Congelante escrita por Alex Jackalope


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Como eu disse: não chamem o Ezriel de Elsa, ele non gosta. :3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/702894/chapter/2

 

Era o primeiro dia de seu último ano na escola. Ezriel havia coberto cada centímetro de seu corpo que era possível cobrir, mesmo estando longe do inverno. Não era que sentisse frio. O caso era justamente o oposto.

Era tão frio que emanava um ar gélido de inverno, por vezes congelando líquidos ou criando finas camadas de gelo em superfícies. Havia desenvolvido os poderes muito cedo e nunca aprendera a controlá-los totalmente; seu autocontrole variava imensamente com o nível de estresse ou ansiedade que sentia e ao menos as roupas continham minimamente sua aura fria, então sempre que era obrigado a pôr os pés fora de casa, estava completamente coberto.

Mas voltar à escola era sempre um tormento. Já havia tentado convencer os pais a tirá-lo de vez para que concluísse os estudos em casa, longe das probabilidades de fazer alguma besteira se ficasse muito nervoso, mas eles insistiam em acreditar que era capaz de se controlar e diziam que era importante tentar socializar, afinal, teria que viver em sociedade quando completasse a maioridade e quisesse sair de casa.

Parecia muito bonito e possível quando os ouvia falando, mas em momentos como aquele, enquanto andava pelo corredor em busca do próprio armário e podia ver com o rabo do olho algumas pessoas se encolherem de frio por causa de sua presença, mal conseguia acreditar que se formaria no Ensino Médio sem matar alguém de hipotermia por ficar nervoso demais durante uma prova.

“Eu não devia ter vindo”, pensou ao chegar no próprio armário e congelar a tranca ao tocá-la.

— Ainda não consegue abrir o próprio armário, Zizi? – Viria chegou por trás do amigo emanando um pouco de calor e tocou na porta do armário para descongelá-la.

— Não – admitiu, com um leve dar de ombros, e encarou os próprios pés. A tristeza fluía para seus membros, deixando-os frios e pesados e começava a criar um círculo de gelo em torno dos próprios pés quando ouviu a porta do armário ser aberta pela amiga.

— Bom, parece que ainda vamos ter que ser amigos ao menos até o final do ano, não é mesmo? – A garota apoiou o rosto na porta do armário ao lado e estudou seu rosto com um sorriso. – Vamos, Ziz. Não é tão ruim assim precisar da minha ajuda de vez em quando. Eu também preciso da sua de vez em quando, não preciso?

— Eu preciso da sua ajuda pra tudo, Vi. – Pegou os livros que usaria no dia de dentro do armário e os jogou dentro da mochila antes de empurrar a porta e encarar a amiga. – Literalmente. Se você não anda ao meu lado para cima e para baixo, eu congelo todos os corredores da escola.

— Justo. – Viria concordou com uma careta. – Mas em compensação, você é o único garoto que eu posso abraçar sem me preocupar em bloquear o fluxo de calor do meu corpo. A maioria reclama que eu sou caliente demais. – A garota abanou o rosto, como se estivesse com calor, e mostrou o próprio corpo com a outra mão, fazendo Ezriel rir.

Viria era uma garota sensacional. Confiante, extrovertida, tinha a auto-estima lá em cima e nenhum senso de ridículo, pois realmente não ligava para o que os outros pensavam. Tinha longos cabelos castanhos presos em tranças nagô, com alguns fios coloridos aqui e ali. Andava com as tranças em um coque, mas naquele dia havia optado por um rabo de cavalo. A maquiagem de seus olhos combinava com o tom de seus cabelos: sombra discreta no tom de sua pele negra e um delineado rosa pastel de contraste. Também não havia poupado na roupa, com tantos tons pastéis que Ezriel teve vontade de comer doce ao olhá-la com mais atenção.

Era o total oposto dele.

Albino, além de não possuir pigmento na pele, vivia coberto de neve ou gelo e metido em roupas de variados tons de azul escuro. Passava a ideia de frio para quem quer que olhasse em sua direção. Para completar, era tímido, quieto e inseguro. Os anos passados tendo que observar as crianças da janela congelada de seu quarto enquanto se esforçava para não emanar mais sua energia gelada o haviam quebrado socialmente. Só sabia conversar com os amigos mais próximos, que havia feito ainda no fundamental, na escola: Viria, que pôde se aproximar assim que desenvolveu os poderes de fogo, e Lou, que manipulava o vento e amava mais do que qualquer coisa usar o frio de Ezriel para criar rajadas de ar cortantes em pleno verão e dançar dentro das próprias criações, protegido do calor.

Foi só pensar no amigo que sentiu os cabelos chicotearem seu rosto com o vento e um poco de neve foi ao chão.

— Primeiro dia de aula e já está com essa cara, Ziz? – Deu um tapinha no ombro do amigo e depois guardou a mão no bolso do casaco.

— Acho que meus poderes estão mais fortes do que no ano passado. Estou congelando até com Viria do meu lado – comentou, pois percebeu que a mão do amigo havia ficado gelada no breve contato que tivera com seu corpo.

— Mas você tem praticado do jeito certo em casa? – Viria questionou, em tom de repreensão.

Ezriel encolheu os ombros.

— Bem… O verão foi quente, então mais usei meus poderes para resfriar minha família do que tentei contê-los.

— Talvez você esteja controlando seus poderes da forma errada – propôs Lou. – Já viu aquele filme, Frozen? A menina não tinha o mesmo problema? Foi só ela relaxar que deu tudo certo. Você está sempre tão tenso que se enfiarmos um pedaço de carvão na sua bunda, em duas semanas teremos um diamante.

Ezriel riu.

— Boa, mas você roubou isso de Curtindo a Vida Adoidado. E não, eu não sou como o Cameron, eu só… – pausou para respirar fundo ao chegar na porta da sala. – Tenho motivos de verdade para acreditar que “relaxar” não é o segredo para todos os problemas que tenho com meus poderes.

— Por quê? O fluxo tem aumentado mesmo quando você está relaxando em casa? – Viria parou na porta ao lado do amigo, preocupada.

— Não… – Ezriel coçou a cabeça e mais neve caiu no chão enquanto entravam em sala. – Mamãe me levou a um psicólogo antes das férias e fui encaminhado para um psiquiatra depois de duas semanas. Tenho depressão e ansiedade. Somados com o aumento do fluxo de poder por causa da puberdade, tem sido muito difícil encontrar um estado de espírito que me permita ter controle sobre o frio.

Ezriel sentou na carteira, mas Lou e Viria permaneceram de pé, se entreolhando preocupados.

— Olha, Ziz, escuta… – Lou começou, mas parou, sem saber como continuar.

— Você sabe que pode desabafar conosco, não sabe? Que a gente não tem medo de você e está aqui para te ajudar de qualquer forma, não sabe? – Viria tocou seu ombro e o aqueceu de leve, para tentar reconfortá-lo.

Ezriel sorriu sem graça.

— Obrigado, sério. Mas está tudo bem. Estou tomando os remédios e me adaptando bem. Talvez em seis meses seja uma nova pessoa, sem congelar mais a escola.

— Ou as pessoas – Lou riu.

— Ou nevar pelo cabelo – Viria bagunçou seus fios brancos e mais neve caiu sobre a carteira, parecendo caspa.

Ezriel deu um sorriso para os amigos, mas por dentro estava gritando. Não estava em um bom dia para ouvir piadas sobre seus poderes e quando ficava triste… Bom, talvez não fosse bom lembrar.

O sinal tocou e o professor entrou em sala, com toda sua elegância e anunciou que faria a chamada antes de se apresentar.

O garoto albino se encolheu na carteira e fechou os olhos. O dia ia ser difícil.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mano. Só digo que vai ter muito time skip. Brace yourselves.