Seu diário escrita por TheDarthLady


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/702412/chapter/1

Você deixou o seu diário na minha casa. Na verdade, você o esqueceu lá. Debaixo da cômoda, escondido perto de onde havia preparado seu colchão aquela noite. Isso foi no sábado, hoje é terça-feira. Quando eu o encontrei, te perturbei de todas as formas que agora ficaria sabendo os seus segredos mais obscuros. Como se eu já não soubesse - melhores amigas servem pra isso, não? Mas você me fez prometer que eu não o leria e eu nunca quebrei uma promessa sequer feita a você. Exceto por essa. Na tarde de ontem, naquela segunda-feira nublada, eu peguei o seu diário que havia guardado dentro da minha caixinha de livros, no guarda-roupa. Eu o encarei por vários minutos, ponderando se deveria ou não abri-lo. Eu prometi a você, por tudo o que é mais sagrado, que eu não leria nada e: ali estava eu, desfazendo o nó do laço que mantinha a caderneta fechada. Ali estava eu, desamarrando toda a confiança que você havia depositado em mim. Ali estava eu, me entregando ao mais profundo ímpeto de ler suas palavras. A curiosidade foi maior do que minha lealdade e espero que um dia me perdoe por isso. Lembro bem, minha mão tremia e a respiração denunciava a ansiedade. Eu abri o seu diário. Aleatoriamente, comecei a folheá-lo. Dia 03 de Abril, meu aniversário. Eu parei ali, o que você havia escrito no dia que eu completei meus 21 anos de vida? Meus olhos percorriam as palavras ao mesmo tempo em que meu corpo revivia a sua ansiedade. Cada detalhe pensado que eu nem sequer havia reparado. Seu sofrimento em guardar segredo sobre o presente feito por suas próprias mãos, presente esse que lhe rendeu uma cicatriz para contar história. Sua letra corrida demonstrava seu entusiasmo. Li sobre como meu sorriso, na tarde daquele dia, fez você esquecer que a vida era complicada. Li sobre como meu abraço te fazia se sentir especial, em suas palavras, “seu perfume tem cheiro de lar”. Li como você concluiu a página escrevendo que uma de suas poucas certezas era o amor que sentia por mim. Eu estremeci. As lágrimas encheram meus olhos. Você me amava ao ponto de confiar seu diário a mim, confiando que eu não o leria. E, lá estava eu, lendo. Respirei fundo e virei mais algumas páginas. Descobri que você sempre teve medo de panela de pressão e que sonhava em conhecer a África - mas dizia para todo mundo que queria conhecer a Disney, só para evitar perguntas. Li que você ainda era apaixonada por aquele garoto do curso de direito, depois de ter me prometido que já o havia superado. Li que você odiava a matéria de matemática financeira, mas era a melhor aluna da classe porque o professor era gatinho. Li seus medos, incertezas, alegrias, ânsias e sonhos. Eu li cada segredo seu, em segredo. Era como um pecado do qual eu preferiria enfrentar o inferno antes de confessá-lo. Finalmente, cheguei. A última página. A sua descrição da nossa noite de sábado. Do quanto você odiava aquele filme mas sempre topava assistir porque sabia o quanto isso me deixava animada. Do quanto só eu sei preparar o melhor brigadeiro do mundo. E li que, desde os seus 7 anos, seu sonho é roubar a minha pelúcia de leão - a mesma que você sempre dorme abraçada quando vem em casa. A mesma que você dormiu aquele sábado. Li o quanto você estava em paz por estar em mais uma noite ali. Senti em suas palavras o quanto você adorava a nossa rotina. O quanto você achava a minha risada mais engraçada do que a própria piada. O quanto te irritava quando eu bagunçava os seus cabelos cacheados - mesmo eles já estando bagunçados. Li o exato momento em que sua letra se tornou tremula e você confessou ao diário que estava se entregando ao sono. E, com a dor que só aquele que infringe tamanha traição sente, li suas últimas palavras. “Boa noite, querido diário. Boa noite, leãozinho. Boa noite, melhor amiga.”. E acabou. Eu virei a página mais uma vez. E outra. E nada. Havia acabado. Você saiu domingo de manhã, depois do café, pois precisava visitar seu pai que já não via a um bom tempo. Você me ligou no fim da tarde - lembro do desespero em sua voz, o medo de que tivesse perdido seu diário. E, quando anunciei que o havia encontrado, eu pude ouvir seu alívio. Pelo telefone eu consegui ouvir a sua respiração se acalmar. Era seu corpo denunciando que você confiava em mim. E, aqui estou, em meio as lágrimas, traindo sua confiança. Aquele domingo você não escreveu no seu diário. Eu daria qualquer coisa para que você tivesse escrito. Eu daria qualquer coisa para que você não tivesse pego a estrada pela madrugada. Eu faria qualquer coisa que me pedissem no universo para que aquele acidente nunca tivesse acontecido. Eu deseja, com toda a força do mundo, que o meu telefone não tivesse tocado naquela segunda-feira. Eu guardaria a minha promessa de não ler o seu diário - se você estivesse aqui. Mas você não está mais. É terça-feira e não consigo levantar desse banco. Não consigo me aproximar do seu caixão. Não consigo parar de abraçar o seu diário. Eu o trouxe para devolvê-lo como havia prometido. Eu o trouxe para que você pudesse levar todos os seus segredos com você. Mas e eu? O que eu vou fazer sem você por perto? O que eu vou fazer sem a nossa rotina? As nossas brigas? O nosso brigadeiro com filme ruim? O que eu vou fazer sem o teu perfume com cheiro de lar?  Eu me sinto horrível por quebrar a última promessa que fiz a você - mas me sentiria pior se a cumprisse. Não é um simples caderno que eu estou guardando em meus braços, é o seu caderno. Não são só palavras espalhadas, são as suas palavras. Não são apenas textos - é você. Em casa linha, palavra e vírgula. É você. E eu nunca poderia te deixar ir. É justo que eu tenha o seu diário comigo. Eu mesma nunca fui de escrever. Preferia falar. E só falava para você, só confiava em você. Você perdeu o seu diário comigo e eu perdi o meu diário: você. E em mim, ficarão para sempre suas últimas palavras. “Boa noite, melhor amiga”.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Seu diário" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.