Outra vez escrita por Stela


Capítulo 2
Capítulo 2 - Não veja


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo chegando e nesse algumas perguntas serão respondidas. Muito obrigada aqueles que comentaram aqui ou aqueles que o fizeram direto no facebook. Muito feliz pela aceitação de todos vocês. Não imaginava que Megan e Davi ainda possuíam tantos fãs assim.



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As luzes se acenderam automaticamente e por um momento o deixaram atordoado. Ele digitou alguns comandos no painel ao lado da porta e o ambiente ficou novamente escuro, com exceção de pequenas lâmpadas nos abajures ao lado do sofá da sala de estar. Fechou a porta com um suspiro casado e deixando o paletó em cima de uma poltrona se encaminhou para a cozinha.

Abriu a geladeira e pegou uma cerveja long neck, constatando que ela estava na temperatura ideal. Abriu a tampa aplicando uma pequena força com as mãos e olhou o ambiente ao redor. A cortina da janela da cozinha estava aberta e ele pode observar as luzes da baía de São Francisco ao longe, com uma intensa neblina ao redor.

Bebeu um gole de cerveja enquanto se dirigia ao seu escritório. O apartamento estava silencioso e frio, ouviu o barulho do aquecedor sendo ligado automaticamente enquanto ligava a tela de seu computador pessoal. Logo seria natal e mais uma vez ele estaria ali solitário.

Afastou esses pensamentos e se sentou em sua cadeira confortável. Eram duas horas da manhã, mas ele ainda tinha trabalho a terminar se quisesse ter uma reunião na semana que se iniciaria com sua equipe de desenvolvimento. Era o momento de pensar as inovações para 2021, enquanto os protótipos do anos seguinte, 2020, seriam desenvolvidos.

Passou a mão pelos olhos cansados e olhou para a tela que surgiu na sua frente. O papel de parede lhe apresentou uma foto de dois anos atrás, a última vez que estivera no Brasil e participara de uma roda de samba na Gambiarra. Na foto, sua tia Rita, seu tio Dante e Matias sorriam, assim como Luene, Mosca e Vander, Danuza também estava ali, abraçada com Matias e com uma barriga enorme, o que denunciava que ela já estava grávida de sete meses.

Davi suspirou, sentia saudades de todos. A última vez que vira o afilhado pessoalmente fora há um ano, quando Danuza e Matias vieram lhe visitar. Ele colocava a culpa no trabalho para não voltar ao Brasil com tanta frequência, mas sabia que outros motivos o faziam ficar longe e era difícil, até mesmo, pensar sobre eles.

Talvez fosse por isso que se sentiu apreensivo ao verificar sua agenda para aquela semana. Tinha reunião com Megan logo na segunda-feira de manhã e o assunto era o lançamento do novo Marra Fone no Brasil. Sabia que ela insistira que ele deveria estar presente, algo que ela sempre fazia, e não tinha certeza se dessa vez conseguiria convencê-la mais uma vez de que apenas a presença dela ou de algum outro acionista era necessária.

Há três anos, quando assumiu a empresa a convite de Pâmela, a Marra estava praticamente falida, depois de muito trabalho e por meio de uma equipe de pessoas competentes conseguiu trazer novos investidores, lançar novos produtos e readquirir a confiança dos clientes de um mercado tão acirrado quanto o da tecnologia. No entanto, os números das vendas dos produtos Marra no Brasil eram ínfimos quando comparados ao auge da empresa em 2014 com o então presidente Jonas Marra, mas após os sucessivos escândalos a confiança dos brasileiros ainda não estava recuperada e, apesar de ser um país emergente, era um dos principais mercados consumidores de produtos tecnológicos do mundo.

Bebeu mais alguns goles da cerveja enquanto pensava que mercado, vendas e público consumidor eram especialidades de Megan, ele gostaria de se preocupar apenas com o trabalho de criação e desenvolvimento de produtor. Todavia, sendo o presidente da empresa, não podia se dar a esse luxo. Megan vinha insistindo que precisava da imagem dele e da confiança que ele passara a todos em outros mercados competitivos como a Europa ou o Japão para adquirir a confiança do público brasileiro e alavancar as vendas do novo Marra Fone e para isso precisava dele em solo brasileiro.

Ele deu um sorriso de lado pensando nos argumentos que ela usaria na reunião de segunda. Megan mudara muito, ele não mais reconhecia a ex-namorada mimada naquele corpo de mulher competente. Hesitara em aceitar a proposta de Pâmela por diversos fatores e Megan era um deles, ele pensava que nunca poderiam estar tão perto sem ressentimentos.

Viera de Recife exclusivamente a pedido de Ernesto que havia ligado na semana anterior dizendo que Pâmela tinha um assunto urgente a tratar com ele e precisava vê-lo o quanto antes, Davi sugerira conversar por teleconferência, mas Pâmela Parker insistira que queira conversar pessoalmente. Movido pela curiosidade e pelo desejo de ver todos novamente, desde o natal, há quatro meses, não via a família e os amigos se convenceu de que deveria tirar alguns dias para matar as saudades do Rio de Janeiro e ouvir o que Pâmela tinha a dizer e por isso, naquele momento, estava em um escritório da mansão Marra, em companhia de Ernesto.

— Garanto que essa casa lhe traz recordações. – Ernesto comentou enquanto uma funcionária servia alguns biscoitos. Davi estava sem fome, mas pegou um por educação.

— Algumas. – Em sua mente veio a imagem da bad girl e das noites que dormira ali com ela. – Não acredito que depois que se casar com a Pâmela vão continuar morando aqui. – Acrescentou de modo a esquecer as imagens que sua mente produzia da ex-namorada.

— Não. Pâmela já colocou essa casa no mercado. – Os passos de Pâmela se aproximaram e Ernesto acrescentou rapidamente. – Lembranças ruins.

Davi sabia a quem ele se referia. Jonas Marra estava cumprindo pena em uma das prisões federais do país, ele não sabia muito bem onde, nem se interessava, sua relação com o pai biológico nunca tinha sido boa, apesar das inúmeras tentativas que Jonas fizera nos últimos dois anos. 

— Davi, que bom revê-lo. – Pâmela o abraçou afetuosamente. – Precisa nos visitar mais vezes.

— Não canso de dizer isso para ele. – Davi sorriu timidamente com o comentário de Ernesto. – Mas é um cabeça dura.

— Tenho muito trabalho. – Davi geria um projeto social com Manuela desde que se mudaram para Recife, mas agora ela fazia consultorias para algumas empresas de tecnologia ao redor do mundo e viajava bastante.

— Quero lhe oferecer mais trabalho. – Pâmela disse enquanto se sentava ao lado de Ernesto no sofá que havia no escritório, Davi ocupava uma poltrona à frente. – Tenho uma proposta irrecusável para você. – Davi a olhou interrogativamente.

— Confesso que estou curioso. – Davi observou o sorriso de Ernesto, ele estava adorando aquilo. - Várias coisas se passaram pela minha mente.

— Vou direto ao ponto. – Pâmela mantinha um sorriso na cara, mas mexia constantemente as mãos, ele pode ver que ela estava nervosa. – A Marra não vai bem das pernas há muito tempo. – Ele sorriu, ela conseguia falar as expressões brasileiras corretamente, depois de dois anos. – Perdemos investidores, clientes e credibilidade.

— Eu sei, Tenho acompanhado o cenário da tecnologia mundial. – Davi comentou tentando imaginar como aquilo o envolvia. – Vocês têm concorrentes de peso. 

— Sim, mas acredito que temos a estrutura necessária para nos reerguemos. Só precisamos da pessoa certa para conduzir tudo isso. – Davi estreitou os olhos quando entendeu onde ela queria chegar.

— Pâmela, fico lisonjeado por achar que eu posso ser essa pessoa, mas tenho meu trabalho, uma vida em Recife. – Que vida? Foi seu primeiro pensamento ao pronunciar essas palavras.

— Creio que Manuela não se importará de mudar um pouco de ares. – Ernesto disse imaginando que ela fosse o problema. – Você pode fazer o seu trabalho na ONG de longe, você sabe. – Até certo ponto ele estava certo.

— Manuela e eu não estamos mais juntos, Ernesto. – Confessei abruptamente e pude vê-los se olharem surpresos. – Não estava dando certo. – Foi a única coisa que pude pensar. 

— Davi, sei que tem o seu trabalho. Mas o que estou oferecendo é algo para o qual você foi escolhido, por Jonas. – Aquele argumento não me convenceria. – Você será o presidente da Marra International, você tomará todas as decisões.  

— Deve estar se perguntando o que ganha com isso? A vida que sempre sonhou. – Ernesto disse, exagerando como sempre.

— Confesso que já quis isso, mas me convenci de que a Marra não é meu lugar, nunca foi. 

— Mas pode vir a ser. Depende de você, Davi. – Pâmela me olhou fixamente. – Você receberá uma proposta oficial do conselho gestor da empresa, mas posso lhe dizer que seu nome foi o escolhido em uma lista e não foi indicação minha. Você é competente, eles sabem disso. – Alguns trabalhos feitos por ele em Recife com tecnologia aberta tinham sido notícia internacional, Davi sabia disso. – Além do salário astronômico que você receberá por ano.       

— Até que ponto isso é por mim? – Ele perguntou. – Até que ponto isso não tem nada haver com o fato de eu ser filho de Jonas Marra? – Esclareci e pude ver Pamela titubear.

— Isso teve certa relevância, mas Jonas não é o nome mais apreciado no mundo tecnológico, no momento. Sobrevivemos ao escândalo, mas a empresa está no vermelho e os acionistas sabem que você cuidará do meu patrimônio e do de Megan. 

Era um desafio e ele os adorava, mas tinha alguns obstáculos, sua vida mudaria completamente.

— O que Megan pensa sobre isso? – A curiosidade daquela pergunta foi maior do que sua vontade de não fazê-la, não via Megan há dois anos, somente sabia de noticias dela por meio de Ernesto e dos paparazzi de plantão.

— Megan pensa que você conseguirá salvar uns milhões para ela, mas é contra a ideia. – Pâmela foi sincera, não se atendo aos motivos daquilo. – Ela está na universidade e pretende trabalhar na Marra quando formar, para isso, ela sabe que precisa que haja uma empresa ainda. 

Davi assentiu desviando seus pensamentos de se fixarem naquele rosto de menina sapeca. Se aceitasse aquilo, sabia que teria que se mudar para os Estados Unidos e ficaria mais próximo dela, talvez pudesse amenizar a mágoa que ele sabia que ela sentia. Por outro lado, ele tinha o trabalho voluntário que realizava. Ele não ganhava nem perto do salário oferecido pela Marra por meio das poucas consultorias que fazia para empresas locais ao mês, mas era o bastante para que não passasse fome e lhe garantia paz de espírito, não sabia até que ponto uma empresa como a Marra não influenciaria seu modo de pensar sobre a tecnologia aberta.

Pâmela esperava apreensiva sua decisão. Davi disse que era muito coisa para cabeça dele e precisava pensar um pouco, pesar os pós e os contras.

Três anos depois ali estava ele, presidente da Marra International. Ele também mudara, só não sabia se havia sido para melhor. Ainda era o mesmo menino tímido da Gambiarra, mas como comandante de uma multinacional, tinha que vencer certos medos. Ainda gostava de virar a noite pensando na programação de um novo produto e sabendo que os lançamentos e entrevistas eram um mal necessário. Afastara-se de Recife, mas nunca se afastara da ONG e ainda defendia o código aberto ao mundo, desenvolvendo, inclusive, essa política na Marra. Gostaria de dizer que aceitara o emprego movido pela ambição e pela curiosidade de saber se seria capaz de reerguer uma empresa como a Marra, mas sabia que não fora apenas isso, o término do seu namoro com Manuela o convenceu a se mudar de Recife e a perspectiva de ver novamente a bad girl americana o impulsionou a residir em solo norte americano.

Seus medos em relação a reação de Megan, contudo, se mostraram mais tangíveis com o passar do tempo, ela era mais amável agora do que há três anos, entretanto sabia que era para manter um ambiente de trabalho pacífico, ela reconhecia tudo o que ele tinha feito pela empresa e pelo valor de suas ações, mas ele não poderia classifica-los como amigos, eles apenas trabalhavam no mesmo lugar. Não a encontrou até que ele se mudasse de vez para o Vale do Silício e a mesma mágoa ainda estava naqueles olhos, atualmente ela conseguia disfarçar muito bem aquele sentimento, mas Davi sabia que tinha algo ali, mesmo que parecesse que ela seguira sua vida. No entanto, isso era algo que ele evitava pensar, doía ver as imagens que sua cabeça formava sempre que se recordava de tudo aquilo.

Davi fechou os olhos por um instante bebendo o resto da cerveja, abriu outra aba em seu navegador e procurou por notícias confirmando aquilo que tinha visto horas antes.

Poucas pessoas permaneciam na pista de dança a uma da manhã. A maioria dos convidados já deveria estar em casa e ele gostaria de saber onde seu motorista estava para que pudesse fazer o mesmo.

Após mais uma chamada que terminara na caixa postal Davi observou os grupinhos que se formaram pelo salão. Os estagiários estavam na pista de dança agindo como se não houvesse amanhã, se sentindo o centro de todas as atenções, ele não entendia aquele comportamento, nunca tinha agido daquela maneira. Mark Briggs, o diretor financeiro, era conduzido pela esposa até um dos banheiros, supunha que ele passava mal depois de beber tanto, ele sempre era o exagerado em lançamentos. Os membros da equipe de Megan estavam em uma mesa afastada, mas ela não estava entre eles, será que já tinha ido embora? Geralmente, ela era a alma da festa e adorava quando a imprensa saia dos lançamentos e ela podia agir normalmente.

Davi perscrutou o salão procurando pelos cabelos loiros de Megan, esqueceu-se por um instante que queria ir embora dali o quanto antes movido pela curiosidade de saber onde ela estava. Ouviu uma risada atrás de si e quando se virou seu corpo chocou-se com o de outra pessoa abruptamente.

— Sorry, Davi. (Desculpe, Davi) – Uma voz estridente disse em meio a uma risada e ele observou Megan vir de encontro a Anna. – I am a little drunk. (Estou um pouco bêbada).

— Anna, we have to go. (Anna, nós temos que ir) – Megan a amparou segurando um dos braços e olhou em direção a Davi. – Desculpe, Davi. Ela exagerou um pouquinho com as taças de champagne.

— I hate when you talk in portuguese. I can’t understand anything. (Odeio quando vocês falam em português. Não entendo nada) – Tanto Davi quanto Megan sorriem reciprocamente. 

— We weren’t talking about you. (Não estávamos falando de você.) – Megan garantiu ainda a amparando de modo que Anna não caísse. - We really have to go. (Nós realmente temos que ir.)

— Precisa de ajuda? – Davi perguntou solicito, sentindo o celular tocar no bolso da calça.

— No, I can deal with this. (Não, posso lidar com isso.) – Anna tropeçou de repente nos próprios pés e foi amparada por Megan e Davi, um segurando em cada braço. Megan a sustentou com a mão esquerda suspirando e passou a mão direita para retirar uma mecha de cabelo que tinha soltado do seu penteado. – Thank you. Let’s go, Anna. (Obrigada. Vamos, Anna.)  

Megan sorriu timidamente conduzindo Anna em direção a saída, que protestava dizendo que queria ficar mais, mas Davi não conseguiu prestar atenção em mais nada depois que viu o anel de diamante no dedo de Megan. Davi fechou os olhos por um instante, atendendo, de maneira automática, o celular que insistia em tocar.

Ele ainda não conseguia crer naquilo que vira. Averiguou o site de buscar tentando identificar alguma confirmação para aquela notícia, mas apenas boatos antigos apareceram. Como Megan pode ficar noiva? Ela mal conhecia aquele cara.

Indignado ele observou algumas fotos recentes de Megan que estampavam as páginas de um site local. Sua vida pessoal quase não era mais exposta na internet, ele sabia que ela tentava preserva-la ao máximo, mas um anel de noivado não passaria tão despercebido assim.

Ele se recostou na cadeira suspirando. Fechou os olhos por um instante, não queria ver, não queria sentir tudo aquilo. Desistira daquela busca inútil. Pensando melhor, ela não estava com nenhum anel no início da noite. O que aquilo significava?

Seus pensamentos foram interrompidos por um apito de celular. Ele ignorou a mensagem que chegara, levantando da cadeira e desligando o monitor. Ele não tinha mais cabeça para trabalhar naquele dia, só desejava dormir, de preferência sem sonhos.

Andou pelos corredores escuros em direção ao quarto já desabotoando a camisa que utilizava. Retirou também a calça e deixou as duas peças em cima de uma poltrona, deitou com o pensamento que iria relaxar naquele momento, mas se esqueceu que estava de lente e precisava tirar aquilo. Odiou Megan naquele instante por obriga-lo a não utilizar óculos em festas da empresa. Praguejou contra ela em direção ao banheiro ainda com a imagem daquele anel nos pensamentos.


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Notas finais do capítulo

Comentem se gostaram (e se não gostaram também).