Infinito escrita por Wally Star


Capítulo 1
Capítulo Único - A (quase)última carta


Notas iniciais do capítulo

Essa é a minha primeira one de verdade, então espero realmente que vocês gostem ♥
Boa leitura!



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    “Todo dia, quando eu observo através das lentes de minha luneta, eu enxergo constante mudança.

    “Ah, poderia ver! Existem milhões e trilhões de coisas acontecendo ao mesmo tempo neste universo, é uma verdadeira dádiva poder ver de tudo pela minha janela. Ano passado, eu poderia jurar que Marte, teu lindo planeta, era num tom mais escuro de azul. É realmente incrível a capacidade de você, meu caro amigo, conseguir esconder a preciosidade que é teu planeta de seres inoportunos. Eu me pergunto, de que cor esses ingênuos veem Marte? Amarelo? Verde? Pouco importa, eu te garanto. O importante é todos nós vermos no belo tom de azul de sempre...

    “Mas voltando ao assunto, as mudanças ocorrem diariamente, num período de tempo totalmente variável e inconstante: como por exemplo, neste exato momento em que você lê esta carta, pode estar ocorrendo uma explosão nuclear em algum lugar, assim como pode estar sendo descoberta uma nova cura para certa doença. Mudanças. Eu observo na minha luneta, tantas coisas, meu caro amigo! Ceres, o teu vizinho, conseguiu povoar outro planeta, não achas incrível? De sua coleção, agora já estão presente Plutão, Eres e Makemake, dizem que eles querem povoar Haumea também... Mas, por enquanto, são apenas boatos. Realmente, ainda não entendo a fixação deles por esses planetinhas tão insignificantes... quem sabe tenham um valor enorme, mas que ainda desconhecemos. Talvez? É uma hipótese, por enquanto.

     “Por falar nisto, Haumea está aumentando a barreira atmosférica, quer evitar a invasão de Ceres a qualquer custo. Os habitantes do planeta começaram a ficar levemente amedrontados quando souberam que Plutão foi conquistada, e não os culpo, posso até sentir todos se dirigindo à Júpiter, local do maiores cassinos, jogando pilhas e pilhas de dinheiro para apostar que Ceres irá atacar Haumea. Acho que o máximo que podemos fazer, é desejar sorte ao planetinha no momento do ataque... Eles não terão a menor chance, como dizem os jovens. Infelizmente.

    “Você ficou sabendo? A riquezas em Júpiter aumentam cada vez mais, acho que ele está tão poderoso agora que já poderia se tornar o rei dos céus. Dá última vez que visitei aquele planeta fiquei realmente surpreso com a quantidade de ouro rondando por aquelas mãos Jupterianas! É incrível! Não sei se já visitaste este planeta, meu caro amigo, mas é inegavelmente belo! As casas são feitas de diamantes e as lojas de ouro, alguns possuem telhados de safiras e certas ruas são salpicadas de pedras preciosas. Por lá existe uma grande quantidade dessas joias, por isso as pessoas não veem a riqueza como algo tão surpreendente como nós. Oh, e claro, os cassinos! Pelo que vejo, esta é uma das principais fontes de riqueza por lá, além de ser uma atração turística perfeita. Tive notícias até de pessoas de outras galáxias que vinham até Júpiter para experimentar os seus grandiosos cassinos... estava pensando seriamente em abrir um também...

    “Não tive muitas notícias de Mercúrio desta vez, mas do pouco que recebi de seu imperador (e da informação de minha amada luneta), eles parecem passar bem. Inventaram um novo jogo, até. Todos sabem que os habitantes de Mercúrio, após passar tantos anos sendo os mais próximos do sol, desenvolveram técnicas para controlar os pequenos raios solares que chegam ao seu território, o jogo é baseado nisto. Ainda não sei como se joga, o imperador não me deixou muitos detalhes, mas tem algo a ver com Firestones – um diamante que só pode ser encontrado em Mercúrio, dizem que é por causa da grande influência do sol. Oh, e tem Vênus. As modelos Universais continuam nascendo lá? Dizem que neste planeta “cor-de-rosa” há uma fonte para a beleza... mitos, eu espero. Deve ser algum tipo de magia, afinal, só mulheres podem habitar aquele lugar; é um planeta extremamente reservado. Nunca visitei o planeta, mas as notícias correm rapidamente, e creio que Vênus novamente ganhe a coleção de moda Inverno/Outono. Isto não será nenhuma novidade, mesmo assim.

    “Lembro-me bem da última competição de moda universal, onde Vênus, consecutivamente, ganhou pela nonagésima... centésima... não sei, perdi as contas na verdade. Saturno perdeu feio e ficou furioso com isso, lembra-se? Saturno é um lugar vaidoso, e apesar de ter perdido, conseguiu produzir roupas de tecidos finíssimos que fariam qualquer um chorar para conseguir. Apesar disto, perderam. Me parece que, agora, estão fazendo uma roupa duplamente excelente para a competição do Frio deste ano, pode ter certeza, a competição desta vez será deslumbrante!

    “Isso faz-me lembrar da vez em que tentamos invadir o camarim das modelos de Vênus, quando éramos jovens tolos e crianças inconsequentes. Ah, doces lembranças, nós aprontávamos muito. Quando estávamos juntos, nada parecia impossível. Até mesmo quando as mulheres nos expulsaram a palmadas soou como uma brincadeira de infância. Engraçado. Hoje, somos homens sérios, ocupados demais com o emprego para se divertir, eu com as pesquisas, você com a grandiosa Marte. Agora tudo parece diferente.

    “Como pode ver, tudo está sempre mudando, nós e o universo inteiro...

 

 

    “Exceto, é claro, por aquele planetinha. Céus, em todas as vezes que tentamos pousar uma nave lá (na atualidade até a setecentos anos atrás) os habitantes causaram uma catástrofe, como se nossas naves fossem asteroides enormes vindo do céu para destruir o lugar. Nada mudou, aparentemente.

     “Eu não sei qual o nível de inteligência daqueles seres, mas acredito que seja mínima. Eles já conseguiram a localização de Mercúrio a Plutão, mas não acho que isso seja preocupante, afinal eles nunca conseguiram nos alcançar. Parece um local abandonado, como se a mudança houvesse simplesmente o esquecido de lado...

     “Mas, por enquanto, acho que não devemos nos preocupar com nada, tudo se mantém na mais perfeita ordem.

***

    “Daqui do meu planeta, eu consigo ver de tudo, desde do sol, até as trevas que se estendem além do horizonte, do passado ao futuro. Não me preocupo. É um local pacífico e pequeno, creio que ninguém queira vir para cá. Nos dias de hoje, a sabedoria é pouco consultada na correria do dia a dia, acho que é por isso que vivo um pouco afastado da sociedade.

     “Por aqui, eu possuo um dos maiores registros sobre o Universo, e lhe escrevo esta última carta, com um único objetivo de lhes avisar:

    “Eu estou morrendo.

    “Fiquei sabendo disto quando estive em Netuno, numa viagem normal de negócios. Isto é, até eu descobrir. Dias antes da guerra com Urano começar. Precisei ficar dias com comida e água escassas vivendo por lá, haviam cancelado os voos do planeta para evitar naves de Urano inimigas, e por isso não pude ir para casa tão cedo. Eu gostaria de estar lhe escrevendo do meu laboratório, sentado em minha escrivaninha observando tudo em minha amada luneta – oh, como gostaria de vê-la novamente! – Mas fui obrigada a fazê-lo aqui, em Netuno. Atualmente me vejo em um bar do espaço-porto, mas consegui duas páginas em branco para lhe escrever, muita sorte ser acolhido por um barman tão respeitoso como este senhor, você deveria vir conhece-lo, garanto que o adoraria. Enfim, eu sei como tudo deve ocorrer, não tenho pressa, sei qual é o meu tempo, o período que me foi exigido para provocar a mudança...

    “Foi por isso que não fiz nada para evitar o tempo de minha morte. É isso meu caro amigo, são as mudanças ocorrendo, desta vez comigo.

       “Não quero alarmar ninguém sobre o fato, e muito menos deixar-lhe preocupado, este nem é o principal motivo para eu ter lhe enviado a carta. A verdade é outra coisa.

    “Lembra-se dos meus livros? Ah, é claro que se lembra. Neles está tudo anotado: a mudança pelo universo ao longo dos séculos e tudo o que existe, existiu, ou ainda existirá. A resposta sobre todas as coisas do universo, lembra-se, não?

    “Eu precisava dar um jeito neles, para não precisar jogar um trabalho que demorou uma vida para ser feito no lixo, mas mesmo assim, fiquei com medo de entrega-los em mãos erradas, transformando o bom, em ruim. Então eu o levei a outro lugar.

     “Eu o escondi.

     “Num planetinha pequeno.

     “Chamado ‘Terra’.

     “Eu sei que os humanos nunca o acharão, ou conseguirão decifrar o que está escrito, por isso fiz o que fiz. Sei que você irá criticar-me por esta decisão espontânea, mas não me importo de verdade...

    “Eu precisava contar isto a alguém, e é este o objetivo desta carta, apenas.

     “E assim despeço-me, caro rei;

    “Com carinho, de seu amigo, que confia plenamente em você...”

    ****

...

...

    Assim que o barman terminou de ler a carta, ele se sentiu realmente surpreso.

    Já vira muitas pessoas entrando em seu estabelecimento (basicamente todos os homens que desembarcavam no espaço-porto, sem contar as mulheres, mas estas apareciam com menos frequência, preferiam a manicure...), porém nunca vira um homem como aquele. Surpreender um barman era uma tarefa difícil, mas após os três dias em que havia conhecido aquele homem estranho já conseguira aprender mais coisas do que todo o tempo em que passara na terceira série. Isso sim era algo surpreendente.

    Mais uma vez ele se viu sem palavras.

    - Belas palavras. Realmente, são belas palavras – murmurou, devolvendo-lhe a carta – Mas só serão realmente belas se me disser que tudo o que está escrito aqui é verdade.

    o barman colocou a mão no bolso, e tirou uma caixinha de cigarros, alcançando também seu isqueiro.

    O velhote à sua frente (o que havia lhe dado a chance de ler a carta) tinha uma aparência frágil, mas confiante. Usava óculos redondos nos olhos (levemente trincados graças ao tumulto de terça feira: quando começara a guerra contra aqueles desgraçados de Urano), seus cabelos brancos se camuflavam com a barba, mas, se não fosse pelos fios brancos, muitos diriam que ele teria apenas cinquenta anos. O homem sorriu.

   - Tudo, totalmente verdade – falou, tomando um gole de sua bebida (que possuía um estranho tom de azul escuro) – Ou melhor – completou – quase tudo...

   O barman franziu o cenho.

     - Está confessando que mentiu, então – o homem alcançou um copo e o começou a limpa-lo com um pano marrom (que um dia fora branco também) – ahh, eu já havia reparado desde o início – o barman recolocou o copo na estante, e bateu as mãos no balcão, voltando a encarar o velho – Já vi homens muito mais velhos que você, já vi crises e guerras dentro deste estabelecimento, sangue e cadáveres, acredite, eu sei o que é a morte, meu caro amigo...

    O sábio sorriu (era tão irritante o fato dele estar sempre sorrindo), e pediu uma segunda dose de bebida.

    Enquanto bebia, voltou a murmurou ao barman:

    - Então já descobriu tudo, não é mesmo? – Ele recolocou o copo no balcão, voltando toda a sua atenção ao homem corpulento a sua frente.

    O barman parou um instante, será que estavam falando da mesma coisa?

    - O senhor não está realmente morrendo, não é mesmo? – Indagou.

    O sábio tornou a sorrir. Seu aprendiz de dois dias estava ficando muito bom.

    - Achei que demoraria mais para descobrir – falou ele.

   O relógio da parede marcava os segundos incessantemente, enchendo de ecos o estabelecimento totalmente vazio. Isto estava começando a ficar confuso.

    - Só não entendo uma coisa – tornou a dizer o barman – Por que, raios, citou isto na carta se obviamente é mentira?

   O velho sorriu novamente, como se realmente, estivesse ansioso para que lhe perguntassem.

     - É uma ótima pergunta – respondeu ele – realmente, uma ótima pergunta, senhor Joule – o homem atrás do balcão o encarava, parecendo prestar firmemente toda a sua atenção no sábio, esperando uma resposta, o que o fez prosseguir – Sabe, o universo é realmente muito grande, mas não digo do universo em que vivemos, mas sim no universo existente em cada um de nós. Todos os seres têm o seu próprio ciclo de convivência, seus prazeres e dores. É algo único. – Ele fez uma pausa, e tornou a tomar novamente sua bebida – E um dia eu percebi, que meu universo era unicamente fechado nas pesquisas em meu laboratório, a minha vida se baseava total e somente nisto. Eu não sei... acho... acho que eu quero mais do que apenas isto para chamar de “vida”...

    O sábio se calou, mas não sorria, deixando a curiosidade no ar. E o barman não se conteve:

    - E o que tudo isso tem a ver com esta carta? – Bramiu.

    Antes de prosseguir, o velho tomou outra dose.

    - Muita gente sempre dependeu de mim nas pesquisas laboratoriais, entende – ele parecia ter treinado este discurso... durante muito tempo – Júpiter, Mercúrio, Netuno, Marte... somente com algumas exceções, mas poucas. E... a ideia, para estes planetas, de me ver deixando todo o meu trabalho para viver uma outra vida poderia parecer estúpida. Então resolvi simplesmente começar do “zero”.

   Aquilo não explicava muito, mas facilitou um pouco a compreensão do barman, que mesmo assim ainda se mantinha incrédulo. Ele possuía, porém, mais uma pergunta:

   - E o que o senhor pretende fazer depois que sair de Netuno? – Perguntou.

   O velho parecia possuir uma paciência incessante, e sorriu outra vez.

    -  Isso me lembra as estrelas, sabe. Elas nunca se apagam, apenas deixam de brilhar em um local para reluzirem mais intensamente em outro – o barman não sabia aonde aquele cara queria chegar, mas continuou a ouvi-lo - Elas são infinitas, meu caro amigo. Eu também sou esta estrela, não estou me apagando para sempre. Estou apenas rumando para outro mundo. O meu laboratório era pequeno, e sabia exatamente todos os meus movimentos, sempre: Observar em minha luneta, anotar o que via num caderno, fazer um esquema com minhas anotações, fixa-las em meu livro, e então ir dormir, para amanhã acordar e fazer tudo de novo. Não, esta não era minha vida. O que vou fazer agora? Vou encontrar o meu próprio “infinito”, como as estrelas, e estou feliz com isso, mesmo que eu precise me “apagar” também – O velho levantou-se, então – eu acho... que é isso o que eu quero – disse, por fim.

   De dentro de seu bolso, ele tirou uma moeda de ouro e a atirou no balcão.

   - É a hora da despedida, meu caro amigo, foi muito bom poder passar todo este tempo com você, eu aprendi muito neste dia, coisas de que nunca me esquecerei. Nunca poderei lhe agradecer, verdadeiramente. Não gosto de despedidas, então prefiro simplesmente que você não diga nada.

   Ele voltou a sorrir, e, virando as costas, cruzou as portas do bar pela última vez e desapareceu em meio à multidão do espaço-porto.

   - Boa sorte amigo, espero que o seu “infinito” o traga de volta a este humilde estabelecimento, algum dia...

   O barman virou-se, e encheu novamente seu copo.

  

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler ♥