Nós nos encontrávamos todas as noites, desde pequenos.  Não sei por que; talvez porque na escuridão tudo parecia ser mais verdadeiro, mais reciproco, ou porque os seus cabelos loiros ficavam mais bonitos a luz da lua.

Ela ainda continuava a mesma. Mesmo depois de tantos anos juntos eu não consigo enjoar do seu jeito, nem do jeito de andar nem do jeito de sorrir. Eu a amava, de todo coração, eu a amava e tinha tanto medo que o sentimento não fosse mútuo que nunca havia lhe dito.

Naquela noite estava escuro e estava tarde. O orfanato parecia mais sombrio e assustador à noite. As paredes pareciam se fechar, eu estava começando a ficar assustado... Até que vi do outro lado do corredor com um enorme sorriso, aqueles cabelos loiros. Ela era linda, mesmo usando o mesmo moletom de segunda ou terceira mão, e sandálias gastas, ela continuava linda.

Ela me chamou sem dizer uma palavra, eu dava passos ansiosos e atrapalhados, não sabia quais seriam as consequências dessa noite, e com certeza não sabia o que aconteceria depois. As minhas mãos suavam de nervoso, sentia o meu coração acelerar a cada passo e o ar parecia mais denso.

Quando dei por mim, ela já escalava o topo do muro, tão fácil que parecia ter sido treinada para aquilo por anos, eu estava com medo, olhei para trás muitas vezes com receio.

“Vem Stiles!” dizia com um sorriso branco de cima do muro.

“Acho melhor nós voltarmos, vão acabar achando a gente e vamos passar o resto da vida aqui!”

“Não fica com medo, Stiles. Eu vou está com você.” Disse com a mão estendida.

Pensei em sair correndo dali, mas como olharia depois para ela? Com certeza me acharia um fraco, um covarde. Com um pouco de dificuldade escalei o muro até onde ela estava, ela me ajudou com uma das mãos.

“Eu não tenho medo.” falei com um sorrisinho de lado.

“Uhum... sei!” disse debochada. “Vamos?”

“Vamos!”

Pulamos o muro do orfanato, estávamos livres, até a meia noite, era o horário que precisávamos voltar, não poderíamos ser pegos, caso contrario nunca mais nos veríamos novamente, e eu não conseguiria sobreviver sem ela.

Já passava da hora de dormi para crianças de 13 anos como nós, mas para o resto do mundo, ainda era muito cedo. Todas as luzes da cidade estavam acesas, todos os lugares abertos, poderíamos fazer o que bem entendêssemos, mas não se pode fazer muito sem ter dinheiro.

“E agora o que faremos para conseguir dinheiro?” perguntou com as duas mãos na cintura.

“Não assaltaremos um banco! Nem pense nisso!”

“A gente podia ir há algum lugar. Não precisamos de dinheiro.”

“Eu sei de um lugar” falei pegando em sua mão e guiando-a para um lugar que já tinha visitado milhares de vezes.

Andamos pela cidade como pessoas normais, apesar das roupas terem o logotipo do orfanato, ninguém parecia notar. Depois de alguns minutos subindo uma enorme ladeira de terra, nós chegamos ao topo.

Ainda era como a última vez, o meu pai tinha me levado lá antes de morrer oito anos antes, eu era muito pequeno mas ainda lembro o caminho, era ali em cima de um morro, com vista para as luzes coloridas da cidade que fazíamos o nosso piquenique semanal, sempre à noite, pois ele trabalhava muito ao dia.

Olhei para ela, e vi os seus olhos brilharem como as luzes que víamos, os cabelos dourados caídos nos ombros balançando ao vento; ela tinha o olhar fixo na vista, parecia está hipnotizada, e estava tão linda a pouca luz, devagar  ela foi sentando no chão e eu a acompanhei.

“Stiles, é lindo.”

“O meu pai me trazia aqui toda semana, nós nos sentávamos aqui e contávamos o que aconteceu no nosso dia. Era o meu lugar preferido no mundo todo.”

“Era? Não é mais?”

“Não. Eu não gosto tanto agora que ele não está mais comigo.”

“Quem disse que ele não está mais com você? Eu tenho certeza de que independente de onde ele esteja ele sempre vai estar com você.” Ela disse e eu a olhei fixamente, como ela podia me deixar tão bem?

“Eu acho que sim.”

Ficamos ali olhando para as luzes que nunca se apagavam, ela esfregava os pulsos e fazia uma cara de dor, com certeza eram os cortes que doíam, ela se automutilava para se acalmar, eu nunca entendi o por que.

“Por quê?”

“Por que o que?” disse soltando os pulsos em seu colo.

“Por que você faz isso com você? É perigoso, um dia você pode atingir uma veia ou sei lá, você poderia morrer.”

“Stiles, eu não tenho medo de morrer.”

“Mas eu tenho medo. Tenho medo de perder você também. Eu já perdi muitas pessoas, e não quero que você seja uma delas.”

“Não tenha medo, Stiles. As pessoas tem que se acostumar com a morte, um dia ela vem e não tem mais volta. Você não pode ser responsável por nada, nem pela vida dos outros, nem pela sua.” Diz seriamente e depois de alguns segundos voltou o olhar para a vista.

Eu não queria brigar, nem começar a conversar sobre assuntos fúnebres, eu só queria passar um tempo com ela, olhando para ela.

Deitei no chão, na esperança que ela se deitasse a meu lado, e foi exatamente o que ela fez, deitou do meu lado, apesar do frio nós não nos abraçamos, só ficamos em silêncio por um bom tempo, o silêncio era a nossa maneira de dizer que apesar de tudo, estávamos bem, não para sempre, mas estávamos bem agora.