Rubro escrita por Lunnarea


Capítulo 1
O Rio Tatsuta


Notas iniciais do capítulo

Bem, do mesmo modo que eu disse no disclaimer, a one-shot faz parte do 8º Desafio do Café com Letra, Amaretto.

Espero que gostem.
Obrigada.



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Conta-se uma lenda antiga sobre dois príncipes que viviam no palácio de Tatsuno, um que governava as terras que ficavam antes do rio, e o outro que governava a terra que estava além dele. Ambos se ajudavam para manter a grande cidade pela qual o Rio Tatsuta transpassava, os campos dourados de arroz que a circundava e os caminhos que corriam pelas montanhas no limite do território.

Certo dia correu-se um rumor dentre a corte, espalhado por certa raposa astuta, que fez com que os dois se separassem, segundo ela, o animal ardiloso, ambos os príncipes nutriam sentimentos um pelo o outro. Soou até mesmo aos ouvidos do Senhor das Terras, pai de ambos os rapazes, que tentou encobrir o assunto, acusando de ser uma falácia, mas ainda assim a pressão na corte exigia uma resposta a esse comentário

Quanto o espírito viu que o imperador não acreditara no boato que surgiu, logo viu que era hora de agir novamente. Assumiu a forma do nobre conselheiro e, pouco antes de o jantar ser posto na mesa, sugeriu para que ele se aconselhasse com o sábio que residia na montanha, o soberano, sem ter escolha melhor do que essa, acatou o que o demônio disfarçado dissera. Assim a raposa assumiu que seu plano logo se consolidaria, deixou o monarca só e quando se escondeu de todos, tornou para sua real forma de raposa.

Pouco antes do sol nascer o Senhor partiu rumo o cume do Monte Akashi onde, em eras passadas, construíram um grande templo. Ao chegar na entrada do monastério, pegou o incenso e firmou-o na areia de dentro do recipiente metálico, acendeu-o e enquanto fazia sua oração o velho eremita se aproximava discretamente, havia saído pela grande entrada ornamental do edifício.

Não trocaram palavra alguma, apenas se cumprimentaram com uma reverência comprida, e o monge guiou o homem para dentro do recinto de que acabara de sair, este que era iluminada pela fraca luz natural que adentrava pelas paredes translúcidas e iluminava o corredor que ia se embrenhando na escuridão. Quando pode perceber, havia perdido o ermitão, e pode sentir o agradável odor perfumado que se espalhava pelo ar, o cheiro agradável de incenso, e uma respiração pesada ressoava no ambiente à medida que ele prosseguia pelo caminho, o ar abafava-se e todos aqueles acontecimentos impressionavam o Senhor, mas não o suficiente para fazê-lo voltar.

Chegara num ponto da passagem em que a luz deixava de atingir, o caminho foi tragado pelo breu. O homem olhou para trás, em direção a porta luminosa pela qual adentrara, que já estava um tanto miúda por causa da distância. Quando voltou seu olhar para o escuro novamente, ele já não estava mais ali, esferas luminosas e flutuantes, que tremiam como chamas, clareou a sala amadeirada.

Só notou os detalhes do interior no monastério, que mais se assemelhava à um palácio, quando isso ocorreu. Haviam impressionantes entalhes nas colunas de madeiras e, na sua frente, uma imensa serpente estava parada, que o acompanhava com os olhos. Um calafrio correu-lhe pela espinha, por mais bravo que fosse um guerreiro, perto de um grande dragão, se tornava tão ínfimo quanto um grão de areia. Engoliu em seco e tratou logo de tirar o capacete pálido que compunha sua armadura, deixou-o entre si e o grande animal, procurando se mover o mais lentamente possível, para não irritar o réptil.

Logo que deixou a peça sobre o tatami se curvou perante a serpente, recostou a cabeça no chão e não ousou sequer olhar para a frente. Não moveu nenhum músculo até o incenso ser consumido pelo fogo, e ser reduzido a pó, pois só aí o animal se moveu. O homem levantou o rosto e olhou para a besta.

— De tudo eu sei, inclusive aquilo que te aflige. — O dragão acariciou sua longa barba cintilante. — Nada posso fazer, além de dizer, mas algo tenho de lhe mostrar.  — Apontou para o espelho d’água, onde pairava uma pequena folha de papel.

O Senhor se inclinou um pouco para captura-la dali, tratou de retirar o papel da água logo e notou que havia algo escrito em tinta negra sobre sua superfície, levou os olhos rapidamente para a serpente, que assentiu para que o Imperador as lesse. Em letras organizadas que começavam a se desbotar na água a mensagem dizia:

 “Na estiagem,

desgrudam-se os rios

para que,

junto ao calor do verão,

 se conheçam novamente”

Não levou muito tempo para que o homem compreendesse a mensagem, deixou-a sobre o líquido outra vez, que a tragou em poucos instantes, um sorriso se formou nos lábios azuis do dragão, que encostou sua cabeça no piso, e sem aviso prévio algum, tornou a dormir outra vez.

Dias após, quando o inverno estava para acabar, ambos os príncipes foram mandados para cantos distintos da mesma cidade, um para a margem leste, outro para a margem oeste, e assim, nunca mais puderam se ver e o amor que ambos nutriam aparentemente arrefeceu-se. A primavera tomou o lugar do frio invernal e cedeu seu lugar ao verão após suas flores brotarem, o verão que demorou a passar, e quando seu calor foi soprado pelo vento outonal e a paisagem foi ganhando cores alaranjadas, o cume das montanhas que eram cercadas pelos bosques vermelhos tornava-se brancos com o passar dos dias e logo as folhas já trataram de desprender-se dos seus galhos. O primeiro frio do inverno retornou à grande cidade.

Em seus últimos suspiros, o outono deixou as flores vermelhas serem levadas pelo vento e, o Rio Tatsuta enrubesceu-se quando elas tomaram sua superfície, assim como no último outono. Um dos príncipes, enquanto descia até a margem do rio notou a comum vermelhidão que ele assumiu, tal que antes enchia-lhe de alegria. Quanto mais se afastava da cidade, a quietude tomava o ambiente, parecia que, a cada degrau que descia em direção à beira do curso d’água, ele ia tragando a cacofonia da vida humana, deixando só o som harmonioso do farfalhar ritmado das folhas e da água que se empurrava e fazia o rio correr.

Um mensageiro apressado correu em sua direção, pulando alguns degraus a medida em que descia até a margem do rio, trazia consigo um anuncio que fora enviado para o homem, e, com pesar, entregou-lhe a mensagem. O príncipe, que governava o outro lado da cidade, havia morrido. Desesperou-se imediatamente ao ouvir a notícia, ainda estava incrédulo quanto à sua veracidade, mas logo o vento tratou de sussurrar em seu ouvido:

 “Os deuses do amor não podem ver o enrubescer do Rio Tatsuta”

Naquele dia o rio que cruzava Tatsuno mostrou-se num vermelho descomunal, além do vermelho dos velhos bordôs, o rubro sangue do rapaz diluiu-se nas águas. A partir daí, na primeira noite de outono em que o rio está coberto pelas folhas, tornou-se costume dos casais por sobre o fluxo d’água uma lanterna de papel, em memória ao amor de ambos os príncipes, e dizem que, quando o fazem, o vento murmura um agradecimento em seus ouvidos.


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Notas finais do capítulo

Bem, que que 'cês acharam pessoal?
Eu já disse que escrevi isso em base de um poema clássico japonês? Bem, é isso. Ele é assim (em livre tradução minha):

“Os deuses do amor não podem ver o enrubescer do Rio Tatsuta”

Então, acho que é só. ^^
Kisses ♥



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