Não olho para mais lado nenhum e saio andando com meu guarda-chuva me protegendo parcialmente da chuva.
–Alice, espera.
Fecho os olhos e paro abruptamente e viro-me para olhar para Matt.
–O que você quer? - pergunto.
Ele analisa meu rosto molhado de lágrimas e eu continuo:
–Como pôde ser egoísta a esse ponto? - digo.
–Eu sou egoísta? - ele pergunta e dá risada. - Está brincando comigo? Acha que é fácil eu ver você com o Kyle enquanto eu queria estar no lugar dele pra te tocar?
Sinto a raiva e o desespero crescendo cada vez mais dentro de mim.
–Você não tem o direito de dizer essas coisas para mim. Você mesmo disse no Starbucks que não ia falar nada porque não queria ser egoísta.
– E você me pressionou para contar.
Fecho os olhos e respiro fundo.
–Kyle apareceu na minha vida primeiro. Eu não posso fazer nada. Eu sinto muito.
Abro os olhos e olho para seu rosto. Os olhos verdes dele estão semicerrados por causa da garoa forte e seus cabelos loiros cor de pastel estão começando a ficar bem úmidos.
–Ótimo. Espero que você seja muito feliz então.
Fungo.
–Eu sinto muito.
–Eu também.
Matt dá as costas para mim e depois se vira para me olhar novamente.
–Só mais uma coisa. - ele diz. - Eu não quis te bater, no dia do acidente.
–Mas bateu. É assim que você queria me tocar? Como espera que eu troque uma pessoa que me trata bem por alguém que levantou a mão para me bater?
Matt assente.
–Não espero. Mas quero que saiba que eu realmente me arrependi e não vou desistir de você.
Dou as costas para Matt e saio andando. Não posso ficar ali nem mais um minuto.
Eu ficaria bem desapontada comigo mesma se, tempos atrás, eu tentasse resolver ou esquecer algo á base de bebida alcóolica. Mas foi o que eu tentei fazer.
***
No mercado mais próximo, eu esperava a fila enorme do caixa diminuir enquanto escolhia uma garrafa de vinho. Se era para beber,eu deveria beber algo que eu gostava.
Peguei uma garrafa de vinho branco. Não me importava se ele era muito caro ou muito barato. Não me importava o nome. Eu só precisava de álcool.
Fui para o caixa menor e peguei uma nota de vinte e uma de dez dólares, joguei em cima da caixa registradora e saí com a garrafa na mão com todos me olhando.
***
Em casa, sentei-me no sofá e liguei a televisão. Havia um prato grande com rodelas de salame e azeitonas recheadas no braço do sofá. Abro a garrafa de vinho e encho uma taça do líquido de coloração transparente. Levo a taça até a boca e sinto o líquido borbulhante descendo gelado por minha garganta. Os pingos de chuva se acumulam contra a janela grande da minha sala. Não estou prestando atenção na televisão e sim na rua movimentada trinta andares abaixo de mim. O céu nunca esteve tão cinzento e repleto de nuvens.
***
Abro os olhos sobressaltada e ouço novamente o barulho que me despertou. A porta do meu apartamento está sendo esmurrada e meu celular toca ao mesmo tempo em algum lugar. Sento-me segurando a cabeça. Estou tonta, a sala toda está girando. Suspiro e grito um "já vai" mau humorado enquanto a porta é esmurrada e alguém chama meu nome. Não consigo reconher a voz.
Coloco-me de pé e me seguro no braço do sofá para não me desiquilibrar. Andar em linha reta até a porta amarela, sem cambalear, parece impossível.
Destranco a porta com as mãos trêmulas e abro. Estreito os olhos para tentar enxergar em meio a visão duplicada. Reconheço o cabelo vermelho de Kyle e seus olhos verdes alarmados me olhando.
–Eu estou te ligando há quase meia hora.
Aperto os olhos e passo a mão pelo cabelo. Minha boca está seca.
–O que você quer? - minha língua parece pesada.
–Você está bêbada?
–Não. - digo e olho para meus pés.
Ouço Kyle suspirar e entrar dentro do apartamento. Estou de olhos fechados encostada na porta. O sono que eu sinto é algo esquisito e quase incontrolável.
–Vem, vou te levar para o banho.
Olho para Kyle e puxo minha mão da sua. Ele olha para a minha mão e depois para o meu rosto.
–Você me deixou falando xozinha. Você me odeia. - cruzo os braços em frente ao meu corpo.
Kyle larga a mochila no chão. Olho para ele e sinto as lágrimas escorrerem por meus olhos. Meus olhos ardem.
–Você me odeia. - repito. - Eu te amo. Não vou te trocar por ninguém. - balanço a cabeça negativamente de olhos fechados. - Eu não quero ninguém, só você. - estou soluçando.
Cubro o rosto com as mãos. Estou chorando como uma criança que caiu e se machucou.
Sinto os braços de Kyle me pegando e o chão desaparece sob meus pés.
Acho que cochilo por alguns minutos porque só acordo quando sinto uma água morna, quase fria, sobre minha cabeça.
Olho em volta e vejo que estou no banheiro, sentada no chão e encostada na parede. É como ae a história se repetisse de algum modo, como na primeira noite em que nos vimos. Kyle está ajoelhado ao meu lado de roupa, molhando sua calça jeans e toda a sua roupa enquanto me molha com um chuveirinho. Encontro seus olhos verdes olhando para mim e sinto outra súbita vontade de chorar.
–Eu te amo, Kyle. Você sabe disso, não sabe?
Fico de joelhos e Kyle me abraça enquanto eu deito minha cabeça em seu peito, molhando seu suéter e sua roupa toda ainda mais. Estou tremendo.
–Eu te amo, também. - ouço ele dizer. - Mas preciso te dar um banho, vamos lá. Fica sentada.
Ele me senta novamente e eu fecho os olhos enquanto a água cai sobre mim. Ela está muito fria, quero sentir calor. Quero sentir o calor vindo dele.
Espero pacientemente Kyle me dar banho. Ele lava meus cabelos, massageando os fios e o couro cabeludo suavemente e depois enxagua com o chuveirinho. Perco a noção do tempo enquanto estou sentada ali, sentindo sua mão pelo meu corpo.
Quando ele enfim termina, ele me enrola em uma toalha e meu cabelo em outra. Kyle me faz sentar em cima da tampa do vaso sanitário e diz:
–Eu vou pegar uma roupa para você.
Não consigo falar nada então só concordo com a cabeça e o observo sair do banheiro todo molhado. Ele volta logo depois com uma blusa grande de moletom cinza que eu nem lembrava que tinha e que batia no meio das minhas coxas.