Dênis acordou ao ouvir passos. Já era de manhã e Luana estava de pé com uma toalha no ombro. Antes de ouvir o que ela diria, ele fechou os olhos outra vez.

Só foi se levantar depois de a garota ter tomado banho, quando ela o balançou.

“Você vai tomar banho?” Ela murmurou como se tivesse algum motivo pra fazer silêncio. “Aqui a toalha”

Dênis foi andando meio sonolento até o banheiro, enquanto esfregava os olhos. Depois que entrou, percebeu Fred ali, escovando os dentes. “Você não podia estar menos nu?” Reclamou com o amigo, fazendo uma careta. Ele usava apenas uma samba canção, deixando todo o resto do seu corpo à mostra causando certa invejinha no loiro.

“Ué, gual o broblema?” Ele falou com pasta de dente na boca, parecendo na melhor das hipóteses, retardado.

O loiro revirou os olhos “me humilha e nem percebe… Vaza logo daí, me deixa tomar banho” ele foi empurrando Fred, que como uma pedra, não se moveu até que essa fosse sua vontade.

Era um dia comum de trabalho, de qualquer forma. Os três se arrumaram e foram para o Pet Shop.

xXx

Miguel procurava um livro em sua estante. Ela era de madeira e tinha uma aparência antiga, ficava em uma das paredes da sala e ia do chão até o teto, quase totalmente preenchida. Ele não demorou muito para encontrar o título que queria, afinal Miguel era uma pessoa organizada.
Tinha algumas horas para reler a obra até a pré-estréia do filme, baseado na mesma.

Até o início da aula ele já tinha terminado. A turma era de Direito, ele percebeu que Bruna, a namorada de Fred, estava ali. Não que não devesse, era a classe dela, mas o homem achava engraçado a forma como as pessoas se ligavam. A garota era conhecida de Dênis, que Miguel viu pela primeira vez em um lugar distinto.

Nesse dia em específico, o horário do moreno ir embora era o intervalo. Ele olhou o relógio, enquanto andava pelo prédio até a saída. Não estava muito atrasado.

Ele continuou, meio alheio, até que alguém lhe puxou a camisa por trás. Ele se virou imediatamente, e sem que se desse conta, seus lábios projetaram um sorriso.

“É você” bagunçou os fios loiros. Ele sentia o impulso de abraçar o garoto, mas isso não seria adequado no ambiente em que estavam. Teve que se contentar com isso. “Tudo bem? Se divertiu final de semana?”

“Oi Miguel.” Dênis respondeu, risonho como de costume. “Sim, mais ou menos. E você? Que livro é esse?” Perguntou, puxando o livro da mão do mais velho, com certa delicadeza. Ele leu o título, folheou rapidamente e sentiu o cheiro das páginas. “É sobre o filme que vai estreitar no cinema? Parece incrível, eu adoro sereias. Quer dizer, as de verdade que comem gente.”

Miguel tapou a boca, dando uma risada “Claro, as verdadeiras. Quer ir comigo?”

Dênis parou de mexer no livro, olhou para o outro, primeiramente um pouco surpreso, mas deu pra ver o exato momento em que seus olhos sorriram. “Sério…? Podemos ir então. Que dia?”

“Agora.” Respondeu com simplicidade. Ele não pensou no ingresso, e nem que Dênis tinha aula, ou qualquer outra coisa racional. O convite foi movido apenas por um inegável desejo de passar algum tempo com o mais novo.

Dênis ergueu as sobrancelhas, descrente “o filme ainda não estreou, sabe?”

“Na verdade… A pré estréia começou faz 5 minutos. Pega sua mochila e vem, to no estacionamento te esperando, tem dois minutos pra chegar”

Dênis sorriu e saiu correndo para pegar suas coisas. Ainda perdeu algum tempo explicando Isabella, e teve que prometer contar todos os detalhes para que ela o ensinasse a aula que perderia, no dia seguinte.

“Cheguei” Dênis anunciou desnecessariamente, respirando pesado por ter corrido até ali. Ele não tinha lá muito fôlego.

“Tá atrasado 6 minutos…” Miguel olhava o relógio de pulso, depois encarou Dênis. Era visível o peito do loiro subindo e descendo, tomando o máximo de ar que conseguia, e o outro achou isso simplesmente interessante.

“Bom, mas você ainda está aqui, não está?”

“Entra logo”

O trajeto não foi tão longo, e o filme, também um pouco atrasado, começara apenas alguns minutos antes. Miguel parou na entrada do cinema e passou seu nome para o recepcionista, que logo olhou para Dênis esperando também o seu.

“Ele está comigo” falou, aparentando mau humor. O recepcionista pediu que ele assinasse e passaram tranquilamente.

Miguel olhou para Dênis, que parecia indiferente. “Eu não achei que ia ser tão fácil te colocar pra dentro, devo estar acostumado demais com burocracia”

“É claro, você fez aquela cara de poucos amigos, quem é que se arriscaria?!” Riu o menor, ganhando um tapa na cabeça. “Ai! O que você ta pensando? Quer ganhar uma mordida?!”

“Esqueci que é feio bater em moças. Agora fica caladinho, vamos entrar antes que perdemos o filme todo…” Miguel tinha um sorriso debochado no rosto, o garoto apenas cruzou os braços, emburrado. Sentaram-se em uma das últimas fileiras, lado a lado.

Não havia passado nem dois minutos quando Dênis deitou a cabeça no ombro de Miguel, uma demonstração quase mínima de afeto. Ele se continha tanto sempre que o via, por se conhecerem há pouco tempo e por estarem em local de trabalho, que sua vontade era a de abraçar o outro por quanto tempo conseguisse. Miguel, inicialmente, não se moveu. O menor deixava uma sensação confortável, e não queria que isso acabasse, mas inconscientemente passou o braço envolta dos ombros delicados, puxando o garoto para mais perto de si.

O filme prosseguia, e com o passar do tempo as mãos de ambos se encontraram, entrelaçando-se. Miguel não estava acostumado a tanto carinho, normalmente era um pouco mais seco, mas sentia vontade de corresponder cada pequeno toque do mais novo, e não vou problema em retribuir, ali no escuro, onde ninguém podia ver ou julgar. A sociedade era tão ruim quanto a divisória das poltronas do cinema, ou pior.

Em certo momento do filme o loiro ficou tenso, apertou a mão de Miguel, que só foi entender um momento depois.

“Meu cachorro não vai servir de isca pra sua experiência idiota. Seu doente...”
“Bom, creio que será você então” o protagonista deu um sorriso cínico, como o perfeito anti-herói que era. Ninguém mais se manifestou, então o cientista se agachou e chamou o cachorro, que foi até ele inocente e feliz.

Os olhos cor-de-mel estavam vidrados na tela, e o moreno prestava atenção no companheiro. Não sabia ao certo o que deveria fazer, impedi-lo de assistir a próxima cena ou não. Ele podia muito bem prestar atenção em outra coisa, se preferisse.

“Estamos prontos. Armadilha? Câmeras?”
“Tudo certo, capitão”
“Últimas palavras?” Se aproximou do cachorro, em uma plataforma. O homem não parecia sentir piedade ou qualquer coisa do tipo, seu coração era uma pedra de gelo. Apesar disso acariciou as orelhas do cão antes de mandá-lo para a morte.

Miguel se moveu por impulso. Antes daquela cena chegar ao seu ápice, segurou o queixo de Dênis e o obrigou a desviar o olhar da tela, e a encará-lo no escuro. Aquela expressão assustada o pegou desprevenido, e quando deu por si, sua mão já se entrelaçava nos fios loiros da nuca de Dênis, puxando-o gentilmente até que seus lábios se tocassem. O loiro respirou fundo, estático, e por fim começou a dar forma ao beijo entreabrindo os lábios e permitindo que suas línguas se encontrassem.

Para Miguel, era um acontecimento inevitável, uma questão de tempo, e estava satisfeito em esperar. Se sentia dividido entre dar atenção ao filme, muito importante para si, ou para o garoto, logo deixou que ele decidisse. Ao se separarem, olhava-o com a tez calma. O outro parecia um pouco assustado, e Miguel deu um meio sorriso ao ver essa reação.

Demorou ainda alguns segundos até que Dênis sentisse as bochechas pegando fogo, e escondesse o rosto no peitoral do moreno, abraçando seu pescoço. Só o que Miguel fez em resposta foi acariciar os fios dourados, voltando a assistir o filme.