Dia 23 

—Com licença, Vossa Alteza. - Ronan entrou no gabinete do príncipe, interrompendo sua leitura da matéria online de Mirela Fitz-Patrick a respeito da entrevista de três dias atrás, que ainda tinha bastante repercussão.  - Lady Sienna está aqui fora e gostaria de falar com o senhor.  

—Senhor é meu pai, Ronan. - Liam reclamou, olhando para o seu guarda particular. - Você mesmo é mais velho do que eu! 

Ronan fez uma careta de quem tenta reconfigurar um antigo costume em seu cérebro. Sempre se policiara para ser focado, respeitoso e o mais prestativo possível, mas obviamente Liam Éire estava no Palácio para quebrar padrões.  

Ele pensou antes de falar: 

—Você tem uma resposta para a solicitação da lady?  

Liam se reclinou na cadeira, suspirando. A visita de Sienna até seu gabinete o deixava curioso e talvez fosse por isso que a deixou entrar.  

Depois que Sienna se acomodou em uma das duas cadeiras frente a mesa do escritório e Ronan deixou-os à sós, Liam sentiu-se, então, incomodado. 

A última vez que se encontrara com a ex-herdeira fora no Baile de Máscaras e eles tiveram uma conversa nada agradável. O detalhe de sua insegurança quanto ao trono, discutido aquela noite, voltou a sua consciência como uma ligeira preocupação. E de formas diferentes ela se somou a sua discussão com os monarcas e como Sienna, mesmo após ter reivindicado, ainda era uma pessoa cuja presença continuava muito influente nos assuntos da monarquia. 

Como se ela lesse sua mente, a lady abordou: 

—Creio que nosso último encontro não tenha sido o dos melhores.  

—Houve piores. - Liam respondeu sem pensar e só depois percebeu o quanto aquele comentário irônico soara ruim. 

Sienna recuou ligeiramente, com o cenho franzido. Também não aparentava estar confortável naquela situação, mas ainda assim insistiu no assunto: 

—Eu devo dizer que, considerando o que me disse aquele dia... - Ela disse com cuidado e olhou para ele querendo que completasse a frase não dita. Ambos do que se tratava: A insegurança de Liam com a coroa. - Vejo, depois dos acontecimentos com os monarcas, que tomou sua decisão.  

Liam a observou, sem saber ao certo se tinha entendido. Ela explicou: 

—Você decidiu ficar, mesmo sabendo sobre a imposição que foi feita a seus pais. - Sienna lembrou com uma voz cautelosa, não querendo confusões.  - Isso é a atitude de um Herdeiro, Liam, e não o de um menino imprudente como, a princípio, julguei que você fosse.  

—É, um fazendeiro. - Ele lembrou a contragosto.  

—Um garoto qualquer. - Sienna corrigiu astutamente. - Um que não nasceu na monarquia. Mas você conseguiu se fortalecer desde sua intitulação e isso é ótimo.  

Liam a analisou com incredulidade diante o elogio. 

—Ahn... obrigado? 

—Ainda há muito que você precisa aprender. - Ela completou rapidamente, sem a cautela de antes.  

Liam deu uma risada baixa frente ao esperável comportamento orgulhoso de Sienna.  

—Veio me oferecer ajuda? 

A loira apertou os olhos com periculosidade. 

—Vim lhe trazer um desafio. - Segurou o olhar do príncipe por um momento e então ele cedeu. Afastou o notebook e se aproximou da mesa, disposto ao ouvir o que ela viera lhe falar. Uma enorme insegurança então tomou conta da lady, pois finalmente entendera o que viera fazer ali. Ela tirou a aliança do próprio anelar direito e colocou sobre a escrivaninha. Com dificuldade confessou seu segredo: - Preciso informar que o Príncipe Caleb rompeu o noivado comigo... por carta.  

Liam ficou realmente surpreso. Olhou para a jovem e depois para o anel e novamente para a jovem.  

Sabia que noivados rompidos dentro da monarquia eram questões sérias que envolviam alianças internacionais e, no caso, uma aliança física. Tendo Sienna uma criação conforme as políticas reais, ele não conseguia imaginar ela fazendo alguma besteira grande o suficiente a ponto de causar tal consequência. 

—Por que? - Perguntou, não muito certo de que gostaria de saber a resposta.  

Sienna fitou o anel sobre a mesa – um diamante branco oval de 7 quilates com lapidação de marquise e duas discretas pedras de rubis na lateral, lembrando a cor do dragão da bandeira do País de Gales. Toda a grandiosidade da joia só a fazia sentir-se ainda mais culpada por aquele término vergonhoso. 

—Eu renunciei. - Ela respirou fundo e falou de novo. - Ele terminou comigo porque eu renunciei ao trono.

O jovem príncipe não encontrou resposta imediata. Abriu a boca várias vezes para tentar dizer algo, mas não conseguiu formar nada coerente. Até que então ele gritou: 

—Que canalha! 

Sienna levou um susto e recuou um pouco.  

Esperava muitas reações de Liam – as piores, na verdade. Além disso via a culpa como dela e não de Caleb. Então ouvir o Herdeiro xingar o cara que a havia chutado da noite pro dia era como um enorme sinal de compaixão. Ela até estremeceu, tomada por aquele sentimento inesperado.  

—Ele terminou com você porque você renunciou? — Liam perguntou, exasperado. Colocou-se de pé num pulo e começou a andar para os lados, inquieto. - Ele não entende o quão importante são as relações entre os países para ele cancelar um casamento por um motivo tão banal? Primeiro que era um noivado combinado, - Ele lembrou-se do que já sabia. - Ou seja, isso não partiu de uma decisão dele... 

—Não, não partiu... - Sienna concordou com um fio de voz, ainda muito surpresa com a explosão do príncipe. 

—E mais: Ele é o segundo príncipe do País de Gales, casar-se com você, mesmo sem a coroa, é ainda uma oportunidade dez vezes melhor que viver à sombra do irmão! Além disso, se fosse mais esperto, ele teria um filho antes da minha coroação para que ele fosse declarado Herdeiro. - Ele se deixou cair novamente na cadeira, bravo e irritado. - Mas pelo jeito ele é egoísta demais para pensar em algo assim.  

Sienna estava em choque, suas mãos trêmulas eram o único movimento que seu corpo fazia. Liam se inclinou em sua direção, apoiando os antebraços sobre a mesa. 

—Você está bem? 

Ela soltou uma risada cínica do fundo da garganta por puro reflexo. Definitivamente não esperava por um "você está bem?". 

—Você não está bravo comigo? - Sienna perguntou com os olhos arregalados.  

—Você claramente não tomou essa decisão. - Ele observou, referindo-se ao término do noivado. Respirou fundo para se acalmar. Olhou para o anel sobre a mesa com desgosto e disse: - Talvez, politicamente falando, sua renúncia não foi a melhor das decisões... Isso ainda é muito abordado nas mídias e creio que também não passa longe dos preconceitos da monarquia. - Liam revirou os olhos e bufou, conhecendo muito bem essa característica da nobreza. Mas ele evitou o assunto e seguiu em frente: - E trouxe consequências, o que, devo dizer, não te salva de ter uma parte da culpa disso. Porém, a atitude do Príncipe Caleb é desrespeitosa. Isso ofende toda Nova Irlanda e não apenas você.  

Sienna fitou o próprio colo, incomodada por toda a demonstração de solidariedade. Não achava que merecesse esse comportamento de Liam, considerando todos os insultos que ela já fizera a ele.  

Não conseguia acreditar que, um dia, ela atribuíra todos os seus problemas, a sua renúncia e o término de seu relacionamento com Caleb, à Liam. Ele definitivamente não merecia ser enquadrado em nenhuma das acusações e estereótipos que Sienna criara à sua figura.  

—Eu não estou a vontade ainda para falar sobre a minha renúncia. - Ela comentou discretamente e ergueu o olhar para Liam. - Além disso é algo que não tem mais volta para mim. Quanto à situação com Caleb eu acredito que possa ter solução... e estou disposta a encontrá-la, Liam. Por Nova Irlanda.  

O jovem de Wicklow Hills a analisou por um instante: Era muita determinação e racionalismo para alguém que estava noiva por negociações políticas e que havia abandonado a coroa. Mas talvez, pensou ele, a coroa não tivesse abandonado Sienna... e provavelmente nunca iria.  

—Mais alguém sabe sobre isso? - Perguntou estrategicamente. 

—Hm... Algumas selecionadas. - Ela respondeu incerta. Vendo o olhar surpreso de Liam, se apressou para deixar a situação menos preocupante: - Não é nada muito preocupante: Elas leram essa carta, que eu perdi acidentalmente, e insistiram que eu viesse falar com você.  

—Parece chantagem. - Ele observou.  

—Se quisermos manter a situação em sigilo seria melhor se você não tomasse nenhuma medida drástica.  

Liam concordou, após um momento de raciocínio em que a própria Sienna constatou que, por algum motivo, decidira esconder a identidade de suas chantagistas.  

—Não há mais ninguém que sabe. - Ela reforçou em seguida. - Nem mesmo minha mãe. Também não posso dizer sobre como essa informação está sendo discutida em Gales. 

—É um assunto que gera repercussões. - Liam pensou em voz alta, coçando o queixo onde uma barba começava a crescer. - Se ainda não gerou, irá gerar. Mas acredito que tenhamos um tempo aí... Façamos o seguinte. 

Sienna se proximou, disposta a ouvir o plano do Herdeiro. 

—Em um mês haverá a Semana Internacional da Paz que será sediada aqui na Nova Irlanda esse ano. A presença da família real de cada país é praticamente uma obrigação às nações, então o Príncipe Caleb estará presente. Poderemos tratar desse assunto com o próprio e pessoalmente. Com sorte, sem precisar inserir o Rei e a Rainha nesse assunto.  

A lady suspirou, ainda nervosa, porém mais aliviada por ter tirado um segredo de seus ombros. 

—Consigo fazer isso. - Ela prometeu. 

Liam deslizou o anel de volta para ela. 

—Enquanto isso... Vamos ser discretos.  

Sienna fechou os dedos em torno do anel no mesmo instante que ouviu-se uma confusão de vozes do lado de fora e a porta do gabinete do príncipe foi aberta sem classe. Duas pessoas entraram rindo e cantando, como se fosse uma festa. 

Ninguém precisava dizer a Sienna quem eram aqueles dois jovens adultos. Pela festividade e liberdade que emanava deles ela facilmente os identificou como membros da família Éire... ou melhor, como membros da linhagem materna de Liam: Os Seamair.  

Os primos de Liam estavam no Palácio Real.   

—Álan! Finn! - Liam gargalhou, animado pela surpresa. Levantou-se e saiu de trás da mesa. - O que vocês vieram fazer aqui? 

—Impedir que você coloque fogo no castelo. - Álan brincou, calmo e sorridente, como sempre. Ele era o mais velho que os três e por isso parecia ter uma postura um pouco mais séria, embora fosse tão provocativo e, nos momentos certos, tão briguento quanto Liam. Talvez ainda um pouco mais.  

Aproximou-se do primo para abraçá-lo e socar suas costas. Perto de seu ouvido ele confidenciou em baixo tom:  

— Fora a fachada, parece que os monarcas precisam se redimir e deixar o príncipe mais contente.  

Liam concordou com uma expressão comedida, imaginando que essa deveria ser mais uma das maneiras da Rainha Kiara de pedir o seu perdão: Trazer a família para perto quando, em outro momento, a ofensa fora dirigida à ela.   

Prontamente ele voltou a sorrir, disfarçando bem. 

Mais animado, Finn se aproximou também, batendo na mão de Liam e a socando antes de abraçá-lo. 

—Olhá lá, se não é o cara de quinze namoradas! - Como sempre, não demorou muito para que ele começasse a cantar: - "Got a long list of ex-lovers, they'll tell you I'm insane... But a gotta a blank space baby! And I'll write your name."— Finn era o mais novo, tendo 20 anos, e via o mundo como uma grande festa, onde as regras eram irrelevantes e o tempo também. Liam gostava de dizer que seu primo não sabia o que significava "espaço pessoal".  

O príncipe o abraçou, sentindo saudades de seus melhores amigos que foram criados com ele.  

—Sou também o cara que pode te mandar para o calabouço se continuar cantando como um papagaio! - Liam provocou.  

Sienna revirou os olhos para a brincadeira e deixou escapar um resmungo baixo. 

—Ah. Não sabíamos que você tinha companhia. - Finn respondeu, notando Sienna. Parado à porta, Ronan se desculpou com Liam por não ter conseguido impedir a entrada dos primos, o que fez Liam acenar, sabendo que era algo que ninguém nesse mundo poderia impedir. Finn olhou a lady de cima a baixo, descaradamente. - Ela é uma delas?  

Sienna arquejou, vendo a pergunta como uma ofensa. Julgava a sua figura pública o suficiente para não ser confundida com uma das selecionadas. 

—Um delas? 

—Essa é a Lady Sienna. - Liam a apresentou evitando maiores confusões. Álan e Finn então se curvaram num reverência modesta. O príncipe se inclinou na direção de Sienna. - E eles são meus primos... Mais fazendeiros.  

Ela corou imediatamente, suas bochechas ruborizando com intensidade. A jovem não soube o que responder, totalmente constrangida, e  balbuciou algumas desculpas. 

Seu olhar encontrou o de Álan e permaneceu ali por apenas um milésimo de segundo, mas o tempo necessário para sua mente registrar que Álan era muito bonito. Ainda mais constrangida, ela abaixou o rosto e prendeu uma mecha do cabelo loiro atrás da orelha.  

—Espero... - Sua voz saiu desafinada pelo nervosismo. Fechou os olhos e respirou fundo, recuperando perfeitamente a sua postura impecável antes de voltar a falar. Manteve o rosto sério e disse com clareza: - Espero que tenham uma boa estadia no Palácio. Se me dão licença... - E se afastou lançando um olhar significativo para Liam, não apensa de irritação, mas também lembrando-o da conversa anterior e o assunto pendente.  

Sozinhos, o príncipe se permitiu rir: 

—Dessa vez ela não respondeu.  

—O próprio rei submeteu-se às suas exigências, por que ela também não o faria? - Álan perguntou, ainda observando o lugar onde Sienna havia partido. 

Liam balançou a cabeça para os lados: 

—Vai por mim, não há ninguém nesse mundo que submeta essa mulher. Ela pode ter renunciado, mas ainda tem sangue de rainha.  

Álan teve um sobressalto: 

—Renúncia? 

—ARGH! - Finn reclamou, notando que o assunto ainda se estenderia. - Chega dessa conversa chata. Vamos fazer algo... Explorar passagens secretas do castelo, visitar as catacumbas... O que você quer fazer, Liam? 

O príncipe olhou para os dois primos, muito contente por eles estarem ali. Sentia muita falta dos momentos juntos, em que tudo era mais simples. Assim, sem hesitar respondeu: 

—Jogar videogame.  

♕ ♕ ♕

Como de costume, não demorou a começar a chover na Nova Irlanda, mesmo o céu ainda estando claro. E um vento não muito forte, mas incômodo, empurrou a chuva na direção das janelas oeste do castelo, exigindo que os criados corressem para fechá-las.  

As selecionadas se refugiaram no salão destinado à elas após o almoço. Embora o clima e a comida prometiam uma sensação de cansaço e desânimo, elas estavam bem entusiasmadas e muito inquietas.   

Quando Caitlin Dublin entrou logo depois carregando alguns papeis, Dressa, Riley e Gwen se aproximaram dela imediatamente.  

—Diga que tem algo para nós fazermos! - Andressa implorou num tom de voz bem alto, como lhe era característico. Assim atraiu a atenção de outras meninas e Mirelle se aproximou junto de Ali em busca de novidades. As demais passaram a observar a situação, mesmo à distância, esperando por novas instruções de Caitlin.  

A assessora deu um sorriso audacioso, como se estivesse aceitando um desafio.  

—Eu sempre tenho algo planejado. - Esclareceu. Ela arrumou os papeis em sua mão, deixando-os perfeitamente alinhados e sorriu mais intensamente às meninas. - Alguém quer cartas da família?  

A comoção então foi geral. Todas as meninas se aproximaram rapidamente, ávidas por um "gostinho" de casa. Era como se Catilin entregasse doces para crianças que estavam há muito tempo sem comer açúcar.   

Andressa, que não poderia imaginar atividade melhor para preencher o dia chuvoso, sentou-se no chão sem hesitar e riu sozinha ao espalhar todas as suas cinco cartas no chão. A carta com os melhores selos marcavam a presença da avó, mesmo que a escrita fosse de seus pais que mais se preocupavam em saber como a filha estava se sentindo no Palácio Real. A segunda carta era de Goyle, o irmão mais velho, sob a caligrafia caprichosa de sua esposa. Junto dela estava anexada um desenho infantil de Luce, a filha deles, que desenhara Dressa num castelo com uma coroa na cabeça... O que tocou profundamente a selecionada e a levou às lágrimas imediatamente. As demais cartas eram de Dean, o irmão com quem tinha forte ligação, em companhia de Fred, que provavelmente ficara com preguiça de escrever uma carta sozinho; a enorme carta era de Ethan, o mais ligado a família; e a última, de Brielle, sua irmã gêmea, que embora diferente de Dressa em todos os aspectos, fazia muita falta em seu dia a dia.  

Ali também derramou algumas lágrimas ao sentir o carinho de seus pais mesmo à distância, e riu quando viu que seu tio anexara a letra de uma música que ficaria em sua cabeça pelo resto do dia.  

Mirelle recebera uma foto de sua fazenda e perdeu longos minutos observando os longos campos, imaginando o cheiro da grama e ouvindo os barulhos das vacas.  

A carta de Skyla vinha com o carimbo nobre do marquês e a caligrafia precisa de seu pai. Contava sobre os empregados da casa, que não paravam de falar sobre Sky, e sobre como ele sentia falta da única filha.  

Brianna recebera um cupom de desconto de uma diária no hotel dos próprios pais, como uma brincadeira deles, o que a fez cair na gargalhada. 

A assinatura dos pais de Gwen, Johanna Pryx e Kevin Seasher, os grandes produtores e diretores de cinema, ocupavam metade da carta. Mas invés de se decepcionar, ela riu, sabendo que era algo mais significativo para ela que para qualquer outro: Eram seus pais, afinal de contas, de onde herdara toda a criatividade, sabedoria e a curiosidade que tinha.  

Nem todas ficaram felizes, entretanto. Elizabeth ficou preocupada e passou a balançar o pé freneticamente sem perceber. Branka com todo o seu rancor, esboçou o que parecia ser um pequeno sorriso, contente por estar distante daqueles bêbados do bar.  

Veronika não recebera nenhuma carta, porém estava extremamente contente por isso. Preferia não ter notícias a receber alguma indesejada. Principalmente se viesse de seu pai.  

Ela se aproximou de Alegra e sentou-se sem receios ao seu lado no sofá com as pernas cruzadas. Inclinou-se para ler a carta dela.  

—Admirador secreto? 

A ruiva deu uma risada seca, irônica, e revirou os olhos. 

—Muito engraçado.  

As duas ganharam uma afinidade inusitada nesses últimos dias. Não gostavam da super autoestima e do gênio forte uma da outra, talvez porque fossem muito parecidas nesse sentido e, como diz o ditado, dois bicudos não se beijam. Porém foi um acordo não verbal de que seria mais fácil e lógico aliarem-se aos mais fortes para se tornarem mais fortes. Mas, sob a visão de um bom novo-irlandês atento e supersticioso, a explicação para essa estranha amizade consistia apenas na ideia de que, por serem muito parecidas, elas se entendiam melhor do que ninguém. 

—Minha mãe só escreveu sobre a sessão de fotos das selecionadas. - Alegra comentou sobre sua carta ao ver que Veronika não iria perguntar. - Ela se sentiu "ultrajada" de não ter sido convidada por nenhuma revista para fazer, ela mesma, os figurinos das selecionadas.  

Veronika se inclinou mais sobre a carta para ler a assinatura. 

—Espera. Eu conheço ela. "Melinda Hans Prince"! - Ela leu, subitamente entusiasmada e num tom quase ofensivo, por ter sido privada de uma informação tão importante como esta. - É uma grande estilista! Não acredito que ela é sua mãe! 

—É, eu sei. - Alegra respondeu sem modéstia, jogando uma mecha ruiva para trás do ombro. -  Mas eu também sou muito boa. E estou na Seleção. Não deveria ficar a sombra dela o tempo todo.  

Veronika olhou Alegra de cima a baixo sem pudor e soltou um murmúrio baixo ao ver que a amiga de fato tinha bom gosto para moda, mesmo que nunca fosse dizer isso em voz alta. 

—Como eu vou ficar depois de ser eliminada da seleção? 

—Eliminada? - Veronika a olhou de canto de olho com uma careta, como a falta de confiança de Alegra fosse algo nojento.  

A ruiva olhou em volta para ver se mais alguém estava prestando atenção e depois abaixou o tom de voz: 

—O príncipe já está apaixonado... e não é por mim, ok? - Confessou, sutilmente, que não fora ela a misteriosa selecionada que beijara o príncipe na noite do baile. - Eu não vim para a Seleção para já ser descartada desse jeito. Achei... Achei que fosse disputar o coração dele, conquistar o seu amor...! 

Veronika franziu as sobrancelhas e não soube o que responder, achando tudo aquilo loucura demais. Aqui encontrava-se a principal diferença entre as duas: Enquanto Alegra buscava encontrar amor em sua vida, a selecionada de Limerick sequer acreditava que tal coisa existia.  

Entrar na Seleção por "uma grande história de amor" passava longe do objetivo da srta. Égan.  

—Eu não vim para cá para ser descartada tão facilmente! - Alegra reclamou. Mas sua postura não estava carregada de raiva ou de decepção, como estivera nesses últimos dias; era construída unicamente por uma forte determinação. Um tanto dramática e romantizada, porém, era essa a impactante característica que mais marcava sua personalidade. Não era o tipo de garota que aguentava desaforos e ficava sem o que queria. Ela olhou para Veronika, decidida, e falou como se fizesse uma promessa: - Eu irei fazer a minha própria aventura romântica. Nem que seja imprudente e que eu tenha que tomar riscos. Mesmo que não seja com o príncipe! Mas eu não vou desistir do amor assim tão cedo.   

Alegra levantou-se e saiu do Salão das Selecionadas chamando atenção. Caitlin tentou alertá-la que não era permitido sair sem supervisão, mas não havia nada que pudesse impedi-la à essa altura.  

Veronika sentiu a cor de seu rosto sumir e ela demorou alguns longos segundos para se recuperar do choque. A situação da Seleção era mais problemática do que ela imaginava.  

Respirou fundo e se inclinou para pegar a revista sobre a mesinha de centro, passando a folhear as páginas como se nada tivesse acontecido.  

Shawn Keyes entrou então afobado no salão, com o cabelo bagunçado apontando para todos os lados, chamando a atenção de todas as meninas, se a saída de Alegra já não tivesse feito isso. Ele acenou com um papel sobre a cabeça e falou, recuperando o fôlego. 

—Achei... Achei mais uma carta. É de Honor. 

Em um canto onde estava contando piadas com Riley, que também não havia ganhado carta nenhuma, ela se remexeu, um tanto nervosa, pois não esperava notícias da família... Que não via há anos.  

—Obrigada... Sr. Keyes. - Caitlin que respondeu, observando Honor receber a carta. Sua voz soou como um alerta à Shawn, para ele ser mais discreto e elegante.  

Lentamente as meninas foram voltando aos seus próprios divertimentos e conversas e Caitlin suspirou, aliviada por manter as coisas controladas e impecáveis como deveriam ser. Mesmo que, por de baixo dos panos, ela soubesse que as coisas não eram dessa forma.

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Enganação. Manipulação. Persuasão.  

Sedução.  

Todas estratégias eficazes para sempre conseguir o que queria com sucesso. Pois sabia que o emocional humano era facilmente influenciável a ponto de se sobrepujar à razão. E a Seleção não seria poupada de suas artimanhas, que a direcionariam ao prêmio final: A coroa.   

Foi com esse conhecimento e com essa audácia que beijara o príncipe.   

Saíra do salão de festas na noite do baile para colocar seus pensamentos em ordem. Queria a coroa com todas as suas forças, mas não tinha tanta certeza quanto ao príncipe. Pela experiência que tinha com os próprios pais, ela não acreditava no amor e temia pela ilusão emocional que rodeava tal conceito.   

Mas então o príncipe a encontrara do lado de fora da festa e tudo funcionou como um daqueles bobos sinais do destino que acreditava o povo da Nova Irlanda... o que a fez abandonar seus medos inconsequentemente.  

Ela usou o seu charme para mantê-lo cativado, elogiando o céu romanticamente estrelado, e falar sobre o passado de ambos foi algo que ela não prevera, mas que definitivamente amoleceu o coração de Liam e, inclusive, o dela, embora nunca fosse confessar algo assim nem mesmo em seus próprios pensamentos.   

Assim, não bastando o charme, seu elegante vestido rosa e o céu estrelado da enigmática noite do baile de máscaras, precisou recorrer à ajuda – Mesmo que visse tal gesto como um rebaixamento de sua moralidade.   

À meia noite, quando o sino de uma igreja badalava em algum lugar da Nova Irlanda, estava certa de que acabaria com a magia ao revelar sua identidade, mas estava determinada a usar sua revelação como estratégia.  

E em poucos segundos, uma sonolenta e confusa Caitlin abriu a porta de seu dormitório para dar de cara com a verdade que procurava há tempo.   

—Fui eu que beijei o príncipe. - Confessou Veronika Égan.