Entrelinhas Ron e Hermione - Contradições escrita por Morgana Lisbeth


Capítulo 8
No campo de batalha


Notas iniciais do capítulo


"O que mata um jardim não é o abandono. O que mata um jardim é esse olhar de quem por ele passa indiferente… E assim é com a vida, você mata os sonhos que finge não ver."

(Mario Quintana)



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Como havia prometido a si mesma, Hermione tentava manter-se indiferente a Ron. Mas isso se tornava ainda mais difícil quando o rapaz estava agarrado a Lilá. A menina só não imaginava que seriam especialmente as mais singelas manifestações de carinho que a deixariam abatida. Ficou arrasada quando viu o rapaz, de forma delicada, mexer nos cabelos da loura, sem falar no dia que o observou beijar afetuosamente uma das mãos da namorada e depois abrir um lindo sorriso. Como queria estar no lugar de Lilá, pensou, mas logo cortou esse devaneio com decisão.

Precisava manifestar de alguma forma o seu desprezo por Ron. Quando o rapaz errou grosseiramente um feitiço na sala de aula, ficando com um engraçado bigode, Hermione deu sua gargalhada mais escandalosa e debochou: “Que patético. Precisa treinar mais”. Teve vontade de completar dizendo que ele deveria estudar “ao invés de ficar o tempo todo namorando”, mas guardou esse pensamento para si mesma. O ruivo, que não levava desaforo para casa, logo respondeu à altura.

“Claro! Eu deveria participar mais das aulas”, ele disse olhando Hermione com frieza. Em seguida, afinando a voz, começou a levantar e sentar na carteira, sempre com a mão erguida, imitando a menina: “Eu sei! Posso responder? Li no livro, no segundo parágrafo da página 25, e já decorei tudo. Eu sei tudo, tenho todas as respostas”.

Hermione ficou com os olhos marejados e segurou as lágrimas. Então era isso que Ron pensava dela? O rapaz havia falado recentemente que a considerava uma sabe-tudo insuportável. Só que agora ele a humilhava em frente a toda turma e, o pior, Lilá e Parvati acharam isso muito divertido.

Ela teve vontade de sair correndo da sala, mas esperou o sinal tocar e praticamente desaparatou. As lágrimas começaram a rolar dos seus olhos. Estava tão magoada que nem percebeu que deixara todo o seu material para trás. Chegou veloz ao banheiro e desabou a chorar, soluçando baixinho.

Logo alguns pensamentos invadiram mais uma vez a sua mente. Ron não podia ter agido daquela forma, não podia ter a humilhado assim. Ele que sempre a defendera, agora a estava atacando. A garota se lamentava por ser tão racional assim. Por que não parava de pensar e refletir sobre os acontecimentos?

Suspirando, Hermione não conseguia deixar de lembrar como se sentia segura quando tinha a amizade do ruivo. E com um gosto amargo na boca recordou-se de todas as vezes que Ron a defendera dos ataques de Malfoy e Snape, dos muitos momentos nos quais a tratou de forma carinhosa.

Foi quando se deu conta que o seu plano de manter-se indiferente ao rapaz havia fracassado até então. Com um lampejo, ela lembrou que Ron havia tido fortes reações ciumentas quando ela foi ao baile com Krum e passou a se corresponder com o jogador búlgaro. Concluiu que deveria tentar atingi-lo nesse ponto. “Mas agora, que está com Lilá, será que ainda vai sentir ciúme de mim”, perguntou a si mesma.

A dois dias da Festa do Clube do Sluge, Hermione decidiu: participaria da comemoração e acompanhada por um rapaz, de preferência, que pudesse deixar Ron enciumado. Logo lembrou que o próprio ruivo havia sugerido que fosse a festa com McLaggen e da rivalidade que existia entre os dois desde o teste para goleiro. “Com certeza ele vai ficar irado em me ver com Córmaco”, a bruxa concluiu deixando-se levar pelo sentimento de rancor.

Bastou dar uma indireta, dizendo que ainda não tinha companhia, para McLaggen convidá-la. À noite na sala comunal, num momento em que Ron e Lilá estavam por perto, a morena aproveitou para falar do “namoro” com o rapaz. Pela reação do ruivo, que interrompeu um beijo, Hermione percebeu que seu plano surtira efeito. Sorriu interiormente. “Agora ele vai se morder de ciúmes”, pensou.

Quando subiu para o dormitório, porém, Hermione foi tomada de grande tristeza. Definitivamente, não queria ir ao baile com McLaggen.

“Talvez Ron fique apenas mais magoado comigo e conclua outra vez que só dou importância às pessoas que têm um talento especial. Mas eu não devia ligar para o que ele pensa. Ron escolheu Lilá e ainda passou a me tratar muito mal. Tudo isso depois de eu ter tomado a iniciativa de convidá-lo para a festa”.

A garota concluiu, mais uma vez, que  Ron não merecia o seu amor e nem mesmo que perdesse tempo pensando nele. Enxugou algumas lágrimas teimosas e começou a se concentrar na difícil missão de conseguir pegar no sono.

Ron, que até o momento se mantinha indiferente à menina com relativo sucesso, ficou confuso depois de ouvir Hermione falar que estava namorando Mclaggen e iriam juntos ao baile. “Poderia ser eu e Mione, mas ela preferiu que fosse assim. O problema é dela. Eu estou bem com a Lilá”, tentou convencer a si mesmo.

A roupa tinha sido comprada no início do ano por Hermione para uma festa, baile ou outra ocasião especial na qual pudesse ir com Ron. Olhou para o vestido verde, simples e elegante, com certo desânimo. Foi um esforço se produzir, pentear os cabelos, colocar maquiagem, cordão e brincos para ter a companhia de McLaggen. Não gostava do jeito dele, rude, vaidoso, prepotente. Melhor seria ir sozinha, mas queria mostrar para o amigo que, apesar dele não a achar bonita, havia outros rapazes que se interessavam por ela.

Não imaginou que se sentira assim. Mas Ron estava impaciente no dormitório, vendo Harry se arrumar para a festa. Havia marcado com Lilá no salão comunal às vinte e trinta. Tinha ouvido Hermione combinar com MacLaggen meia hora antes e assim não corria o risco de se encontrar com ela. No entanto, experimentava uma grande angústia, parecia que lhe faltava ar e já não conseguia mais ficar ali, fechado. Resolveu sair.

Enquanto Ron descia as escadas, Hermione apareceu na porta do dormitório das meninas. “Ela está linda, ainda mais linda do que no Baile de Inverno”, pensou o rapaz hipnotizado diante da beleza da menina.

Os dois se encararam e, diante do encontro inesperado, Hermione não teve tempo de fazer a sua habitual expressão de zangada. Pelo contrário. Permitiu-se contemplar os olhos azuis que tanta amava. “Por que, Ron, você fez isso comigo? Por que se afastou tanto de mim?”, perguntou ao ruivo em pensamento e, apressando o passo, deu às costas ao rapaz antes que ele terminasse de descer as escadas.

McLaggen conseguiu ser pior companhia do que Hermione imaginava. Com sua inteligência rápida, ela não teve dificuldade para se desvencilhar do rapaz. Jamais beijaria aquele idiota e não estava disposta nem mesmo a dançar uma única música com ele! Quando percebeu que seria complicado fugir de Córmaco a noite toda, resolveu sair da festa.

Estava tão compenetrada em sua fuga que não pensou sequer na possibilidade de encontrar com Ron na sala comunal. Mas o ruivo estava lá, abraçado com Lilá. A garota passou veloz como um relâmpago, mas ainda assim os olhos dela e do rapaz se cruzaram por poucos segundos com um misto de tristeza e espanto.

Hermione não queria mais chorar por Ron, mas naquela noite foi inevitável. A festa fora péssima. Poderia ter sido tão boa se ela e o ruivo estivessem juntos... Ficou chateada consigo mesma ao pensar naquela possibilidade. O rapaz estava lá, agarrado com Lilá, e não merecia mais nenhuma lágrima dela. Em dois dias viajariam para passar o Natal fora e Mione poderia se esquecer de tudo isso.

O ruivo também não pegou logo no sono. Lembrava o tempo todo de Hermione, que parecia ter voltado tão triste do baile. Mesmo se a troca de olhares entre eles foi rápida, conhecia-a muito bem para perceber isso. Achou que seria muito bom ficar uma semana distante, durante o recesso de Natal. Pelo menos não teria que suportar o constante mau-humor da amiga e nem o jeito grudento de Lilá.

 

 

 

Por que tudo n’A Toca o fazia lembrar a amiga? Ron não deixava de se questionar sobre isso. Quando estavam em Hogwarts, a presença dela não era tão forte como agora. É verdade que, ultimamente, a menina tinha uma expressão raivosa sempre que encontrava com ele. Mas logo recordou que Hermione não estava com um semblante zangado no momento em que seus olhares se cruzaram no dia da festa... Será que a garota o perdoaria? Por Merlin! Mione o havia magoado ao beijar Krum e ainda esconder esse fato! Por que pensava em ser perdoado por ela?

Ron não esperava receber uma lembrança de Natal de Hermione. Também ele não comprara nada para a amiga. Havia presenteado a sua namorada, claro, com uma bonita tiara. Pavarti dera a dica, já que Gina se recusava a ajudá-lo. Mas quando abriu o pacote enviado por Lilá, não conseguiu deixar de pensar que Mione, com certeza, acertaria mais na escolha.

Fez Harry prometer que não contaria para os gêmeos que Lilá o havia presenteado com aquele ridículo cordão. Já bastavam as brincadeiras que os dois estavam tirando com ele desde que souberam que o irmão tinha uma namorada.

Naquela tarde, Ron tentava se concentrar no livro de Herbologia. Estava com muitos deveres atrasados agora que não contava com a ajuda de Hermione. De repente, ouviu um estampido e os gêmeos se materializaram em sua frente. Sabia que iriam provocá-lo e continuou lendo, ignorando a presença deles.

— Você acredita que Roniquinho preferiu a loura à morena? – perguntou Jorge.

— A loura tomou a iniciativa enquanto a morena está esperando a iniciativa dele há seis anos – respondeu Fred.

— E pelo visto, se não voltar para o búlgaro, vai ter que esperar no mínimo mais outros seis – disse Jorge dando um risinho abafado.

— Não sei se ele fez uma boa troca. Hermione pode até não ser muito bonita, mas é mais inteligente – enfatizou Fred.

— E como nosso irmãozinho não tem uma capacidade intelectual desenvolvida, precisa ter alguém assim por perto – completou Jorge.

O caçula dos meninos, que até aquele momento tentou manter-se indiferente, estava com as orelhas vermelhas e não suportou mais ficar calado.

— Parem com isso! Em primeiro lugar, Hermione é uma menina bonita. Em segundo, minha capacidade intelectual é muito maior do que a de vocês! – ele desabafou irritado.

— Ah, nossa provocação surtiu efeito! – comemorou Fred.

— Finalmente admitiu que acha Mionizinha bonita! – Jorge soltou  uma gargalhada, sendo acompanhado pelo gêmeo.      

Ron sacou a varinha do cós da calça e, antes que pudesse proferir um feitiço, os irmãos desaparataram dando risadas.

Ele achava que apenas os gêmeos cogitavam que tivesse algum envolvimento com Hermione. Como ninguém levava os dois a sério, não se preocupava muito com isso. Não imaginava que ele e a menina já tinham se tornado assunto de família e, portanto, a conversa que teve com o pai no dia seguinte ao Natal foi uma surpresa.

— Ronald Billius, quero dar uma palavra com você – Arthur se dirigiu ao final no final da manhã.

Já sabia que, quando o seu pai o chamava assim, era bronca ou um assunto muito sério. Como não tinha aprontado, acreditou que Arthur queria conversar sobre Voldemort, os Comensais da Morte e a Ordem da Fênix.

Acompanhou o pai até a garagem na qual ele guardava artefatos trouxas. Arthur não fez rodeios e começou dizendo que já tomara conhecimento do namoro dele com Lilá. “Sempre que seus irmãos começaram um relacionamento sério, fiz questão de conversar com eles”, ele falou com solenidade.  

— Para nós, bruxos, isso é algo muito importante. Como você sabe, o amor é uma força poderosa, capaz de interferir nas mais altas magias – explicou o patriarca dos Weasley.

O jovem bruxo olhava o pai em silêncio, tentando imaginar onde ele queria chegar com aquela conversa. Arthur foi mais objetivo do que ele poderia supor.

— Você realmente gosta dessa menina? Nunca tinha falado dela conosco... Eu e sua mãe achávamos que você gostava de Hermione Granger – o pai questionou-o.

Será que poderia gostar de alguém que conhecia ainda de forma tão superficial? Enquanto entendia o que Hermione queria dizer apenas com um olhar, Lilá nada lhe dizia. Ron, na verdade, achava a lourinha pegajosa demais. Esforçava-se para ter conversas interessantes com a menina, queria sinceramente se apaixonar por ela. Ignorava que não era possível mandar nos próprios sentimentos.

Mas espera aí? O pai acabara de dizer que ele e Molly achavam que Ron gostava de Hermione. “Mantenha a situação sob controle”, o rapaz falava para si mesmo, respirando fundo antes de responder:

— Eu gosto da Lilá. Mas não sei se o sentimento por ela vai se tornar algo tão forte a ponto de me levar a pensar em casamento, como o Gui. Ainda estamos nos conhecendo melhor.

Arthur ouviu com atenção o filho, mas voltou a perguntar sobre Hermione. “Você não sente nada especial por ela?”, indagou. Ron acabou revelando que a amizade dele com a garota havia estremecido e já não estavam mais nem se falando. “Nós sempre brigamos, mas dessa vez Mione exagerou e me atacou com um bando de pássaros”, contou.

O pai surpreendeu-o mais uma vez. Perguntou se Ron não havia cogitado que aquele ataque havia sido motivado por ciúmes de Hermione do namoro dele com Lilá. Sim, o ruivo já se perguntara algumas vezes se podia ser isso, mas sempre chegava à conclusão que a amiga não gostava dele.

— Fique atento, meu filho, para não perder o amor da sua vida. Muitas vezes ele está ao nosso lado, mas fechamos os olhos e não conseguimos enxergar. Quando finalmente despertamos, já é tarde demais – a voz de Arthur era tranquila.

Enquanto o pai tinha essa conversa com Ron, na sala de estar os demais Weasley falavam sobre o irmão.

— Quero ver qual vai ser a reação do Ron. Acho que não tinha ideia que namoro para o sr. e srª Weasley era algo tão sério – disse Gui.

— Eu lembro quando papai teve uma conversa assim comigo. Foi decisivo para eu resolver fazer do trabalho com os dragões o meu ideal de vida – afirmou Carlinhos.

— Papai vai dar é uma chamada em Ron – garantiu Fred.

— Ele e mamãe não entendem como, gostando de uma menina, nosso caro irmãozinho pode namorar outra – argumentou Jorge.

— Ron gosta de outra menina?! Vocês estão falando de Hermione? – perguntou Harry, que até então não participara da conversa.

— Estamos falando de uma menina com pouco mais de um metro e meio, muito inteligente, mas com um gênio péssimo, como Roniquinho – respondeu Fred.

— Ele nunca me falou que gostava de Mione... – contrapôs Harry.

— Mas nem Ron sabe disso. Nega a verdade para si mesmo e ainda tem certeza que Mionizinha não está nem aí para ele – enfatizou Jorge.

— Ron não entendeu que o ataque dos pássaros foi uma grande cena de ciúmes – disse Gina, entrando na discussão.

Nesse instante Molly chega à sala e, ao perceber que os irmãos falavam de Ron, trata de encerrar logo a conversa.

— Vamos dispersando vocês todos. Ron já vai voltar e não quero que o aborreçam. Gina, Fred e Jorge, venham me ajudar na cozinha. Carlinhos e Gui, deem uma limpeza nos jardins. Harry, querido, você pode ajudar os dois? –  ordenou a mulher, que sabia conduzir tudo e todos na Toca.

O sexto filho dos Weasley entrou na sala ainda pensando na conversa que acabara de ter. Sentiu vontade de fazer tantas perguntas ao pai, mas ficou bloqueado. Será que Arthur e Molly achavam que Hermione gostava dele? Fred e Jorge sempre insinuavam isso, mas sempre por intermédio de brincadeiras que ele não podia levar a sério.

Não podia mentir para si mesmo. Ele estava sentindo grande saudade da amiga. Lembrava dela o tempo todo, dos natais e outros momentos nos quais estiveram juntos n’A Toca. Como era bom conversar com a menina, dar risadas juntos, fazer dupla com ela no quadribol. Hermione sempre se desesperava por não conseguir ir bem no jogo e nessa hora os papéis se invertiam e era Ron que dava dicas para a morena.

Tinha que reconhecer: os momentos passados junto com a amiga nunca eram monótonos. Ela sempre tinha uma conversa interessante e, apesar de parecer tão séria e responsável, sabia rir de suas piadas e quebrar regras quando necessário. Como Hermione fazia falta em sua vida! Por que precisavam ter se distanciado tanto, pensava com tristeza.

Sabia que a amiga estava muito magoada com ele. Reconhecia agora que tinha sido muito rude com ela e, para piorar, a ridicularizou na frente de toda a turma. Agiu assim em resposta ao deboche da menina, mas admitia que havia exagerado. Percebeu quando os olhos de Hermione encheram de lágrima e viu-a sair correndo da sala, esquecendo todo o material. Sentiu vontade de sair disparado atrás dela e pedir desculpas. Mas agora tinha Lilá e não podia agir assim.

 

 

 

Hermione nunca havia sentido tanta solidão e tristeza. Mesmo se lutava com todas as forças para não se lembrar de Ron, sempre o seu pensamento se voltava para ele. Recordava os dias felizes vividos com o ruivo e, de modo especial, os natais que passaram juntos.

Gostava tanto de estar n’A Toca... Era uma casa muito simples e sinistra até. Parecia que havia crescido à medida que a família aumentava, desafiando a engenharia trouxa. Com certeza, só se mantinha de pé devido à magia. Ao mesmo tempo era tão aconchegante!

Da cozinha vinha um aroma delicioso de guloseimas preparadas com carinho por Molly. As salas de jantar e de estar eram sempre animadas por conversas e risadas. Todos os ambientes tinham calor, luz e cor, assim como os Weasley.

Amava muito aquela família, cada um dos seus membros. Até mesmo Percy, com seu nariz empinado. Sabia que no fundo ele tinha bom coração. Afinal, era um Weasley e isso significava muita coisa. A menina tinha consciência dessa realidade mais do que o próprio Ron.

Jamais conhecera, seja entre os trouxas e os bruxos, uma família mais especial. Vivia sempre momentos felizes quando se encontrava n’A Toca. Mas claro que era Ronald Billius o principal motivo para querer sempre estar ali. Naquela casa torta compreendia, mais do que em qualquer outro lugar, quem era Ron.

Observava o rapaz conversando de forma tão compenetrada com o pai, recebendo os afagos e broncas da mãe, sendo caçoado pelos irmãos e como conquistava seu espaço entre eles. Mesmo se dizia o contrário, Ron era muito querido por todos.

Não era uma pessoa guiada pela cabeça, como Hermione. Tudo para o ruivo passava primeiro pelo coração. Por isso as palavras saiam por vezes impensadas de sua boca, mas por isso também pedia perdão e esquecia mágoas com facilidade. Mas, acima de tudo, seguir o coração o levava a ter coragem de fazer qualquer sacrifício pelos amigos e por todas as grandes causas nas quais acreditava.

Era filha única e seus pais, os bem-sucedidos dentistas Albert e Jean Granger, muito organizados, dedicados ao estudo e ao trabalho, ensinaram à menina desde cedo que o conhecimento é um dos patrimônios mais importantes. O pai, reservado e apaixonado por livros, e a mãe, comunicativa, prática e decidida, estimularam a filha a ser independente e racional. A garota pensara ter aprendido a lição, mas Ron a tirava do sério e a fazia mostrar seu lado explosivo e passional.

A casa da menina, perto d’A Toca, parecia sempre fria. De modo particular este ano, quando passava o Natal apenas com o sr e srª Granger. A família era pequena: além dos pais, tinha apenas a avó materna e uma tia que morava na França com o marido e duas filhas, uma da mesma idade de Hermione, outra dois anos mais velha. Mas dessa vez todos decidiram ficar em Paris, para onde seguiu também a avó, e o os pais de Hermione, por questões de trabalho, permaneceram em Londres.

Por mais que Albert e Jean procurassem agradar a menina, fazendo suas receitas preferidas e enchendo-a de presentes e mimos, ela experimentava um grande vazio. Sentia falta do calor que emanava d’A Toca e, especialmente, de Ron. Sorria ao pensar que assim como ela tinha essa ligação com a terra, com tudo que era concreto, o menino se identificava com o fogo e até o seu cabelo vermelho mostrava isso.

Hermione se esforçou ao máximo para que os seus pais não percebessem que estava triste. Mas foi Albert, normalmente desligado, que primeiro perguntou o que estava acontecendo com a filha.

— Estou achando você tão desanimada... Não quer passar o dia amanhã na casa dos Weasley? Eu e sua mãe levamos você lá – ele sugeriu.

— Não, pai, obrigada. Quero ficar com vocês – Hermione respondeu, tentando disfarçar o quanto ficara surpresa com essa proposta.

— Aquele rapaz... Ronald, não é mesmo? Ele deve telefonar ou mandar uma mensagem pela coruja para você. Sempre faz isso. Com certeza vai convidá-la para passar uns dias lá. Se você quiser... – Albert continuou.

— Pai, eu já falei. Não quero sair daqui! – a voz da garota saiu num tom mais alto que o normal. – Agora me dá licença, por favor, que estou com um pouco de dor de cabeça e vou para o meu quarto.

O dentista achava a filha muito madura e responsável. Por isso dificilmente se preocupava com as decisões da menina, já que acreditava que ela sempre fazia a escolha certa. Pela primeira vez, no entanto, sentia que Hermione era mais frágil do que imaginava e precisava de seu apoio. Com respeitava demais a privacidade da filha, não quis bater na porta do quarto dela. Mas pediu a esposa Jean para ir falar com Mione.

Quando a garota abriu a porta do quarto, seus olhos ainda estavam vermelhos. A mãe pediu licença para entrar, dizendo que precisava falar com ela. Perguntou o que estava acontecendo com Hermione, por que andava tão triste e se recusara visitar A Toca, lugar do qual tanto gostava.

Hermione tentou esconder tudo que se passava com ela. Primeiro porque era reservada por natureza e não gostava de falar, nem com os próprios pais, dos seus sentimentos. Depois porque não queria preocupá-los.

Percebeu logo, porém, que dessa vez seria impossível não falar para mãe o que estava acontecendo. Antes que pudesse pensar na melhor forma de dizer que havia rompido a amizade com Ron, a mãe tomou a iniciativa.

—Filha, a sua mãe conhece você melhor do que imagina. Desde que chegou aqui notei que estava triste. Até o seu pai, que é mais desligado, percebeu o seu abatimento. Você precisa confiar em nós. Não existe quem queira mais o seu bem do que nós dois – com a voz suave, Jean Granger a incentiva a falar.

Aquelas palavras tocaram fundo o coração da menina, que se sentia tão solitária. Ela, que tentava se manter forte até aquele momento, desmoronou e lágrimas sentidas começaram a rolar por sua face. A mãe abraçou a filha em silêncio e ficaram assim por alguns minutos.

No momento que se desprenderam do abraço, a menina sentou em sua cama e Jean ocupou a cadeira da escrivaninha. Hermione não sabia por onde começar nem o que dizer. Apenas uma vez havia insinuado algum interesse por Ron. Foi no recesso depois do Baile de Inverno, quando perguntou a mãe se era comum amigos terem ciúmes um do outro. A mãe quis saber o porquê do questionamento e jovem acabou revelando que Ron tinha ficado muito enciumado por ela ter ido ao baile com o jogador búlgaro.

Ainda recordava das palavras que a mãe lhe dirigiu na ocasião: “Amigos podem ter ciúme, sim. Mas pode ser, também, que Ron não veja você apenas como amiga. Talvez queira um relacionamento ainda mais próximo”.

Pensava no que dizer dessa vez quando a srª Granger tomou mais uma vez a iniciativa. “Filha, você e Ronald brigaram? É por isso que está triste?”, perguntou de forma carinhosa. Como a mãe podia saber exatamente o que estava se passando? Será que também era uma bruxa e tinha uma bola de cristal?

A garota abaixou os olhos e permaneceu em silêncio. Deveria contar para a mãe que gostava de Ron, mas que ele namorava outra pessoa? Parecia tão exagerada a sua reação diante do fato em si que não tinha coragem de falar. Acreditava que os seus pais esperavam que sempre tivesse autocontrole, firmeza e agisse de forma racional e inteligente. Como podia dizer que estava se deixando guiar pelos sentimentos, que atacara o rapaz com um feitiço, sem medir as consequências desse ato, por pura mágoa e ciúme?

— Minha filha, você cresceu, tornou-se uma adolescente, e jamais tivemos uma conversa sobre como nossas emoções e sentimentos mudam nesse período. O coração começa a falar mais alto e nos surpreendemos com a força com que ele conduz a nossa vida. Você não precisa se envergonhar dos seus sentimentos... – Jean incentivou a garota a se abrir.

— Mãe...eu... - Hermione respirou fundo e enxugou uma lágrima que teimava em cair – eu e Ron não somos mais amigos.

Agora que ela começara a se abrir, a srª Granger, que era persistente como a filha, não deixaria que a confidência ficasse pela metade. Lembrou que os dois já tinham se desentendido várias outras vezes – isso Hermione havia contado para a mãe – e sempre voltavam a se falar.

Hermione explicou que dessa vez não acreditava que voltariam a se falar. “Magoamos demais um ao outro”, ela resumiu. A mãe disse que o arrependimento sincero cura muitas feridas. Faltava, no entanto, a confidência mais importante.

— Filha, você precisa confiar em mim e se abrir. O seu sentimento por Ron é mais forte do que uma simples amizade, não é? – a mãe fez a pergunta mais difícil.

O jeito era se render. Jean Granger já sabia de tudo. Para que negar? “Eu gosto muito de Ron, muito mais do consigo expressar. Mas quero e vou esquecer dele. Ron me tratou muito mal e agora ainda está com uma namorada”.

Todos os argumentos em defesa do relacionamento dos dois foram usados pela mãe: Hermione devia perdoar o rapaz, dar uma oportunidade dele se justificar e retomar a amizade. Nenhum deles demoveu Hermione de sua decisão. Ela estava muito magoada e convencida de que devia tratar Ron com o máximo de desprezo. E foi com esse sentimento que ela voltou a Hogwarts para o reinício das aulas.

 

* * * * * * * * * * * *

 

Para ouvir antes, durante ou depois de ler o capítulo:

Who Am I To Say

http://bit.ly/2dRNUqa

(Hope)

Love of my life, my soulmate 
You're my best friend 
Part of me like breathing 
Now half of me is left 

I don't know anything at all 
Who am I to say you love me 
I don't know anything at all 
And who am I to say you need me 

Color me blue I'm lost in you 
Don't know why I'm still waiting 
Many moons have come e gone 
Don't know why I'm still searching
(…)

 

 


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Notas finais do capítulo


Em primeiro lugar, peço desculpas pela longa ausência. Estou com pouco tempo e confesso que priorizei minha outra fic, que tem gerado maior interação da parte dos leitores. Mas, mesmo que demore um pouco, vou continuar atualizando essa história. Amo demais o sexto livro de HP, que revelou para quem ainda duvidava, a força do sentimento de Ron e Mione ♥

Quem leu o livro percebeu que, quando voltam do recesso de Natal, Ron e Mione estão diferentes. O rapaz, parecendo arrependido, tenta se reaproximar da amiga. Hermione, por sua vez, está mais fria e, diria até, amarga. A mágoa, mesmo se perfeitamente compreensível, é um veneno. Com uma leitura pessoal das entrelinhas, apresento algumas das possíveis causas dessas mudanças dos dois.

Um forte abraço, Morgana

P.S: Para vocês que estão curtindo as músicas incidentais, essa é triiiste! Mas tem tudo a ver com o momento dos dois, especialmente com o sentimento de "abandono" experimentado por Hermione




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