até o Príncipe da Nova Irlanda.

—É, foi há muito tempo... - Ela sussurrou, recuperando a postura educada. - Talvez fosse para melhor... Eu nunca entendi isso mesmo, por que eles tomaram nossas terras, sabe? 

Lentamente Liam puxou a sua mão do ombro dela e a deixou cair ao lado do corpo.  

Um raciocínio lhe correu a mente e o deixou um tanto desconfortável. Voltou a mão para o bolso e se impediu de voltar um passo.  

—Ahn, Ali... Por que exatamente você está me contando isso? 

Ela abriu a boca para responder e a fechou logo em seguida. Franziu a testa, ligeiramente confusa. Ela lembrara que fora sua vizinha e decidira contar-lhe, afinal, no dia do ensaio fotográfico ele também parecia recordar-se dela. Mas, estaria ele se referindo a isso ou a menção acidental da influência do governo na tomada de sua casa? 

Ali ficou corada novamente e antes que pudesse encontrar alguma coisa para responder Ronan, o guarda do príncipe, se aproximou e pediu licença ao interromper. Liam disse que poderia conversar, despediu-se de Ali com um "boa noite" educado, porém pouco expressivo e se afastou com o guarda.  

Já distantes, Ronan arriscou perguntar: 

—O que aconteceu? 

Honor fizera Liam se interrogar quanto ao motivo que levou as meninas a se inscreveram na Seleção. Elas tinham sonhos e ambições diferentes e esse era um fato que Liam não analisara antes.  

—O que trouxe as garotas aqui, Ronan? Digo, por que afinal elas vieram para a Seleção? - Ele questionou cedendo mais uma vez a seus momentos de insegurança e confusão.  

Ronan apertou os olhos e Liam percebeu que essa pergunta também o pegara.  

Desde sua nomeação como príncipe, o jovem herdeiro estava sob uma fina lente que o investigava, todos queriam saber mais sobre ele, sobre suas motivações e capacidades. E Liam sabia que ainda não era o favorito do reino, que havia grande parte que ainda se descontentava com a sua e a intrínseca ascensão dos Eire no trono da Nova-Irlanda. E sendo ele, o principal motivo de divergentes opiniões, que tipo de convicção e intuito fez as quinze selecionadas escolherem encarar esse desafio? 

Pela primeira vez ele percebeu que, diferente dele, elas escolheram estar ali. E poderia, sim, todas as respostas giraram em torno dele, mas que também haveriam aquelas motivações que miravam exclusivamente a coroa.  

♕ ♕ ♕

Rugas de expressão que não se podiam mais esconder, a musculatura dolorida pela cansaço e os olhos carregando uma tempestade de emoções conflituosas que dificilmente poderiam ser externalizadas. A Rainha Kiara não gostou do que viu no espelho. Ela não se sentia uma rainha naquele momento, a sensação predominante era uma desenvolvida em seu âmago há muitos anos quando todas as suas quatro irmãs - nenhuma da realeza – tiveram seus primeiros e segundos e terceiros filhos enquanto ela logo entendeu que seu destino seria outro.  

Devendo passar de cabeça erguida sob as pressões dessa época, o sentimento foi soterrado dentro de si e somente agora, aquela confusão em seu olhar, parecia denunciar dolorosas lembranças antigas.  

Passou o dedo por entre seus cabelos ruivos e eles se enroscaram em nós nas pontas – Sim, até isso estava errado. Com calma começou a desfazê-los com os pensamentos vagando novamente.  

Alguns boatos diziam que ela e Donavan não eram compatíveis — sempre as más línguas que preferiam uma nobre de título hierárquico superior no lugar de Kiara. E chegava a ser ligeiramente irônico que o Rei e a Rainha não fossem compatíveis. Mas a verdade seguia um caminho ainda mais irônico, ela sabia.  

Ela balançou a cabeça para os lados, afastando o pensamento, e fitou sua imagem no espelho com atenção mais uma vez. De fato, não parecia uma rainha segura e corajosa. As lembranças deveriam voltar às profundezas de sua mente o mais rápido possível.  

Por outro lado, o Rei Donavan também não estava se parecendo com um rei nos últimos dias. Essa era outra preocupação que somava-se às anteriores. Os iminentes e efervescentes problemas que ameaçavam Nova Irlanda estavam desgastando os monarcas; e Donavan sacrificava preciosas horas de sono que lhe custariam sua saúde. Ele parecia prestes a ficar doente.  

Como rainha, ela temia pelo futuro do reino. Como esposa, pela pessoa que amava.  

Cansada, desistiu dos nós com um suspiro e passou a massagear suas próprias têmporas, sentindo a pulsação ali ficar cada vez mais desconfortável.  

—Você parece horrível. - Uma voz sussurrou atrás de si.  

A rainha abriu os olhos imediatamente e, pelo espelho, viu sua criada se aproximar. Suspirou novamente, sabendo que não precisava esconder o seu cansaço na frente dela... ou brigar ao ouvir a frase indelicada, mas sincera.  

—Então está pior do que pensei. - Ela respondeu, se ajeitando melhor quando a mulher, alguns poucos anos mais nova que ela, se prontificou em escovar seus cabelos. 

Lillian, ou Lil, como preferia ser chamada em homenagem a uma santa irlandesa, era uma mulher baixa e gorda, o que lhe fazia parecer mais velha do que realmente era. Tinha os cabelos castanhos na altura do ombro e um sorriso pequeno em meio às bochechas grandes, mas que sempre era contagiante. Tinha um gênio forte – dizia sempre as verdades cruas e tudo aquilo que tinha vontade – que, a princípio, quando começara a trabalhar para Kiara, parecera que não seria uma fácil convivência com a rainha. Mas Lil sabia o seu lugar e amava o seu trabalho; dizia a todos que a monarca era sua melhor amiga.  

Ela olhou de soslaio para a rainha pelo espelho.  

—O que mais te preocupa nesse momento?  

—Meu marido. - Respondeu em hesitar e com outros suspiro. - Como sempre. 

A criada sorriu, orgulhosa.  

—A senhora tem um grande coração. - Ela disse, comovida. Continuou penteando os cabelos da rainha e não desviou o olhar dele quando completou: - Se meu pequeno Graham não tivesse a mim, queria que a senhora estivesse na vida dele.  

 Embora o carisma, Lil era uma mulher solitária, mãe solteira de um menino de quase oito anos, o Graham. Mas de forma alguma ela parecia arrependida ou mesmo entristecida com a sua vida.  

Kiara riu, distraída.  

—Todos, se pudessem, colocariam seus filhos sob a custódia da rainha. - Ela observou com um tom cansado.  

—Eu faria completamente o contrário! - A mulher exclamou, parando de pentear os cabelos ruivos da rainha para apontar a escova na direção dela pelo reflexo do espelho. - Não é sob a condição de rainha que escolheria a senhora como guardiã de meu menino, seria sob a condição de pessoa. Pra mim, você é uma excelente pessoa... Uma das melhores. 

A rainha não soube o que dizer, subitamente comovida com a demonstração de carinho e confiança. Fitou sua imagem no espelho, continuava distante de seu visual idealizado de uma monarca, mas, naquele momento, gostou de ser "menos rainha" e "mais pessoa". Perguntou-se como ela própria seria se fosse separada do contexto monárquico.  

Olhou para a fiel criada e brincou: 

—Você deveria fazer novas amizades, Lil.  

A mulher bufou, voltando a escovar os cabelos de sua ama, preocupada em desfazer os nós que insistiam em permanecer. 

O silêncio não durou muito e Lil persistiu na conversa: 

—Todos querem ser o meu amigo. Mas eu não quero ser amiga de ninguém! - Ela reclamou para os cachos, apertando os lábios, ligeiramente enfurecida, entre uma palavra e outra. - Gente interesseira, querem se aproximar de mim só porque eu sou a empregada da rainha. - Ela bufou mais uma vez e revirou os olhos. 

Kiara então riu alto e cobriu a boca com a mão, tentando se controlar. 

—Deve ser uma situação difícil. - Observou num tom de brincadeira, como se não soubesse o que significava só atrair pessoas e amizades interesseiras. 

—As pessoas não valem nada. - Lil declarou com os lábios apertados e o olhar sobre o seu serviço, o qual ainda se esforçava.  

A rainha olhou o reflexo da mulher no espelho e diminui a gargalhada para um pequeno sorriso agradecido.  

—Você vale ouro, Lil.

♕ ♕ ♕

Onze e trinta e três era o horário marcado no pequeno relógio digital sobre a escrivaninha. Ele marcava esses mesmos minutos da última vez que olhara. Deveria estar paralisado há minutos.  

Caitlin chacoalhou o aparelho e bateu com a unha no acrílico que cobria a marcação dos números. Foram tentativas em vão - continuava desatualizado. Ela perdera completamente a noção do tempo. A única coisa que poderia ter certeza é de que ela já devia estar na cama, ou minimente em seu quarto.  

Foi quando ouviu um barulho de algo chocando-se contra sua porta. 

Ela se levantou num pulo, assustada. Olhou ao redor por algo que pudesse usar para se defender, mas a porta se abriu antes que isso acontecesse.  

Shawn Keyes colocou sua cabeça pelo vão da porta e deu um sorriso envergonhado, extremamente corado.  

—Joguei uma borracha na sua porta sem querer... - Ele confessou.  

Caitlin suspirou, aliviada por não ser um invasor perigoso... ou ao menos alguém que queria lhe machucar. Pela quantidade de desconfiança que atribuíra a Shawn esses últimos dias, sua intuição nunca o apontara como uma pessoa violenta ou capaz de lhe fazer algum mal.  

E naquele momento a única dúvida que fez a assessora coçar o próprio couro cabeludo fora: Como ele consegue ser tão desastrado? 

—Como se joga uma borracha sem querer, sr. Keyes? - Apertou o topo do nariz.  

Ele abriu mais a porta, mostrando que segurava uma régua em uma das mãos. 

—Eu... Eu estava catapultando ela no sofá, para não pegar no sono... e errei a mira.  

Caitlin abriu a boca e a fechou novamente. Inacreditável, ele era como uma criança hiperativa. Eram nessas situações que ela passava a desconfiar de suas próprias desconfianças: Aquele comportamento inocente e desastrado era genuíno demais para ser forçado. E, sendo assim, por que carregaria tantos mistérios.  

Ela abriu os braços, demonstrando o que não conseguia dizer com palavras: Por que ele estava catapultando borrachas?  

—Por que você não foi dormir ainda? - Ela suspirou, indo em sua direção e abrindo mais a porta. Observou o Salão das Selecionadas, de onde seu pequeno escritório tinha acesso, e o viu silencioso e escuro sem as meninas. Não havia mais trabalho a ser feito. - Já são... mais de onze horas!  

—Eu só... - Ele segurou a régua com as duas mãos, sem jeito. - Pensei que se você estava trabalhando, eu também deveria estar.  

A mulher deu meia volta e olhou para a porta, imaginando o local onde ela foi atingida por uma borracha voadora, depois olhou novamente para Shawn, com as sobrancelhas erguidas: Catapultar borrachas não era exatamente uma ajuda.  

Ele se justificou apressadamente: 

—Eu não tenho ideia do que fazer! Você precisa me dar instruções! 

Em questão de segundos, alguém bateu na porta do salão com força e logo em seguida os dois assessores puderam ouvir: 

—Caitlin! Eu sei que você está aí! Já fui no seu quarto. - Gritou uma mulher do outro lado. 

Eles se entreolharam, confusos. Sem esperar uma opinião, Dublin foi rapidamente até a porta, sabendo que reconhecia a voz e, além disso, só havia uma pessoa que sabia exatamente qual era os seus aposentos... 

—Veronika. - Ela disse ao ver a jovem postada frente ao batente da porta, com sua típica expressão impaciente. 

Com um suspiro exasperado ela entrou sem hesitar.  

Ela desfilou até o meio da sala com seus chinelos de quarto e o robe que cobria sua camisola. Virou-se novamente na direção deles com as mãos na cintura e ergueu o queixo. 

—OK, quem vai ser a próxima eliminada? 

—Perdão? - Caitlin respondeu, encostando a porta e se aproximando de Veronika.  

—As meninas estão dizendo que o príncipe quer "acelerar" a Seleção e que irá eliminar uma de nós em breve. Eu acredito que ele já tem alguém e mente e eu quero saber quem é.  

Caitlin encarou a postura teimosa e confiante de Veronika Égan como se ela fosse seu espelho: Não ficaria assustada e confusa na frente da selecionada outra vez, como ocorreu quando ela visitou seu quarto durante a noite e fez uma das mais inesperadas revelações que a srta. Dublin julgava ter ouvido em sua vida.  

Cruzou os braços e ergueu a sobrancelha. 

—Eu posso saber o que te faz pensar que eu sei? Ou ainda, que a senhorita pode se tratar comigo dessa maneira? 

Veronika piscou, momentaneamente surpresa. Não costumava ser respondida pelos outros.  

Mas o aparente desconforto durou uma fração de segundos e ela assoprou uma mecha de cabelo para longe do rosto e revirou os olhos. Virou-se para olhar a sala, como se não tivesse ouvido a pergunta e seu olhar bateu em Shawn.  

—O que você está fazendo aqui? 

—Eu... trabalho para ela. - Ele respondeu automaticamente, apontando para Caitlin, do outro lado da sala.  

A assessora bufou, ficando irritada logo que a conversa foi interrompida.  

—Srta. Égan, - Ela a chamou com firmeza e segurança na voz. - não cabe e nunca caberá a mim qualquer assunto que diga respeito à eliminação das selecionadas. Mas é de seus conhecimentos reconhecer que a Seleção é um processo de sucessivas eliminações e que a senhorita está sujeita a isso assim como todas as outras.  

—Mas você...!  

Veronika tentou falar, mas Caitlin não abriu espaço. 

—O meu papel aqui é assisti-las durante essa jornada, da melhor maneira possível. Ensinarei quanto as regras de etiqueta, do Palácio e de Nova Irlanda; mas fazer as coisas de maneira certa e conquistar a empatia do Príncipe Liam... - Ela acenou com a cabeça e olhou diretamente para os olhos da jovem, quase sem piscar. - Eu repito: Cabe exclusivamente a vocês. Portanto, não sou o veículo de comunicação entre as selecionadas e herdeiro, principalmente se diz respeito a negociações trapaceadoras.  

Ambas de repente assustaram-se com um barulho inesperado.  

E novamente Shawn Keyes estava com sua arma-medieval improvisada em mãos. Havia catapultado a borracha contra a porta outra vez.  

Ele ficou imediatamente vermelho de vergonha. 

—Desculpa! Eu percebi que estava ficando um pouco tenso e eu quis passar despercebido e... Voltei a me distrair com... Mas a borracha...- Ele coçou embaixo do queixo, onde sua pele coçava pela barba que voltara a nascer. Fez sua melhor cara de "sinto muito" e colocou a régua com cuidado no sofá, para provar que se afastaria do brinquedo. 

Tanto Caitlin quanto Veronika ficaram estáticas por um segundo, tomadas por um sentimento perplexo demais para esboçar qualquer resposta ou reação.  

A selecionada tratou de esquecer a inconveniente interrupção e chacoalhou a cabeça para os lados, voltando a se concentrar. Virou-se, ainda decidida, para Caitlin e falou autoritariamente: 

—A questão é que você me prometeu que iria me ajudar. O único motivo pelo qual eu não ter sido chamada para um encontro com o príncipe ainda é porque você não lhe contou a verdade... - Ela acusou, dando um passo desafiador na direção da assessora. - Que fui eu quem o beijou na noite do Baile de Máscaras.  

Diante disso, Caitlin prendeu a respiração. Impensavelmente, ela se virou na direção do outro canto da sala, o qual fora alvo sucessivo da borracha, e viu Shawn Keyes com o rosto pálido, incrédulo.

 


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Notas finais do capítulo

Eii, espero que tenham gostado!
Eu provavelmente tenho muitos recados a dar, mas, como sempre acontece depois de uma longa demora entre as postagens... Eu esqueci.
(Hm, sobre as eliminações falaremos no próximo capítulo... É, então não tem mais nada a dizer mesmo)

Saudades de vocês, leitores! Andam meio sumidinhos, está tudo bem?

Comentem o que acharam!
Nos "vemos" de novo logo logo! Beijos!
XOXO

Link dos vídeos:
1 - https://www.youtube.com/watch?v=BxuY9FET9Y4
2 - https://www.youtube.com/watch?v=jR89iPyTOuQ



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