Bloodlines escrita por Srta Who


Capítulo 7
Capítulo VII




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Capítulo VII –

Superlativos.

O dia começou ensolarado naquela manhã de março. Os raios dourados do sol penetravam pequenas brechas deixadas pelas pesadas cortinas vermelhas até atingirem os olhos ainda sonolentos da recém acordada Historia Reiss. A rainha não se sentiu bem ao sentar-se, mas isso não era incomum. Desde a morte de seu pai, cerca de dois anos atrás, a garota apenas tinha pequenos intervalos entre um débil estado de saúde e doença. O médico chefe do palácio simplesmente não compreendia e dizia que era a tristeza pela perda do pai que lhe fazia mal.

            Há muito Historia não tinha animo para outra coisa além de ficar trancada no escritório que um dia pertencera a Rodd, o antigo rei, fazendo sabe-se lá o que! Alguns dos empregados cochichavam entre si que a ouviam chorar ao passar pela porta, outros, entretanto, os desmentiam, dizendo que a rainha falava e ria sozinha como uma louca. Mas isso eram apenas especulações, o que todos sabiam de fato era que a jovem Reiss saia de seu confinamento duas vezes ao dia, para o almoço, o jantar e do jantar ia direto para cama. É o máximo que precisam saber.

            Leves batidas foram ouvidas pela garota que consentiu a abertura da pesada porta de mogno escuro entalhada com figuras que para as gerações de hoje não tem significado algum. Por seu arco atravessou um homem que a rainha conhecia bem; Tatsuo Ackerman.

Tatsuo trazia os olhos negros baixos, em sua habitual postura taciturna. Historia certa vez perguntou-lhe por que sempre parecia tão infeliz. A jovem monarca ainda lembra perfeitamente da forma como Tatsuo colocou parte dos cabelos morenos, que iam até os ombros, atrás da orelha e forçou um sorriso respondendo que era mais do que feliz. Aquilo só a deixara mais desconfiada. Ao ficar de frente a cama ele fez uma pomposa reverencia, a qual arrancou alguns risinhos da garota.

—Bom dia Vossa Majestade.

—Bom dia, Tatsuo. – Ela respondeu sentando-se.

—Tem um dia cheio hoje, Historia. – Ele comentou enquanto abria as cortinas.

            Logo após a morte de Rodd, Tatsuo fez questão de se encarregar de tudo que diz respeito à menina, desde acordá-la, até a acompanhar em reuniões, jantares e etc. Em parte porque foi amigo de longa data do defunto, pai dela, mas também porque tinha Historia como a filha que sua mulher, Karen, nunca lhe dera.

—Os outros já chegaram?

—Sim, o último foi Eren Jeaguer, que chegou depois da meia noite de hoje.

            A loira suspirou. Há coisas que nem ela pode evitar, uma delas é a reunião trimestral com os soberanos continentais.

—Quais são as exigências dessa vez?

—O líder dos Jeaguer deseja baixar a taxa de exportação das frutas, O líder dos Arlet mudar o programa de educação em seu continente, O líder dos Leonheart e sua filha...

—A exigência de sempre, eu sei. E a resposta ainda é a de sempre.

—Muito bem. – Tatsuo murmurou.

—E o líder dos Ackerman...? – A monarca disse com um tom brincalhão.    

—Saber se a jovenzinha quer que mande trazer seu café da manhã? – Ele respondeu da mesma forma.  

            De fato, Tatsuo era o mais ponderado dos líderes de clã. Somente uma vez ele fez um pedido ao pai da garota. Tatsuo queria que Karen cuidasse das fronteiras com os Demos para ele que pudesse se concentrar nos exércitos de seu continente e em versar Historia nas artes da política. Obviamente Rodd aceitou. 

—Eu prefiro tomar café com os outros.

—Vejo que está melhor hoje. – Ela deu um sorriso vazio.

—Não estou. Mas se como moderadora do debate se eu demonstrar fraqueza, nenhum deles vai me ouvir. Especialmente o líder Leonheart.

—Ainda não soube? Akahata está prestes a se aposentar, ele vai deixar Annie em seu lugar.

—Annie... – Historia murmurou. – Eu não a conheço tão bem quanto deveria.

—Nunca é tarde para aprender e se conhecer líderes de clã que querem guerra. – A rainha deu uma gostosa gargalhada. Ela adorava... ou melhor, amava Tatsuo. Ele sabia como fazê-la se sentir melhor. E para falar a verdade, quando criança, Historia quis casar com ele. – Eu vou esperar do lado de fora enquanto você, jovenzinha, se prepara para o café.

—Eu não entendo porque os Leonheart fazem tanta questão de guerrear com os Demos, não tem nenhum no território deles. Se algum clã tem o direito de clamar por isso, esse clã é o seu, Tatsuo, quase todos os distritos orientais do clã Ackerman foram perdidos nas guerras de secessão. – A rainha questionou quando saiu do quarto, já apropriadamente vestida para o café com os líderes de clã.

—Não esqueça de que foram eles os cabeças de nossa revolta, séculos atrás. Os Leonheart sentem que perder territórios para a república, que quase destruiu o planeta, é uma vergonha sem comparação.  – Os dois andavam calmamente pelos corredores brancos pomposamente enfeitados com jarros, quadros e todo tipo de coisa antiga e fina que se possa imaginar.

—Ainda assim, estamos em paz há mais de 100 anos, não seria moral por pessoas inocentes numa guerra sem sentido. – Tatsuo sorriu.

—Eu te ensinei bem. Tenho certeza que se viraria comigo aqui ou não.

—O quê? Por que diz isso? – Ele se calou. Historia tinha certeza de ter visto sua boca se abrir por um bom momento. Os olhos negros, já pequenos, cerraram-se acentuando ainda mais as já visíveis rugas que despontavam em seu rosto há muito tempo. A rainha teve a impressão de que Tatsuo lutava contra si mesmo num duelo silencioso e injusto que acontecia somente dentro de sua cabeça. Ele queria lhe dizer algo, Historia tinha certeza disso, algo que nunca lhe dissera, algo que a abalaria talvez? Mas seu mestre acabou por voltar a sua feição habitual, aparentemente ele perdeu a batalha.

—Só estava pensando alto. Não foi nada.

—Odeio quando mente. – Ela murmurou.  

—Eu também. – Tatsuo respondeu sorrindo.

            Ainda estavam longe do salão de refeições, que só era usado quando haviam visitas, mas o resto do caminho foi percorrido em silêncio. E quando a imensa porta do salão foi aberta todos os outros líderes de clã já estavam lá. Armin, o líder dos Arlet que reinava sobre o continente americano deixara de lado um grosso livro de capa vermelha para conversar com Eren, o rei continental africano, eles sempre foram bons amigos. Annie, a futura rainha da Oceania conversava em tom sério com seu pai, Akahata, que apesar da idade ainda parecia muito assustador aos olhos de História. Akahata fazia parte daquela velha guarda de governantes que ainda achavam que medo e intimidação eram as melhores formas de ser ouvido. Quando ainda vivo chagaram aos ouvidos de Rodd boatos de que duelos de gladiadores eram promovidos com frequência na Oceania. O caso foi fechado por falta de provas e de reclamações.  Ela e Tatsuo tomaram seus lugares na ponta esquerda mesa, onde estavam os reis da África e da América.

—Bom dia. Fico feliz que todos tenham chegado bem. – Ela disse forçando um sorriso.

—Obrigado, Vossa Majestade. – Armin se curvou fazendo com que sua franja loira cobrisse os enormes e brilhantes olhos azuis herança de seu falecido pai. “Polido como sempre” Tatsuo pensou.

—Tatsuo! Como vai? – Eren cumprimentou com uma animação que seria impossível para qualquer outra pessoa.

—Podemos parar com essa atuação de família feliz e ir direto aos negócios? – Akahata Leonheart grunhiu entre os dentes enquanto Annie sentada a seu lado comia calmamente, não, esse seria o eufemismo do ano, melhor, a garota emanava uma incomparável aura de frieza em sua calmaria.

—Logo, senhor Leonheart. – Tatsuo respondeu com um olhar inquisitório. 

—Esse cão de guarda seu já não está velho demais, vossa alteza? – O velho retrucou ironicamente. – Deveria troca-lo por outro. Isso é, se algum dia esse estéreo conseguir ter um filho que o substitua.

—O que você disse?! – Tatsuo exclamou espalmando as mãos com força na mesa fazendo a louça próxima dar um pequeno salto. Não era do feito de um Ackerman se irritar com facilidade, eles eram todos criatura quietas, nunca lhes descreveram como pacíficos pois algo estranho nos olhos de todos do clã discordava desse adjetivo, eram, entretanto, ao menos em superfície, calmos, mas se algo nesse mundo conseguia arrancar um Ackerman de sua postura natural, era um Leonheart.

—Já basta! – Historia usou toda a força que tinha para gritar. –Akahata, o senhor sabe que nossas reuniões são depois do café, e meça suas palavras nesta mesa. Minha casa não é lugar para suas provocações. – O velho cunhou uma expressão irritada que tornava as rugas e cicatrizes em seu rosto ainda mais profundas e medonhas. A rainha bebeu um gole de seu suco acalmando a leve tremedeira que tomava conta de seu corpo. Aquela não era a hora nem o lugar para parecer fraca. Com sorte ninguém além de seu mestre e amigo notaria isso.

[...]

            Pacientemente, calmamente, vagarosamente Levi se aproximou de sua mãe que ainda dormia tranquilamente. “Pacientíssimo, calmíssimo, vagarosíssimo quando o queria” esse era Levi, superlativos sempre lhe caíram bem, e raramente eram exageros de algum colega fascinado com a aura misteriosa que emanava do rapaz. Ele conseguia ser exímio e quase perfeito em tudo aquilo que fazia por vontade, foi assim com a matemática e a arquitetura. E apesar disso nunca fora impulsivo, ou explosivo naquilo que sentia, ou desejava porque o superlativo Calmíssimo subjugava todos os outros que aceitavam, ainda que relutantes, sua posição de atores secundários na personalidade de Levi.

—Mãe. – Ele chamou quando chegou perto o bastante da cama forrada em lençóis inquietantemente brancos onde as costas de uma cabeça coberta por grossos e lustrosos cabelos negros repousava.

—Hum... – Ouviu como resposta.

—Já é tarde, você tem que comer.

—Uhum...

—Vai se atrasar para o trabalho.

—Hoje é sábado. – Ela respondeu sonolenta. – Eu quero dormir. – Levi suspirou.

—Nunca vai melhorar se continuar sem comer. – Kuchel não respondeu. – Estou falando sério, há dias não te vejo comer direito.

—Você é sempre tão bom comigo. – Pelo tom da voz Levi tinha quase certeza de que lágrimas despontavam nos olhos de sua mãe.

—Queria que eu fosse um filho ruim?

—Não... é que... – A mulher enxugou as lágrimas com o lençol e fez força para se sentar. Levi pode ver o esforço que a ação tomou. “Ela está mesmo melhorando? ”.

—É que?

—Eu acho que está na hora.

—Alemão não é tão difícil quando se nasce num lugar onde essa é a língua falada, mas ele é impossível de entender quando não se fala claramente.

—Um rapaz da sua idade, e com sua petulância. – Ela adicionou com um tom brincalhão. – Não passa uma boa imagem quando ainda mora com a mãe.

—Até parece que me importo com o que bandos desocupados falam ou pensam de mim.

—E quando arrumar uma namorada? Vai mesmo querer ficar com ela comigo no quarto ao lado?

—Basta que eu não consiga uma.

—Levi! Eu não quero que desperdice sua juventude cuidando de mim! Nunca me sentiria bem com isso.

—Você está doente, não posso me mudar com você nesse estado. – Ela se calou por um momento.

—E se eu melhorasse? Consideraria a proposta?

—Talvez.

—Levi... – Ela advertiu. Ele bufou. Sabia que Kuchel na desistiria, ou levantaria, enquanto ele não concordasse, ou ao menos desse uma esperança de concordar.

—Se melhorar até o final de junho aceito a oferta. E tenho certeza que vai só piorar se não comer, agora levante. – O moreno disse saindo do quarto um tanto inquieto com o que acabara de prometer.

            O coração de Kuchel inflava no peito, quando seu filho bateu a porta na saída, aparentemente todo o ar do quarto não era o bastante para encher seus pulmões porque ela continuava a suga-lo e solta-lo em lufadas irregulares. As lágrimas não custaram muito a descer, ela, porém, jamais saberia se elas eram uma resposta a dor latente em seu útero ou à conversa que tivera com Levi.

            A enferma sentada na cama jamais quisera se separar dele, ou de Erwin, porém isso seria necessário. Seria impossível esconder a doença que a matava na calada da noite se continuasse a dividir apartamento com Levi. E Kuchel não queria que ele passasse por isso, que a visse emagrecer, perder os cabelos, a vitalidade e por fim, a vida. Não seria justo.

Ela preferia que o mais jovem dos seus filhos descobrisse só no fim o mal que a acometia. Que chorasse apenas uma vez sobre seu leito. Afinal, é por isso que Deus colocou as mães na Terra, não é? Para evitar o sofrimento de suas crias, do contrário que diferença haveria entre uma jovem despreocupada que transita nas ruas agitadas e a criatura materna elevada que tantos poemas e livros buscam desesperadamente edificar? 

Pensado isso, Kuchel enxugou mais uma vez as lágrimas e procurou se recompor o mais rápido possível. Não seria nada fácil fingir uma melhora que na prática era inexistente, mas se era isso que ela tinha de fazer, paciência. Ela o faria. 


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