Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 50
L


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo e o seguinte serão narrados a partir do ponto de vista de Bucky Barnes. Será para fechar a participação de Yelena Belova nessa fic.
Boa leitura!



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Bucky Barnes levou um susto quando Wanda acordou de forma súbita, numa profusão de lágrimas, vermelhidão e palavras soltas.

Ela estava ao seu lado no trem e passara-se apenas seis dias da viagem ao cemitério de Novi Grad. Durante todo esse tempo, Yelena, Sam e Steve procuravam maneiras de se comunicar com Wakanda ou Natasha Romanoff sem serem pegos e, o mais importante, procuravam sair de Sokovia sem serem barrados tanto pelo governo quanto pela milícia que fabricava Sentinelas. Por isso saíam de forma discreta e alternada para comprarem provisões e espionarem o mundo fora do chalé de Yelena Belova, sempre tomando cuidado para saber o quanto os inimigos sabiam e se estavam tão perto quanto sentiam. Naqueles seis dias, Bucky e Wanda trocaram poucas palavras mas sorveram da presença um do outro. Ela tinha o semblante mais leve, ainda que pálido, e carregava a miniatura de lobo quando tentava repetir o truque da moeda. A verdade é que sem o desespero de antes, Wanda só conseguira teletransportar objetos pequenos e com pouca distância de seu lugar de origem. Tal fato trouxera um tanto de desânimo à jovem feiticeira, que sabia o quanto seria útil que pudesse teletransporta-los todos de uma vez para o Reino do Pantera Negra.

Agora estavam dentro de um trem, pois esse era o meio de transporte mais rápido entre os países que precisavam atravessar. Seria ainda mais demorado e perigoso tentar voltar para Wakanda, sem falar que a pulseira de Wanda havia se perdido na batalha contra os Sentinelas, provavelmente quebrado. Estavam sem as facilidades de uma joia-kimoyo e talvez por isso Shuri não tenha conseguido localizá-los.

Para a viagem ser ainda mais direta, pegaram um trem até Lviv, e de Lviv para Varsóvia, e dali seguiam até o destino: São Petersburgo. Wanda ajudava nessa missão furtiva usando seus poderes para que pessoas próximas não reparassem em seus rostos, enquanto Steve e principalmente Yelena preocupavam-se com a parte tática da fuga.

Tudo parecia correr da melhor forma possível, considerando que tinha enfrentado robôs terríveis, tinham poucos recursos, faziam diversos traslados nos trens e eram procurados por forças-tarefa internacionais. Portanto, quando Wanda se dispôs a chorar de repente , Bucky não sabia o que fazer.

Yelena, que antes ocupava-se em apenas observar o mundo pela janela, também estranhou, seus olhos claros muito arregalados para aquela situação. Sua expressão era dura, dizendo de forma silenciosa para que o soldado James Barnes fizesse com que ela parasse de chorar logo, para não chamarem atenção agora que faltava tão pouco para o fim da viagem.

Steve e Sam tinham acabado de chegar na cabine do vagão, trazendo bebidas quentes.

Sam Wilson encarou Bucky de forma automática, procurando nele a razão por trás do surto de Wanda, ao passo que Steve ajoelhou-se na frente dela e repetia seu nome para acalmá-la.

— Foi apenas um pesadelo. — Ele disse como se a aninhasse no peito feito uma criança assustada. — Estamos sob constante estresse. É normal ter sonhos ruins, mas você já acordou. Estamos aqui. Você está segura.

— Ela… — A respiração da Feiticeira era entrecortada, sua voz um caco. — Ela… Ela está em perigo. Um demônio. Ela… A história que Piotr nos contou. É real.

E mais outras palavras em sokoviano.

Yelena franziu a testa para todos aqueles termos supersticiosos, palavras que devido a língua somente ela e Bucky conseguiram compreender. Levou quinze minutos ao todo para fazer com que Wanda cessasse o choro e afinal colocasse um pouco de ar no pulmão, porém ela ainda não estava confortável o suficiente para dizer o que tanto a aterrorizara. Tomou em goles generosos o chá que Samuel trouxera em um copo descartável, seus dedos tremendo ao segurá-lo.

Sam e Steve ficaram com ela. Bucky e Yelena saíram da cabine para transitar um pouco entre os vagões. Haviam combinado de sair em duplas de forma alternada para que pudessem esticar um pouco as pernas por conta da longa viagem e também para que pudessem notar se haviam sido descobertos. Não tinham os bilhetes das passagens para a cabine que ocuparam, um dos últimos vagões e de classe alta, mas tinham o poder de persuasão de Yelena e também um toque escarlate de Wanda. Era uma decisão sábia não vacilar.

O problema é que além de agitado por conta dos pesadelos da Feiticeira Escarlate, Bucky sentia sua pele eletrizada por debaixo da jaqueta ao caminhar ao lado de Yelena, uma das pequenas bailarinas do Salão Vermelho. Sentia que a outra também não estava exatamente confortável, porém assim como se forçava a manter a postura no balé e no frio, ela não exibia sequer um vinco na expressão que mostrasse o quanto estava contrariada. Enquanto isso, Bucky lançava olhares nervosos para a cabine em que ocupavam, sua garganta seca. Queria estar com Wanda.

— Onde vocês foram? — As palavras dela o acertaram de súbito, e ele franziu os cenhos para processar o que diabos aquela mulher falava. Devido a sua resposta reticente, Belova suspirou. — A menina tem um lobo entalhado em madeira que simplesmente não existia no meu chalé, mesmo que ela tenha dito que achou numa gaveta. A jaqueta amarela tinha um rasgo, uma marca de tiro, e eu sei quando duas pessoas mentem para mim.

— Eu sei que você sabe de tudo isso. Boa parte de suas habilidades de dedução fui eu quem te ensinei.

A boca volumosa de Yelena se abriu e sua postura inabalável se quebrou. Franziu a testa e parecia tão assustada, tão adolescente e tão vulnerável quanto na noite em que tentara fugir e acabou no gelo. Se antes ela não fosse tão cheia de si e segredos, Bucky teria se sentido culpado, porém foi satisfatório assistir que algo a atingira.

Ela sabia de seu lado ruim e por mais que não fosse um lado que escolhera, existia honestidade em sua conversa um tanto agressiva. Yelena, apesar da auto propaganda de sincera, parecia esconder muitas coisas. Isso não era favorável e nem inspirava confiança no momento em que Bucky e seu grupo estavam.

— Então você se lembra.

— Sim.

Ela cruzou os braços e se afastou, soltando um riso curto e sem humor.

— Você me ensinou bem, sim. Ao menos no período em que ficou conosco. Eu me lembro das panquecas no meio da nevasca, Barnes.

— Você…

— Eu lembro de sentir que existia algo mais do que aquilo tudo. Que apesar de… De me ensinarem a matar, de colocarem sapatilhas nos meus pés e granadas nas mãos, que havia algo que eles não podiam tirar de mim. Porque não conseguiram tirar tudo de você.

Ele nada disse e ela se voltou para encará-lo de frente.

— Até que eu tentei salvar alguém e você deu um tiro no gelo abaixo dos meus pés.

O barulho do trem andando sobre os trilhos preencheu o silêncio entre eles.

Bucky sentiu seu braço metálico pesar mais sobre o lado do corpo, seu quadril alternou o lado em que se apoiava nas pernas. Ele não estava preparado para aquela conversa, aliás, não se sentia preparado para muitas coisas que lhe ocorriam. Preparado ou não, nada mudava o fato que a mulher loira estivesse ali, um pedaço de um passado que ambos queriam esquecer.

— Nunca mais confiei em ninguém, mas não se sinta mal. Isso me fez muito bem. Me fez sobreviver. Sempre me pediram para ser igual ela, Barnes. Igual a Viúva Negra. Mas eu não era. Nunca fui. E até mesmo ela deixou de servir à mãe Rússia depois. E se não era mais para eu ser igual a ela, quem eu seria?

— Você. — Ele tinha as mãos nos bolsos do casaco grosso e azul marinho. — Você gostava de pôr laços no cabelo. E fazia birra de vez em quando. Na nevasca, você… Me pediu para fazer uma trança.

— Então você se lembra mesmo.

— Depois de… Você sabe, 2014… — Ele presumiu que ela soubesse que tinha despertado do controle da HYDRA naquele ano, quando Steve Rogers revelou ao mundo as verdadeiras intenções do Projeto Insight. — Eu passei dois anos tentando reconstruir algumas coisas. Memórias. Eu procurei por vocês, bailarinas. A maioria morta em missão. Uma se tornou uma traidora e aliada do meu melhor amigo. Uma virou um sussurro, desaparecida. As melhores.

— Natalia, digo, Natasha… — Ela corrigiu o nome, pois a variante foi escolhida pela sua adversária quando mudou de lado. Yelena continuava Yelena. — Conseguiu sair daquele inferno com aliados. Amigos. Até mesmo nisso eu tentei copiá-la e falhei.

Era verdade e não existiam palavras que diminuíssem a dor de tal afirmação. Não poderia dizer que se tornariam amigos também.

— Você conseguiu antes do que eu ou Romanoff. Sozinha.

— É, eu consegui. Sozinha.

— Não entendo. Se negou a entregar o corpo de Magneto em 99. No mesmo ano se arriscou por uma completa estranha, que era filha dele. Nos salvou na fábrica e tem nos ajudado desde então. Ainda assim, não parece bem resolvida com a situação.

— De fato, suas habilidades de dedução são tão admiráveis quanto às lições de sobrevivência na neve. Eu só odiava as aulas de tiro.

— Você tinha uma respiração muito pesada para uma garota tão magra. Nunca seria uma sniper.

Ela sorriu e deu de ombros. Primeiro olhou para a paisagem que corria rápido do lado de fora da janela, depois encarou James Barnes.

— Eu só quero terminar o que comecei em 99 e desaparecer. Para sempre. Talvez recomeçar, fazer algo diferente. Mas eu também não entendo o que você está fazendo. Poderia descansar de vez, mas não. Está se envolvendo numa guerra entre mutantes e humanos. Existe algo maior vindo e as coisas vão ficar bem violentas. Você viu na estação.

 

Ela se referiu a estação que pararam numa pequena escala na Romênia, de madrugada. Foi no primeiro dia da longa viagem e o país não era muito mais rico que Sokovia. Existiam moradores de rua procurando abrigo, alguns deles claramente mutantes de nível baixo. Categorizados em nível Epsilon ou Gama, com características físicas distintas que os impediam de se passar por humanos, mutantes desses níveis encontravam dificuldades para manter uma vida, encontrar um emprego ou simplesmente andar sem serem hostilizados. Muitos deles sequer tinham poderes notáveis, apenas eram diferentes. Havia uma garota, ou ao menos parecia uma garota, de pele rosa que se escolheu em sua própria manta ao vê-los chegar. Barnes se recordava bem de como seu peito se apertou ao notar que ela só não queria sofrer uma ameaça física, que só queria sair do frio e do vento. Wanda também pareceu muito afetada por assistir aquilo sem poder fazer nada, ainda mais que descobria um pouco mais de suas origens incertas e mutantes.

Poderia ser ela ali, e um dia até mesmo foi. Ela e seu irmão.

Uma sombra passou pela expressão de Bucky Barnes. Ele não fazia parte daquilo em carne e osso, pois assim como Steve Rogers, era apenas um garoto do Brooklyn. Apesar dos diversos experimentos e da lavagem cerebral, era um homem com um braço metálico, nada mais. No entanto, aqueles dois rapazes entraram na guerra justamente para lutar pela justiça, por pessoas que sofriam. Era natural que o fizessem novamente.

—  E ainda tem aquela garota. — Yelena retomou a conversa. —  Viagens, segredos. E pelo o que ela disse ali na cabine, demônios.

Bucky não tinha parado para refletir a fundo o que queria na vida, talvez porque tal escolha tenha lhe sido negada durante muitos anos. Há muito tempo, ele só queria vencer a guerra e voltar para casa. Seu lar já não era bem mais um lar, não depois de uns setenta anos.

Hoje só queria ficar bem. Melhorar das mazelas que a HYDRA implantou na sua cabeça. Seguir com sua amizade inquebrável com Steve, manter as que fizera recentemente com T’Challa e Shuri, Wanda, mesmo que isso significasse muitas outras coisas. Mesmo que significasse lutar por isso.

— Nenhum de nós está bem resolvido com a situação, Belova. Romanoff seguiu a linha da SHIELD, heroína pública. Enfrentou o Congresso. Você desapareceu. Eu… Eu estou tentando me manter estável e próximo dos meus amigos. Já tentei me manter afastado antes. Não deu certo.

— A vida nos tem trazido caminhos estranhos, não? Americano.

— De fato, Rooskaya.

Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa por ele também se recordar do termo que ocasionalmente usava para chamar suas pequenas bailarinas. Naquele instante, não eram somente conhecidos que sabiam demais dos horrores um do outro. Yelena realmente era a bailarina que se recusava a ter tudo tirado de si, a mulher brutalmente honesta e rude que teimava fazer as coisas certas. Bucky era um homem que seguia com um futuro incerto, alguém que compreendia e aceitava não só o próprio o passado quanto o de terceiros. Os dois estavam tentando se curar e Yelena afinal sentiu que tinha um aliado.

Uma voz automática ressoou no sistema de auto-falantes do trem, primeiro em russo e depois em inglês, alertando os passageiros que afinal tinham chegado ao seu destino.

— O trem está parando. Vamos ver se o resto está bem.

 

Uma vez que Wanda não estava em condições de manipular mentalmente os funcionários da estação, o grupo usou técnicas de se misturar na multidão para não despertarem desconfiança. Não tinham passagens, vistos, muito menos passaportes. De qualquer modo, a sorte estava do lado deles e passar na catraca foi facilitado quando um indivíduo próximo foi detido. Ninguém soube dizer o porque, se ele de fato fazia contrabando ou se era pelo simples fato dele ser de uma etnia diferente.

A Estação Moskovsky estava lotada como sempre. O teto da estação era alto e sua arquitetura predominantemente traduzia o estilo renascentista italiano, embora as expansões das reformas trouxessem outros aspectos de períodos e estilos diferentes. A massa de pessoas vestidas em trajes pesados e escuros contrastava com as cores pálidas de rosa e amarelo da iluminação interna, além das lojas que em nada harmonizavam com as pinturas no teto. Era claro onde terminava o clássico  e começavam os letreiros padronizados e coloridos dos cafés, restaurantes e lojinhas, uma mistura de cirílico e grafia ocidental.

Eles pareciam um grupo de mochileiros quase sem bagagem. Yelena liderava o caminho, pois conhecia a cidade de perto e sabia qual rumo pegar, enquanto Sam tentava distrair Wanda do susto anterior. Bucky e Steve caminhavam lado a lado.

Bucky não deixava de notar o quanto Falcão se sentia à vontade para abraçá-la de lado e rir de piadas que não eram engraçadas. Ao menos ele não achava engraçado. Wanda sorria e ele então se sentia culpado por não possuir tal poder de animá-la.

 

— Hey. — Steve segurou e apertou seu ombro direito, assim como o próprio Bucky fazia quando eles eram mais novos. Estavam mais para trás e o som da multidão abafava a conversa.

— Hey. — Ele não tirou os olhos de Wanda, até que percebeu que seu amigo encarava. Comprimiu os lábios, tentou disfarçar. A verdade é que doía pensar que Sam Wilson acreditara que James Barnes era o motivo do choro de Wanda, doía mais pensar que isso poderia ser verdade. Só algumas palavras e ele… Ele não era mais “Bucky”. Era uma máquina de matar.

— Não ligue para o Sam. Ele só… Hã, bem, não ligue pra ele. Ele vai superar. E Wanda gosta de você.

Bucky se fez de desentendido em vão. Steve Rogers tinha um maldito sorriso estampado no rosto, aquela expressão desgraçada de quem tudo sabia. Seguiram andando, o soldado com ar de falso distração, que nada convenceu seu amigo.

Para piorar o argumento, Wanda virou seu queixo para olhar por trás dos ombros como se procurasse algo. Ao encontrar a face de Bucky Barnes, sorriu e afinal voltou a olhar para frente. Ele tentou sorrir em resposta, sentindo um ponto acima do estômago derreter. Parecia ter levado uma bala no corpo.

— Acho legal. — Steve murmurou. —  Só vai com calma… Por você, sabe? E por ela. E, — Hesitou. — Hm, nada de fondue.

Fondue? O que diabos tem fondue?

Steve Rogers não se deu o trabalho de explicar enquanto saíam da Estação Moskovsky. Wanda parou uma vez, pegando algo que chamou sua atenção no chão. Era um panfleto surrado, um grande “M” vermelho estampado e alfabeto cirílico. Havia vários daqueles no piso e uma equipe limpava tal sujeira. Além do “M”, a convocação:

 

Homos superior, unam-se!

mutante & com orgulho

 

Ela dobrou aquilo depressa, enfiando o papel dentro do bolso da frente do casaco. Um funcionário da limpeza da Estação viu tal cena - sabia do que se tratava o panfleto - e a encarou com nojo. Wanda tentou não lhe dar atenção, ainda que temesse ser denunciada, por a missão em risco. O que mexia mais com sua cabeça, além de todos os motivos que tinha, era ver que cada vez mais os mutantes se organizavam para um levante á altura das medidas de segurança internacionais, segurança tal que impunha regras severas aos mutantes. Alguns países não tinham Ensino Público adequado para crianças mutantes, muito menos hospitais e medicamentos adequados. Políticas de integração no ambiente de trabalho eram facultativas e muitas vezes ignoradas. Livros educativos sobre a parcela crescente de mutantes eram desprezados, em países mais conservadores, queimados.

Diziam que os mutantes eram sinal do fim dos tempos. Apocalipse. Que faziam mal aos negócios. Deveriam ser segregados. Deveriam parar de procriar. Deveriam achar uma cura.

Wanda tinha medo, mas não queria pensar muito sobre isso. Será que criariam guetos para mutantes? Os marcariam com tatuagens no braço? Seus estabelecimentos comerciais seriam marcados, bem como suas roupas?

Se sentiu bem de ter destruído Sentinelas, embora não fosse o suficiente.

Ela já não compreendia mais suas relações familiares, sua tia, a tal Magda que ela conhecia… Mas não deixou de se lembrar do rosto anguloso de Magneto e como ele dissera “nunca mais”.

 

Pegaram um táxi fora, pois Belova dissera que os taxistas em frente a estacao de trem cobravam mais caro e eles não tinham dinheiro de sobra. O movimento era grande, mas não demorou para que afinal pegassem condução até o lugar seguro de Yelena Belova. Durante o trajeto, espremidos no carro, Wanda entrelaçou seus dedos com os da mão esquerda de Bucky como se aquilo nada mais significasse. Olhava para vidro do carro. Quem os encarasse ali, naquele momento, poderia dizer que tal coisa deveria ser corriqueira, banal.

Bucky queria que fosse.

O apartamento de Yelena ficava no centro de São Petersburgo, portanto não demorou para que afinal chegassem até o prédio histórico, de grandes janelas e muitas luminárias. Por ela ser uma espiã, Bucky esperava algo mais discreto… Porém, tratando-se de Belova, que tanto gostava dos tutus, purpurina e o Bolshoi, não estranhou que fosse parar em lugar de tão fino requinte que mais assemelhava-se a um hotel. O incrível foi ninguém te-los parado no saguão, ninguém ter lançado olhares para o grupo de aparência um tanto cansada e até mesmo ferida. Bucky não soube dizer se os outros os tomavam por mochileiros exaustos ou se aquele lugar escondia mais alguma coisa. Não era incomum recintos de alto padrão cobrarem muito e oferecerem privacidade total, ausência de quaisquer perguntas e ética. Soube apenas que aquele não era o momento para considerar tais coisas. A loira foi até o balcão da recepção, trocou algumas palavras e um sorriso com o recepcionista e afinal voltou com as chaves. Ele não pode deixar de reparar que no molho havia um chaveiro delicado, um laço de fita perolada e com brilhos, e tal coisa quase o fez sorrir. Ela era a mesma garota birrenta.

Subiram pelo elevador e logo estavam no quinto andar, apartamento 313.

— Podem ir tirando o casaco. Vou acender a lareira e pedir comida. Alguém tem alguma restrição alimentar ou algum pedido especial?

— Eu quero o hambúrguer mais gorduroso e americano que você tiver. Com camada extra de bacon.

Yelena franziu a testa, mas assentiu para Sam Wilson. Tinha se dirigido até uma mesa ao lado do sofá da sala, onde repousava um telefone vintage. O ambiente era uma mistura das cores cinza, preto, branco e creme, o que conferia um estilo neutro e aconchegante ao apartamento. Uma cortina pesada e elegante cobria as janelas e o sol poente lá fora, enquanto um tapete felpudo conferia o toque agradável na sala. Bucky percebeu que Wanda também encarava o tapete e divagou se ela tinha tanta vontade quanto ele de tirar as botas e colocar os pés descalços ali.

— Ok. Hambúrguer para Sam. Vou pedir dois. Rogers? Comida chinesa, tacos…?

— Sem preferência.

— Isso não ajudou em nada. — Ela deu de ombros. — Wanda? Barnes?

— Hm. — A Feiticeira disse timidamente. — Estamos na Rússia. Que tal comer algo típico? Algo que talvez você goste?

— Se você gostar muito de vegetais em conserva, sopas e carne processada, eu posso pedir para o supermercado entregar aqui.

— Peça borshch. E blini.

A sala ficou um tanto quieta pelas sugestões gastronômicas de James Barnes, mas afinal a espiã loira pediu hambúrgueres, borshch e blini o suficiente para quatro pessoas. O pedidos chegariam em meia hora, portanto cada um ocupou seu tempo em esticar as pernas e descansar da longa viagem que faziam há seis dias, dormindo em turnos e em vagões de trem.

Steve desabou no sofá, e a barba cheia somada ao cabelo desarrumado realmente o faziam parecer um mochileiro detonado pelo jet-lag. Yelena foi conferir seu equipamento de comunicação para depois entrarem em contato com Wakanda ou Natasha Romanoff, a Feiticeira Escarlate foi ajudá-la no escritório. Sam Wilson ficou a encarar o movimento das ruas de São Petersburgo pela janela, quase dormindo apoiado numa poltrona de leitura, e Bucky aproximou-se para também observar o fim de mais um dia. A neve do lado de fora cintilava pela luz dos postes, carros e anúncios, bem como o céu tinha também um brilho dourado. O soldado foi se apoiar na beirada da janela, porém sua mão tocou justamente no mecanismo da cortina - que se fechou de uma só vez e tampou o cenário que Samuel admirava.

— Sério, cara? — Ele olhou para cima lentamente, sem um sorriso no rosto. Bucky tentou ajeitar a cortina de volta depressa, sem sucesso. — Eu acho que te odeio.

Ele soltou um suspiro e parou de mexer na cortina.

— É, eu meio que me odeio também.

Silêncio. Sam franziu a testa e apertou os olhos, levantou-se da poltrona. Desviou de Bucky Barnes e afinal abriu a cortina pesada e deixou o vidro livre.

— Também não é assim, cara. Eu sou a única pessoa que pode te odiar.

O outro não respondeu.

— Veja, é pelo bacon. E também por ciúmes do Steve e da Wanda, eu acho. Talvez seja por causa do que houve anos atrás, mas… Eu não quero ouvir mais que você se odeia, ok? Não me faça ter essa conversa de novo contigo.

No sofá e como se dormisse, Steve Rogers abriu um sorriso.


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Notas finais do capítulo

*Yelena Belova é outra personagem por quem tenho carinho enorme. No cânone ela é mais nova do Natasha, mas aqui a fiz mais velha ~~ embora ainda tenha muitos problemas de autoestima e identificação pessoal. No original e nesta fic ela se compara muito com a Viúva Negra e também foi traída por ela. O destino dela nas HQs vai piorando sempre, tanto que não tive coragem de fazê-la sofrer mais.

*O objetivo de Magneto pareceria vazio se eu não colocasse um pouco mais de intriga mutante no decorrer do enredo. Não é o foco principal, mas porque não mostrar o preconceito contra mutantes na minha fic? É algo muito sério e que achei bem exemplificado no pouco que vi na série The Gifted.

*Será que Sam Wilson deixará sua birra contra Bucky Barnes? Hahah

*Borshch é a famosa sopa de beterraba russa.
*Blini é uma panqueca tradicional russa também.

*Rooskaya - "Pequena" - Yelena realmente era chamada assim nas HQs.

*Existem várias subcategorias de Mutantes na ficção. Não tenho muito espaço para explicar tudo muito didaticamente, mas posso disponibilizar sites que citem as diferenças caso queiram.

*Nada de fondue.

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.



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