Dois desconhecidos próximos.

Do pouco que tinha a oferecer, ele escolhia aquilo que não estava ao meu alcance. Talvez suas expectativas ainda ofuscassem a realidade, e não o culpo por isso. Na verdade, não posso falar por ele. Não posso falar por ninguém.

Poderia falar por mim? Já não sei se continuo aqui porque quero ou se preciso da presença silenciosa no quarto ao lado. Tão silenciosa… O que estaria fazendo? Ele poderia atravessar a sala e me deixar ali, sozinha, sem que eu percebesse. Não. Tenho certeza de que perceberia. Deixar de  perceber seria admitir que posso viver sem suas aparições constantes.

Minha mente perdeu-se no pensamento distante de uma vida sem ele. Livre e vazia. Mais vazia do que livre. Gosto dela assim, entre a esperança e a obrigação. Pelo menos não preciso ficar só comigo o tempo todo.

Uma batida na porta, depois outra. Duas batidas do meu coração, depois muitas outras. Ele estava atrás de mim, e seus olhos não refletiam minha imagem. Droga! A importância que atribuíamos um ao outro era diferente. Não havia reciprocidade entre nós, apenas desejo. O dele, eminente e atirado. O meu… Qual seria?

— Posso ficar aqui? – ele sorriu – Não gosto de noites chuvosas.

— Tudo bem, mas em quartos separados. Hoje me sinto mal, acho que pelo drink.

— Eu não me importo.

A figura afastou-se e deixou a porta entreaberta. Fechá-la seria o mais responsável a se fazer. Apenas seria.

Meus olhos agora pareciam pesados, embalados pelo som da chuva. “A chuva”, meu pai dizia, “A chuva é o céu chorando, pequena”. Gostaria de acreditar que o céu chora por mim neste momento. Por mim e por mais ninguém. Pelo menos saberia que alguém, mesmo algo, ainda se importa. As palavras da lembrança misturaram-se aos passos no corredor. Ele empurrou a porta e sentou-se ao pé da cama, mexendo em meus cabelos - sua consciência embriagada exigia. Fingi estar dormindo.

— Acorda! – disse – Acordada ou dormindo dá no mesmo.

— Por favor, hoje não – segurei suas mãos.

— Ontem não, hoje não, amanhã não. Não tenho a vida inteira.

— Eu nunca prometi que aconteceria – continuei segurando firmemente – Você precisa sair.

Diante desta frase, os segundos de coragem acabaram. Minhas mãos sobre as suas serviam apenas como lembrete: “Hoje não”. Em silêncio, aceitei sua presença sombria sobre a cama. Minutos depois, no mesmo silêncio, aceitei que ainda gostaria de acordar ao seu lado. No entanto, ele havia saído pela manhã. Imaginava-o vitorioso, atravessando a sala e deixando-me ali, sozinha.

O quarto ao lado continuava vazio e, sem o silêncio de sua presença, meus pensamentos surgiam, altos e claros.

“Acho que precisaremos encarar a solidão”.

“Você perdeu muitas manhãs. Muitas noites se passaram. O quanto vale sua vida?”.

“É isso”.

Uma batida na porta, depois outra. Duas batidas do meu coração, do meu coração masoquista, depois muitas outras. Ele estava atrás de mim.

Silêncio.