Anatomia de um amor imortal escrita por Eduardo Marais
Colocado em um dos andares inferiores daquele castelo, Vladimir é deixado à própria sorte para buscar uma saída. Ele caminha pelos corredores semi obscuros, tateando as paredes frias para encontrar alguma pista do rumo a seguir.
As sombras tinham vida e emitiam sons chorosos, como lamentos abafados e eram tão densas que podiam ser tocadas. Movimentando-se, atrapalhavam os sentidos do homem e muitas vezes ele se via retornando para o mesmo lugar.
Vladimir segue tateando e confunde-se com as luzes bruxelantes das velas nas paredes. Velas com chamas que tremiam e apagavam-se para depois acenderem-se sozinha. É quando ele percebe que a cera da vela derretia-se e pingava para cima, apagando a chama.
Finalmente consegue sair daquele corredor para atingir outro corredor mais longo. Para por segundos para observar o ambiente, quando as paredes começam a mover-se e cercam o prisioneiro, criando um novo cômodo com contornos arredondados.
Momentos depois, Vladimir identifica o lugar como sendo o fundo de um poço. Olha para cima e vê as grades que impediam a saída de quem conseguisse subir pelas paredes. Estendendo as mãos na superfície fria e úmida, Vladimir sente a firmeza dos blocos e não consegue encontrar a porta. Era um cômodo sem saída.
Ainda em sua procura, o prisioneiro sente algo incomum acontecer: bocas surgiam entre os blocos e tentavam morder suas mãos. As paredes estavam vivas e famintas! Elas começam a mover-se e a empurrarem Vladimir para o centro do cômodo, quando ele percebe que no centro do chão havia um buraco que emanava vento e cheiro de carne podre.
Estava sendo empurrado para cair naquele foco e ao tentar proteger-se encostado na parede, sentia as mordidas em sua carne. Ele cai ajoelhado e suas mãos tocam o chão frio, mostrando que não havia foco algum. Desesperado, Vladimir chora.
— Eles me abandonaram...quase metade de um ano...eles me abandonaram...
E naquele suplício, Vladimir vive por dias longos, escuros e frios.
Enquanto isso, Regina e Killian desembarcam na estação de trem e observam ao seu redor. Qualquer movimento poderia ser considerado suspeito.
— Está frio! – Killian ajeita a gola do casaco. – Para onde, agora?
— Vamos trocar de plataforma e seguir para o sul. Temos de buscar informações com alguém, antes de visitarmos a minha querida Condessa.
— Quem?
— Preciso ver um padre da Igreja Ortodoxa. O nome dele está latente em minha cabeça e sei onde encontrá-lo. Provavelmente, ele sabe de mim e deve ter me visto, quando minha alma visitava Vlad.
Killian coloca o capuz de sua jaqueta e segue os passos de Regina. Agia como se fosse um cão de guarda, feroz, desconfiado e fiel.
Por mais dois dias, os amigos viajam pelas terras romenas até chegar a uma pequena cidade com bastante movimentação turística. Avistam uma igreja feita em pedras, cuidadosamente trabalhada e conservada e era ali mesmo que deveriam estar.
Regina abre a porta da igreja e permite que Killian entre primeiro. Lentos e atentos, os dois se aproximam do altar, observando algumas poucas pessoas ajoelhadas em suas orações. Sentam-se nos primeiros bancos e aguardam silenciosos, ferozes e belos como se fossem lobos ao crepúsculo.
— É estranho ver você em carne e osso, quando me acostumei a vê-la apenas como um véu translúcido. – um padre se senta ao lado deles.
— O senhor me conhece?
— Não conhecia até que sua alma começou a vir em meus sonhos e depois passar a transitar aqui em minha igreja. Sua força brilhava tanto que não havia como ignorar você. O que buscava em minha igreja?
— Eu não vinha em sua igreja, padre Tobbar. Eu estive protegendo o homem que amo.
— Sei disso, minha filha. Numa dessas noites frias, você me chamou até as proximidades daquele castelo assustador, como se pedisse para ajudá-la a entrar ali. Eu sei quem são os moradores.
Killian olha o perfil do padre.
— Sabe e nunca tentou combater?
— Sozinho? Ainda não enlouqueci a tanto. A Condessa é empresária conhecida no país e não há como ligá-la ao mal que representa.
— Não temos o interesse de fazer isso. Ela pode continuar viva e fingindo ser uma pessoa normal. Tudo o quero apenas o que é meu e que foi roubado por ela. – Regina esfrega as mãos. – Por que pensei que o senhor poderia me ajudar? Por que me mostrei ao senhor?
O padre sorri sem exibir os dentes.
— Talvez porque você tenha simpatizado comigo quando viajava fora de seu corpo ou porque eu sou um soldado esperando a verdadeira batalha para lutar.
Regina se move no banco e encara o padre.
— O que o senhor pode nos oferecer de concreto? Armas? Informações? Como se combate coisas como ela? De onde retira a força? Quais as fraquezas?
— Posso oferecer mais dois braços contra os ciganos, posso oferecer armas e colocá-los dentro do castelo sem serem percebidos. Eu cresci nessa região.
Regina e Killian se entreolham e depois sorriem.
— Mas sugiro que vocês dois venham alimentar-se, aquecer-se e descansar um pouco. Enquanto isso, providenciarei informações úteis.
Era estranho, mas Regina sente profunda confiança naquele homem magro e de rosto falsamente feroz.
Na manhã seguinte, o casal entra num cômodo e encontra o padre organizando uma bolsa escura. O padre sorri e os convida a entrar.
— O castelo da Condessa está protegido por mercenários ciganos. Os ciganos não temem o sobrenatural e quando são bem pagos, tornam-se fiéis. Um embate de peito aberto não será inteligente.
— O que sugere, padre? – Regina toca um livro de capa em couro.
— Sugiro que usemos as passagens secretas. Lá dentro, poderemos usar o fator surpresa para impingir as baixas nos soldados da Condessa. Mas temos de fazer isso durante o dia e quando cair a noite teremos apenas os três espectros para combater.
— Quais as fraquezas dessas coisas? Como poderei enfraquecer a Condessa? – Regina pergunta.
— Destruindo o criador dela.
— Eu posso fazer isso. – Killian sorri. – Numa luta direta não, mas poderemos paralisá-lo e depois o decapitarei.
Regina concorda com um movimento de cabeça. Havia usado uma vez aquele tipo de droga e poderia ser usada outra vez.
— Dentro do próprio território, eles são muito mais fortes. Sugiro que criemos o efeito dominó: destruindo o criador dela, iremos enfraquecê-la e poderemos vencê-la. – o padre entrega uma pequena besta de madeira para que Regina a segurasse. – Essa é uma arma infalível e importante contra o criador dela.
Regina acaricia a arma e a devolve ao padre.
— Mas há um porém: há apenas um disparo, porque a besta irá dissolver depois que a flecha se for, acertando ou não o alvo. Consegue fazer isso? – ele sorri para Killian.
— Sou o segundo melhor atirador de elite de meu Estado, perdendo apenas para meu irmão. Considere o serviço feito!
O padre se aproxima do casal e estende as mãos para os dois. De mãos dadas, os três evocam suas proteções espirituais e armam-se para o inicio daquele embate perigoso.
— Estão portando armas de fogo?
— Não havia como passar pelo aeroporto com armas de fogo. – Regina responde secamente, escondendo a agonia de seu coração e o anseio que resgatar seu valioso soldado.
— Seria estupidez a minha, perguntar se o senhor possui armas de fogo? – Killian não é divertido.
Abrindo as portas de um armário de madeira, o padre apanha uma bolsa grande e velha, colocando-a sobre uma mesa pequena.
— Tenho balas mortais e balas de borracha. Há também algumas bombas de efeito moral e sprays, máscaras. Querem coletes? – o padre sorri.
— Está com tudo planejado?
— Desde que sua alma entrou em minha vida, filha. Noite após noite tenho imaginado como poderia retirar o homem de lá, sem provocar mortes dos ciganos. – o padre começa a retirar a batina e exibe aos olhos dos visitantes um físico de atleta protegido por roupas simples. – Vamos nos aquecer e seguir nosso caminho.
Killian e Regina se abraçam e trocam desejos de boa sorte.
— Lembrem-se de que viver num castelo com criaturas sobrenaturais é perigoso para a sanidade de um homem. Em quase metade de um ano, eu recebi a sua visita, filha, então significa que o homem que está naquele castelo não é o mesmo homem que vocês conheceram.
— Padre, o homem que está naquele castelo é o meu irmão. Iremos entrar lá e resgataremos o meu irmão. – Killian olha o padre de soslaio. – Para que um padre quer tantas armas?
— Nunca se sabe quando precisarei roubar alguma agência bancária. Como pensa que sustento minha paróquia, meu asilo e meu orfanato?
— Que os Céus nos protejam!
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