Alvo Potter e a Sala de Espelhos escrita por Tiago Pereira


Capítulo 9
Capítulo 9 — Derrubada


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, gente! Tudo bem com vocês? Espero que sim.
EU FIZ O MILAGRE. CONTRA TUDO E CONTRA TODOS EU CONSEGUI POSTAR O CAPÍTULO!!!! YEY!
Okay, desculpe a crise de loucura. Quero agradecer a cada um de vocês, leitores da fic, pelos DOIS MESES juntos comigo e com o Alvo. Sério, é um prazer estar contando esta história para vocês. Muito obrigado mesmo a todos que deram minutos de seus dias para ler e comentar aqui!
Sem mais delongas, mais um capítulo bem... intrigante. :)



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ÍRIS VEIO COMO UMA BALA DE CANHÃO na manhã seguinte. A coruja-da-igreja era um mero borrão castanho e branco esvoaçando dentre as demais em meio à geleia e a jarra de suco de abóbora; deixou escorregar um bilhete nos ovos mexidos de Alvo.

Limpando o rosto com a manga das vestes, o menino abriu a entrega imediatamente.

 “Bom dia, Alvo — estava escrito num garabulho. — Só estou mandando esta carta para lembrá-lo do convite que fiz para tomar chá essa tarde na minha cabana por volta das três e meia. Você vem? Estou ansioso para saber como andam as coisas. Traga Rose também! Responda-me o mais rápido possível. Hagrid.

Alvo pegou emprestado a pena de Fred que soltava pum e respondeu um curto “Vejo você mais tarde” no revés e despachou Íris, que mordiscava a torrada de Victoire. A garota estava com as maçãs do rosto tomando cor enquanto lia uma carta com laçarotes rosas e com um selo de coração, dando suspiros a cada linha. Tiago, com cara de poucos amigos, se aproximou e estendeu ao irmão um envelope castanho, cruzando os braços.

— Carta dos nossos pais — rosnou. — Dá para acreditar que a mamãe me enviou um berrador? — E então, incomodado com o cheiro, Tiago fungou e soltou um blé de repugnância. — Vá tomar banho, Alvo, você está podre! Só não matou o Nick Quase Sem Cabeça porque ele já é um fantasma... Minha nossa!

Alguns alunos da Lufa-Lufa apontavam para Tiago e riam prazerosamente.

— Viu? — Meteu-se ao lado do irmão, chapando o chapéu até as sobrancelhas. — Foi meio difícil não ser flagrado no banheiro com o vozerio do berrador. Como se já não bastasse cumprir detenções todas as noites.

Desinteressado nos assuntos do irmão mais velho, Alvo apanhou o pergaminho de dentro do envelope e reconheceu a caligrafia do pai.

Prezado Al,

Soubemos que você foi selecionado para a Grifinória, meus parabéns, sua mãe e eu estamos muito orgulhosos espero ter contribuído de alguma forma. Tio Rony fez a festa quando soube que Rose também foi selecionada para a nossa antiga Casa. Espero que tenha feito amizades, se sim, valorize-as, afinal, a época em Hogwarts foi a melhor da minha vida. Não deixe seu irmão te chatear (ficamos sabendo que ele pegou detenções com o Rodolfo), não saia da linha e não duele com ninguém até aprender. Te amamos.

Afetuosamente,

Papai e mamãe

Alvo deu um curto sorriso e dobrou a carta, a enfiando no bolso interno das vestes. Engoliu uma generosa colherada de seu cereal matinal, atendo-se à visita a Hagrid como uma das únicas alegrias do dia, afinal, seria difícil aturar aula dupla de Poções com os alunos da Sonserina. Logo, assim que terminou o café, desceu às masmorras com Wayne, Rose e Louis e topou com alunos exorbitantemente mais altos. Os menores se embrenharam no grupo de adolescentes que apontavam para eles como se fossem animais de zoológico e faziam comentários pejorativos, como “Nossa, que minúsculos”, “Eu não tinha essa altura no primeiro ano!”.

— Ei, você — Alvo ouviu e virou-se por instinto. — É do primeiro ano, certo?

Uma garota de cabelos crespos e um garoto de traços orientais estavam parados com um sorriso amistoso no rosto. Entre os dedos da menina havia alguns cartões roxos que Alvo reparou com abelhudice; era quase impossível não notar a fumacinha rala que eles expurgavam timidamente como uma chaminé no inverno.

— Sim, sou — Alvo respondeu com o lábio inferior tremendo.

— Ótimo — contentou-se a menina, enrugando a ponte do nariz, reconhecendo-o. — Você então deve ser o Alvo Potter, não?

Mais uma vez Alvo assentiu, com um vinco entre os olhos, o coração se contraindo aos poucos.

— Prazer, Sandra Towler e Tatsumi Watashi, representantes do Clube de Poções da escola. — Ela entregou um dos cartões a Alvo. — Imagino que já tenha ouvido falar do Clube.

Alvo recolheu o cartão, intrigado. Deu uma olhadela para Rose, que estava com as orelhas escarlates.

— Na verdade, não — respondeu educadamente. — Mas, desculpe, o que eu tenho a ver com o Clube de Poções?

Watashi riu.

— Achei que já estivesse claro para você — zombou. — A professora Monet nos pediu para entregar-lhe um convite para participar da próxima reunião do Clube. É bastante seleto e ela disse que você é um prodígio.

O estômago de Alvo dera um salto carpado.

— E-eu?

— Hã-hã — concordou Tatsumi. — Esteja lá no dia e horário marcado. Aliás, pode nos dizer quem é Louis Weasley?

Louis, que estava bem atrás de Wayne, se antecipou.

— Você também foi convidado — informou Sandra. — Compareçam, vai ser muito legal.

Os meninos voltaram a atravessar o subsolo até chegarem à porta da masmorra da Profa. Monet, onde a maior parte dos alunos já estavam à espera. Havia uma certa agitação e Alvo não precisou ser o garoto mais inteligente do mundo para entender o motivo. Louis e ele não eram os únicos da turma a receberem o convite roxo. Dava para ver, no meio da roda de estudantes, as silhuetas de Scorpius Malfoy e Anguis Crawford, exibindo os seus convites com orgulho. Charlotte Crawford e Velma Montague também liam com alegria as suas cartas.

— Alvo! Louis! — Ravi e Fergus vinham aos tropeços com os alunos da Grifinória em seus calcanhares. — É verdade que vocês participarão do Clube de Poções? — perguntaram em uníssono.

Os meninos mostraram os seus cartões que estavam expelindo uma fumaça mais densa. Com medo de que fossem banhados por muco como Rufo Hopkins, romperam o lacre de cera com um estalo e confetes e serpentinas choveram sobre os meninos. Ryan, Anne Marie e as gêmeas Goshawk se juntaram para ver o que estava acontecendo.

— Não me parece muito fascinante, se querem saber — comentou Anne Marie. — Metade dos sonserinos foram recrutados.

— E daí? — questionou Fergus, impaciente.

— E daí que não vai ser uma experiência nem um pouco agradável passar uma noite de sábado com eles — e apontou para Scorpius e Anguis.

— Não ligue para Anne, Alvo — cochichou Wayne. — Aposto que ela está com inveja.

Alvo sentiu uma pontada no peito.

— Mas... e vocês? — referia-se a Wayne e Rose. — Será que não podem ir também?

— Não se importe conosco, Al — Rose sorriu amargamente ao ver Alícia Crawford passar com suas novas e impecáveis sobrancelhas. — Vou adorar manter o máximo de distância dessas serpentes asquerosas.

— Sem querer estragar a felicidade de ninguém — disse Ryan, duvidoso. — Mas qual o motivo de somente Alvo e Louis serem chamados?

A resposta veio durante a aula da Profa. Monet. Desta vez sem realizar nenhuma entrada triunfal, a mulher rechonchuda devolveu os frascos com a poção para curar furúnculos, enchendo o ego de Scorpius e Richard por terem sacado as melhores notas. Alvo e Louis, no entanto, beiraram a perfeição, embora os elogios não tivessem sido poucos.

— Eu fiquei tão contente quando testei seus exemplares no Poppy! Ele estava com furúnculos enormes e agora sua pele está tão lisa quanto o bumbum de um bebê vampiro.

Wayne contraiu uma carranca.

Após dois bárbaros e extenuantes tempos de Poções, os alunos da Grifinória se dirigiram para a aula de História da Magia, com a professora Moody Sable, uma velhinha nem um pouco simpática. Ao contrário da Profa. Monet, Alvo não se dava nem um pouco bem com a mulher, diferentemente do resto da turma. A sala tinha um cheiro forte de pêssego e a chama das velas queimava placidamente nos candeeiros. As cadeiras estavam dispostas em um semicírculo, com a longa mesa de abeto da professora defronte aos alunos. Wayne e Rose se sentaram perto da professora, cumprimentando-a com um certo júbilo; Alvo, longe desse exemplo, deu apenas um aceno com a cabeça e caminhou o mais distante que pôde da mulher.

A Profa. Sable era a única que iniciava as aulas com a chamada e, por algum motivo, entoava o nome de Alvo com uma rosnada.

— Imagino que já tenham ouvido falar de Atlântida, não é mesmo? — disse a Profa. Sable, caminhando pelo assoalho de madeira deslumbrantemente polido. Somente a mão de Rose se erguera no ar. — Creio que a Srta. Weasley possa nos contar um pouco sobre.

Alvo ouviu os ruídos dos alunos apanhando penas e pergaminhos enquanto Rose falava, então resolveu fazer o mesmo, ainda que soubesse que todo o conteúdo estava no livro Uma História da Magia. Atlântida foi um continente mágico de condições inabitáveis aos seres vivos, onde os bruxos praticavam magia negra comumente entre si. Não é à toa que foram extintos, refletiu Alvo, enquanto folheava o livro até chegar em um trecho que lhe chamou a atenção.

Nos tempos finais de Atlântida, acredita-se que os bruxos moradores de Atlantis — a capital do continente — conseguiam manipular os cristais existentes na região para canalizar uma espécie de magia soberana e desconhecida. É um mistério que intriga até hoje os maiores historiadores do mundo bruxo.

Plutarco de Wingfield, pensador do século XVI, idealiza que os bruxos utilizavam cristais de proporções menores à quantidade de magia, cometendo um erro sumário. Seduzidos pelo grande poder dos cristais, não perceberam as falhas em suas superfícies. Com os receptáculos rotos, a energia armazenada foi suficiente para devastar todo o continente, pulverizando Atlântida.

Ainda há evidências de que a pouca parcela mágica sobrevivente (bruxos que eram crentes de um limite ético para uso de tal magia e que fugiram antes da ruína de Atlântida) rumaram para...

— Ai! — gemeu Alvo ao receber uma pisada no seu pé por Chloe Bridwell, da Corvinal. Ela indicava com as sobrancelhas a professora encarando-o com as mãos nos quadris. — P-per-perdoe-me...

— Aparentemente o senhor não está prestando muita atenção no que estou falando! — esbravejou a velhinha.

— E-es.. tou — gaguejou Alvo, buscando os olhos de Rose ou Wayne.

A Profa. Sable e alguns alunos da Corvinal deram um riso debochado.

— Jura? — desdenhou. — Responda-me uma pergunta: Toth, Ptah, Hórus e Hathor têm o que em comum?

Hórus, Ptah, o quê?! ponderou Alvo. Olhou para os colegas de classe, que pareciam tão confusos quanto ele. Finalmente encontrou Wayne, o menos embatucado de todos, movendo os lábios debilmente.

— Eh... — mentalizou Alvo. — Não sei senhora.

A mulher de vestes azuis, em homenagem à sua antiga Casa, meneou a cabeça e estalou a língua inúmeras vezes antes de convidar Emily Aingremont a responder sua questão.

— Toth, Ptah, Hórus e Hathor são deuses egípcios — e piscou para a professora.

A velhinha chapinhou os pés até o quadro negro, onde redigiu uma porção de nomes estranhos, incluindo os quatro que havia mencionado na pergunta.

— Vou acrescentar mais cinco pontos para Corvinal — E seus olhinhos, ardendo em felicidade, miraram Alvo. — E descontarei cinco do Sr. Potter por não prestar atenção na aula e outros cinco do Sr. Eviecraddle por tentar passar a resposta.

A decepção foi tão grande que Alvo fez menção de que ia falar, só que Chloe o conteve.

— Melhor ficar calado, Potter, ou vai arranjar mais motivos para perder pontos — completou Phill Tyler por cima da menina. Para sua sorte, a sineta tocou quase em seguida, mas não antes da professora passar um trabalho sobre Atlântida.

Rose não parava de protestar que quarenta centímetros de pergaminho eram muito pouco para falar sobre um lugar tão complexo e misterioso como Atlântida. Enquanto caminhavam pelos corredores do primeiro andar, Wayne e Alvo, enfezados, ouviam comentários mordazes dos alunos da Corvinal que passavam por ele.

— Dia difícil, hein? — Um garoto não muito mais alto que eles dera um tapinha nas costas dos rapazes.

— Nem me fale — concordou Wayne.

— Mais sorte para vocês! — desejou e saiu rindo.

Alvo e Wayne se entreolharam.

— Ao menos ele foi simpático — disse Rose franzindo o cenho. — Na verdade, todos eles estão sendo...

Os estudantes que passavam pelos meninos caíam em gargalhada e indicavam para os garotos. Somente quando Scorpius Malfoy e sua trupe de colegas da Sonserina se aproximou eles se deram conta do que estava acontecendo.

— Ora, ora, ora — disse Scorpius, implicante, arrancando dois pedaços de pergaminho das costas de Wayne e Alvo. — Tapado número um e Tapado número dois, a dupla dinâmica de Hogwarts!

As pessoas em volta se sacudiram de rir.

— Cale a boca — disse Wayne rispidamente.

— Que ingrato — zombou Anguis. — Nós viemos alertá-los dessa brincadeira de muitíssimo mau gosto que estão fazendo com vocês.

— Não seja cínico! — queixou-se Rose, rubra.

— Ninguém chamou a espinhenta para a conversa — disse Alícia.

— Parece que as curandeiras fizeram um bom trabalho em você, Alícia — retrucou Rose, ironicamente. — Agora não sinto mais tantas náuseas quando olho para você.

Alvo e Wayne se contorceram de rir. Os alunos do terceiro ano iam saindo da sala de Estudo dos Trouxas quando Roxanne e Dominique se agruparam com os primos, curiosas.

— Vai, Alvo, quebra o nariz dele! — incentivavam Tiago, Carl e Alaric de longe.

— Vejo que chamou o grupo de apoio, Potter — disse em tom de gozação Richard Zabini.

— Eu não...

Chamou mesmo — interpôs-se Dominique. — E, evidentemente, esse grupo de apoio dá de dez a zero no seu.

Os sonserinos emudeceram.

— Que houve? O gato comeu a língua de vocês? — instigou Carl.

— Quem come porcaria é urubu, esqueceu? — corrigiu pomposamente Tiago.

O corredor cheio de estudantes do primeiro e terceiro ano inundou-se em uma gargalhada interminável.

— Com licença — disse uma voz grave como um trovão por cima das demais. Todos voltaram-se para o homem de paletó xadrez, o semblante rijo estampado. Ele mexeu no cavanhaque. — Por que estão tumultuando este andar? Não deveriam estar nas suas respectivas salas de aula?

— Sim senhor, professor Aingremont — disseram os terceiranistas antes de se dispersarem.

— Os senhores também — disse o professor, referindo-se aos alunos do primeiro ano.

A maré de gente foi debandando aos poucos. Scorpius trinou no ouvido de Alvo antes de sair pelo pórtico das escadarias:

— Quinta-feira, aula de voo, derrubada. Vamos ver como você se sai sem os seus patéticos parentes.

Rose tentou agarrar a gola das vestes de Scorpius e só não conseguiu por centímetros, porque Alvo e Wayne a seguraram.

— É isso — disse Alvo com determinação. — Vamos resolver de forma clássica: com vassouras.

Perto das três e meia da tarde, Alvo e Rose se prepararam para descer aos terrenos.

— Venha conosco, Wayne — convidou Alvo. — Hagrid é boa pesso... eh...  meio gigante, para ser mais específico. Você vai gostar dele.

Sem muitas objeções, mas com um pouco de receio, Wayne se juntou aos amigos e saiu das propriedades do castelo, esbarrando em Fred e Molly com uma espécie de óculos de sol.

— São nossas Indefectíveis Lentes Detectores de Logros — disse Fred. — Está em fase de desenvolvimento, muito discreto, vai ferver nos primeiros de abril! E, só para constar, vocês estão limpos.

Descendo os jardins da escola correndo, chegaram à cabana do guarda-caça. Nas laterais da residência haviam caldeirões oxidados, abóboras gordas e um galinheiro improvisado perto de moitas. Alvo bateu na porta e um latido alto fez as madeiras da casinha vibrarem. Os meninos recuaram um passo antes de ouvirem a voz de Hagrid.

— Só um minuto!

A maçaneta deu um giro e as crianças empalideceram, imaginando qual seria a magnitude do cão de Hagrid... um, dois, por que não, três metros?

Porém, quando a porta se escancarou, um beagle de trinta centímetros correu na direção dos garotos e estirou o rabo. Deu uma farejada em seus tênis, correu para uma moita e ergueu a pata traseira.

— Deve ser por isso que ele estava agitado — murmurou Hagrid. — Venha, venha, Noel!

— Noel? — repetiram as crianças em coro.

— Sim, ele nasceu no dia de Natal — O rosto grande e barbudo de Hagrid corou. — Um amigo finlandês me presenteou porque ele disse que o coitado não cresceria muito para um cão de caça.

Hagrid guiou as crianças para o interior da cabana de apenas um cômodo. Embora o dia estivesse ligeiramente nublado, o interior do aposento fez as crianças suarem em pouco tempo. A lareira ardia em brasas, com um caldeirão soltando golfadas repolhudas de vapor para todos os lados.

— Poção revigorante — explicou Hagrid. — A Profa. Monet me ensinou a preparar, espero que dê tudo certo.

— Por que você está preparando-a, Hagrid? — perguntou Rose, franzindo a testa.

— Minhas galinhas estão muito magras e sem vida — lamuriou Hagrid. O meio gigante apertou um pouco os olhos e enxergou melhor Wayne. — Acho que conheço você, é filho do Edgar, não?

Wayne encolheu os ombros e anuiu.

— Grande homem, se querem saber — falou Hagrid. — Não conheço uma pessoa que negocie um conjunto de parafina por cinco sicles.

Depois de uma rodada de chá e biscoitos nem um pouco macios, as crianças comentaram um pouco do que acharam da primeira semana de aula.

— As Aingremont são pessoas fascinantes — contou Rose. — Mas, tenho de admitir, são bem indigestas também.

— O Godunov também não é muito receptivo — acrescentou Wayne.

Hagrid deu de ombros.

— Vocês não viram nada ainda — disse. — Há muitos anos, na época dos seus pais, era muito difícil encontrar um professor que durasse muito. Hoje estamos com uma equipe decente, acreditem. E você, Alvo, o que está achando de Hogwarts?

Alvo, que estava olhando Noel rasgar folhas de jornal, estremeceu ao ouvir a pergunta de Hagrid.

— Ãh... estou me dando muito bem com todos — mentiu. — Não poderia estar sendo melhor.

Mas, na cabeça de Alvo, somente um pensamento acometeu-lhe durante os dias posteriores: derrotar Scorpius. E, assim como as coisas que mais ansiamos, a quinta-feira chegou como um lampejo. Alvo nem conseguiu dormir direito naquela noite. E se ele desse vexame? E se ele caísse da vassoura? E se Scorpius o derrubasse? Pior ainda, o que sua família acharia disso? Então, na mesma manhã, Alvo resolveu confessar suas pretensões aos colegas de Casa.

Você o quê?! — disseram Lucy e Alaric em uníssono.

— Eu concordo com Alvo — retrucou Carl. — Sabe, os Malfoy nunca foram pessoas muito limpas.

— Quer uma dica, Al? — começou Fred. — Telescópio Esmurrador. Um golpe no olho dele em pleno ar e Malfoy jamais encostará em você de novo.

— Isto é covardia! — protestou Dominique. — O certo seria resolver num duelo com varinhas.

— Mas eu nem sei duelar — defendeu-se Alvo.

— Eu posso te ensinar! — sugeriu Molly.

— Honestamente? — disse Louis. — O que ele precisa é de um café da manhã reforçado.

Só que nem uma boa refeição foi o suficiente para sustentar o menino. Com as entranhas contraídas, evitou ao máximo esbarrar em algum conhecido, tampouco atendeu a algum chamado, fingindo não ouvir. Refugiou-se solitário em uma das cabines do banheiro masculino, absorto em seus pensamentos. Nada pode dar errado, mentalizava, Tiago vai rir de mim, não posso cair daquela vassoura, não posso, não posso...

— Quanto de uísque de fogo você bebeu? — Alvo ouviu uma voz na entrada do banheiro; certamente, não era de nenhum aluno, embora fosse familiar. — Catástrofes? De onde você tirou essa ideia?

Um som seco e metálico veio em seguida.

— Aceite os fatos, Scamander! — rosnou a voz engrolada do Prof. Godunov. — Os planetas, Scamander, os planetas estão mudando de posição...

Alvo abriu uma frestinha da porta e prendeu a respiração, capitando somente uma fração das vestes peroladas do professor de astronomia.

— É um fenômeno, indubitavelmente — disse o Prof. Godunov. — Eu vi com meus próprios olhos. Marte e Urano estão em alinhamento, Scamander. Aliás, como vão as pesquisas da sua esposa naturalista?

— Bom... Estão ótimas! — disse o Prof. Scamander, secamente. — O Ministério está prestes a financiar uma viagem à lua para que ela possa fazer buscas pelos sapos lunares.

— Para a lua? — ponderou o Prof. Godunov. — Hum, parece-me um tanto longe, não?

— É culpa dos heliopatas! — retorquiu rispidamente o Prof. Scamander. — Eles queimaram quase uma floresta inteira! Os animais estão começando a se esconder agora que o inverno se aproxima.

O Prof. Godunov ergueu o dedo como quem pede um instante e concluiu:

— Scamander, você acaba de me dar a razão — sorriu triunfante. — Se estou bem informado, é afilhado de Newton Scamander.

— Neto! — corrigiu o Prof. Scamander dilatando as narinas.

— Que seja — desdenhou o Prof. Godunov. — Sei também que fez inúmeras expedições pelo mundo, estudando e catalogando criaturas novas. Suponho também que saiba que as criaturas mágicas possuem capacidade sensorial de prever fenômenos incomuns, hum?

— Sim, mas...

— Sabe também que a fuga errática é um indício de que esses sensores estão em alerta — continuou sorrindo em escárnio.

— Veja bem, Godunov...

Alvo abriu um pouco mais a porta e visualizou com clareza a testa do professor Scamander porejando. Sua boca tremia em tartamudeio.

— Pode demorar, mas alguma coisa vai acontecer, Scamander. Esteja pronto.

Então houve um estrondo da porta batendo que reverberou pelo banheiro inteiro e o silêncio se reinstaurou no local.

— Wayne, Rose, eu tenho algo para contar a vocês! — Alvo correu até os amigos parados perto de uma armadura no sétimo andar. — É sobre o professor Godunov.

— Onde você estava? — inquiriu Rose, preocupada. — Você sumiu depois do café da manhã. Estávamos pensando que...

— ... que você tinha pulado da Torre de Astronomia ou algo do gênero — disse Wayne, sarcástico.

— Não, é sério, me escutem. — Alvo começou a contar tudo que ouvira no banheiro há minutos atrás, enquanto Rose e Wayne encaravam o teto com certa curiosidade; se bem os conhecia, as engrenagens de suas mentes estavam maquinando a todo vapor.

— Não sei, não, Alvo — disse Wayne. — A arte da adivinhação é um tanto incerta. Videntes de verdade são muito raros. Quem sabe a proporção desse fenômeno? Ele pode estar se referindo a uma tempestade, talvez.

Rose continuava olhando para a abóbada, concentrada.

— Na minha opinião, os dois têm razão. — Concluiu e voltou a olhar para os amigos. — Não podemos apostar todas as nossas fichas no Professor Godunov, mas isso não quer dizer que ele esteja errado. Poderíamos checar uma fonte mais confiável.

— E desde quando conhecemos uma fonte confiável? — perguntou Alvo.

— Ainda não conhecemos nenhuma — lamentou Rose. — Porém eu sinto que deveríamos dar apenas uma averiguada. E se...

A garota ficou rubra.

— E se o quê? — insistiu Wayne olhando para Alvo e Rose.

— E se isso tiver alguma coisa a ver com Rodric Hotwan?

Wayne abriu a boca em uma exclamação muda.

— Aquele prisioneiro que fugiu de Azkaban? — Os amigos assentiram. — Vocês sabem alguma coisa?

— Bom... — começou Rose. — Não exatamente, apenas os detalhes superficiais... Estou tentando descobrir algum meio de se deslocar imperceptivelmente...

— E descobriu alguma coisa? — retorquiu Alvo.

— Quase nada — suspirou Rose.

— Hum — murmurou Wayne, parecendo esconder alguma informação. — Que tal descermos para a aula de voo?

Sem dizer mais nada, as três crianças fizeram o caminho para o exterior do castelo, deparando com os outros primeiranistas que ainda se mostravam nervosos com o fato de terem de pilotar uma vassoura. Drika Owin e Rufo Hopkins conversavam com animação sobre suas experiências, até Louis contava sobre a vez que quase foi visto por um casal trouxa enquanto sobrevoava a Cornualha. Já Rhonda Bryne comentava com Arepadma e Abhaya o nervosismo da vez que seu vizinho cometeu um engavetamento aéreo.

— Prefiro andar de carro — continuou Rhonda. — Muito mais seguro.

A tarde estava clara, embora a brisa gelada fizesse os alunos se contraírem de frio. Os estudantes caminhavam com o farfalhar da grama alta até chegarem ao lado contrário da floresta proibida, onde a relva pálida estava coalhada de antiquadas vassouras — alguns alunos da Sonserina já as manobravam. Em questão de minutos, o Prof. Bagman apareceu montado em uma vassoura prateada que cortava o céu como uma flecha.

— Vejam, uma Silver Arrow! — exclamou Fergus, enlevado.

Com um mergulho acentuado, o professor pousou com gracejo, arrancando suspiros dos alunos. Logo atrás, a silhueta do zelador Filch entrou em foco empurrando um carrinho com bolas vermelhas e maciças.

— Obrigado... Filch... — disse o Prof. Bagman, corado de tanto ofegar. Corpulento e quase sem pescoço, uma parte de sua proeminente barriga escapava das vestes dos Vespas de Wimbourne. Ele recuperara o fôlego. — Boa tarde, classe. Vi que alguns alunos estavam já no alto antes de eu chegar — Alvo ouviu alguém engolir a seco. — Este é o espírito! Bom, sem mais delongas, como prometido farei um jogo meio rústico que eu praticava nas colinas de Devon: derrubada!

Alvo olhou de soslaio para Scorpius, que estalava todas as juntas da mão.

— Entretanto, a Profa. Minerva pediu para que eu fizesse uma alteração na regra — continuou o Prof. Bagman. — Em vez de vocês apenas derrubarem uns aos outros no ar, utilizarão estas maravilhas aqui. — E apanhou uma das bolas.

“Elas se assemelham muito com as goles, porém são mais doloridas”, riu-se e torceu o nariz de batata. “O objetivo é simples: não ser atingido. Caso uma bola te alveje, você está automaticamente fora do jogo. O último a se manter na vassoura, será o vencedor, OK?”

A mão de Mariam Langdon, a garota rechonchuda da Sonserina, se ergueu.

— Mas eu nem sei voar direito... — queixou-se.

— É melhor aprender rápido, senhorita — respondeu o Prof. Bagman e encaixou um apito entre os lábios. — Todos em posição... deem um impulso... assim, assim. No três eu lançarei as três bolas para cima e, a partir daí, é cada um por si. Um, dois, três!

O apito trinou e a sensação que Alvo teve não foi uma das melhores. Mal havia começado o jogo e Ross Pope Gindemor caíra de broco no chão quando uma bola o atingiu em cheio. Não só ele já havia sido eliminado, mas outros quatro estudantes faziam o trajeto até a grama, amuados.

— Alvo, se abaixe! — gritara Wayne às suas costas.

Sem pensar duas vezes, o garoto debruçou-se no cabo da vassoura enquanto uma das pelotas raspava os fios de seu cabelo. Em uma rápida inspecionada, viu Scorpius dar um sorriso torto, porém ardiloso.

— Essa foi por pouco — disse Alvo, soprando em alívio. Galgou novamente na vassoura e atrelou-se a Wayne. — Onde está Rose?

Wayne encolheu os ombros.

— É melhor ficar de olhos abertos — recomendou o garoto. — Não quero ser elimi...

BUM — uma bola acertara violentamente o rosto de Wayne. Alvo mergulhou no ar e apanhou-a antes que tocasse o chão, o sangue palpitando nos ouvidos.

— Mais sorte da próxima vez, Eviecraddle — riu Emily Aingremont, planando no ar.

Wayne, amaldiçoando a garota, desceu até o gramado, com um vergão arroxeado na bochecha. Alvo se viu com a posse da bola, titubeante. Não parecia óbvio o que ele tinha que fazer? Uma voz dentro da sua cabeça insistia que ele deveria jogar a bola para o alto e fugir das outras, porém o seu coração batia intensamente. Seguir sua mente ou os seus instintos? Não tinha muito tempo para pensar. Em uma velocidade feroz, Alvo manobrou a vassoura para o alto, as vestes brandindo em ondas, os cabelos varridos para trás. A sensação era ótima, maravilhosa, só não tão boa quanto a de ter revidado a bolada em Emily, que só não caiu da vassoura porque se equilibrou no último instante.

— Ótimo arremesso, Alvo — parabenizou Louis.

No entanto, a garota não fora sua única vítima. Pouco a pouco, Alvo fora derrubando um estudante atrás do outro. A excitação foi tão grande que o garoto não percebeu Chloe Bridwell lançar a bola contra ele. Alvo fechou os olhos, mas o baque não aconteceu. Em seu lugar, uma juba flamejante o defendia.

— Srta. Weasley, eliminada! — bradou o Prof. Bagman.

— Por quê? — perguntou Alvo, sem entender.

A garota olhou para o primo, os olhos lacrimejando de dor.

— Eu sei o quanto é importante para você acertar aquele filhote de trasgo do Malfoy — disse, entredentes. — Derrube-o daquela maldita vassoura.

— T-tá... — gaguejou Alvo, atônito.

Alvo contou de cabeça quantas pessoas faltavam: Malfoy, Phill Tyler, Chloe Bridwell e... ele. Sim, ele estava entre os últimos quatro. Bem, pensou, acho que chegar até aqui foi digno. Mas ainda falta acertar Scorpius. Ciente do que deveria fazer, apertou com firmeza o cabo da vassoura e mergulhou até o chão, onde residia a bola que acertara Rose. Com alguns uivos dos alunos, Alvo guiou a vassoura para cima novamente, apertando os olhos à procura de Malfoy.

— Alvo, Alvo! — berraram os colegas abaixo dele. — Suas costas!

Em um rodopio mirabolante, Alvo expeliu o arremesso da bola com a palha da vassoura. Finalmente estava afrontando os olhos cinzas e tempestuosos do escorpião, que dera um bote errado e sem precedentes. Contra a luz do sol, Alvo via o rosto de Scorpius com um quê de medo.

— Parece que você estava de olhos bem abertos, Potter — disse Malfoy com um sorriso malfazejo. — Merece esta vitória nobre contra um oponente desarmado e cem por cento frágil. Acerte-me e será um covarde, assim como o seu irmão.

Alvo, que estava com a mão armada para o tiro, hesitou. Scorpius tinha sua parcela de razão, por mais que fosse apenas um jogo na aula de voo. Acertá-lo agora seria uma atitude nem um pouco nobre. Mas ele falou mal de Tiago!, forçou-se a refletir.

— Ainda não sabe o que fazer, Potter? Eu facilito. — Scorpius, dramaticamente, abriu os braços e marcou um X com o dedo no peito. — É só acertar bem aqui e sairá como um herói para sua Casa. Não é isso que você quer?

— Não existem heróis... — disse Alvo. — Apenas pessoas que fazem o que deve ser feito...

Com um suspiro coletivo, todos observaram com atenção o próximo movimento de Alvo. O menino, relaxando os membros, largou a bola, arrancando lamúrias dos espectadores. Com um sorriso de escárnio, Scorpius deu meia-volta e voou para longe do menino. A sensação de dever cumprido, no entanto, aquecera o peito de Alvo. Nada iria estragar o seu momento, a não ser, é claro, a bola de Chloe Bridwell que lhe acertara logo em seguida.

— Ânimo, vamos... — disse Wayne, segurando o ombro de Alvo. — Não está tão ruim assim...

— Não está tão ruim?! — exclamou Rhonda Byrne. — O olho dele parece uma ameixa.

— Você não está ajudando muito, Rhô — retrucou Abhaya.

Alvo tirou o pedaço de bife do olho esquerdo, com amargura. Todos os alunos do primeiro ano da Grifinória rodeavam sua cama na ala hospitalar, comentando seu incidente na aula de voo.

— Quem venceu? — perguntou Alvo, pressionando a carne no rosto novamente.

— Tyler — respondeu Rose, irritada. — Acertou em cheio o Malfoy, depois de eliminar Chloe. Ross, da Lufa-Lufa, quebrou o braço. Maldito seja esse Prof. Bagman.

— Você foi bastante complacente ao deixar Scorpius fugir, Alvo — comentou Louis. — Ele é um covardão.

— E do que importa? — retorquiu Alvo, desanimado. — Não é o Scorpius que está no meu lugar.

Madame Longbottom, ou Ana, como gostava de chamá-la, liberou o garoto somente na manhã seguinte, assim que a vermelhidão clareou e o inchaço sumiu, porém Ross — que estava à duas camas da sua — permaneceu em repouso, dormindo com o braço embalado numa tipoia. Sem nenhuma procissão de amigos desde o fim da aula de voo, Alvo subiu correndo as escadarias até o sétimo andar.

— Por onde andou a noite inteira? — questionou a Mulher Gorda.

— Ala hospitalar — disse Alvo, ríspido.

— Conte-me mais, passei a noite inteira fora — continuou a falar a Mulher Gorda.

— Não é do seu interesse — respondeu o garoto, impaciente. — Louco loquaz.

Resmungando com uma voz esganiçada, Alvo afastou o retrato e entrou no buraco, onde encontrou Rose e Wayne, ainda de robes, com o nariz enfiado em uma edição do Profeta Diário. Alvo pigarreou.

— Ah! Bom dia, Al! — cumprimentou Rose, parando de ler. — Está melhor, pelo visto.

— Sim... — Alvo olhou de Wayne a Rose, diligente. — Eu perdi alguma coisa?

Radiantes, os garotos dobraram o jornal e entregaram a Alvo, que ficou com os pelos da nuca eriçados. A foto do homem de cabelos loiros, sujos e escorridos estampava a primeira página inteira, com uma manchete que girava em torno da imagem como um carrossel.

“RODRIC HOTWAN SE ENTREGA ÀS AUTORIDADES”

 


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Notas finais do capítulo

Esse final... Cara, espero que vocês estejam começando a engrenar no enredo da fanfic, porque a partir de agora o mistério vai começar.

E então, o que acharam do capítulo? Espero que tenham gostado. Minha beta disse que foi um dos melhores que eu escrevi, por isso eu fico na expectativa que vocês tenha se divertido lendo tanto quanto eu escrevendo. Não sejam como o Tapado Número Um ou como o Tapado Número Dois, deixem um comentário!

Também não deixem de clicar em acompanhar história e de colocá-la nos favoritos, isso me ajuda muito a ser feliz! Estou aberto para qualquer tipo de ação que possa favorecer a fanfic! :)

Curiosidade do capítulo: A Rainha Elisabeth I possuía uma matilha muito numerosa de beagles, e fez também uma seleção dos menores cães de sua criação, que ficaram conhecidos como pocket beagles (beagles de bolso).

Até semana que vem!

Att,
Tiago



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